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Princípio do Acertamento Judicial

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Agenda 17/04/2020 às 07:44

O princípio do acertamento judicial, tem por escopo conferir concretude aos princípios da economia processual e instrumentalidade, para que o processo seja utilizado como um verdadeiro meio para a busca da tão sonhada justiça.

1.     Introdução

Consoante ensinam os processualistas Cândido Rangel Dinamarco e Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes, o “novo Código de Processo Civil trata com muito zelo os princípios constitucionais do processo, contendo uma boa gama de disposições reafirmando esses princípios e impondo sua observância. Não só recomenda a sua observância logo a partir de seu art. 1º, como também, na disciplina dos institutos que o compõem, repete-se com bastante frequência na exigência dessa observância (notadamente com relação ao princípio do contraditório)”.[1]  Não se pode perder de vistas que o “due process of law não se restringe, portanto à mera garantia das formas processuais preconizadas pela Constituição, mas à própria substância do processo, que permite a efetiva aplicação das leis”.[2]

Com efeito, o Código de Processo Civil preceitua em seu artigo 8º que ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. Igualmente, o aplicador da norma jurídica processual deve prezar pela observância dos princípios da economia processual[3] e instrumentalidade das formas.

O primeiro princípio indica que todos os atos processuais devem ser praticados com o melhor desempenho de custo/benefício, o que significa afirmar que os atos processuais devem ser praticados com o aproveitamento que deles se esperam. O princípio da economia processual é muito importante para a ciência processual, uma vez que os protagonistas processuais – juiz, partes, intervenientes - perseguir ao máximo o resultado processual que é a realização do direito material, com o mínimo dispêndio de recurso e também de tempo.

Assim, conforme ensina Arruda Alvim: “Ainda no âmbito da instrumentalidade, dispõe o artigo 317 do CPC/2015: "antes de proferir decisão sem resolução de mérito, o juiz deverá conceder à parte oportunidade para, se possível, corrigir o vício". O dispositivo busca concretizar ao máximo a economia processual, permitindo o prosseguimento do processo até então defeituoso, ao propiciar a possibilidade de correção dos vícios existentes”[4], o que encontra correspondência nos ensinamentos de José Cretella Neto, que ressalta: “Entende-se facilmente, portanto, a razão do prestígio do princípio da economia processual, que é aquele que obriga a que o Poder judiciário faça atuar o Direito com maior eficácia e rapidez, mediante o emprego do mais reduzido número possível de atividades processuais. O processo tende a tornar-se mais abreviado mediante a reunião de toda a atividade processual na menor quantidade possível de atos, evitando-se, por conseguinte, a dispersão e a superposição das atividades jurisdicionais. São exemplos desse princípio a conexão de ações, a ação declaratória incidente, o litisconsórcio e outros institutos. Outra aplicação do princípio da economia processual é a situação para a qual, existindo duas ou mais possíveis soluções legais, deve ser adotada a de mais rápida e efetiva implementação, ou então, aquela que importar em menores encargos às partes” e que a “"Economia processual", no entanto, como adverte Vicente Greco Filho, "não quer dizer a supressão de atos previstos no modelo legal do procedimento, mas sim a escolha da alternativa menos onerosa, se mais de uma for legalmente admissível. Quando duas forem as soluções legais possíveis, deve ser adotada a que causar menos encargos às partes". E ainda, segundo afirma Alfredo Soveral Martins, "não se deve confundir esse princípio com qualquer mecanismo de celeridade processual. O processo contraditório, de cognição e decisão exige sempre tempo de exposição, de audição e de ponderação que não pode ser sacrificado, em nome de uma justiça acelerada, mas precipitada. Se a justiça é tardia comete-se uma injustiça, mas é necessário que o prazo seja razoável para que se alcance uma boa decisão".”[5]

O segundo princípio, de igual importância, está previsto no artigo 188 do diploma processual ao dispor que os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

