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A descriminalização do aborto no Brasil

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Este artigo pretende abordar um tema muito polêmico, mas de grande relevância para a sociedade, qual seja, a descriminalização do aborto, que se refere à interrupção da gravidez que, muitas vezes não foi desejada ou planejada pela mulher ou adolescente.

1. INTRODUÇÃO

O questionamento da legitimidade da criminalização do aborto induzido e voluntário, doravante descrito apenas como “aborto”, exige o enfrentamento de uma pergunta: os artigos 124 e 126 do Código Penal se justificam diante de preceitos constitucionais? As razões que moveram a criminalização do aborto pelo Código Penal de 1940 não mais se sustentam, visto que violam os preceitos fundamentais da dignidade da pessoa humana, da cidadania, da não discriminação, da inviolabilidade da vida, da liberdade, da igualdade, da proibição de tortura ou tratamento desumano ou degradante, da saúde e do planejamento familiar de mulheres, adolescentes e meninas (Constituição Federal, art. 1º, incisos I e II; art. 3º, inciso IV; art. 5º, caput e incisos I, III; art. 6º, caput; art. 196; art. 226, § 7º).

A prática do aborto é um fato existente, uma realidade que acontece diariamente, como poderá será visto no decorrer deste artigo. E, na ilegalidade, as mulheres e adolescentes praticam atos que atentam contra sua própria vida, se colocam em risco sendo, por isso, uma das questões abordadas nesse estudo: a saúde pública. Sendo assim, o planejamento familiar e a educação sexual se fazem indispensáveis.

Outro ponto a ser abordado é o conceito de aborto, que é o ato de interromper a gravidez, de forma induzida, espontânea ou ilegal; quando se expulsa o embrião ou feto antes que ele se desenvolva. Assim, será mencionado o aborto na legislação brasileira sendo abordado conforme o Código Penal onde existe o aborto criminoso e o aborto permitido.

Por fim, será destinado um tópico à descriminalização do aborto, pois legalizar o mesmo seria valorizar a autonomia da mulher, respeitando sua decisão e seus direitos, pois da forma como se vê hoje, estão sendo feridos vários preceitos fundamentais da Constituição Federal, bem como direitos previstos em pactos internacionais de Direitos Humanos.


2. O ABORTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA

O aborto na legislação brasileira pode ser considerado, crime contra a vida, nos casos em que a gestante consentir que uma pessoa provoque o aborto ou caso ela mesma o provoque. A lei é do ano de 1940 e sofreu pequenas alterações ao longo do tempo e ainda assim não está adequada à realidade dos dias de hoje. Essa norma proibitiva do Estado retira os direitos sexuais reprodutivos da mulher e sua liberdade de escolha.

Segundo Gonçalves (2020), aborto é a interrupção da gravidez com a consequente morte do produto da concepção. Este passa por várias fases durante a gravidez, sendo chamado de ovo nos dois primeiros meses, de embrião nos dois meses seguintes e de feto no período restante.

Capez explica que:

Aborto é a interrupção da gravidez, com a consequente destruição do produto da concepção. Consiste na eliminação da vida intrauterina, a qual se dá no início da gravidez. Seguindo o parâmetro delimitado pela Medicina, o início da gravidez se dá com a fecundação do óvulo pelo espermatozoide, momento no qual se dá o desenvolvimento do ser gerado no útero materno até culminar no seu nascimento. Este é o entendimento que predomina na doutrina, ou seja, a proteção penal do aborto inicia-se com a fecundação. (CAPEZ, 2018, p. 207).

Isso mostra que algumas pessoas também entendem que métodos como a “pílula do dia seguinte” também seja abortivo, pois o processo de implantação do óvulo fecundado na parede do endométrio ocorre alguns dias após a fecundação. O Ministério da Saúde permite o uso da pílula do dia seguinte no Brasil, e muitas mulheres fazem uso da mesma para evitar uma gravidez indesejada.

Nem todo aborto é criminoso. Se decorrer de causas naturais, como malformação do feto, rejeição do organismo da gestante, patologia e outros, o fato será considerado atípico. Também não haverá crime de aborto se tiver sido acidental, como por exemplo, queda, acidente de trânsito, atropelamento, entre outros.

Para que haja crime de aborto, é necessário que ele tenha sido provocado pela própria gestante ou por terceiros e que não haja hipóteses para um aborto legal. Nesse sentido, abaixo será abordado os tipos de aborto, quais sejam, legal e criminoso.

