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A nova competência da Justiça do Trabalho e a questão dos honorários advocatícios:

cabimento e executoriedade

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Agenda 15/04/2006 às 00:00

I – Generalidades.

A historicidade das normas tem demonstrado a confiança do legislador constitucional na operabilidade da Justiça do Trabalho. Tanto assim o é que a mesma vem sendo fortalecida com matérias que, anteriormente, refugiam ao seu átrio competencial.

Exemplo do assercionado acima fora o surgimento do antigo § 3º do art. 114 da Lei Maior [01], com a redação que lhe fora emprestada pela EC nº. 20/98, segundo o qual a Justiça Laboral passou a executar, de ofício, as contribuições previdenciárias – o que, aliás, tem sido um sucesso. [02]

Hodiernamente, com o advento da EC nº. 45/04, restaram adicionadas nove casuísticas ao atual art. 114, da Lei Mater, trazendo, de modo irrefutável, o desejo de que o princípio da unidade de juízo se corporifique na Justiça do Trabalho, quanto aos litígios que tenham afinidade com esta temática. Neste artigo, sem pretensão de esgotar o assunto, tratar-se-á da contextualização do novel vocábulo "relações de trabalho" e as lides daí emergentes com o temário da incidência da verba honorária, que antes era banida da justiça especializada por força do jus postulandi,bem como a forma de excuti-los.


II – Da abrangência e da exegese do art. 114, I, da Carta da República.

Principia-se com a dicção do texto constitucional, no tanto que interessa, verbis: "Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004 – grifou-se)"

Nota-se, claramente, que a locução da norma é relação de trabalho, e não vínculo empregatício, o que, por si só, já entremostra que houve dilargação da competência.

A esse respeito, trazem-se à baila conclusões provenientes de encontros de magistrados trabalhistas realizados em Salvador e Belém, com o fito de discutir a nova competência da Justiça do Trabalho, assim vazados: "COMPETÊNCIA. Critério de definição. A subordinação jurídica não mais define a competência da Justiça do Trabalho, que passou a abranger todas as espécies de contratos de atividade." (Carta de Salvador; destacou-se); "COMPETÊNCIA TRABALHISTA. Contratos e relações afins à relação de emprego. Os contratos de atividade e afins, tais como os de empreitada, prestação de serviços, representação comercial, parceria, sociedade e mandato, bem como o trabalho eventual, constituem matéria de competência da Justiça do Trabalho." (Carta de Belém; sublinhou-se).

O que vem sendo sufragado pela doutrina de nomeada, verbo ad verbum: "Vale dizer: se não se cuida de litígio que surge propriamente da relação de consumo, mas da relação de trabalho que nela se contém, regulada pelo Direito Civil, não atino para a razão de descartar-se a competência da Justiça do Trabalho. (...) A estrita vinculação do novel art. 114 inc. I da CF/88 às lides ‘oriundas da relação de trabalho’ bastaria para ser o fator determinante em si do reconhecimento da competência material da Justiça do Trabalho para muito além do dissídio individual entre empregado e empregador. O vocábulo ‘relação’, do ponto de vista filosófico, indica ‘o modo de ser ou comportar-se dos objetos entre si’. No tocante ao trabalho humano, seja subordinado, seja autônomo, acha-se ‘relacionado’ de diferentes modos, visto que notoriamente pode ser objeto de distintas relações jurídicas, contratuais, ou não, entre as quais: relação jurídica estatutária entre servidor público e o Estado, contrato de emprego, contrato de empreitada, contrato de prestação de serviços, contrato de parceria, contrato de representação mercantil, etc. Por isso, no plano do Direito Privado, reportam-se alguns doutrinadores aos contratos, denominando-os genericamente ‘contratos de atividade’". [03]; e "Conforme ensinamento de Maurício Godinho Delgado, a expressão relação de trabalho tem caráter genérico: ‘refere-se a todas as relações jurídicas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada em labor humano. Refere-se, pois, a toda modalidade de contratação de trabalho humano modernamente admissível’. Assim, a expressão trabalho abrangeria a expressão emprego, e, também assim, com a expressão, trabalhador em relação a expressão empregado. A relação de trabalho, então, englobaria a relação de emprego e todas as demais modalidades de obrigação de fazer ‘consubstanciadas em labor humano’, tais como: o trabalho autônomo; o trabalho eventual; o avulso, etc..." [04]

