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A atividade investigatória do Ministério Público

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Agenda 08/05/2020 às 16:50

INVIABILIDADE DAS INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS PRESIDIDAS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Observadas os principais argumentos legais e doutrinários legitimando as investigações criminais presididas pelo Parquet, é necessário analisar em conjunto as opiniões divergentes.

A segunda corrente a ser estudada, é a que prega pela impossibilidade da investigação criminal por parte do Ministério Público, a qual possui o entendimento de que o titular da ação penal atuante, ou seja, o promotor de justiça (ou procurador da república), não possa assumir a postura de órgão investigatório, substituindo a polícia judiciária que é constitucionalmente incumbida de tais obrigações.

Tal afirmação é existente no âmbito jurídico, apesar da vigência da Súmula nº 234 do Superior Tribunal de Justiça, que é clara quando consolida que “a participação de membro do Ministério Público na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia”. Aliás, para se afirmar algo diferente, necessário seria a inclusão de uma tal proibição no artigo 258 do Código de Processo Penal.

Outrossim, no mesmo sentido é o posicionamento do Ministério Público do Estado de São Paulo, consoante seu recente enunciado de nº 15 PGJ-CGMP (O membro do Ministério Público que tenha atuado na fase de investigação, inclusive na presidência de procedimento investigatório criminal, pode atuar na fase de instrução e julgamento, preservado o princípio do promotor natural).

Pertinente neste momento observar tal mandamento constitucional, presente no artigo 144, § 1º, incisos I e IV e § 4º, in verbis:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

(...)

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (g. n.)

Inicialmente, na esfera federal, a Carta Política incumbiu a Polícia Federal à função de polícia judiciária, que, como visto no artigo 4º do Estatuto de Processual Penal, terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.

Quanto aos estados federados, a mesma Lei Maior deixou a cargo das polícias civis a função de polícia judiciária.

Nos dispositivos constitucionais supracitados, referentes ao capítulo dedicado à Segurança Pública, visualizamos as missões depositadas na Polícia Federal e nas Polícias Estaduais, de fazer os trabalhos de polícia judiciária, e assim realizar investigações criminais.

Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa constatam que a liberação da investigação presidida pelo Ministério Público cria mais problemas do que resolve, sendo que o simples direcionamento da Suprema Corte de que a investigação respeite os direitos garantidos pela Constituição, o devido processo legal e a razoável duração do processo, se mostram insuficientes para legitimação dessa investigação.

O problema que surge então é o de como vai ser realizada essa investigação e como será sua relação com as atividades propriamente ditas da polícia judiciária.

As dúvidas vão desde como ocorreriam investigações em paralelo entre os dois órgãos, se deveria o inquisitório ministerial seguir as mesmas regras reservadas ao inquérito policial presentes no Código de Processo Penal, entre outras questões de nevrálgica importância, que não deveriam habilitar o Ministério Público a investigar antes de resolvidas.

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Os professores ressaltam a necessidade de edição de uma lei própria, considerando que, em regimes democráticos, todo poder precisa ser condicionado e demarcado:

Considerando a gravidade e importância de uma investigação criminal, não é aconselhável dispensar a reserva de lei, por elementar. O caos se potencializa e em nome da necessidade da investigação, criamos uma Investigação de Exceção, ao gosto dos investigadores públicos. É fundamental definir o objeto da investigação preliminar e os limites da cognição, para termos uma fase pré-processual verdadeiramente sumária (e jamais plenária, como se converteu na prática).

No mesmo sentido se manifesta Eliomar da Silva Pereira (pág. 26), para quem:

Perda da força normativa da Constituição. Com isso, contudo, não tem ocorrido apenas uma distribuição do Poder Legislativo, mas também uma perda da força normativa da Constituição, cujas disposições são amiúde deixadas de lado, por oportunidade e conveniências administrativas. Pontualmente, devemos ter em conta aqui as disposições constitucionais sobre competência para legislar sobre processo penal, a considerar que cada vez mais resoluções do CNMP, que trata do procedimento de investigação criminal, efetivamente o que fazem é dispor da competência legislativa, desconsiderando-a em favor de um poder feudalizado num órgão.

Prosseguindo nos argumentos contrários a essa função ministerial, quanto à expressividade da Constituição Federal, o Desembargador paulista Nucci cita a possibilidade de o Ministério Público elaborar inquérito civil, como disposto no artigo 129, inciso III, já reproduzido anteriormente, ressaltando não haver disposição semelhante acerca da realização de inquérito criminal. Portanto, a promotoria/procuradoria estaria atuando como seu polícia fosse, fugindo de sua atribuição constitucional de controlador externo da atividade policial.