2.1 Aborto criminoso

Existem quatro formas de aborto criminoso.

O artigo 124 do Código Penal aponta para o autoaborto: “Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque: Pena – detenção de um a três anos”.

Capez (2018) afirma que no autoaborto é a própria gestante quem pratica as manobras abortivas que levam à morte do feto, e só há um bem jurídico tutelado que é o direito à vida do feto, ou seja, a preservação da vida humana intrauterina. Já no abortamento provocado por terceiro, tem também o direito à vida e a preservação psíquica da gestante.Se a gestante permitir que outra pessoa realize a manobra abortiva, que é o caso da segunda parte do artigo 124 do Código Penal, a gestante e a pessoa que realizou incorrem na pena.

Muitas vezes a gestante paga pelo ato e é uma modalidade muito comum de aborto, onde a gestante procura por um médico, uma enfermeira, parteira ou até mesmo uma amiga para realizar o ato. Existem até pessoas que não são da área de saúde, mas se especializam nesta prática mediante pecúnia.

Gonçalves (2020) ressalta que, a legislação fez clara distinção, devendo a gestante responder pelo crime do artigo 124, em razão do consentimento, e a terceira pessoa que realizar a manobra abortiva, pelo crime do artigo 126 do Código Penal, que possui pena mais elevada, que trata do crime de provocação de aborto com consentimento da gestante.

O artigo 126 do Código Penal dispõe que:

Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:

Pena - reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência forma qualificada.

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A teoria unitária ou monista, adotada pela legislação pátria, segundo Gonçalves (2020), expõe que:

(...) todos os que concorrem para o resultado criminoso devem responder pelo mesmo crime. Nesta situação, o resultado é um só, ou seja, a morte do feto. Assim, em razão da referida teoria unitária, todos os envolvidos deveriam responder pelo mesmo crime. Mas, o legislador entendeu que as condutas têm gravidades distintas e, por isso, colocou aqui uma exceção onde a gestante incorre em crime mais brando, por ter consentido no aborto, e o terceiro que realiza a manobra, pratica o crime mais severamente punido, descrito no artigo 126. A pena mínima também é de 01 ano, permitindo a incidência do benefício da suspensão condicional do processo, caso presentes os demais requisitos da do artigo 89 da lei n. 9099/95. (GONÇALVES, 2020, p. 198).

O artigo 125 do Código Penal dispõe que: “Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena – reclusão, de três a dez anos”.

Esta é a modalidade mais grave do crime de aborto e pode se caracterizar em duas hipóteses: primeira quando não houver qualquer autorização por parte da gestante, por exemplo, quando o agente agride uma mulher grávida, quando introduz substância abortiva em sua bebida e outros casos. A segunda hipótese quando houver consentimento, mas esta anuência carece de valor jurídico, por exemplo: a gestante foi enganada pelo pai da criança em gestação onde este lhe convence que aquela tem má formação, também quando o consentimento foi obtido sobgrave ameaça ou violência, e quando a gestante é menor de idade.

2.2 Aborto legal

Existem duas hipóteses previstas no Código Penal em que a provocação do aborto não é considerada crime. O artigo 128 do Código Penal dispõe que:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Para Capez (2018), o aborto necessário ou terapêutico é a interrupção da gravidez realizada pelo médico quando a gestante estiver correndo risco de vida e inexistir outro meio para salvá-la:

(...) espécie de necessidade, mas sem a exigência de que o perigo de vida seja atual. Assim, há dois bens jurídicos (a vida do feto e da genitora) postos em perigo de modo que a preservação de um (vida da genitora) depende da destruição do outro (vida do feto). O legislador optou pela preservação do bem maior, que, no caso, é a vida da mãe, diante do sacrifício de um bem menor, no caso, um ser que ainda não foi totalmente formado. Não seria nada razoável sacrificar a vida de ambos se, na verdade, um poderia ser destruído em favor do outro. O legislador cuidou, assim, de criar um dispositivo específico para essa espécie de estado de necessidade sem, contudo, exigir o requisito da atualidade do perigo, pois basta a constatação de que a gravidez trará risco futuro para a vida da gestante (...). (CAPEZ, 2018, p. 218).

Não é necessário que haja situação de risco atual para a gestante, mas um estado de necessidade. Nos primeiros meses de gestação os exames já demonstram o crescimento do feto e o que pode ou não provocar a morte da gestante nos meses seguintes, por isso não se faz necessário aguardar tanto tempo.

