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Inconstitucionalidade da taxa de registro de arma de fogo

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Agenda 07/04/2006 às 00:00

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Taxa de registro de arma de fogo X efeito de confisco – 3. Não correspondência dos valores das taxas com os custos do serviço prestado – 4. Taxa de registro de arma e extrafiscalidade – 5. Conclusão.


RESUMO

            Com o advento do denominado Estatuto do Desarmamento, houve uma majoração no valor da taxa cobrada para registro de arma de fogo, elevando-a para um patamar inaceitável. Além disso, foi criada a necessidade de renovação do registro a cada três anos, sendo exigido nesse ato taxa de mesmo valor que o cobrado para o registro da arma. O valor das taxas aludidas, entretanto, foi estabelecido em um nível extremamente elevado, chegando às raias do confisco, esbarrando, destarte, na vedação constitucional contida no artigo 150, IV, da Constituição Federal, que proíbe a instituição de tributos com efeito de confisco.

            Palavras-chave: Registro de armas. Taxa. Confisco. Inconstitucionalidade.


1 – INTRODUÇÃO

            No dia 23/12/2003, foi publicada no Diário Oficial da União a Lei 10.826/2003, a qual entrou em vigor na mesma data.

            Tal lei, conhecida como "Estatuto do Desarmamento", em seu artigo 11, instituiu a cobrança de taxas relativas ao registro de arma de fogo, renovação de registro de arma de fogo, expedição de segunda via de registro de arma de fogo, expedição de porte federal de arma de fogo, renovação de porte de arma de fogo e expedição de segunda via de porte federal de arma de fogo.

            Os valores das mencionadas taxas encontram-se discriminados no anexo da mencionada lei. As taxas de registro, renovação do registro e da expedição de segunda via do registro foram estabelecidas em trezentos reais.

            Ocorre que os valores das mencionadas taxas são de tal forma elevados que possuem efeito de confisco sobre a arma levada a registro, conforme abaixo será explanado com maiores detalhes. Portanto, tal norma é inconstitucional, por ferir o princípio insculpido no artigo 150, IV, da Constituição Federal.

            Ademais, por não guardar relação com o custo do serviço, acabou-se por criar, ao invés de taxa, uma forma teratológica de imposto, também inconstitucional, por não se encontrar previsto dentre a competência residual da União.


2 – TAXA DE REGISTRO DE ARMA DE FOGO X EFEITO DE CONFISCO.

            Dispõe o artigo 150, IV, da Constituição Federal que é vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios utilizar tributos com efeito de confisco, ou seja, "impede que, a pretexto de cobrar tributos, se aposse o Estado dos bens do indivíduo" [01].

            A Constituição, ao estabelecer tal vedação, utilizou o termo "tributo", o qual engloba não somente os impostos, mas também as taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições sociais de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

            Não há qualquer dúvida de que taxa seja uma modalidade de tributo, tanto que ela se encontra enumerada no artigo 145, II, da Constituição Federal, sendo despiciendo maiores digressões a respeito. Em sendo a taxa uma modalidade de tributo, ela não pode ser instituída de tal forma que acabe por ser instrumento de confisco, pois isto agride, de forma inaceitável, o artigo 150, IV, da Constituição.

            Confiscar, segundo LUCIANO AMARO [02], significa tomar para o Fisco, desapossar alguém de seus bens, em proveito do Estado. A proibição de instituição de tributo com efeito de confisco ocorre em virtude de a Constituição garantir o direito de propriedade (artigo 5º, XXII, e artigo 170, II), coibindo o confisco, ao estabelecer a prévia e justa indenização nos casos em que se autoriza a desapropriação (artigo 5º, XXIV; artigo182, §§ 3º e 4º; artigo. 184).

            Vale observar que a Constituição não fala em "confisco", mas vai mais além, proibindo a instituição de tributo "com efeito de confisco", o que tem maior amplitude que a singela vedação do confisco tributário, pois não é necessária a total supressão da propriedade para que tal proibição constitucional incida, bastando a restrição desarrazoada do exercício do direito de propriedade. Assim, muito antes que haja a supressão da propriedade pelo tributo, já é possível detectar o efeito confiscatório, vedado constitucionalmente [03].