Assim, o princípio da instrumentalidade das formas deve passar um valor de todo o sistema processual e que este “reside na capacidade, que tenha, de propiciar ao sujeito que tiver razão uma situação melhor do que aquela em que se encontrava antes do processo. Não basta o belo enunciado de uma sentença bem estruturada e portadora de afirmações inteiramente favoráveis ao sujeito quando o que ela dispõe não se projetar utilmente na vida deste, eliminando a insatisfação que o levou a litigar ou a resistir a uma pretensão de outro sujeito e propiciando-lhe sensações felizes pela obtenção da coisa ou da situação postulada. Na medida do que for praticamente possível, o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter, sob pena de carecer de utilidade e, portanto, de legitimidade social”.[6] O princípio da instrumentalidade processual sinaliza que o processo, como ferramenta para de aplicação das normas jurídicas não deve ser um fim em si mesmo.

O legislador consagrou, também, o princípio de que a decisão deve refletir o estado de fato e de direito no momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido. Tal preceito atende, portanto, tanto o princípio da economia processual quanto à instrumentalidade que se espera que os processos – judiciais e administrativos – devam ter e contam com a chancela do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como será visto.

 

2.     Princípio do Acertamento Judicial

Encontra-se em consolidação o princípio do acertamento judicial. Significa tal princípio exatamente isso: se a demanda judicial porventura tiver sido proposta sem o implemento de uma certa condição temporal, esse ficará atendido se vier a ser implementado no decorrer da tramitação do processo. Sobre o tema,  José Antônio Savaris, sob a ótica do direito previdenciário, afirma que a “conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito - observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado a momento posterior” e que “o acertamento determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como ela se apresenta no momento da sua entrega”.[7]

Tal princípio geralmente ocorre em processos onde se discute a matéria de usucapião[8] e em questões previdenciárias, mas pode perfeitamente ser utilizado em outras questões em que o decurso do tempo necessário para aferição de uma situação jurídica venha a ser implementada no curso do processo, mas antes de seu julgamento final.

Insta esclarecer que a aplicação do princípio do acertamento judicial não implica ofensa ao artigo 493 do Código de Processo Civil de 2015 que, diga-se, não autoriza modificação do pedido ou da causa de pedir. O fato superveniente – decurso do lapso temporal para implemento do suporte fático - deve estar atrelado/interligado à relação jurídica posta em juízo.  Assim, está se atendendo o princípio da economia processual e em nenhum momento o disposto no artigo 493 estará sendo violado[9], uma vez que “em nenhum momento se estará infringindo o art. 329 do NCPC (CPC de 1973, art. 294), pois não se está modificando o pedido, por meio de alegação nova, fundada em fato superveniente, e sim, de nova alegação de fato, justificada por sua superveniência”.[10]

Dessa feita, o fato superveniente a ser acolhido não ameaça a estabilidade do processo, pois não altera a causa de pedir e o pedido e tampouco o polo passivo ou ativo da demanda. De outro prisma, o Enunciado 631 do Fórum Permanente de Processualistas Civis aponta que “A existência de saneamento negocial ou compartilhado não afasta a incidência do art. 493”.

Não pode ser esquecido que o processo civil previdenciário é dotado de peculiaridades que devem ser consideradas tendo em vista que, por meio dele, busca-se a efetividade de um direito material que é de natureza fundamental, que é a subsistência vital, por meio do qual se busca o recebimento de benefícios ou serviços previdenciários.  Não se pode ignorar que muitos dos segurados, ao postularem a aposentadoria, seguem trabalhando até o trânsito em julgado da decisão, fato que tem o condão de enriquecer a situação previdenciária, diferenciando-a do momento da data de entrada do requerimento, seja administrativo ou judicial.

O fato superveniente constitutivo do direito, que influencia o julgamento do mérito, previsto no artigo 493 do CPC do Código de Processo Civil de 2015, portanto, não implica em inovação processual vedada pelo ordenamento jurídico. Vale ressaltar que o fato superveniente ao ajuizamento da ação não é desconhecido da autarquia seguradora - INSS, pois é sabido que ela possui cadastro de registros das contribuições previdenciárias, tempo de serviço, idade de seus segurados e sabe perfeitamente da veracidade das informações que interessam ao feito e também com acompanhamento legislativo permanente.