Nucci também sustenta que o poder dado pela Constituição vigente ao Parquet para requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial, demonstra, na verdade, que ele próprio não possui atribuição parar instaurar procedimento investigatório criminal, mas sim para requerer tais atuações ao órgão competente.

Uma preocupação existente, nos casos de investigação criminal, é quanto à imparcialidade do membro do Parquet, citado por Nucci, Sérgio Marcos de Morais Pitombo dispõe que:

(...) Dirigir a investigação e a instrução preparatória, no sistema vigorante, pode comprometer a imparcialidade. Desponta o risco da procura orientada de prova, para alicerçar certo propósito, antes estabelecido; com abandono, até, do que interessa ao envolvido. Imparcialidade viciada desatende à justiça.

Do lado contrário, utilizam da teoria dos poderes implícitos para legitimar a investigação criminal conduzida pelo Ministério Público, já que ganhou da ordem constitucional a titularidade da acusação pública, podendo fazer, dessa forma, o necessário para tornar esse mandamento realidade, conduzindo investigações que levariam a uma eventual denúncia.

Entretanto, tal interpretação dessa teoria tratar-se-ia de um entendimento errôneo, segundo o Delegado Bruno Taufner Zanotti.

O professor defende tal argumento baseando-se primeiramente na origem da teoria dos poderes implícitos. A Suprema Corte Americana, em julgamento processo judicial de McCulloch Vs Estado de Maryland, no ano de 1819, sustentou que a constituição explicitamente dá poderes, e ao mesmo tempo, daria implicitamente mecanismos necessários para alcançar os fins explícitos.

Entretanto, esses poderes implícitos abrangeriam somente o que não estivesse explicitamente previsto para outro órgão. E no caso de haverem poderes expressos semelhantes ou que se invalidassem, deveriam ser compatibilizados em cada caso, no momento de suas aplicações.

Voltando à análise ao proposto neste artigo, não poderia então o Ministério Público utilizar-se da teoria dos poderes implícitos para realizar suas próprias investigações criminais, em vista que a Carta Magna deixou expressamente tal poder inquisitivo nas mãos da polícia judiciária, nos termos de seu artigo 144, §1º, inciso IV, e § 4º.

O citado autor finaliza seu entendimento solidificando a impossibilidade de investigações conduzidas pelo MP:

Pode-se concluir que a atribuição investigativa criminal não foi implicitamente conferida ao Ministério Público, tanto que a Constituição Federal não estruturou o Parquet como um órgão investigativo, por não ser essa a sua finalidade constitucional. O Ministério Público não possui investigadores, que analisem os fatos in loco, não é estruturado com servidores para cumprir mandados de busca e apreensão ou mesmo para efetuar uma interceptação telefônica, tendo sempre que pedir auxílio à Polícia Militar, Polícia Civil ou Oficiais de Justiça, o que deixa evidente a fragilidade de sua estrutura.

Nada obstante, com a devida vênia, alguns Ministérios Públicos como, verbi gratia, o do Estado de São Paulo, possuem o cargo de Agente de Promotoria, ao qual compete, dentre outras atribuições, as de “efetuar diligências para localização de pessoas; efetuar diligências e pesquisas para a obtenção de dados de interesse do Ministério Público do Estado de São Paulo; empreender medidas que propiciem conhecimentos sobre fatos e situações de interesse do Ministério Público do Estado de São Paulo; proteger informações sigilosas produzidas, recebidas ou armazenadas; oferecer proteção a membros do Ministério Público, sem prejuízo, quando o caso, da atuação da Assessoria Militar do Procurador-Geral de Justiça; analisar informações provenientes das várias áreas de atuação do Ministério Público; desempenhar outras atividades correlatas, conforme a necessidade dos serviços, determinadas pelas autoridades superiores”.

Logo, não prospera, pelo menos nesses Estados-membros, a alegação de que o Parquet não é estruturado com servidores para auxiliar em seus procedimentos investigatórios criminais.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve por fim apresentar os diversos argumentos que giram em torno dos limites do poder investigatório do Ministério Público, em especial os dispositivos da Constituição Federal, bem como os do Código de Processo Penal, além das leis orgânicas da instituição e a resolução do Conselho Nacional do Ministério Público.

O correto é a possibilidade de atuação do Ministério Público em suas requisições sempre que o interesse público o exigir, pois que a notitia criminis pode chegar primeiro ao conhecimento do Parquet, sem dano para a atuação da Polícia Judiciária, mesmo porque a Lei Maior não atribui com exclusividade a função de apuração de infrações penais às Polícias Civis como pretendem alguns, mas apenas com exclusividade a função de polícia judiciária da União à Polícia Federal, conforme se depreende do artigo 144, § 4º, da Lex Legum, e tampouco vedou a participação do Ministério Público nessa função. Neste mesmo parágrafo, constata-se que o constituinte originário separou as funções de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, sendo que, se aquela for função exclusiva, com certeza esta não, cabendo a outras autoridades também o exercício dessa atribuição, como certamente acontece, como nas investigações da Receita Federal, do Banco do Brasil, da Comissão de Valores Mobiliários, da Agência Brasileira de Inteligência, das Comissões Parlamentares de Inquérito e do próprio Ministério Público. Inclusive, o legislador, não apenas uma única vez, separou a função de polícia judiciária da de apuração de infrações penais, tanto assim o fez no artigo 4º do Código de Processo Penal.

