4. Prestação Jurisdicional Constitucional.
"O Estado cria a ordem jurídica, e ao fazê-lo atribui a si mesmo a condição de ser um dos centros galvanizadores de direitos e obrigações
O Juiz e os Tribunais de Justiça são órgãos do Poder Judiciário, conforme disposto na Constituição Federal e nas Constituições Estaduais. Portanto, o magistrado no exercício da jurisdição, desfigura-se de sua subjetividade, devendo utilizar o requisito da imperatividade do Poder Público para viabilizar os objetivos sociais fundamentais traçados na Constituição Federal e nas normas infraconstitucionais.
Inadmissível que o próprio Estado, ao julgar caso concreto, desvincule-se de sua função social, emanando ato imperativo contaminado pela contradição aos seus próprios fundamentos e objetivos.
Partindo deste escopo, convence-nos que a posição do STJ é que melhor atende às exigências de ordem constitucional e legal, no qual o juiz procede a uma leitura menos dogmática da lei, adequando a interpretação aos fins sociais a que ela se destina.
"Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. (art. 5º da LICC)".
Apesar de estabelecer uma relação entre fiador e credor, é cediço que, via de regra, o primeiro nem chega a conhecer o segundo. O afiançado apresenta ao fiador instrumento já redigido com todas as cláusulas inseridas. Por sua vez, o fiador aceita assinar, porém, absolutamente constrangido (desprovido de vontade), haja vista tratar-se de pessoa a que destina grande amizade ou mesmo laços familiares.
Trata-se de contrato benéfico e gratuito. Por isso, o legislador delimitou-o o mais restritivamente possível, positivando interpretação restritiva, configurando a forma escrita, como a única com eficácia; possibilitando a oposição de exceções, com previsão no próprio direito material, entre outras garantias processuais previstas no direito material.
Arnaldo Rizzardo9 acrescenta:
"A interpretação, nos contratos a título gratuito, é sempre favorável ao devedor, eis que inspirado o ato na intenção da liberalidade".
Ainda no mesmo sentido, o admirável jurista italiano Piero Calamandrei10:
" Não basta que os magistrados conheçam com perfeição as leis tais como são escritas; seria necessário que conhecessem igualmente a sociedade em que essas leis devem viver.
O tradicional aforismo iura novit curia não tem nenhum valor prático se não se acompanhar deste outro: mores novit curia".
É crucial que a posição do STJ venha a ser adotada pelos Tribunais Estaduais, desobrigando o fiador por obrigações, ocorridas após o vencimento expresso no contrato, decorrentes de prorrogação carentes de sua anuência, mesmo que o instrumento contratual contenha cláusula de que sua responsabilidade perduraria até a entrega final das chaves.
Caso contrário, será necessário que o STJ publique nova súmula, substituindo a 214, complementando com seu entendimento de ineficácia do termo que vincula o fiador até a entrega definitiva do imóvel, quando o vencimento da locação vier a ultrapassar o vencimento escrito.
O entendimento jurisprudencial emanado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é de que o fiador, neste caso, teria que requerer a exoneração da fiança, haja vista a conversão do contrato (de locação) com prazo determinado para indeterminado. No entanto, o entendimento pacificado pelo STJ é de que não existe qualquer relação jurídica entre fiador e credor em relação aos compromissos registrados após o vencimento do contrato. Obviamente, não há como requerer desobrigação por obrigação inexistente.
Notas
1
RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. 3ª edição. Rio de Janeiro: 2004, Forense. Pág. 980.2
Facultatividade, de suma importância, pouco utilizada pelos operadores de direito.3
DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro – Teoria Geral do Direito Civil. 20ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003, pág. 87.4
BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. Tradução Márcio Pugliesi., São Paulo: Ícone, 2006. Pág. 73.5
SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo, Comentários à Lei 8.245/91. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, Páginas 250/251.6
GOMES, Orlando. Atualizado por Humberto Theodoro Junior. Contratos. 24ª edição. São Paulo, Forense, 24ª edição, pág. 42.7
RÁO, Vicente. Ato Jurídico, 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. Página 121.8
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1999. Pág. 4.9
Obra citada, pág. 7510
CALAMANDREI, Piero. ELES, OS JUÍZES, VISTOS POR UM ADVOGADO. São Paulo: Martins Fontes, 2.000. Pág. 183.