Assim sendo, como não poderia deixar de ser, surgiram cinco interpretações sobre o texto constitucional em epígrafe, resumíveis desta forma:

a) corrente ampliativa: qualquer que seja a modalidade que envolva o desempenho da energia humana em prol de outrem, isto é, que dê ensanchas a um trabalho humano, surgindo conflito de interesses, seria solvido pela Justiça do Trabalho. Nessa esteira, até as relações de consumo haveriam de aportar-se para sua dilucidação, no pálio de tal estrutura de poder;

b) teoria restritiva: neste viés, embora esteja grafado no texto constitucional "relação de trabalho", em verdade, nada de substancial teria se alterado, porque, em sendo essa Justiça especializada voltada à pessoa do empregado, somente onde este estivesse envolvido, seria sua competência dirimir os virtuais dissídios;

c) proposição de que a competência da Justiça do Trabalho somente se daria nas obrigações de trato sucessivo, de modo que, por exemplo, a prestação de um labor recebido ou a ser percebido, em um só momento, se existente eventual divergência, não seria processada neste órgão do Poder Judiciário;

d) hermenêutica que entrevê a competência da Justiça do Trabalho, tão-somente em relações jurídicas onde se tenham um ato de subordinação, de modo que, sob este enfoque, a pretensão de um autônomo que tenha trabalhado para outrem, por exemplo, não seria alvo da Justiça obreira;

e) ponderação eclética: onde se lê relação de trabalho, com um espectro constitucional, ou seja, procurando emprestar-lhe sua máxima eficácia [05], sem, no entanto, abeirar-se do exagero de que conflitos de consumo sejam compostos em tal Especializada – porque a Lei nº 8.078/90 é de índole especial e, como sabido, não visa, em última análise, à pessoa do trabalhador, mas sim à figura do consumidor; mais que isso, tal extensão atrairia para a Justiça do Trabalho um sem-fim de situações que em nada se afinizam com o dispêndio da energia humana, tais como vícios de produto, dentre outras pretensões.

Feitas estas considerações, haverá de ser posto à mesa outro enfoque, qual seja, o de que a Justiça do Trabalho, se abarrotada de feitos, tornar-se-á tão ordinária quanto tem sido a realidade da Justiça Estadual, de regra. Se isto se der, quem sairá, sobremaneira, prejudicado é a pessoa do empregado, porque as audiências de conciliação, de instrução, os atos processuais em si, serão protraídos no tempo de forma que a verba de caráter alimentar, de que o salário é por demais representativo, poderia ser parafraseada com a cognominação de falimentar!

Finaliza-se este tópico com a noção clara de que um dos primeiros problemas sensíveis do Poder Judiciário brasileiro, quanto à morosidade – e este assunto é de vastíssimo conhecimento no mundo europeu também [06] – é um ínfimo número de magistrados e servidores para uma pletora de jurisdicionados [07]. Ademais, o Poder Judiciário, como um todo, não alcança, como despesa, cifra superior a 1% do PIB e, mesmo assim, o Poder Executivo não tem se preocupado – e nem vai se importar, porque é o maior litigante – com dotação orçamentária mais adequada a ele que, infelizmente, sempre fica com chapéu à mão, como se de esmola carecesse.


III – Das lides encartadas no inciso I, do art. 114, da Constituição Federal - a percepção da verba honorária e suas diversas angulações.

