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Rompimento com a OMS: mas e o princípio da cooperação entre os povos?

Agenda 07/06/2020 às 00:00

O Presidente Jair Bolsonaro ameaçou romper com a Organização Mundial, porém isso pode ferir os princípios das Relações Internacionais do Brasil.

INTRODUÇÃO

O Presidente Jair Bolsonaro afirmou recentemente que pode retirar o Brasil da Organização Mundial de Saúde. Além disso, Bolsonaro acusou a OMS de trabalhar com viés ideológico, além de citar a retirada dos Estados Unidos da referida organização. Contudo, é perceptível que o pensamento do Presidente não é alinhado com o da instituição, diante dos recentes descumprimentos das recomendações sanitárias, onde deixa de usar máscara e gera aglomerações de seus apoiadores. Em razão do ocorrido, é necessário observar os princípios das Relações Internacionais brasileiras, para a observância do princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, que é previsto na Constituição Federal.

1 - Da Organização Mundial da Saúde

A Organização Mundial de Saúde, órgão vinculado a Organização das Nações Unidas, a qual o Brasil é integrante, foi fundada em 7 de abril de 1948, com a intenção de cuidar de assuntos relacionados a saúde global [1]. A referida instituição é responsável pela classificação mundial de doenças, sendo responsável pela erradicação de doenças como a varíola, que foi oficialmente erradicada em 1977, ano em que teve seu último caso registrado. Existem funcionários da Organização Mundial de Saúde trabalhando em 147 países. Eles prestam auxílio aos ministérios da saúde sobre questões técnicas e assistência na prevenção, no tratamento e na assistência no setor da saúde. As intervenções da OMS tratam de todas as áreas da saúde no espectro global, inclusive a intervenção em crises e na resposta a emergências humanitárias.

2 - Da ameaça de tirar o Brasil da OMS

No dia 05/06/2020, o Presidente Jair Bolsonaro, afirmou em entrevista no Palácio da Alvorada, que pode retirar o Brasil da Organização Mundial de Saúde [2]. Poucos dias antes da fala de Bolsonaro, o Presidente norte-americano, Donald Trump, rompeu com a organização, o que foi citado por Bolsonaro:

"O Trump cortou a grana deles, voltaram atrás em tudo. E adianto aqui: os Estados Unidos saíram da OMS, a gente estuda no futuro. Ou a OMS trabalha sem o viés ideológico, ou nós vamos estar fora também. Não precisamos de gente de fora dar palpite na saúde aqui dentro"

Desde que a Organização Mundial de Saúde estabeleceu recomendações sanitárias para o enfrentamento do coronavírus no mundo, Bolsonaro vem desrespeitando as normas de saúde, incentivando manifestações e provocando aglomerações sem o uso de máscaras. Para o Presidente do Brasil, a OMS age como "organização partidária". "É o seguinte: ou a OMS realmente deixa de ser uma organização política, partidária, assim, vamos dizer, até partidária, ou nós estudamos sair de lá", afirmou Bolsonaro.

3 - Do princípio da cooperação entre os povos

A Constituição Federal, em seu artigo 4°, trata dos princípios que regem as Relações internacionais do Brasil. Assim sendo, mais especificamente, no inciso IX, é versado o princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, que também é reconhecido na Organização das Nações Unidas em seu artigo 1°:

“Artigo 1°

3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; “ [3]

O referido princípio é reconhecido por diversas nações, o que o torna como possível solução no sistema de controversas internacionais, conforme destacado pelo Estatuto da Corte Internacional de Justiça:

“Artigo 38

A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:

a. as convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;

b. o costume internacional, como prova de uma prática geral aceita como sendo o direito;

c. os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas;

d. sob ressalva da disposição do Artigo 59, as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito. “ [4]

A interpretação do artigo 38, c, do ECIJ, é interpretado por Mazzuoli como:

“Hoje se deve entender que a expressão “princípios gerais de direito”, empregada pelo Estatuto da Corte, diz respeito ao reconhecimento de tais princípios por parte da sociedade dos Estados, em seu conjunto, como formas legítimas de expressão do Direito Internacional Público.

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O que a prática internacional demonstra é que esses princípios são frequentemente empregados, em diversos contextos e sob as mais variadas formas, quando se trata de identificar uma regra de Direito Internacional não expressa em tratado e não reconhecida pelo costume. Vários sistemas normativos, opostos ou não, podem utilizar-se (e, efetivamente, utilizam-se) desses princípios, notadamente sob a forma de resoluções ou declarações, quer comuns ou individuais. “ [5]

Portanto, o princípio da cooperação entre os povos é reconhecido por países civilizados, observando a participação de diversos países na Organização das Nações Unidas, que tratam em seu artigo 1° da cooperação internacional para resolver os problemas internacionais. Em razão disso, trata-se também de um princípio geral do direito, reconhecido pela legislação do Estatuto da Corte Internacional de Justiça.

4 - Conclusão

A Organização Mundial de Saúde, órgão internacional vinculado à Organização das Nações Unidas, instituição internacional a qual o Brasil faz parte, é fundamental para a erradicação de doenças e outros problemas de saúde pública mundial, devido à grande parceria entre os países membros ONU. Dessa maneira, a OMS ajuda na elaboração de recomendações para que seus membros se protejam dos possíveis males à saúde. Todavia, é visível que o Presidente Jair Bolsonaro deseja seguir o mesmo feito pelo Presidente norte-americano, Donald Trump, que rompeu com a organização.

Entretanto, a Constituição Federal estabelece os princípios das relações internacionais do Brasil, onde cita o princípio da cooperação entre os povos, princípio esse que é estabelecido também pela Organização das Nações Unidas e também reconhecido como princípio geral de direito reconhecido pelas nações civilizadas, conforme estabelece o Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Por esse motivo, em uma possível saída brasileira da OMS, os princípios das Relações Internacionais do Brasil poderiam estar sendo feridos, pois a saída de um órgão de saúde para a cooperação mundial, pode representar o fim do princípio da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.

REFERÊNCIAS

[1] https://nacoesunidas.org/acao/saude/

[2]https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/05/bolsonaro-aponta-vies-ideologico-na-oms-e-ameaca-tirar-brasil-da-organizacao.ghtml

[3] https://nacoesunidas.org/carta/cap1/

[4]https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-externa/EstCortIntJust.html

[5] (Curso de Direito Internacional Público / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – 12. ed. - Pág 173 – Rio de Janeiro: Forense, 2019.) 

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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