É importante, contudo, que seja realizada a manobra por um médico, pois como há risco de morte para a gestante, o aborto deve ser realizado por um profissional, pois apenas ele pode interpretar os exames e concluir pela existência do risco futuro para a vida da gestante.

O aborto sentimental ou humanitário é aquele onde a gravidez resulta de um estupro. Nesse caso o aborto é permitido por se tratar de gravidez indesejada decorrente de ato sexual forçado.

Gonçalves (2020) explica que com o advento da Lei n. 12.015/2009, que deixou de fazer distinção entre crimes de estupro e atentado violento ao pudor, revogando este último e passando a chamar de estupro todo e qualquer ato sexual cometido com violência ou grave ameaça, deixou de ser necessário discutir a possibilidade de aborto legal quando a gravidez resultar de atentado violento ao pudor, já que este crime não mais existe como infração autônoma, porém caso a gestante seja incapaz deve haver seu consentimento ou de seu representante legal.

Ainda, segundo Gonçalves (2020), em nenhuma modalidade exige-se autorização judicial, mas o médico deve se convencer da ocorrência da violência sexual, por exames que tenha feito na vítima, por cópias de depoimento em inquérito policial ou boletim de ocorrência e outros meios cabíveis.

É de se ressaltar a portaria de número 1145/2005 do Ministério da Saúde, o qual dispõe que não é necessária a existência de boletim de ocorrência, mas uma justificação e autorização de interrupção da gravidez em que a mulher deve ser ouvida detalhadamente a respeito do ato criminoso, perante dois profissionais de saúde, pois somente após um parecer técnico e se todos estiverem de acordo é que a interrupção da gravidez poderá ser levada a efeito, devendo a mulher ou o representante assinar o termo de responsabilidade.Cabe mencionar ainda que deve ser realizado por um médico.

O aborto em caso de anencefalia também é considerado aborto legal, pois foi julgado através da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54, onde se julgou constitucional a interrupção da gravidez nos casos de gestação de feto anencefálico.

Capez (2018) explica que não configura crime de aborto, pois não existe possibilidade de vida viável. A anencefalia é caracterizada pela má formação do tubo neural, estando ausentes o encéfalo e a calota craniana, o que leva à morte do recém-nascido, em razão da absoluta impossibilidade de vida independente. Nesses casos, inexiste atividade cerebral. A patologia é considerada letal pela medicina.

Interessante observar que em novembro de 2016, a 1º turma do STF, ao julgar o HC 124306/RJ, cujo relator foi o Ministro Luís Roberto Barroso, concedeu a ordem para manter em liberdade os réus, utilizando como fundamento da decisão o argumento de que a Constituição Federal não recepcionou os crimes de aborto consentido, desde que realizado no primeiro trimestre da gestação. Os argumentos utilizados foram que a criminalização era incompatível com os direitos fundamentais da mulher e o Estado não poderia obrigá-la a seguir com uma gestação indesejada.

A mulher deve conservar seu direito à autonomia e de fazer suas escolhas, sua integridade física e psíquica, sua igualdade, pois é ela quem sofre os efeitos da gravidez, todavia, até o momento, o STF não permitiu o aborto no primeiro trimestre na gravidez. Este é um assunto ainda muito debatido. A 1º Turma limitou-se a utilizar os fundamentos mencionados neste julgamento para não decretar a prisão dos réus, não determinando o trancamento da ação penal por atipicidade.

Dessa forma, dadas estas questões preliminares sobre o aborto, o próximo tópico aborda uma temática importante para o artigo, que é a questão da saúde pública da mulher e está diretamente relacionado a esta situação.


3. UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA DA MULHER

O aborto é um tema polêmico e muito preocupante em todo o mundo, principalmente nos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos.Sendo um grande problema de saúde pública principalmente por estar relacionado ao alto índice de mortalidade materna, não só no Brasil, como em todo o mundo.

Segundo consta da ADPF 442/2017, em um contexto de descriminalização do aborto, nenhuma mulher será obrigada a realizá-lo contra sua vontade. Porém, hoje, o Estado brasileiro torna a gravidez um dever, impondo as mulheres, em particular às mulheres negras e indígenas, nordestinas e pobres, o que muitas vezes traz graves consequências ao projeto de vida delas.