            Manoel Gonçalves Ferreira Filho leciona que,

            Em sentido estrito, há confisco sempre que o proprietário de um bem o perde, em benefício do Poder Público, sem a justa indenização. A isso se opõe de modo insofismável o artigo 5º, XXII e, sobretudo, XXIV da Constituição. Em sentido lato, há confisco toda vez que o proprietário perde parte substancial do valor de um bem, em proveito do Poder Público, evidentemente sem indenização justa. É o que pode fazer o tributo, que exige do proprietário de um bem o pagamento de quantia relativamente elevada em relação ao seu valor, praticamente o toma de seu dono [04].

            Não há qualquer dúvida que, diante dos valores elevados das taxas de registro, renovação de registro e expedição de segunda via do registro, o valor da arma será perdido em muito pouco tempo. Não se deve perder de vista que existem armas que custam, novas, até mesmo menos que quinhentos reais, como é o caso de espingardas. Armas usadas podem custar até mesmo menos que tal valor, enquanto as armas mais caras vendidas normalmente em lojas possuem preços que variam entre mil e quinhentos reais a dois mil reais, como é o caso das pistolas Taurus.

            Muito embora a doutrina, de forma unânime, assevere que não há fórmula matemática para concluir que determinado tributo possui, ou não, efeito de confisco, sendo o conceito de confisco de difícil definição, não é menos certo que, igualmente, os doutrinadores são unânimes ao dissertar que isso não impede que o judiciário venha a declarar a inconstitucionalidade de determinado tributo, por ferir o princípio que veda a instituição de tributo com efeito de confisco.

            Ora, o valor das mencionadas taxas em muitos casos é igual ou superior ao próprio valor do bem levado a registro, restando evidente seu efeito confiscatório.

            Ademais, a União, na sua incontrolável voracidade de arrecadar tributos, instituiu a necessidade de renovação do registro da arma, sendo que a renovação deverá ser feita de três em três anos, sendo que, por ocasião da renovação, será exigida novamente a taxa exorbitante de trezentos reais.

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            Logo, bastam algumas poucas renovações do registro para que o proprietário pague a título de taxa valor superior ao da arma.

            Analisando a questão sob outro prisma, também se conclui que a União, ao instituir tais taxas, teve o evidente propósito de confiscar as armas de fogo de origem lícita.

            A saber, a simples análise da Lei 10.826/03, de seu regulamento (Decreto nº 5.123/04) e da Portaria nº 364/2004-DG/DPF, de 14 de julho de 2004 (a qual estipulou os valores das indenizações pelas armas entregues ao Estado) demonstra, à evidência, que os valores das taxas não foram criados com o objetivo de cobrir as despesas da administração com a prestação dos serviços relacionados com o registro, renovação ou emissão de segunda via de registro de arma, mas sim com o objetivo de obrigar o proprietário de armas a se desfazer delas, e a entregá-las ao Estado sem a justa e prévia indenização, afrontando com isso não só o princípio constitucional do não confisco, como também o princípio previsto no artigo 5º, XXIV, o qual assegura que um bem somente será desapropriado por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização, em dinheiro.

            Senão vejamos:

            A par de todas as limitações relativas à compra, venda, porte etc. de armas em nosso País, a Lei 10.826/03 instituiu taxa abusiva para registro de arma de fogo, no valor de trezentos reais. E, não contente com isso, o legislador criou, ainda, a obrigação de renovação do registro, a cada três anos, instituindo a taxa de trezentos reais para a simples renovação do registro.

            Ao mesmo tempo, a Lei 10.826/04, em seu artigo 30 e 31, estabeleceu que os proprietários de armas poderão "entregá-las" à Polícia Federal, mediante recibo e indenização, nos termos do regulamento. Até o dia 23 de outubro de 2005, tanto armas registradas como armas sem registro podiam ser entregues, recebendo a indenização. Após essa data, somente as armas registradas podem ser entregues.

            Os valores das indenizações pelas armas entregues à Polícia Federal encontram-se disciplinadas na Portaria 364/2004-DG/DPF, de 14 de julho de 2004. Não se deve perder de vista que os valores das indenizações pela entrega das armas variam de cem reais a trezentos reais, ou seja, a maior indenização é exatamente igual ao valor da taxa de registro.