De outro lado, a Lei 6830/1980, conhecida como Lei de Execução Fiscal, preceitua em seu artigo 2º, parágrafo 8º que até a decisão de primeira instância, a Certidão de Dívida Ativa poderá ser emendada ou substituída, assegurada ao executado a devolução do prazo para embargos. Seria, portanto, uma forma de acertamento judicial sem colocar em risco os princípios processuais. Nesse contexto, a Súmula 392/STJ dispõe: que a “Fazenda pode substituir CDA para corrigir erro material ou formal sem mudar sujeito passivo”. Aqui, mais uma vez, faz-se presente o princípio do acertamento judicial, tão caro à economia e instrumentalidade processuais e em especial porque inexistente qualquer tipo de prejuízo às partes processuais.[11]

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O princípio do acertamento judicial não se mostra aplicável quanto à apresentação de documentos que necessariamente devam ser apresentados na inicial, por imposição do disposto no artigo 320/CPC para a finalidade se fazer prova pre-constituída, por exemplo, da titularidade da propriedade imobiliária para fins de ação reivindicatória, impetração de mandado de segurança (salvo na hipótese de que os documentos se encontrem em poder da autoridade coatora ou de terceiros) ou de violação a direito de marca.[12]

Sobre os documentos necessários para o aforamento de demanda judicial – o que afastaria a aplicação do princípio do acertamento judicial - a doutrina ensina que “a petição inicial deve vir acompanhada dos documentos indispensáveis à propositura da ação. Não se pode confundir documentos indispensáveis à propositura da ação com documentos indispensáveis à vitória do autor. No primeiro caso (que é a previsão do art. 320), tem-se os documentos indispensáveis para que uma ação judicial seja proposta, como procuração (art. 287, CPC/2015), salvo se for para praticar ato urgente ou para evitar perecimento do direito (art. 104, CPC/2015), ou se o autor estiver advogando em causa própria (art. 103, parágrafo único), certidão de casamento na ação de divórcio, atestado de óbito na ação de inventário etc. Documentos indispensáveis à vitória do autor são as provas que o demandante deve juntar para demonstrar a existência do seu direito”.[13] Também se mostra inaplicável o princípio do acertamento judicial em sede de recursos de natureza extraordinária, em razão da necessidade premente de atendimento ao prequestionamento.[14]

Com efeito, quanto à primeira situação – usucapião – a doutrina de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Roselvand têm a mesma orientação, no sentido de que "se o prazo for complementado no curso da lide, entendemos que o juiz deverá sentenciar no estado em que o processo se encontra, recepcionando o fato constitutivo do direito superveniente, prestigiando a efetividade processual, a teor do art. 462 do Código de Processo Civil. É de se compreender que a prestação jurisdicional deverá ser concedida de acordo com a situação dos fatos no momento da sentença, em homenagem aos princípios da instrumentalidade do processo e da economia processual. Aliás, este mesmo raciocínio, às avessas, aplica-se aos casos em que o autor da ação de usucapião completou o prazo exigido em lei ao tempo do ajuizamento da demanda, porém, ao longo do processo abandona o imóvel, sendo que no momento da sentença a quebra da posse já havia alcançado mais de dez anos. Em simetria ao que defendemos, incidirá o art. 462 do Código de Processo Civil para que seja julgada a demanda em consonância ao estado atual dos fatos, o que acarretará o provimento de improcedência da pretensão do autor”[15].   

Corrobora com tal proceder o fato de que a citação em demanda possessória julgada improcedente, ou, ainda, ao ser extinta sem resolução de mérito, não interrompe o prazo para aquisição do imóvel pela usucapião. Nesse sentido, inter allios: RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas - 8ª edição. Rio de Janeiro/RJ : Editora Forense, 2016, p. 275; CARNACCHIONI, Daniel Eduardo. Curso de Direito Civil - Direitos Reais. São Paulo/SP : Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 224.