Quanto aos litígios afetos à relação de emprego, no sentido próprio do termo (art. 3º, da CLT), a jurisprudência é remansosa de que não cabem honorários advocatícios, a menos que se trate de parte assistida por ente sindical [08], sob o argumento de que o jus postulandi afastaria a obrigatoriedade da aplicação do princípio da sucumbência.

Contudo, não podemos deixar de emprestar distinta consideração ao inovador e respeitável pensamento do magistrado laboral matogrossense, André Araújo Molina, o qual, a esse respeito, conclui que: "... com a edição da Emenda Constitucional nº. 45/2004 tal situação se agravou mais ainda: primeiro pelo fato do ‘jus postulandi’ só ser legalmente facultado aos empregados e empregadores, deixando fora deste permissivo os trabalhadores não-subordinados, imensa maioria composta por informais, que nada obstante sejam mais precarizados que os empregados formais, não tem acesso à faculdade de litigar sem patrocínio de advogado. (...)Um segundo fato que merece destaque é que inúmeras contradições processuais poderão surgir fruto da nova competência, tal como na hipótese do trabalhador litigar sem patrocínio de advogado, vindicando como pedido principal o reconhecimento da relação de emprego e seus consectários e, sucessivamente, o reconhecimento da prestação autônoma dos serviços, com recebimento do preço avençado. Pergunta-se: com o acolhimento do pedido subsidiário, seria permitido o ‘jus postulandi’? Se a resposta for a resposta afirmativa, em conseqüência, seria devido honorários advocatícios ao litigante não-advogado?; ou por outro lado, se não for permitido o ‘jus postulandi’ nesta hipótese, e a parte for patrocinada por advogado, não se condenará em honorários, aplicando-se os verbetes do TST? os quais, frisa-se, foram sempre sustentados com amparo no permissivo do ‘jus postulandi’... Nota-se que inúmeras controvérsias poderão surgir com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho em razão da redação da Emenda Constitucional nº 45 de 2004. Por isso, entendo que o panorama foi modificado, passando a ser plenamente cabível a condenação em verba honorária na seara laboral, tanto os honorários contratuais, quanto os sucumbenciais, mesmo nas lides envolvendo relação de emprego, desde que o litigante esteja sendo patrocinado por advogado legalmente constituído." [09]

Agora, debruçando-se sobre a novel competência, em que está inserta relação de trabalho como sinalizadora de matéria a ser processada e julgada pela Justiça do Trabalho, deve-se, antes de mais nada, registrar que o dito inciso I, do art. 114, da Carta Política está sofrendo ataque perante o Supremo Tribunal Federal, através de Ação Declaratória de Inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República, cuja malsinação estaria no fato de que haveria vício formal quando da alteração do texto constitucional, já que o Senado teria procedido modificação de conteúdo sem observar que isso o obrigaria a devolver a respectiva PEC à Câmara [10].

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Realizada essa necessária digressão, soa oportuno enfrentar o tema, partindo da Resolução do TST nº. 27, de 16/02/2005 que, em seu art. 5º, verbera que: "Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência."

Insista-se que a ressalva, quanto ao não cabimento das verbas honorárias nas relações de emprego, é que, para estas, estaria franqueado o jus postulandi (art. 791, CLT),o que, a nosso modo de ver, torna-se incompatível com o hodierno alargamento competencial, tal como magistralmente explanado por André Araújo Molina, em artigo por nós referido acima e cuja posição endossamos na totalidade.

É de bom tom acrescer, sobremais disso, que não compadece com o mínimo conceito de justiça social (art. 170, CF) o fato de, por exemplo, o obreiro ajuizar uma reclamatória, sagrar-se vitorioso e, mesmo assim, ter parte de seu patrimônio desfalcado pela verba honorária não recomposta pelo empregador – ou, em outras palavras, ganhar menos do que faria jus, malgastando a norma dos arts. 389 e 404. ambos do Código Civil (consagradoras do princípio da restituição integral), aplicável, nesse comenos, por força da própria Consolidação das Leis do Trabalho, em seu art. 8º, parágrafo único. [11]

Seja como for, duas são as modalidades de honorários advocatícios que poderão surgir no imo da Justiça do Trabalho, quais sejam, os contratados e os sucumbenciais, como apregoado pelo art. 22, da Lei nº 8.906/94.