            Pois bem, ao mesmo tempo em que a União criou taxas de valores elevados, estabeleceu valores irrisórios de indenização, especialmente em relação a armas novas. Isso, por si só, já demonstra o caráter confiscatório das taxas previstas na Lei 10.826/03, pois ao instituir taxas tão elevadas, acaba-se obrigando o proprietário da arma a entregá-la ao Estado por um valor abaixo ao de mercado. O maior valor pago pelo Estado a título de indenização pela entrega de uma arma é exatamente o valor da taxa de um simples registro. E os maiores valores pagos a título de indenização referem-se a armas de calibre restrito, às quais a população não tem acesso de forma lícita. Os revólveres, as pistolas, as espingardas são indenizados com apenas cem reais, ou seja, um terço do valor da taxa de registro, renovação do registro ou da expedição de segunda via do registro de arma de fogo. Em síntese, o Estado cobra do contribuinte a quantia de trezentos reais para simplesmente emitir um registro de uma arma, forçando-o a desfazer do bem, porém, indeniza essa mesma arma com a irrisória quantia de cem reais [05].

            José Ruben Marone, ao discorrer sobre o princípio da vedação ao confisco, disserta que "é vedada a exacerbação fiscal para um aviltamento do direito de propriedade" [06]. Por sua vez, Marilene Talarico Martins Rodrigues leciona que "o tributo tem efeito de confisco quando é de tal forma oneroso ao contribuinte que importa violação do seu direito de propriedade" [07]. No caso em tela, é inegável que os valores das taxas afetam diretamente o direito de propriedade, aniquilando-o. Assim, não há como negar que tais taxas possuem efeito de confisco.

            A propósito, Ives Gandra da Silva Martins, sobre a proibição do confisco, sabiamente discorreu que,

            Assegura também a Lei Suprema que a propriedade não poderá ser retirada sem justa e prévia indenização, qualquer que seja, mesmo aquela que não cumpra a sua função social. O não-cumprimento de sua função social torna a propriedade urbana ou rural sujeita a penalidade, mas não ao confisco (...) O confisco, portanto, ultrapassa os limites tributários. Tributação que atinge a propriedade inviabilizando a justa indenização, é inadmissível. Desta forma, por confisco deve-se entender toda a violação ao direito de propriedade dos bens materiais e imateriais, retirando do indivíduo sem justa e prévia indenização, não podendo a imposição servir de disfarce para não o configurar [08].

            Tomando carona na última frase acima transcrita, não há como negar que a União instituiu taxas com o nítido propósito de desapropriar o cidadão, sem pagar-lhe a justa e prévia indenização, intenção essa que sequer tentou encobrir com primor, pois a simples leitura da Portaria 364/2004-DG/DPF revela que a indenização que a União está pagando pelas armas é irrisória, longe da realidade, portanto, o imbróglio taxa-indenização revela o caráter confiscatório da primeira. A taxa não passou de um artifício para forçar o proprietário de armas a entregá-la sem receber a justa indenização.


3 – Não correspondência dos valores das taxas com os custos do serviço prestado.

            Já foi exposto acima que as taxas de registro, renovação de registro e expedição de segunda via do registro de arma de fogo são exorbitantes, a ponto de caracterizar o confisco vedado constitucionalmente.

            Mas não é só esse vício que tais taxas possuem. Elas não atendem a função tributária normal das taxas, qual seja: remunerar a administração pública em razão de um serviço prestado a uma pessoa, serviço esse divisível e específico.

            Não há como afirmar que para o simples registro de uma arma a União tenha um custo de trezentos reais, afinal, o registro nada mais é que a conferência de dados contidos em um formulário e de alguns documentos, com a inserção dos dados em um sistema informatizado e posterior impressão do documento de registro. No caso de expedição de segunda via do registro, sequer há a necessidade de digitação dos dados da arma e do proprietário, uma vez que tais dados já estarão inseridos no sistema, bastando a simples impressão de novo documento. Logo, o custo da emissão da segunda via do registro é presumivelmente próximo ao gasto com o papel utilizado para a impressão e a tinta da impressora – nada mais.

            Como bem salientou o ilustre constitucionalista Celso Ribeiro Bastos, "a taxa cobrada há de manter correspondência com o custo do serviço prestado – é o chamado caráter indenizatório, segundo o qual fica proibido ao Estado de valer-se das taxas como forma de auferir receitas não ligadas ao serviço prestado" [09].