A referida linha de raciocínio é confirmada pelo Enunciado 497 da V Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho de Justiça Federal, consoante "o prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor".  Isso se dá porque "a citação feita ao proprietário na ação de usucapião não se insere dentre as causas interruptivas da usucapião[16]. Ademais, a jurisprudência vem se firmando que não é qualquer ação de resistência do proprietário que é apta a configurar a interrupção da prescrição aquisitiva. Exclui-se, por exemplo, a ação possessória julgada improcedente STJ, 4ª Turma, REsp 149.186/RS, Relator: Ministro Fernando Gonçalves, julgamento: 4/11/2003, DJ 19/12/2003. Com efeito, o artigo 202, inciso I, do Código Civil foi instituído em proveito daquele a quem o prazo da usucapião prejudicaria apenas nas ações por ele ajuizadas, mas não aquelas contra ele promovidas. Daí a necessidade de se outorgar eficácia jurídica ao fato superveniente, pois a lide mudou de configuração no seu curso".[17]

 

3.     Jurisprudência

A propósito do princípio do acertamento judicial, esse era o entendimento do Supremo Tribunal Federal e também é o dos seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça sufragaram tal entendimento:

"Prescrição aquisitiva. - Pretendida interrupção do prazo pela citação em ação possessória julgada improcedente. - Julgado que decide que, rejeitada a demanda, a citação não tem efeito interruptivo. - Interpretação razoável, sem negativa de vigência de lei. - Divergência não demonstrada. - Recurso extraordinário não conhecido." STF, 1ª Turma, RE 77.298, Relator: Ministro Rodrigues Alckmin, julgado em 10/12/1974, DJ 11/4/1975.

CIVIL - USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO – PRAZO. Para efeito de usucapião extraordinário, é inadmissível o cômputo do prazo posterior ao ajuizamento da demanda até a prolação da sentença. Recurso não conhecido.” STJ, 3ª Turma, REsp 61.218/SP, Relator: Ministro Castro Filho, DJ 17/11/2003.

"Civil. Usucapião. Prescrição. Contestação. I. - A contestação na ação de usucapião não pode ser erigida à oposição prevista em lei, não tendo o condão de interromper, só por si, o prazo da prescrição aquisitiva. II. - Comprovada a posse desde o ano de 1947, sem que fosse intentada qualquer medida judicial ou extrajudicial para desalojar os possuidores, é de ser reconhecido o direito ao usucapião pretendido. III. - Recurso especial conhecido e provido." STJ, 3ª Turma, REsp 234.240/SC, Relator: Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, julgado em 2/12/2004, DJ 11/4/2005.

"PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ATOS POSTERIORES AO FALECIMENTO DE UM DOS ADVOGADOS DA PARTE. AUSÊNCIA DE NULIDADE - NÃO SUSPENSÃO DO PROCESSO - INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO - USUCAPIÃO - CITAÇÃO DO POSSUIDOR EM AÇÃO POSSESSÓRIA IMPROCEDENTE - EFEITO INTERRUPTIVO - AUSÊNCIA. I- Por sua própria teleologia, o Código de Processo Civil rechaça o reconhecimento de eventual nulidade, se dela não resultou prejuízo às partes. Vigora, no sistema processual, o princípio pas de nulitté sans grief. Nesse sentido, a declaração de nulidade de qualquer ato processual requer a efetiva demonstração do prejuízo sofrido, bem como, em se tratando de nulidade relativa, a brevidade na sua comunicação, sob pena de convalidação, em face da preclusão temporal e consumativa. II- No caso em exame, inviável o reconhecimento da nulidade de todos os atos praticados durante o processamento do acórdão rescindendo, sob o argumento de que um dos causídicos havia falecido, pois a defesa técnica manteve-se hígida com a presença de outro advogado.III- A teor da reiterada jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, a ação possessória cujo pedido fora julgado improcedente não interrompe o prazo para a aquisição da propriedade por usucapião. Pedido rescisório julgado improcedente." STF, 2ª Seção, AR 440/SP, Relator: Ministro Castro Filho, julgado em 24/8/2005, DJ 3/10/2005.