Soa lógico, desde já, inquirir: os honorários de advogado pactuados entre este e seu cliente e não adimplidos podem ser executados na Justiça do Trabalho? Se positiva a resposta, tal situação enquadrar-se-ia no permissivo constitucional abojado no inc. I do art. 114 da Lei Maior?

Procedendo um bosquejo na jurisprudência, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, por maioria, entendeu, por bem, pelo menos em caso de arbitramento de honorários advocatícios, suscitar conflito de competência, como se vislumbra da ementa:

"COMPETÊNCIA - AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS C/C COBRANÇA. Em razão do inciso I, do art. 114 da Constituição Federal, incluído pela EC no. 45/2004, a Justiça do Trabalho tornou-se competente para julgar todas as demandas envolvendo relação de trabalho. A relação de trabalho possui caráter genérico, referindo-se a todas as relações jurídicas que são marcadas pelo fato de ter como prestação essencial aquela centrada em outra obrigação de fazer advinda do labor, abrangendo toda modalidade de contratação de trabalho humano aceitável modernamente. Não obstante, a mencionada relação de trabalho não se insere na situação imposta em razão do advogado e seu cliente, tratando-se esta entre o fornecedor (prestador de serviços) e o consumidor (cliente), no caso parte em processo judicial (art. 3o. e seus parágrafos da Lei no. 8.078/90), a quem interessa o resultado do serviço prestado em colaboração na administração da Justiça (efetividade do direito) e não propriamente o trabalho realizado (defesa do direito em juízo). DECISÃO: A Turma, preliminarmente, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto; por maioria de votos, suscitou de ofício o conflito negativo de competência para conhecer e julgar questões envolvendo arbitramento e cobrança de honorários advocatícios, determinando a remessa dos autos ao Colendo Superior Tribunal de Justiça, para os devidos fins, observando-se as cautelas de estilo, vencida a Exma. Juíza Revisora que acolhia a competência da Justiça do Trabalho e fará juntada de voto vencido." [12]

Não andou bem, ao que parece, o Sodalício suso mencionado ao entrever relação de consumo entre cliente e advogado, porque tal liame jurídico é regrado por Lei especial, qual seja, o Estatuto da Advocacia que, por si só, afasta a incidência da lei consumeirista.

Esta asserção tem um fundo dogmático facilmente perceptível, qual seja, a de que a natureza jurídica da obrigação que afeta o causídico e o seu constituinte é de meio, e não de resultado [13], de modo que este viés ontológico, por si só, torna incompatível com o Código de Defesa do Consumidor.

Este espectro foi muito bem abarcado pelo Superior Tribunal de Justiça ao decidir que: "Não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n° 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados - como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31/ § 1° e 34/III e IV, da Lei n° 8.906/94) – evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo." [14]

No brilhante voto, com precisão de ourives, o ilustre Ministro César Asfor Rocha pondera com maestria o temário, aduzindo que: "Relativamente à alegada ofensa ao art. 3° do Código de Defesa do Consumidor, melhor sorte não socorre a recorrente. De fato, não há relação de consumo nos serviços prestados por advogados, seja por incidência de norma específica, no caso a Lei n° 8.906/94, seja por não ser atividade fornecida no mercado de consumo. Isto é, ainda que o exercício da nobre profissão de advogado possa importar, eventualmente e em certo aspecto, espécie do gênero prestação de serviço, é ele regido por norma especial, que regula a relação entre cliente e advogado, além de dispor sobre os respectivos honorários, afastando a incidência de norma geral. De outra sorte, conforme explicitado pelo v. acórdão atacado, os serviços advocatícios não estão abrangidos pelo disposto no art. 3°, § 2°, do Código de Defesa do Consumidor, mesmo porque não se trata de atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados - como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31, § 1°, e 34, III e IV, da Lei n° 8.906/94) - evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo. Dessa forma, não configurada violação do mencionado dispositivo da Lei n° 8.078/90.