            No mesmo sentido, o eminente tributarista Hugo de Brito Machado lecionou que,

            Embora não se disponha de critério para o exato dimensionamento da maioria das taxas, especialmente daquelas cujo fato gerador é o exercício do poder de polícia, é razoável o entendimento pelo qual o valor da taxa há de ser relacionado ao custo da atividade estatal à qual se vincula. A não ser assim, a taxa poderia terminar sendo verdadeiro imposto, na medida em que o seu valor fosse muito superior a esse custo [10].

            E prosseguiu afirmando que,

            Realmente, a especificidade da taxa reside em que seu fato gerador é uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte. Essa idéia de vinculação do fato gerador da taxa a uma atividade estatal específica restaria inteiramente inútil se pudesse o legislador estabelecer critério para a determinação do valor da taxa desvinculado totalmente do custo da atividade estatal à qual diz respeito. A diferença entre taxa e imposto seria simplesmente de palavras [11].

            E, pondo um ponto final na questão, o ínclito tributarista arremata afirmando que,

            Assim, portanto, o valor da taxa, seja fixado diretamente pela lei, seja estabelecido em função de algum critério naquela estabelecido, há de estar sempre relacionado com a atividade estatal específica que lhe constitui o fato gerador. Nada justifica uma taxa cuja arrecadação total em determinado período ultrapasse significativamente o custo da atividade estatal que lhe permite existir [12].

            Acrescente-se a isso que Celso Ribeiro Bastos, ao tecer comentários sobre taxa e capacidade contributiva, com muita lucidez aduziu que:

            As taxas, como já vimos, atrelam-se a uma atividade cuja prática pelo Estado é pressuposto necessário da sua cobrança. Portanto, ao seu montante deve guardar correspondência com o custo dessa atividade. No entretanto, é reconhecido o fato de que esse cálculo não é fácil de ser feito. Daí falarem os autores no princípio da razoabilidade, o que significa dizer que, embora aceita uma fixação um tanto discricionária, esta, contudo, não pode, de forma alguma, exorbitar do tipo e da quantidade de trabalho que o contribuinte, no fundo, está contraprestando [13].

            Os valores das taxas criadas pela Lei 10.826/03 sequer passam de raspão ao razoável, vez que são extremamente exorbitantes. Afinal, tais valores não mantêm relação com o custo dispendido pelo Estado. Parece de meridiana clareza o fato de que a simples inserção, após a conferência de alguns poucos documentos, de meia dúzia de dados em um sistema informatizado não pode custar ao Estado o desmedido valor de trezentos reais. Insta salientar que, embora para o registro da arma o adquirente tenha que se submeter a exame psicológico e comprovar capacidade técnica, o Estado não fornecerá tais serviços, sendo que o interessado deverá pagar o exame psicológico e o teste de capacidade técnica, cabendo ao Estado apenas verificar se foram atendidos os requisitos previstos no artigo 4º da Lei 10.826/03 e proceder ao registro da arma, inserindo em um sistema informatizado os dados da arma e do proprietário, só isso, e nada mais do que isso.

            Por outro lado, o registro da arma não envolve qualquer tipo de fiscalização. Ao se registrar a arma, o órgão responsável pelo registro não vai até a residência do comprador verificar se a arma existe, qual o seu estado de conservação, se está guardada fora do alcance de crianças, se a casa é segura, a fim de evitar furtos etc. Apenas registra-se. Não há custos adicionais para a União. E em relação à emissão de segunda via do registro, em que sequer os dados devem ser digitados, pois já cadastrados, a simples impressão do documento jamais poderia custar a quantia de trezentos reais.

            Salta aos olhos o fato de que as taxas são escandalosamente desproporcionais aos custos dispendidos pelo Estado. São absurdas, instituídas com o nítido propósito de obrigar o proprietário da arma a desfazer-se dela, entregando-a ao Estado sem que haja justa e prévia indenização, ou seja, confiscando-a.

