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UM CASO ENVOLVENDO CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHAS

Agenda 07/05/2020 às 10:30

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A QUESTÃO DA CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHAS DIANTE DE CASO CONCRETO.

UM CASO ENVOLVENDO CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHAS

Rogério Tadeu Romano

I – O FATO

Informou o portal TV 347 que “Integrantes da ala militar do governo Jair Bolsonaro avaliaram como um “desrespeito” a possibilidade de condução coercitiva, autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, caso os ministros Augusto Heleno, Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos, citados pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em seu depoimento à Polícia Federal, se recusarem a depor no inquérito que apura interferência política de Bolsonaro na instituição.  Segundo reportagem do blog da jornalista Andréia Sadi, os ministros avaliam reagir publicamente contra Celso de Mello.”

Por conta do artigo 411 do Código de Processo Civil de 1973, se observa que, na linha do disposto no Código de Processo Civil português, há um tratamento especial às chamadas pessoas egrégias, que poderão ser inquiridas em suas residências ou onde exercem sua função. Por outro lado, os militares e os funcionários públicos, por força dos misteres que exercem e leis que os regulam, estão sujeitos à especial disciplina de outras autoridades das quais dependem para poder retirar-se do seu posto ou repartição(artigo 412, § 2º, do Código de Processo Civil). 

II – CONDUÇÃO COERCITIVA DE TESTEMUNHAS

Prevista no Código de Processo Penal Brasileiro (CPP), a condução coercitiva é considerada, de acordo com alguns juristas, uma espécie de “prisão cautelar” de curta duração.

Tal expressão é utilizada pois o indivíduo sob condução coercitiva é obrigado a acompanhar os policiais ao departamento de polícia para prestar esclarecimentos sobre determinado assunto, com o objetivo de produzir provas sobre a investigação.

Conforme prevê o artigo 218 do Código de Processo Penal Brasileiro, a condução coercitiva só é legitima quando é precedida de uma intimação prévia. Quando este método é aplicado sem a intimação, configura-se como uma violação do direito de liberdade da testemunha ou do indiciado.

Porém, caso o indivíduo receba a intimação, mas não compareça ou justifique a sua ausência, a condução coercitiva está livre para ser utilizada. As autoridades policiais podem algemar e conduzir o intimado em viatura policial a força, caso seja necessário.

Na verdade, ninguém está acima da lei dentro de um princípio democrático por excelência que é o princípio republicano.

Indagação se faz com relação à condução coercitiva da testemunha no Inquérito Policial.

A esse respeito tem-se a lição de Paulo Rangel(Direito Processual Penal, São Paulo, ed. Atlas, 20ª edição, pág. 151) quando indaga: “Qual a providência que deve adotar a autoridade policial quando, no curso do inquérito, desejar ouvir uma testemunha que se recusa a comparecer para ser ouvida: Aplica-se o art. 218 do CPP? Ou seja, pode a autoridade policial conduzir coercitivamente a testemunha utilizando esse dispositivo, analogicamente?”. Por certo, que a resposta seria não.

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Realmente, a resposta negativa se impõe para a pergunta. As regras restritivas de direito não comportam interpretação extensiva ou analógica; a duas, a condução coercitiva da testemunha implica a violação de seu domicílio, conduta proibida pela Constituição da República.

Deve a autoridade policial representar ao juiz competente, demonstrando o periculum in mora e o fumus boni iuris, a fim de que o juiz conceda a medida cautelar necessária.

Mas se a condução coercitiva já é determinada pela autoridade judicial nos termos da Lei nº 8.038/90?

A testemunha devidamente intimada, tem o dever de comparecer ao juízo no local, dia e hora designados, e caso não compareça nem justifique a ausência, poderá ser conduzida coercitivamente e multada(de 1 a 10 salários mínimos por previsão do artigo 458 combinado com o artigo 436, § 2º do CPP, alterados pela Lei nº 11.689/08); responsabilizado pelo crime de desobediência além do pagamento das custas da diligência para trazê-la coercitivamente(artigo 219 do CPP). Para a incidência do crime de desobediência, além da ausência injustificada, é necessária previsão expressa nesse sentido, o que é dado pelos artigos 219 e 458 do CPP.

Para Guilherme de Souza Nucci(Código de processo penal comentado, 10ª edição, pág. 515), ninguém se exime de colaborar com o Poder Judiciário, razão pela qual, se foi a testemunha intimada a tempo e pessoalmente, não pode deixar de comparecer para ser ouvida. Ausente, sem razão plausível – o que pode ser verificado ulteriormente e, em casos excepcionais, no mesmo ato, quando a testemunha faz chegar ao juiz, antes da data da oitiva, os motivos de sua ausência -, pode o magistrado requisitar ou determinar que seja requisitado a sua apresentação à autoridade policial que o conduza coercitivamente para depor.

A testemunha tem compromisso com a verdade sob pena de incorrer em crime de falso testemunho.

O STF vedou a possibilidade de condução coercitiva de investigados, que, ao final da persecução penal, podem vir a suportar os efeitos de uma sentença condenatória, com mais razão é preciso admitir que a condução coercitiva de testemunhas deve observar os estritos termos do art. 218 do CPP.

Por essa razão não há sentido em desconhecer ou se insurgir contra a aplicação da lei, que serve para todos.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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