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. USUCAPIÃO SUSCITADA EM DEFESA. AÇÃO POSSESSÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. EFEITO INTERRUPTIVO. AUSÊNCIA. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS INTEGRANTES DA SEGUNDA SEÇÃO. 1. Segundo a jurisprudência dominante desta Corte, a citação promovida em ação possessória julgada improcedente não interrompe o prazo para a aquisição da propriedade pela usucapião.2. Agravo regimental não provido." STJ, 3ª Turma, AgRgREsp 944.661/MG, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 13/8/2013, DJe 20/8/2013.

AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. VALORAÇÃO E NECESSIDADE DA PROVA. PERSUASÃO RACIONAL. SÚMULA 7/STJ. QUALIDADE DA POSSE. PRECARIEDADE. NÃO RECONHECIMENTO. REEXAME DE PROVAS. CONTESTAÇÃO NA PRÓPRIA AÇÃO DE USUCAPIÃO. INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. No sistema de persuasão racional adotado pelo Código de Processo Civil nos arts. 130 e 131, em regra, não cabe compelir o magistrado a autorizar a produção desta ou daquela prova, se por outros meios estiver convencido da verdade dos fatos, tendo em vista que o juiz é o destinatário final da prova, a quem cabe a análise da conveniência e necessidade da sua produção. Por outro lado, o exame acerca da necessidade da realização da prova pretendida pelo recorrente demandaria revolvimento das circunstâncias fáticas dos autos, providência vedada pela Súmula 7/STJ. Precedentes. 2. O acórdão recorrido afastou a tese de defesa referente à posse precária, que seria resultante de comodato verbal, o que constituiria, se reconhecida fosse, mera detenção inábil à prescrição aquisitiva. Com efeito, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo não se desfaz sem incursão no acervo probatório, providência vedada pela Súmula 7/STJ. 3. A contestação apresentada na ação de usucapião não é apta a interromper o prazo da prescrição aquisitiva e nem consubstancia resistência ao afastamento da mansidão da posse. Precedentes. Ademais, não haveria como se ter por interrompida uma prescrição que já se consumou. 4. Agravo regimental não provido.” STJ, 4ª Turma, AgRgAREsp 180.559/RS, Relator: Ministro Luís Felipe Salomão, julgado em 17/12/2013, DJe 3/2/2014.

 

Em 2018, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial repetitivo, novamente admitiu que o tempo que resta para a contagem do lapso do tempo total prescrição aquisitiva pode ser aproveitado na tramitação do processo judicial se a ação tiver sido julgada após o implemento temporal. Confira-se:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. PRAZO. IMPLEMENTAÇÃO. CURSO DA DEMANDA. POSSIBILIDADE. FATO SUPERVENIENTE. ART. 462 DO CPC/1973. CONTESTAÇÃO. INTERRUPÇÃO DA POSSE. INEXISTÊNCIA. ASSISTENTE SIMPLES. ART. 50 DO CPC/1973. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se é possível o reconhecimento da usucapião de bem imóvel na hipótese em que o requisito temporal (prazo para usucapir) previsto em lei é implementado no curso da demanda. 3. A decisão deve refletir o estado de fato e de direito no momento de julgar a demanda, desde que guarde pertinência com a causa de pedir e com o pedido. Precedentes. 4. O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, em conformidade com o disposto no art. 462 do CPC/1973 (correspondente ao art. 493 do CPC/2015). 5. A contestação não tem a capacidade de exprimir a resistência do demandado à posse exercida pelo autor, mas apenas a sua discordância com a aquisição do imóvel pela usucapião. 6. A interrupção do prazo da prescrição aquisitiva somente poderia ocorrer na hipótese em que o proprietário do imóvel usucapiendo conseguisse reaver a posse para si. Precedentes. 7. Na hipótese, havendo o transcurso do lapso vintenário na data da prolação da sentença e sendo reconhecido pelo tribunal de origem que estão presentes todos os demais requisitos da usucapião, deve ser julgado procedente o pedido autoral. 8. O assistente simples recebe o processo no estado em que se encontra, não podendo requerer a produção de provas e a reabertura da fase instrutória nesta via recursal (art. 50 do CPC/1973). Precedente. 9. Recurso especial provido.” STJ, 3ª Turma, REsp 1361226/MG, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 5/6/2018, DJe 9/8/2018.