Segundo, Diniz; Medeiros; Madeiro, (2016), a Pesquisa Nacional do Aborto (realizada pela Universidade de Brasília e pelo Anis – Instituto de Bioética, com financiamento do Ministério da Saúde e Fundo Elas) em 2016, mostra que, somente em 2015, 416 mil mulheres realizaram aborto no Brasil urbano e 503 mil mulheres em extrapolação para todo o país. Isso significa que cerca de uma mulher a cada minuto faz aborto no Brasil. O aborto é, portanto, um fato da vida reprodutiva das mulheres brasileiras.

Ainda segundo a ADPF 442/2017, a desigualdade racial e de classe no exercício do direito de determinar se gostaria de ter e quando seria o melhor momento para o nascimento de filhos torna o aborto um evento mais comum na vida de mulheres que vivenciam maior vulnerabilidade social: 15%das mulheres negras e indígenas já fizeram um aborto na vida, ao passo que 9% das mulheres brancas o fizeram. Do total de mulheres brasileiras que fizeram aborto, hoje, estima-se que 3.019.797 delas tenham filhos; isso significa que, no atual marco de criminalização, essas seriam famílias cujas mães ou já deveriam ter estado presas, ou estariam, neste momento, presas pelo crime de aborto.

Para além da persecução penal discriminatória imposta a decisões reprodutivas das mulheres, a criminalização do aborto amplia seus efeitos de morbimortalidade. Há estudos recentes que estimam que entre 8 e 18% de mortes maternas no mundo é em consequencia de abortos inseguros, sendo a maioria em países pobres.

Segundo, Diniz; Medeiros; Madeiro, (2016), no Brasil, a própria criminalização dificulta a produção de dados nacionais confiáveis sobre a mortalidade associada ao aborto inseguro, mas sabe-se que cerca de metade das mulheres que fez um aborto ilegal no país precisou ser internada.

O projeto de Lei 882/2015 proposto pelo PSOL, visa permitir que as mulheres recorram a clínicas e hospitais do SUS para interrupção da gravidez de forma autônoma, até a 12ª semana de gestação. O projeto também prevê que equipes multidisciplinares formadas por médicos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais devam acompanhar essas mulheres, com o objetivo de dar a elas dignidade.

3.1. Direitos sexuais e reprodutivos

Uma abordagem sobre os direitos sexuais e reprodutivos ilustra a importância do assunto com relação ao tema proposto. Este termo “direitos sexuais”tornou-se público em um encontro Internacional de Saúde da Mulher realizado na Holanda em 1984. Mas, a nomenclatura ficou mesmo consagrada em 1994 e reafirmada na IV Conferência Mundial sobre a Mulher no ano de 1995.

Os direitos sexuais, por sua vez, começaram a ser discutidos ao fim da década de 1980, quando a AIDS começou a ter sua epidemia, principalmente dentro do movimento LGBT. Segundo Mattar (2008) o termo direito sexuais foi introduzido como estratégia de barganha para que os direitos reprodutivos fossem garantidos.

Assim, de acordo com o parágrafo 7.3 do Programa de Ação do Cairo:

Os direitos reprodutivos abrangem certos direitos humanos já reconhecidos em leis nacionais, em documentos internacionais sobre direitos humanos e em outros documentos consensuais. Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução livre de discriminação, coerção ou violência, conforme expresso em documentos sobre direitos humanos.

E ainda, consoante previsto no parágrafo 96 da Declaração e Plataforma de Ação de Pequim:

Os direitos humanos das mulheres incluem seus direitos a ter controle e decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas à sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, livre de coação, discriminação e violência. Relacionamentos igualitários entre homens e mulheres nas questões referentes às relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respeito pela integridade da pessoa, requerem respeito mútuo, consentimento e divisão de responsabilidades sobre o comportamento sexual e suas consequências.

Para Mattar (2008), como se pode ver, essa ainda não é uma definição propriamente dita dos direitos sexuais. Refere-se aos direitos que supostamente compõem os direitos sexuais, permanecendo o prazer, como um fim em si mesmo, oculto do discurso das Conferências Internacionais da ONU.

Com isso, avaliando a questão dos direitos sexuais e reprodutivos, direta ou indiretamente, é relevante mencionar ainda o planejamento familiar, a educação sexual e a clandestinidade do aborto.

