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Acesso à Justiça no Brasil

Da proclamação da República à litigiosidade de massa

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Agenda 26/06/2020 às 13:25

Reflexões sobre a crescente necessidade de acesso à justiça e as principais dificuldades encontradas nessa busca.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Evolução histórica; 3 Acesso à Justiça no mundo; 4 Acesso à Justiça no Brasil; 4.1 Equivalentes jurisdicionais e sua importância para o acesso à justiça; 4.2 Precedentes obrigatórios; 5 Considerações Finais; Referências Bibliográficas.


1.Introdução

Com a crescente primazia pela diplomacia entre as sociedades, existe uma feliz tendência de resolver as controvérsias existentes entre as pessoas através de instrumentos justos.

Assim, a autotutela deixa de existir, ao menos como formalmente aceita, e os problemas entre as pessoas tendem a ser solucionados por um Estado-Juiz, ou por um outro terceiro dotado de competência para decidir quem possui razão em cada contenda.

No entanto, com o crescimento de relações existentes e com um ordenamento jurídico complexo, como é o caso do Brasil, a cada dia que passa aumenta o número de conflitos, o que gera uma sobrecarga no Poder Judiciário. Por consequência, este mesmo judiciário fica impossibilitado de prestar uma rápida e efetiva prestação jurisdicional.

À primeira vista, poderia parecer que aumentar a quantidade de servidores no Poder Judiciário seria suficiente para aumentar o acesso à justiça. Porém, com mais servidores e maior capacidade operacional, a tendência seria que lides que, antes, não chegassem ao judiciário, agora fossem autuadas.

Assim, com o enfoque de analisar o acesso à Justiça, em especial no Brasil, e como o mundo jurídico está agindo para aumentar o acesso à Justiça nos tempos atuais, passamos à digressão do presente artigo.


2.Evolução histórica

O acesso à justiça é uma análise existente há anos e possui uma crescente importância, pois com o aumento das informações existentes decorrentes dos avanços das tecnologias cresceram também as relações interpessoais, gerando assim mais conflitos.

Antigamente as relações eram mais regionalizadas, havia maior população rural e muitas delas trabalhavam com culturas de subsistência. Com o decorrer do tempo e com os avanços existentes houve migrações dos munícipes para as cidades e os rurais foram abandonando as multiculturas e os que continuaram com atividades rurais passaram a se especializar em determinadas culturas passando a visar o lucro.

Essa maior especialização gerou maior interdependência com outros membros da sociedade. Esse avanço na necessidade de relações interpessoais trouxe consigo o aumento de situações conflituosas.

Até poucas décadas, havia uma sobreposição do desejo de um sobre os dos demais. Como exemplo, na sociedade feudal, os suseranos impunham seus interesses sobre os vassalos; nas ditaduras, o governante forçava os membros da sociedade a obedecer seus desejos. Não havia muitos direitos e muito menos formas de garanti-los.

Nesse sentido, o avanço das democracias elevou os direitos a todos os cidadãos, e, com isso, iniciaram-se estudos sobre as formas de garantir a fruição destes direitos.

Cabe ressaltar que cada país teve uma evolução histórica política diferente, não se podendo analisar o tema de forma única.


3.Acesso à Justiça no mundo

Destaca-se, como referido anteriormente, que a evolução histórica do acesso à Justiça não se deu de forma igual em todos os países.

Marc Galanter, que desenvolveu suas pesquisas focando nos Estados Unidos e em suas instituições jurídicas estatais, em sua obra “Por que quem tem sai na frente”, de 1.974, narrou que, em meados da década de 70, houve grande incômodo em setores das elites americanas em decorrência da quantidade de direitos, principalmente das regras de custas, assistência judiciária, ações coletivas e danos punitivos. Esse incômodo se deveu, primordialmente, por serem eles os mais prejudicados com as condenações com estes novos direitos.

Não há dúvida que mais direitos tendem a elevar a quantidade de demandas, o que, por sua vez, implica maior sobrecarga do Poder Judiciário.

Galanter descreveu o Sistema Jurídico como a composição das regras, tribunais (ou aparatos institucionais), partes e advogados. Na tipologia das partes, ele usou uma tipologia classificando as partes em litigantes habituais e os litigantes eventuais. Os habituais estão sempre presentes em demandas semelhantes, enquanto os eventuais raramente são partes em processos judiciais.