Aliás, não podemos olvidar a regra hermenêutica de que os parágrafos (e incisos) devem ser interpretados de acordo com o caput.

O próprio Código de Processo Penal, sem seu artigo 4º, parágrafo único, previu que outras autoridades também se incumbiriam da função investigativa. Ainda, em seu artigo 12, considerou o inquérito policial dispensável à propositura da denúncia ou da queixa-crime, seguindo a inteligência do artigo 4º. Não quer dizer que o inquérito policial seja peça meramente informativa, mas que será utilizado quando servir de base à ação penal.

Sendo o Ministério Público o titular da pretensão acusatória, nada mais lógico do que conferir, de acordo com a teoria dos poderes implícitos, os meios para que ele alcance o fim almejado, qual seja, a formação de sua opinio delicti para a propositura da ação penal, sempre em busca da verdade alcançável. Não ter o Ministério Público essa possibilidade seria, em comparação, o mesmo que suprimir os poderes instrutórios residuais do juiz na fase processual (RHC nº 58186/RJ).

O papel conferido a instituição do Ministério Público na Constituição Federal de 1988 em muito se difere do papel a ele atribuído em Constituições anteriores, sendo que, para atingir seus misteres constitucionais em sintonia com o princípio constitucional da eficiência (previsto no art. 37, caput, da CF), deve-se dar aos dispositivos constitucionais uma interpretação que lhes de a máxima efetividade, ou seja, no sentido de possibilitar ao órgão ministerial atuação direta e independente, para que seja viabilizado o exercício constitucional da promoção da ação penal pública, relembrando, sempre com respeito à Constituição e às leis.

Obviamente, não se abraça nesse trabalho a qualificação que alguns doutrinadores dão ao inquérito policial de "mero" procedimento administrativo. Seria o mesmo que dizer "mera" sindicância investigatória, no âmbito da apuração de responsabilidade dos agentes públicos, o que configura uma impropriedade, haja vista sua função preservadora de direitos fundamentais (além da função preparatória da ação penal). Entretanto, não vamos ao extremo de considerar a existência de um "princípio defensório" no âmbito do apuratório, transformando a Delegacia de Polícia em autentica Vara Judicial.

O inquérito policial é de suma importância, pois pode comprovar não só a autoria e a materialidade, como pode comprovar que não existem índicios da pratica delitiva, evitando os transtornos pelos quais poderia passar um inocente com o longo trâmite processual (strepitus judicii).

Finalmente, os que alegam não haver legislação regulamentando o tema desconhecem o teor dos artigos 8º da Lei Complementar Federal nº 75/93 e 26 da Lei Federal nº 8.625/93, além da Resolução n.º 171/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (essas resoluções foram consideradas atos normativos primários na ADI nº 4263/DF), amparadas pela presunção de constitucionalidade das leis.

Ademais, em nada viola o sistema acusatório a realização de diligências investigatórias pelo Ministério Público, sistema esse expressamente reconhecido pela Lei Federal nº 13.964/2019 (o processo penal, e não o inquérito policial, terá estrutura acusatória), sistema esse que diz apenas que deve haver a separação entre as funções de acusar, defender e julgar (actum trium personarum).

A corrente doutrinária que diz que deve haver a separação entre as funções de investigar e acusar não diz respeito ao sistema acusatório, mas a pretensão dos Delegados de Polícia de valorizar sua carreira. Ora, qualquer autor ou legitimado, em uma demanda, precisa reunir elementos de prova para a propositura de sua ação, e não poderia seria diferente com o Parquet.

Nesse diapasão, recentemente, o Tribunal Constitucional, na ADI 6852/DF, confirmou a constitucionalidade do poder requisitório das Defensorias Públicas, o que configura mais um meio de obtenção de provas pelas partes do processo, em atenção ao sistema acusatório constitucional.

Malgrado, referida discussão, no nosso entender, encontra-se superada, pois, se o próprio Poder Judiciário pode realizar investigações criminais (inquérito - nº 4781 - das fake news), conforme ficou decidido na ADPF nº 572, quiçá o titular da ação penal pública.

Sobre o autor
Celso Bruno Abdalla Tormena

Criminólogo e Mestrando em Direito. Procurador Municipal.

Informações sobre o texto

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