Uma Calamity Jane bolsonarista
Por maiores que fossem as minhas restrições ao Reinaldo Azevedo que, na década passada, disputava com Diogo Mainardi a liderança do ranking de articulistas reacionários da Veja, sou honesto em reconhecer que, desde 2016, seu trabalho tem sido impecável.
Tão logo percebeu que a consumação do impeachment de Dilma Rousseff, para o qual tanto trabalhou, não faria dele o guru de uma direita civilizada que voltaria a ser a força dominante da política brasileira, tendo servido, isto sim, para alavancar a direita selvagem que prefere se nortear pelos delírios do astrólogo da Virgínia, o RA deu uma guinada de 180 graus.
Entrincheirando-se na letra da Constituição, passou a combater a trupe fascista do Bozo e o tenentismo togado do Moro com o mesmo furor e competência antes utilizado contra os que ele batizara de petralhas.
Mas, como talentoso indiscutivelmente ele é, tem feito muito mais do que boa parte dos articulistas de esquerda para barrar a escalada ultradireitista. Se ela agora está morrendo na praia e o Bozo em vias de ser apeado do poder, o RA, sem dúvida, merece parte dos louros da vitória que, não temo afirmar, há de ser tornar definitiva ainda em 2020.
Aliás, o RA é outro que, como eu, ousa correr riscos, não se escondendo embaixo da cama como muitos heróis de tempos amenos.
Então, aplaudo e me associo à sua denúncia de um dos maiores crimes de responsabilidade confessados pelo Bozo no vídeo incriminador de 22 de abril: o estímulo a suas hordas de celerados para se armarem até os dentes, sem nenhum controle por parte das Forças Armadas.
Cauteloso mas canhestro, o Bozo fingiu na reunião que o objetivo seria dar à população meios para se defender de ditadores, mas o único aspirante a ditador em franca atividade hoje em dia é ele mesmo. Não colou.
E aqui vale repetir as advertências do RA e seu alerta às Forças Armadas, de que, com sua ultrajante omissão, não só estão semeando uma tempestade que atingirá em cheio a elas mesmas, como se deixando desmoralizar num grau inimaginável, sem precedentes em toda a sua história:
"...isso nada tem a ver com o enfrentamento de bandidos ou com a defesa pessoal. Raramente, ou nunca, as Forças Armadas passaram por tamanha humilhação.
...o presidente havia exonerado o general Eugênio Pacelli, do Comando de Logística do Exército. Ele teve de deixar a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército porque Bolsonaro se zangou com o militar. Seu erro: ter criado regras para rastrear armamentos e munições nacionais e importados. Seu erro: ter feito a coisa certa.
Bolsonaro não quer rastrear nada. Ele revogou as portarias. Assim, desaparece o controle de armas e munições no país.
Fuzis apreendidos com um único miliciano, amigo de um dos acusados da execução de Marielle Franco
Mais: (...) o presidente dá ordem a Sergio Moro e a Fernando Azevedo e Silva para que baixem outra portaria multiplicando por 33 a quantidade de munição que pode ser comprada por um civil: de 200 unidades por ano para 55 POR MÊS. E, com efeito, no dia 23 [de abril, o dia seguinte], a portaria veio à luz.
Generais conhecem muito bem a implicação de um eventual armamento generalizado da população, ao arrepio de qualquer controle. (...) Braga Netto [que estava ao lado do Bozo na micareta de 22 de abril] sabe mais do que outros: foi ele o interventor na segurança púbica do Rio de Janeiro.
Já hoje, com algum controle, as milícias e o narcotráfico dão uma sova no Estado brasileiro — e não deixa de ser uma humilhação às Forças Armadas também, convenham — porque armados até os dentes. Imaginem sem controle nenhum.
Mas Bolsonaro considera ser esse o caminho para preservar a liberdade...
Duvido que haja qualquer estudo na biblioteca das Três Forças que justifique esse ponto de vista. Duvido que algum militar responsável consiga defendê-lo à luz da segurança interna.
De combatentes contra a subversão, as Forças Armadas do Brasil se transformaram em promotoras passivas da guerra civil".
Repito: nesta questão específica, junto a minha voz à do RA, pois tudo de que não precisamos é de uma guerra civil, na qual as incríveis milícias Brancaleone certamente sairiam derrotadas, mas a um custo com o qual o Brasil não pode arcar neste momento, por si só delicado ao extremo.
Que as Forças Armadas desta vez façam a coisa certa e cortem o quanto antes o mal pela raiz.