Não é difícil de se concluir que os litigantes que sempre estão presentes em processos parecidos com caracteristicas comuns, possuem uma vantagem competitiva, pois detêm maior condição de entender as normas aplicáveis ao seu tipo de demanda, além de poderem perder em alguns casos para ganhar em outros maiores (ganho em escala).

Apesar desta distinção entre litigantes habituais e eventuais, o que é preponderante na análise daquele autor é a vantagem que o possuidor (financeiro) tem em comparação com o hipossuficiente. Essa vantagem pecuniária se dá, em regra, a favor do jogador (ou litigante) habitual. Como exemplo de exceção a esta regra, pode-se citar um rico empresário, que é réu em um processo criminal pelo crime de homicídio. Apesar de possuidor de riquezas, ele é um litigante eventual, e neste caso, o Ministério Público seria o litigante habitual, pois é a parte com mais conhecimentos, ferramentas e expertise para lidar com a demanda.

Neste contexto, o advogado surge como uma das principais ferramentas para diminuir essa diferença técnica importante entre os litigantes. Nesse sentido, Galanter foi claro ao narrar que a presença de advogados nos polos da demanda traria mais equilíbrio à parte com menos recursos. Apesar disso, destacou que partes com mais recursos possuem condições de contratar mais e melhores advogados.

Não há como refutar a ideia de advogados com capacidades distintas. Os acadêmicos com mais condições financeiras estudam em melhores universidades, não precisam trabalhar enquanto estudam e possuem acesso a melhores materiais e estágios. Geralmente estes serão os melhores profissionais e desejarão receber os melhores honorários, que, por consequinte, serão pagos por quem possui maiores recursos.

Aprofundando o estudo sobre este tema, Cappelletti e Garth em sua obra “Acesso à Justiça” enfocaram, primordialmente, o acesso ao Poder Judiciário (e não resultados individuais socialmente justos). Nesta pesquisa desenvolveram uma abordagem sobre três ondas renovatórias para solucionar o acesso à justiça, sendo:

A primeira "onda" desse movimento novo - foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses "difusos", especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro - e mais recente - é o que nos propomos a chamar simplesmente "enfoque de acesso à justiça" por que inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo. (1.988 – pág. 31).

Os autores deram uma importância maior a terceira onda renovatória, principalmente as tendências no uso do enfoque de acesso à Justiça com:

  1. Reforma dos procedimentos judiciais em geral;
  2. Métodos alternativos para decidir causas judiciais:
    1. Arbitragem;
    2. Conciliação;
    3. Incentivos Econômicos.
  3. Tendência de especialização de instituições e procedimentos judiciais:
    1. Procedimentos especiais para pequenas causas;
    2. Tribunais de “vizinhança” ou “sociais” para solucionar divergências da comunidade;
    3. Tribunais especiais para demandas de consumidores;
    4. Mecanismos especializados para garantir novos direitos em outras áreas de direito (meio-ambiente, locação de imóveis, litígios de direito administrativo e direitos trabalhistas).
  4. Mudança nos métodos utilizados para a prestação de serviços jurídicos:
    1. Uso de “parajurídicos”;
    2.  Desenvolvimento de planos de assistência jurídica mediante convenio ou em grupo.

Esse enfoque maior dos autores na terceira onda renovatória é justificada, pois as primeiras ondas renovatórias se referem a alterações mais específicas e facilmente identificáveis, sendo assistência jurídica na primeira onda e a defesa de direitos difusos na segunda. Já a terceira onda demonstra um rol exemplificativos de tendências a serem adotados por vários países distintos em busca de um maior acesso à justiça.

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Por fim, Cappelletti e Garth (1.988, página 165) destacaram que “a finalidade não é fazer uma justiça "mais pobre", mas torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres”. Ou seja, não se pode diminuir a qualidade da justiça para que esta seja acessível a todos.

Cabe ressaltar que, tanto a obra de Galanter, como a de Cappelletti e Garth, apesar de reconhecidas no estudo do acesso à Justiça, datam de 1974 e 1988, respectivamente, existindo várias alterações posteriores, principalmente legislativas e comportamentais.


4. Acesso à Justiça no Brasil

No contexto brasileiro, a evolução do acesso à justiça se deu de forma um tanto quanto diferente, inclusive pela existência de uma ditadura militar, dos anos de 1.964 a 1.984.