            Um dos maiores tributaristas pátrios, Sacha Calmon, com perspicácia ímpar, abordou, como nenhum outro, o problema trazido à colação. Eis o magistério do ínclito jurista:

            Isto posto, uma taxa exorbitante, desmedida em relação ao serviço ou ato prestado, pode ser contestada com esforço no princípio do não-confisco, que é princípio de contenção ao poder do legislador sobre tributos. Imagine-se a cobrança de uma taxa de expediente pelo fornecimento de passaporte em valor superior ao que despenderia o contribuinte com a viagem ao exterior. Estar-se-ia confiscando o seu dinheiro (propriedade lato sensu) e ferindo o direito de ir e vir, o de entrar e sair do país com os seus bens, direitos de radicação constitucional. Oportuna a aplicação do princípio às taxas, por isso que a prestação tributária dessa exação, em grande parte, oferece rebeldia a critérios objetivos de medição, sendo fixada, freqüentemente, a forfait, isto é, aleatoriamente: por certidão de bens antecedentes, 20 dinheiros, por alvará, duzentos mil-réis, etc. Difícil mensurar o custo dos serviços. Aqui precisamente o domínio da razoabilidade. A desrazão pode descambar para o confisco. Este é vedado pela Constituição quando se perfaz pelo exercício abusivo da competência legislativa tributária. Já não se disse que o poder de tributar envolve o poder de destruir? [14]

            Sob outro ângulo, também é possível verificar que as taxas mencionadas são desproporcionais ao custo do serviço prestado. Comparando-se os valores de tais taxas com a taxa cobrada por serviço até mais oneroso que o registro de uma arma ficará ainda mais cristalino as afirmações feitas até o presente momento. Senão vejamos: o passaporte brasileiro é expedido pela Polícia Federal, tal qual o registro de arma de fogo (o SINARM faz parte da Polícia Federal). Tal documento para a sua emissão também necessita da apresentação de documentos, os quais necessitam ser conferidos (tal como no registro da arma) e que exige o cadastramento dos dados do titular do passaporte em um sistema informatizado (tal qual o registro da arma). Entretanto, para sua expedição é cobrada a taxa no valor de R$ 89,71 (oitenta e nove reais e setenta e um centavos), valor este muito abaixo do valor cobrado para o registro, renovação de registro e emissão de segunda via do registro de arma. Mora aí uma grade incongruência: o passaporte, que é emitido pelo mesmo órgão que emite o registro de arma (Polícia Federal), e cuja emissão possui grau de dificuldade igual ou superior ao registro da arma, e cujo documento final certamente possui custo superior, pois o passaporte consiste em uma caderneta, com diversas folhas, enquanto o registro é um documento tão simples como o certificado de alistamento militar, custa quase quatro vezes menos que o registro! (exatamente 3,34 vezes menos, ou seja, com o valor de um único registro a União consegue emitir 3,34 passaportes).

            Por aí, bem se vê que não são razoáveis os valores das taxas instituídas pela Lei 10.826/03, pois não é possível que serviços tão semelhantes tenham um custo tão diferente. Ora, se a taxa de emissão de passaporte, custando quase quatro vezes menos que a emissão de registro da arma, cobre o custo da emissão de tal documento, não há como justificar um valor tão elevado para o simples registro.

            Parece óbvio que a taxa instituída não guarda qualquer relação com o custo do serviço, ferindo o próprio conceito de taxa e, especialmente, o direito de propriedade, pois, como já afirmado, o valores das taxas consumirão o valor do bem levado a registro em espaço muito curto de tempo, possuindo, assim, efeito de confisco.

            Ademais, por não guardar relação com o custo do serviço, acabou-se por criar, ao invés de taxa, uma forma teratológica de imposto, também inconstitucional, por não se encontrar previsto dentre a competência residual da União. Isto porque taxa deve estar atrelada ao valor dispendido pelo órgão público para concretizar um serviço público específico e divisível, não podendo o valor da taxa converter-se em fonte de recursos para outras finalidades. A principal diferença entre taxa e imposto reside justamente no fato de as taxas consistirem em uma contraprestação por um serviço específico e divisível prestado ao contribuinte, enquanto imposto é imposição legal que independe de atuação estatal, sendo que os serviços públicos difusos devem ter seus custos cobertos por impostos e não por taxas.

            Nesse sentido é o magistral ensinamento de Celso Ribeiro Bastos: "é muito importante, nas taxas, o elemento base de cálculo, dado possuir ele um caráter determinante do quantum devido. Não sendo a base de cálculo bem escolhida, desaparece a figura da taxa para, em seu lugar, surgir a do imposto." [15]

Sobre o autor
Júnior A. Taglialenha

delegado de Polícia Federal em Três Lagoas (MS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAGLIALENHA, Júnior A.. Inconstitucionalidade da taxa de registro de arma de fogo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1010, 7 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8193. Acesso em: 24 nov. 2024.

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