 

            Mas não é só na hipótese de usucapião que o princípio do acertamento judicial pode ser realizado. Também em matéria previdenciária o princípio vem sendo utilizado, pois “no que se refere ao cômputo de tempo de contribuição no curso da demanda, a Primeira Turma do STJ, ao apreciar situação semelhante à hipótese dos autos, concluiu ser possível a consideração de contribuições posteriores ao requerimento administrativo e ao ajuizamento da ação, reafirmando a DER para a data de implemento das contribuições necessárias à concessão do benefício”.[18]  Igualmente pode ser visto nos acórdãos abaixo reproduzidos:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 203 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. HIPOSSUFICIÊNCIA. AFERIÇÃO. RENDA PER CAPITA. GRUPO FAMILIAR. DEFINIÇÃO. ART. 20, § 1.º, DA LEI N.º 8.742/93, C.C. ART. 16 DA LEI N.º 8.213/91. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. FATO SUPERVENIENTE. CONSIDERAÇÃO. ART. 462 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ALTERAÇÃO TRAZIDA PELA LEI N.º 12.435/11. INCLUSÃO DE NOVOS COMPONENTES PARA A COMPOSIÇÃO DO GRUPO FAMILIAR. RETORNO DOS AUTOS À CORTE DE ORIGEM. NECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Para a concessão do benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, regulamentado pela Lei n.º 8.742/93, é necessário o preenchimento dos requisitos legais indispensáveis, quais sejam, a pessoa deve ser portadora de deficiência ou idosa, comprovando não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. 2. In casu, o Tribunal de origem entendeu não preenchido requisito essencial à concessão do benefício de prestação continuada, qual seja, a hipossuficiência, uma vez que, incluindo os rendimentos da filha maior e do neto da pleiteante, que coabitam sob o mesmo teto, a renda per capita auferida afastaria a situação de precariedade social. 3. No que diz respeito àqueles que integram o grupo familiar - para fins de concessão do benefício assistencial -, o art. 20, § 1.º, da Lei n.º 8.742/93 faz remissão ao art. 16 da Lei n.º 8.213/91, o qual não enumera os filhos e os netos entre as pessoas que o compõe, ainda que esses vivam sob o mesmo teto do postulante ao benefício. 4. De acordo com a regra inserta no art. 462 do Código de Processo Civil, o fato constitutivo, modificativo ou extintivo de direito, superveniente à propositura da ação deve ser levado em consideração, de ofício ou a requerimento das partes, pelo julgador, uma vez que a lide deve ser composta como ela se apresenta no momento da entrega da prestação jurisdicional. 5. A partir da vigência da Lei n.º 12.435/11, passou a existir, no direito positivo, a necessidade de se incluir, no cálculo da renda per capita do grupo familiar, os rendimentos percebidos pelos filhos solteiros, desde que vivam sob o mesmo teto daquele que requer o benefício assistencial. 6. As instâncias ordinárias, responsáveis pela realização de qualquer dilação probatória que se faça necessária, devem proceder exaustiva análise acerca do preenchimento, ou não, dos pressupostos exigidos na legislação pertinente à concessão do benefício assistencial, levando em consideração as alterações da Lei n.º 12.435/11. 7. Recurso especial conhecido e parcialmente provido.” STJ, 5ª Turma, REsp 1.147.200/RS, Relatora: Ministra Laurita Vaz, julgado em  13/11/2012, DJe 23/11/2012.