Historicamente, há busca pelo acesso à justiça aos pobres no Brasil desde 1.890 com o decreto 1.030, que dispõe em seus artigos 175 e 176:

Art. 175. Os curadores geraes se encarregarão da defesa dos presos pobres, á requisição do presidente do Jury ou da camara criminal.

Art. 176. O Ministro da Justiça é autorizado a organizar uma commissão de patrocinio gratuito dos pobres no crime e civel, ouvindo o Instituto da Ordem dos Advogados, e dando os regimentos necessarios. (BRASIL, 1890).

Cabe ressaltar, no entanto, que o conceito legal de pessoa pobre só veio com o art. 2º do Decreto 2.457, in verbis:

Art. 2º Considera-se pobre, para os fins desta instituição, toda pessoa que, tendo direitos a fazer valer em Juizo, estiver impossibilitada de pagar ou adeantar as custas e despezas do processo sem privar-se de recursos pecuniarios indispensaveis para as necessidades ordinarias da propria manutenção ou da familia. (BRASIL, 1897).

Interessante notar que, ao analisar o acesso à justiça no Brasil a partir das ondas renovatórias de Cappelletti e Garth, Lei de Assistência Judiciária (Lei 1.060/50) é reconhecida como primeiro marco histórico representativo da primeira onda renovatória, como descrito por Gastaldi.

No Brasil, a primeira onda renovatória do acesso à justiça ganhou consistência jurídica com a entrada em vigor da Lei 1.060, de 5 de fevereiro de 1950 e, mais de quarenta anos após, com a instituição da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, por meio da Lei Complementar 80, de 12 de janeiro de 1994 (GASTALDI, 2013, s.p). (grifei).

No entanto, conforme demonstrado pelos decretos nº 1.030 (de 1890) e nº 2.457 (de 1898) supracitados, a busca pelo acesso dos hipossuficientes à justiça iniciou-se, ao menos formalmente, logo após a proclamação da República, ocorrida em 1.888.

Nesse mesmo sentido, o Decreto nº 979 de 1903 foi uma das primeiras normas que possibilitou a busca pelo acesso à justiça no Brasil à categoria dos trabalhadores autorizando se reunirem em sindicatos rurais. Ressalta-se, contudo, que a associação de obreiros em sindicatos só foi regulamentada pelo Decreto-Lei 1.402 de 1939, com regramento posteriormente incorporado à Consolidação das leis trabalhistas (CLT) criada em 1.943.

Assim, os sindicatos existentes no Brasil, desde o início do século XX, facilitavam o acesso dos trabalhadores ao judiciário, além de proteger vários de seus direitos através de uma atuação coletiva, correspondentes à primeira e à segunda onda renovatória de Cappelletti.

Mas, pode-se dizer que só a partir da década de 1950, o ordenamento jurídico brasileiro passou por alterações que foram, e continuam como referências até hoje. Essas alterações são consideradas pela maioria de doutrinadores como os grandes marcos jurídicos no acesso à Justiça. Neste diapasão, destacam-se a Lei 1.060, de 1950, e a Lei 5.584 de 1970.

A primeira (Lei 1.060/50) normatizou a concessão de assistência judiciária aos necessitados e, aparentemente por má redação, trazia, em seu art. 3º, a assistência judiciária compreendendo os honorários de advogados e peritos, taxas judiciárias, depósitos recursais, dentre outros. No entanto, a assistência judiciária não se confunde com gratuidade judiciária.

A assistência judiciária se refere aos advogados responsáveis pela defesa em juízo das pessoas sem condições financeiras, e pode ser sintetizada como:

Direito de a parte ser assistida gratuitamente por um profissional do Direito, normalmente membro da Defensoria Pública da União, dos Estados ou do Distrito Federal, e que não depende do deferimento do juízo nem mesmo da existência de um processo judicial (DIDIER JR., 2016, p. 24).

Quanto aos órgãos responsáveis pela assistência judiciária, tem-se:

No processo comum, a Lei 1.060/50 aponta que a assistência judiciária será prestada pela defensoria pública ou por profissionais indicados pela OAB. Na Justiça do Trabalho, a Lei 5.584/70 diz que esta assistência judiciária cabe ao sindicato. (URNAU, 2017. p. 5).

Com a vigência do novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2014) houve a revogação expressa dos artigos da Lei 1.060/50, que se referiam à gratuidade judiciária, passando o próprio CPC a regular esta matéria em seu art. 98 e seguintes.