Reforçando a tese do não amparo do Código de Defesa do Consumidor quanto aos profissionais do direito, prossegue o Colendo Superior Tribunal de Justiça, inclusive demonstrando que até mesmo a prescrição cabível é a do direito comum, como se observa: "A ação para reparação de danos relativos à inexecução de contrato de prestação de serviços advocatícios se sujeita ao prazo prescricional previsto no art. 177 do CC16 (art. 205 do CC02), e não aquele previsto no art. 27 do CDC." [15]

Ora, seria esdrúxulo, anti-ético mesmo, cogitar-se de um advogado incitando a promoção de seus serviços, utilizando-se de outdoor, colocando terceiros para angariar clientes – embora essa última realidade, lamentavelmente, tenha sido freqüente na Praça da República, na capital de São Paulo, e outras cidades brasileiras, onde pessoas empregam panfletos com dizeres, mais ou menos, deste jaez: "Se você tem problemas com recebimento de FGTS, aposentadoria, ligue para.. ." –, o que evidencia a incompatibilidade de se mensurar a relação jurídica travada entre o advogado e o seu cliente como sendo de índole afeta à realidade consumeirista.

Uma coisa é certa, então: não haverá de incidir a Lei nº. 8.078/90 para casuística que envolva prestação de labor advocatício e, assim sendo, a cobrança dos honorários de tal profissional liberal encarta-se, a não mais poder, na seara de relação de trabalho, nada tendo a ver com aspectos de consumo, culminado, assim, na mais perfeita competência da Justiça do Trabalho para a sua implementação, de modo a se fazer cumprir, com vera carga eficacial, a norma insculpida no art. 114, I, da Lei Mater.

Calha à fiveleta recente decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 19ª Região, em sessão plenária, que vem ao encontro do raciocínio expendido nesse humilde trabalho, ao assentar que: "CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45. Cabe a Justiça Laboral apreciar e julgar o feito, por força da nova redação do art. 114 da CF, alterada por força da Emenda n.º 45 de 31 de dezembro de 2004. O art. 114 passou a vigorar com a seguinte redação: ‘Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I- as ações oriundas da relação de trabalho......IX - outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei’. Com base neste dispositivo, surgiram diferentes correntes acerca da competência da Justiça Laboral para julgar execução de honorários advocatícios, diante das diversas relações de trabalho existentes, sendo que filiamo-nos áquela que entende tratar-se de uma relação de prestação por serviço executado, e portanto de trabalho, sendo esta especializada competente." [16]

O signo distintivo da relação de consumo que inviabilizaria a competência da Justiça do Trabalho é a lucratividade que aquele que toma o serviço venha de auferir. Isto é, se o emprego do trabalho de outrem serve, apenas, ao ente (pessoa física ou jurídica) que com ele se beneficia e, aí mesmo, se finaliza, iniludível tratar-se de mera prestação de serviço. Por isso, todos os profissionais liberais, em regra, estão simplesmente a desempenhar seus misteres, como prestadores de serviços, não se encartando, em princípio, no átrio da relação consumeirista, enfeixando-se na parte final, melhor dizendo, na ressalva contida no art. 3º, § 2º, da Lei 8.078-90. Tanto assim o é que o mote da responsabilidade consumeirista é objetiva, conquanto, ao tratar dos epigrafados profissionais liberais, este mesmo diploma legal (especial) altere sua angulação para a responsabilização subjetiva (art. 14, § 4º).