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO POSTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. REAFIRMAÇÃO DA DER PARA O MOMENTO DE IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. SOBRESTAMENTO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA QUE SE AGUARDE O JULGAMENTO DO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA, NOS TERMOS DOS ARTS. 1.040 E 1.041 DO CPC/2015. 1. No caso dos autos, a matéria controvertida no presente recurso - possibilidade de considerar o tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação, reafirmando-se a data de entrada do requerimento (DER) para o momento de implementação dos requisitos para a concessão de benefício previdenciário - teve sua repercussão geral admitida pelo Colegiado da Primeira Seção do STJ nos autos dos REsps 1.727.063; 1.727.064 e 1.727.069 (Tema 995). 2. Consolidado na jurisprudência do STJ que "em razão da afetação do tema em discussão ao rito dos recursos especiais repetitivos, de rigor o retorno dos autos à origem, onde ficarão sobrestados até a publicação dos acórdãos a serem proferidos no julgamento dos noticiados recursos representativos da controvérsia, nos termos dos arts. 1.040 e 1.041 do CPC/2015". 3. Outrossim, em tal circunstância, deve ser prestigiado o escopo perseguido na legislação processual (Lei 11.672/2008), isto é, a criação de mecanismo que oportunize às instâncias de origem o juízo de retratação na forma do art. 543-C, § 7º, e 543-B, § 3º, do CPC; e 1040 e seguintes do CPC/2015, conforme o caso. 4. Agravo Interno provido, determinando-se a devolução dos autos à Corte de origem para o respectivo sobrestamento feito até a solução do Tema.” STJ, 2ª Turma, AgIntREsp 1776349/RS, Relator: Ministro Herman Benjamin, julgado em 5/9/2019, DJe 11/10/2019.

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO POSTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. REAFIRMAÇÃO DA DER PARA O MOMENTO DE IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ART. 1.022 DO CPC/2015. OMISSÃO CONFIGURADA. MATÉRIA SUBMETIDA AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. SOBRESTAMENTO. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS AO TRIBUNAL DE ORIGEM PARA QUE SE AGUARDE O JULGAMENTO DO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA, NOS TERMOS DOS ARTS. 1.040 E 1.041 DO CPC/2015. 1. Nos termos do que dispõe o artigo 1.022 do CPC/2015, cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão de ponto ou questão sobre a qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento, bem como para corrigir erro material. 2. No caso dos autos, a matéria controvertida no presente recurso - possibilidade de se considerar o tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação, reafirmando-se a data de entrada do requerimento (DER) para o momento de implementação dos requisitos necessários à concessão de benefício previdenciário - teve sua repercussão geral admitida pelo Colegiado da Primeira Seção do STJ nos autos dos REsps 1.727.063; 1.727.064 e 1.727.069 (Tema 995). 3. Consolidado na jurisprudência desta Corte que "em razão da afetação do tema em discussão ao rito dos recursos especiais repetitivos, de rigor o retorno dos autos à origem, onde ficarão sobrestados até a publicação dos acórdãos a serem proferidos no julgamento dos noticiados recursos representativos da controvérsia, nos termos dos arts. 1.040 e 1.041 do CPC/2015." (EDcl no AgInt no REsp 1.478.016/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 6/4/2018), 4. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para determinar o cancelamento das decisões anteriores e a restituição dos autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.” STJ, 1ª Turma, EDclEDclAgIntREsp 1603744/RS, Relator: Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 9/4/2019, DJe 11/4/2019.

            Já em recurso especial repetitivo, o Superior Tribunal de Justiça assim decidiu:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um liame com a causa de pedir. 2. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual. 3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário. 4. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. 5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo. 6. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de declaração a fls. 351/356, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso com afastamento da multa, admitindo-se a reafirmação da DER. Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos.” STJ, 1ª Seção, REsp 1727064/SP, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, julgado em 23/10/2019, DJe 2/12/2019.

 Conclusões

            Ante o exposto, conclui-se que o princípio do acertamento judicial, sem revelar violação ao disposto no artigo 493 do Código de Processo Civil vem dar concretude aos princípios da economia processual e instrumentalidade, para que o processo seja utilizado como um verdadeiro meio para a satisfação de um direito material e não como um fim em si mesmo. Em suma, se demanda judicial – ou requerimento administrativo - porventura tiver sido proposta sem o implemento de uma certa condição temporal, esse ficará atendido se vier a ser implementado no decorrer da tramitação do processo, ainda que em sede recursal ordinária, em razão do julgamento conforme o estado do processo.

 

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Sobre o autor
Horácio Eduardo Gomes Vale

Advogado Público em Brasília (DF).

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