Dessa forma, a concessão de assistência judiciária e de gratuidade de justiça estão previstas com uma melhor redação, apesar de vários operadores jurídicos ainda se referirem à isenção de custas judiciais como assistência judiciária por atecnia.

Já a Lei 5.584, de 1970, disciplinou a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho.

Assim, em que pese os principais marcos legais possuírem datas posteriores a década de 1950, fato é que desde 1.890 já haviam normas tendentes a regular e conceder meios para o acesso à justiça aos mais necessitados. Destaca-se, ainda, o fato de ambas as normas (que instituiu o sindicato e que criou a assistência judiciária) datarem de períodos anteriores aos direitos referentes as mesmas ondas renovatórias nos demais países (1.960 e 1.980, respectivamente).

Mais recentemente, temos, em 1.985, a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347) que prescreveu a possibilidade de demandas envolvendo danos morais e patrimoniais causados:

l - ao meio-ambiente;

ll - ao consumidor;

III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;

V - por infração da ordem econômica;

VI - à ordem urbanística;

VII – à honra e à dignidade de grupos raciais, étnicos ou religiosos;

VIII – ao patrimônio público e social. (grifei).

Essa defesa de interesses difusos e coletivos foi incluída, posteriormente, com a Lei nº 8.078 de 1.990 (Código de Defesa do Consumidor), que inclusive trouxe sua conceituação, no parágrafo único de seu art. 81, que assim dispõe:

I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (grifei).

No entanto, mesmo antes do início da vigência do Código de Defesa do Consumidor, já havia uma forte tendência de garantir o acesso à Justiça que foi materializada com a Constituição Federal de 1.988 (CF/88).

No texto constitucional, há vários demonstrativos da preocupação em ser um texto voltado a levar mais justiça aos cidadãos, tanto é assim, que seu maior artigo em extensão é o art. 5º, que prescreve uma série de direitos individuais e coletivos.

Tendo em vista esse introito, mister a divisão do acesso à justiça no Brasil em algumas perspectivas, das quais destaca-se:

  1. A possibilidade de demandar no Poder Judiciário em busca do seu direito;
  2. A busca de solução de conflitos de forma coletiva;
  3. Formas alternativas de resolução de demandas / equivalentes jurisdicionais;
  4. Utilização de institutos para uniformização de jurisprudência com observância obrigatórios pelos julgadores.

Não se está aqui a prescrever uma quarta onda renovatória, mas, pelo contrário, utilizando a teoria das ondas renovatórias de Cappelletti e Garth, as perspectivas 3 e 4 supra se enquadrariam na terceira onda renovatória. Essa conclusão é induzida pela característica residual dada pelos autores àquela última geração de tendências fomentadoras de maior acesso à justiça.

4.1) Equivalentes jurisdicionais e sua importância para o acesso à justiça

Os equivalentes jurisdicionais são também conhecidos como formas alternativas de resolução de conflitos (ou pacificação social) e significam resolver a lide existente sem necessidade de uma decisão impositiva por parte do Estado-Juiz.

Como observado por Dinamarco:

Melhor seria se não fosse necessária tutela alguma às pessoas, se todos cumprissem suas obrigações e ninguém causasse danos nem se aventurasse em pretensões contrárias ao direito. Como esse ideal é utópico, faz-se necessário pacificar as pessoas de alguma forma eficiente, eliminando os conflitos que as envolvem e fazendo justiça. O processo estatal é um caminho possível, mas outros existem que, se bem ativados, podem ser de muita utilidade. (2004. p. 118-119).

Assim, apesar do princípio constitucional da inafastabilidade da Jurisdição (CF/88, art. 5º, XXXV), em algumas situações existem meios que podem levar a pacificação da lide sem movimentar o Poder Judiciário.

Destacam-se, nesse sentido, os seguintes meios:

Autotutela: Imposição da vontade de uma das partes à outra. Por se tratar de uma solução que atende a apenas um dos lados, geralmente não é admitido no direito brasileiro.

Mediação: A mediação é uma forma de auto composição com participação de terceiro, que não induz as partes, mas apenas utiliza técnicas para evitar conflitos entre os demandantes e facilitar a solução.

Conciliação: Também é um meio de solução por negociação das partes com ajuda de terceiro. Diferente da mediação, a conciliação pode ter proposta influenciada pelo terceiro. A situação e o relacionamento das partes que influencia que a melhor forma de solução alternativa, optando pela conciliação quando não houver proximidade entre as partes.