Ao que parece, no tanto afeto à lucratividade, este fora o raciocínio expendido pelo eminente juiz José Abílio, quando do julgamento que resultou na ementa supramencionada, uma vez que adverte: "Vale ainda ressaltar, a opinião do Mestre Edilton Meireles a respeito da matéria: ‘Numa definição bem aceita e bastante objetiva, tem-se uma relação de trabalho quando uma pessoa física presta serviços a outrem...Daí se tem, por exemplo, para dirimir dúvidas, que celebrado um contrato de prestação de serviços entre o paciente e o médico, o eventual litígio decorrente dessa relação de trabalho deve ser julgado pela Justiça do Trabalho. Se se pretender, outrossim, uma indenização decorrente de erro médico, da mesma forma, competirá à Justiça do Trabalho o julgamento da ação de ressarcimento respectiva. O mesmo se diga quanto a qualquer outra relação de trabalho, a exemplo daquela formada pelo advogado e seu cliente, podendo o causídico, por exemplo, cobrar seus honorários na Justiça do Trabalho ou o cliente pedir indenização por danos causados por aquele’. (Nova Competência da Justiça do Trabalho, 2005, LTR, p. 67)."

Dito isto, inafastável se torna a viabilidade do advogado executar seus honorários perante a Justiça do Trabalho, uma vez que não se trata de relação de consumo e, mais ainda, está-se frente a nítida prestação de serviços, encartada na locução "relação de trabalho" grafada no art. 114, I, da Constituição Federal.

Ainda no campo do contrato escrito da prestação dos serviços de honorários advocatícios, oportuno realçar que, para que o mesmo seja tido na conta de título executivo extrajudicial, independe da assinatura de duas testemunhas, porque a executividade dessa avença decorre de preceito especial, qual seja, o art. 24, da Lei nº 8.906/94, afastando, assim, a tratativa geral do tema que se daria pelo art. 585, II, segunda parte, do Código de Processo Civil. [17]

Outra questão intrincada, mas que não pode ser deixada ao desabrigo, é a seguinte: o advogado patrocina uma causa na Justiça Comum, seu cliente sagra-se vitorioso, transita-se em julgado a sentença – segundo a qual, por exemplo, a verba sucumbencial raiaria sobre 20% do benefício patrimonial auferido pelo constituinte. Indaga-se: este causídico poderia executar tais honorários na Justiça do Trabalho?

Por primeiro, cumpre deixar ressaltado que a natureza jurídica dos honorários advocatícios, ainda que sucumbenciais, é a de verba salarial, com inafastável crivo da alimentariedade.

Socorre-se, aqui, de decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, ad literattim: "Os honorários advocatícios, mesmo de sucumbência, têm natureza alimentar. A aleatoriedade no recebimento dessas verbas não retira tal característica, da mesma forma que, no âmbito do Direito do Trabalho, a aleatoriedade no recebimento de comissões não retira sua natureza salarial. A ausência de subordinação é irrelevante. Subordinação é um dos elementos de uma relação de emprego, mas não é o elemento específico que justifica a natureza alimentar do salário. O que a justifica é a necessidade de o empregado recebê-lo para viabilizar sua sobrevivência, aspecto que também se encontra no trabalho não subordinado prestado pelo causídico." [18]

Em segundo passo, igualmente por força de norma especial, a honorária é um direito autônomo do advogado (art. 23, da Lei nº. 8.906/94), que poderá ser executado nos próprios autos onde houvera a condenação ou em feito separado. Esta, aliás, é a orientação do Superior Tribunal de Justiça: "Sendo a Lei nº. 8.906/94 especial em face do CPC, deve reger a matéria relativa à competência para a execução de honorários advocatícios de sucumbência, em detrimento do art. 575, II do CPC. A regra inserta no § 1º do artigo 24 da Lei nº. 8.906/94 instituiu para o advogado a faculdade jurídica de natureza instrumental de executar os honorários sucumbenciais na própria ação em que tenha atuado, se assim lhe convier. Se a execução nos próprios autos é faculdade conferida ao advogado, é de se entender possível a execução em ação autônoma. Entendimento reforçado pela exegese do art. 23 da Lei nº. 8.906/94, que dispõe pertencerem ao advogado os honorários incluídos na condenação, conferindo-lhe o direito autônomo para executar a sentença nesta parte. Recurso especial improvido." [19]