3.2. Planejamento familiar, educação sexual e clandestinidade

O planejamento familiar deve ser visto como uma ação relacionada ao cotidiano da mulher e ser parte da atenção primária, sendo responsabilidade mínima da gestão municipal, conforme define a Norma Operacional da Assistência à Saúde do SUS.

Perez et. al. (2012), explanam que;

Nessa perspectiva, deparar-se com uma gravidez indesejada é uma possibilidade para qualquer mulher em idade fértil com vida sexual ativa, mesmo aquelas que utilizam corretamente contraceptivos, haja vista a inexistência de um método que assegure a total ausência de gravidez, ou seja, a despeito dos cuidados, a gravidez indesejada faz parte da vida das mulheres. (PEREZ et al., 2012, p. 738).

Segundo Santos et al (2015), as transformações nas relações sociais de gênero criaram um ambiente propício para a construção de políticas nacionais específicas para a saúde da mulher, historicamente direcionadas à atenção para os momentos de gestação e parto. O Ministério da Saúde relata que as mulheres, como sujeitas de direito, com necessidades que vão além da gravidez e parto, exigem ações que lhes proporcionem melhoria das condições de saúde em todos os ciclos e também do planejamento de vida.

Alguns municípios não conseguem implantar políticas de programas e estratégias adequadas relacionadas ao fornecimento de anticoncepcionais à população, nem garantir o seu acompanhamento. Também é revelado como problemático à implementação de ações para introduzir o enfoque educativo e o aconselhamento sexual, com vistas à escolha livre e sendo informado.

Santos et al. (2015) explica que:

O déficit de qualidade na assistência prestada na atenção à saúde da mulher, especificamente relacionada à saúde sexual e reprodutiva, somado ao discurso medicalizador e hospitalocêntrico, tornou o parto hospitalar e cesariano, com vistas à esterilização, prática cultural corriqueira. A inobservância na oferta de acesso a atenção à saúde sexual e reprodutiva, tanto no aconselhamento quanto não oferta efetiva de medicamento contraceptivo, também eleva o número de gravidez indesejada. Essa situação pode estar diretamente relacionada ao alto índice de abortos induzidos. Tal fato ocorre porque diversas mulheres se encontram desamparadas em seu direito à saúde e, como no Brasil o aborto é ilegal na maioria das situações, algumas recorrem a práticas clandestinas ou inseguras, sobretudo as mais pobres, com baixa escolaridade e negras. (SANTOS et al., 2015, p. 495).

A clandestinidade e também a insegurança é um problema de saúde pública e é uma das temáticas de maior destaque, sendo também uma das maiores discussões relacionadas à saúde da mulher.

Para Costa (2011), o aborto inseguro é um grave problema de saúde pública que contribui para os altos índices de mortalidade e enfermidade materna. Realizado em condições inseguras nas clínicas clandestinas o procedimento oferece às mulheres graves riscos a sua saúde, como a perfuração do útero, podem sofrer sequelas permanentes, como infertilidade e histerectomia (retirada do útero) sendo esta última a quinta causa de internação hospitalar de mulheres no Sistema Único de Saúde – SUS.

Sobre o tema, ainda dispõe Santos et al.:

Se, por um lado, o cerne da argumentação gira em torno do fato do aborto clandestino e/ou inseguro, realizado em condições precárias, ser uma das maiores causas de morbimortalidade materna, relacionando-se, assim, à defesa dos direitos humanos, por outro, a moralidade que advoga a manutenção de sua proibição justifica-se pelo princípio da sacralidade da vida, segundo a qual o início da existência ocorreria a partir da concepção e, portanto, quem aborta estaria tirando uma vida. Reflexo da moralidade religiosa ainda vigente, esta perspectiva é imposta à sociedade por intermédio de uma legislação que criminaliza o aborto, impedindo sua realização com segurança. (SANTOS et al., 2015, p. 496).

Assim, conforme Costa (2011), na perspectiva da saúde pública, a legalização do aborto não pode ser dotada como medida isolada. Precisa ser acompanhada de políticas amplas e efetivas de saúde reprodutiva que garantam acesso ao pré-natal, parto, puerpério, assistência à anticoncepção, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis –inclusive AIDS – e outras necessidades de mulheres relativas a este campo da saúde.

Passada a abordagem sobre saúde pública, cabe abordar o tema em questão que envolve diretamente a descriminalização do aborto, conforme segue no próximo tópico.

Sobre as autoras
Larissa Simões

Estudante de direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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