Destaca-se, também, a defesa dos direitos consumeristas por órgãos administrativos municipais, geralmente através dos procons estaduais. Estes órgãos geralmente possuem competência para tentar resolver os problemas dos consumidores e, em alguns casos, até impor multas às empresas.

Já na área trabalhista, pode-se destacar as comissões de conciliação prévia, que podem ser formadas por empresas ou por grupos de empresas. Mas, como formação sempre paritária, até mesmo como forma de evitar imposição da vontade de apenas um dos lados.

Ressalte-se que, via de regra, apesar de essas formas de resolução de conflitos gerarem seus importantes efeitos, não se excluí a possibilidade de análise pelo Poder Judiciário, conforme elucidado por Elpídio Donizetti:

Igual competência é atribuída a vários órgãos administrativos, que julgarão litígios relativos a matérias previstas em lei ou na própria Constituição. Apesar de também constituir espécie de heterocomposição de conflitos exercida por terceiro imparcial, a decisão por órgão administrativo não possui aptidão para a definitividade, se sujeitando ao controle jurisdicional, daí ser considerada equivalente jurisdicional. (2019. p. 247).

Ainda, nessa análise, resta evidente que existem meios que visam à pacificação social com e sem a participação estatal, sendo que mesmo os que decorrem de imposição pelos órgãos públicos poderão ser levados ao Poder Judiciário.

Nesse sentido, cada dia mais se vê, dentro da própria estrutura do Poder Judiciário, a existência de momentos obrigatórios para tentativa de conciliação e centros especializados em conciliação e mediação, nos quais existem audiências especificas, mesmo sem a participação de Juízes, para tentativas conciliatórias.

A importância dessas formas alternativas para a solução dos conflitos não é apenas a imposição da solução, mas sim a construção conjunta dessa solução, pois em caso contrário, apenas retardaria a busca pelo poder Judiciário.

O objetivo dessas mudanças legislativas implementadas é, sem sombra de dúvidas, trazer acesso à justiça aos litigantes com menos necessidades de gastos nas instituições integrantes do Poder Judiciário. Enquanto um processo pode levar vários anos em tramitação e, no fim, ainda não ser adimplido por ser o executado insolvente, na negociação antecipada poderia ter se feito um acordo, no qual o credor receberia um pouco menos, mas já de imediato.

É claro que essas modificações não visam apenas ao acesso à justiça ao usuário do Poder Judiciário, mas também a diminuição das demandas, pois qualquer instituição sobrecarregada não conseguirá ter uma boa eficiência operacional.

Inobstante, cabe aqui destacar, que como qualquer mudança, não é recebida em poucos meses ou anos. Mister uma alteração de comportamento que demanda tempo para ser visível nas estatísticas do Poder Judiciário.

4.2) Precedentes obrigatórios

Inicialmente, devemos diferenciar precedentes, jurisprudência e súmulas.

Os precedentes são todas as decisões proferidas pelos juízes ou tribunais, mesmo que apenas em um caso especifico. A jurisprudência, por sua vez, é um conjunto de algumas decisões precedentes prolatadas em um mesmo sentido.

Por fim, as súmulas são, resumos de entendimentos dos Tribunais sobre determinados temas, editados para orientar os órgãos sob sua jurisdição. Essa edição não precisa estar vinculada a um ou alguns processos específicos.

Dentro das súmulas se destacam as Súmulas Vinculantes que foram criadas com a CF/88, tornando seu cumprimento obrigatório para todos órgãos do Poder Judiciário, bem como para toda a Administração Pública, começando a aproximar o ordenamento brasileiro ao sistema Commow Law.

Sobre estes precedentes cabe ainda a análise de sua composição, que conforme Didier, podem ser pela:

a) circunstâncias de fato que embasam a controvérsia;

b) tese ou o princípio jurídico assentado na motivação (ratio decidendi) do provimento decisório.

c) argumentação jurídica em torno da questão.

Assim, embora comumente se faça referência à eficácia obrigatória ou persuasiva do precedente, deve-se entender que o que pode ter caráter obrigatório ou persuasivo é a sua ratio decidendi, que é apenas um dos elementos que compõem o precedente.

Na verdade, em sentido estrito, o precedente pode ser definido como sendo a própria ratio decidendi. (2016. p. 455).