Nada melhor do que a vera lição proclamada pelo ilustre Ministro Castro Meira, ao vaticinar que:

"O art. 575, II do CPC determina, como regra geral, que a execução fundada em título judicial processar-se-á perante o juízo que decidiu a causa no primeiro grau de jurisdição. Acontece que a Lei nº 8.906/94 trouxe em seu bojo algumas disposições concernentes à execução dos honorários advocatícios, tratando, inclusive, da competência para a causa.

No caso dos honorários sucumbenciais, como a sua execução se dá com fundamento em título executivo judicial, restaria a dúvida quanto ao diploma legal que deve ser aplicado na determinação do juízo competente para a causa.

Ora, o art. 24, § 1º, da Lei nº 8.906/94 é norma especial com relação ao CPC. Portanto, deve ter aplicação em detrimento deste no que respeita à competência quando o título judicial que se pretende executar é decorrente da condenação em honorários advocatícios.

Também em outras hipóteses, a regra do art. 575, II do CPC cede diante de determinação legal em sentido oposto, como é o caso da execução de alimentos que, consoante entendimento já pacificado, deve ser proposta no foro do domicílio do alimentando, não persistindo a obrigatoriedade de aforamento no mesmo juízo que decidiu a causa em primeira instância.

Fixada a disciplina do caso pela Lei nº 8.906/94, cabe, agora, interpretar o conteúdo de seu art. 24, § 1º, que assim dispõe:

"Art. 24. A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

§ 1º. A execução dos honorários pode ser promovida nos mesmos autos da ação em que tenha atuado, se assim lhe convier".

A regra inserta no § 1º do artigo 24 da Lei nº 8.906/94 instituiu para o advogado a faculdade de natureza instrumental de executar os honorários sucumbenciais na própria ação em que tenha atuado, se assim lhe convier.

Se foi facultado ao advogado executar os honorários nos mesmos autos do processo em que atuou, por óbvio, esta não é a única maneira possível de execução. Faculdade tem o sentido de permissão dada a alguém para que faça algo de determinada maneira, não podendo ser tratada como obrigação de proceder sempre de uma mesma forma.

Nos termos do artigo de lei acima transcrito, portanto, confere-se ao advogado a possibilidade de executar os honorários de sucumbência de duas formas:

"a) em nome próprio e em autos apartados;

b) em nome próprio e nos mesmos autos da ação em que haja atuado, se assim lhe convier".

Assim, os honorários de sucumbência podem perfeitamente ser executados em ação autônoma, ficando a possibilidade de execução nos próprios autos submetida ao juízo de conveniência do profissional.

Na mesma senda, Paulo Luiz Netto Lôbo anota, com propriedade, que o advogado pode optar pela execução em processo próprio, segundo suas conveniências, como se pode conferir no seguinte tópico: "Não há necessidade de a execução ser promovida em processo distinto. Nos mesmos autos onde tenha atuado o advogado pode ser pedida a execução, sem distribuição ou pagamento de taxas ou custas prévias, determinando o juiz a expedição de mandado de citação e penhora, seguindo as regras próprias do processo de execução, previsto na legislação processual civil. A lei faculta ao advogado um procedimento mais simplificado. Pode, no entanto, optar pela execução em processo próprio, segundo suas conveniências" (LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da OAB. São Paulo: Saraiva, 2002, pág. 136).