Dessa forma, o que pode ser considerado como precedentes para vinculação ou persuasão do julgador no caso análogo não é a decisão anterior e sim sua razão de decidir (ratio decidendi), não se levando em consideração o obiter dictum, que são os argumentos lançados na fundamentação, mas sem efetivamente motivar a decisão.

Fredie Didier Jr. destaca, com maestria, as eficácias dos precedentes (2016. p. 467-474), dividindo-os em precedentes com eficácia:

  1. Vinculante e obrigatória (mais importantes para o estado do acesso à justiça);
  2. Persuasiva;
  3. Obstar revisão de decisões;
  4. Autorizante;
  5. Rescindente ou deseficazante;
  6. Permissivo de revisão de coisa julgada.

Nesse contexto, o principal efeito a ser estudado aqui é o de observação obrigatória de alguns precedentes, incluídos no ordenamento jurídico brasileiro com a Lei 13.015 de 2014 no direito trabalhista e com o novo CPC (Lei 13.105 de 2015) para o processo civil.

A Lei 13.015 de 2014 se antecipou as tendências do então projeto de novo código de processo civil e prescreveu alguns incidentes de uniformização de jurisprudência, como os previstos no art. 896-C da CLT.

Já o CPC, trouxe expressamente o dever de obediência à alguns precedentes, conforme seu art. 927, in verbis:

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II - os enunciados de súmula vinculante;

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§ 1º Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, § 1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§ 2º A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese.

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§ 4º A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

§ 5º Os tribunais darão publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na rede mundial de computadores. (2015).

Assim, resta evidente uma aproximação entre o ordenamento jurídico brasileiro e o commow law e não poderia ser diferente. Nosso país conta com umas das maiores populações do planeta e com um crescimento vertiginoso de demandas judiciais.

Como discorrido neste artigo, é natural que o aumento da população e dos relacionamentos entre a as pessoas originem mais conflitos e consequentemente mais processos judiciais.

No entanto, o Brasil ainda é um país subdesenvolvido e dispõe de recursos extremamente limitados no orçamento de cada poder. Nesse mesmo sentido, cabe ressaltar que 2020 será o sétimo ano consecutivo de registro de déficit público, ou seja, desde 2014 o Governo brasileiro arrecada menos do que o gasto.

Sem aprofundar na análise dos gastos públicos é necessário destacar que o Poder Judiciário comum é mantido pelos Estados a que integram e assim como a União, a maioria dos Estados brasileiros estão com registros crescentes de déficits orçamentários, inclusive com algumas unidades da federação gastando quase 80% do valor arrecadado só com funcionalismo público.

Dessa forma, a única forma possível de melhorar a qualidade da prestação jurisdicional, sem aumentar o volume de recursos investidos, passa pela melhor gestão em busca da eficiência operacional, o que alcança, atualmente, o ápice, com os processos coletivos ou com a instituição de precedentes que deverão ser seguidos obrigatoriamente pelos outros julgadores.

Nesse sentido, essa utilização dos precedentes obrigatórios visa a agilizar a solução satisfatória da maior quantidade de lides possíveis que envolvam questões fáticas idênticas. Nesse sentido, o CPC inovou ao trazer a obrigatoriedade do precedente em incidentes de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competências.

Portanto, com uma análise aprofundada em apenas uma das situações, o tribunal poderá fixar uma tese que deverá ser aplicada em outras (talvez milhares) ações, aumentando a eficiência operacional e diminuindo a burocracia e tempo de duração dos processos em andamento.

Claro que são procedimentos novos para o Brasil e por isso as instituições necessitam de um tempo de adaptação e melhoria procedimental para a máxima eficiência, mas fato é que se trata de uma tendência importantíssima para o acesso à justiça, principalmente para a denominada litigiosidade de massa.

Sobre o autor
Denis de Oliveira Palhares

Assistente de Juiz no TRT da 4ª Região. Bacharel em Direito pela Faculdade de Talentos Humanos (FACTHUS). Bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal de Uberlândia. Especialista em Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Internacional Signorelli. Possui MBA em Gestão e Estratégia Empresarial pela Universidade Municipal de São Caetano do Sul. Aluno do Doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad de Buenos Aires-AR (UBA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALHARES, Denis Oliveira. Acesso à Justiça no Brasil: Da proclamação da República à litigiosidade de massa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6204, 26 jun. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83050. Acesso em: 2 nov. 2024.

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