A possibilidade de execução nos próprios autos foi estabelecida no interesse do advogado, como uma maneira de simplificar a cobrança da verba de sucumbência. Todavia, de acordo com seu interesse, pode optar pela execução em processo próprio.

Tal entendimento é reforçado pela exegese do art. 23 da Lei nº 8.906/94, que dispõe pertencerem ao advogado os honorários incluídos na condenação, conferindo-lhe o direito autônomo para executar a sentença nesta parte.

Nesse sentido, trago à colação o ensinamento de Marco Túlio Rose: "O direito de perceber honorários fixados em condenação, por ser materialmente definido em lei como do advogado da parte contrária, é processualmente fixado como direito autônomo, o que significa dizer que o advogado, em nome próprio, não em nome do cliente, pode pleitear a execução da decisão, neste ponto".(CORRÊA, Orlando de Assis; ANTUNES, Apio Claudio de Lima; SILVA, Jayme Paz e DE ROSE, Marco Túlio. Comentários ao Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB. Rio de Janeiro: AIDE, 2003, pg. 106)" [20]

Desta feita, se é facultado ao causídico promover a execução da verba sucumbencial em seu próprio nome e mediante processo autônomo e, ainda mais, se essa cifra equivale, em sua íntima razão de ser, a um montante de caráter salarial, bem como se ela decorreu, nada mais, nada menos, do que do emprego da energia profissional do advogado, encarta-se na ampla dicção constitucional de relação de trabalho, conformando-se com o querido pelo art. 114, I, da Carta da República.

Logo, e de modo idêntico, os honorários sucumbenciais poderão, sem qualquer sombra de dúvida, ser executados na Justiça do Trabalho.

Resta, para finalizar, seja no espectro dos honorários contratados ou sucumbenciais, mais uma inquirição: se se tratar de uma sociedade de advogados, mesmo tendo em vista que a procuração deve especificar o causídico que patrocina a lide (ex vis: art. 15, § 3º, da Lei nº 8.906/94), mencionando-se apenas a epigrafada sociedade, ambos podem executar a quantia proveniente da honorária?

Não se tem qualquer dúvida da legitimação da sociedade para excutir a referida verba honorária, como bem se depreende de aresto do Superior Tribunal de Justiça, no qual assevera que: "A sociedade de advogados tem legitimidade para executar os honorários advocatícios devidos em processo para o qual foi outorgado mandato a um dos seus integrantes." [21]

De conseguinte, a nosso ver, a verba honorária, seja de que matiz advenha, culmina na tipificada relação de trabalho. Assim sendo, antevejo possível sua execução no pálio trabalhista, seja ela encoada pelo advogado ou pela própria sociedade de que faça parte [22]. Explico: era inconcebível sujeito ativo ser pessoa jurídica perante a Justiça do Trabalho, quando esta decidia apenas vínculo empregatício, porque faltariam os componentes da pessoalidade, da subordinação, da habitualidade para esta ficção jurídica que se corporificou, no evolver dos tempos, na cognominada pessoa jurídica.

Ninguém duvida, é certo, máxime no campo da lei especial da advocacia, que há indiscutível pessoalidade, mesmo que o causídico integre uma sociedade, tanto assim o é que o instrumento de mandato haverá de nominar um de seus componentes e a respectiva sociedade a que pertença, que jamais poderá ter natureza mercantil (art. 15, da Lei 8.906/94).

Sobre o autor
Emerson Odilon Sandim

Procurador Federal aposentado e Doutor em psicanalise

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANDIM, Emerson Odilon. A nova competência da Justiça do Trabalho e a questão dos honorários advocatícios:: cabimento e executoriedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1018, 15 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8243. Acesso em: 26 nov. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado para palestra proferida no 2º Ciclo Matogrossense de Conferências sobre a nova competência da Justiça do Trabalho, realizado pela Escola Judicial do TRT da 23ª Região e AMATRA XXIII.

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