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Fiança locatícia:

ausência de responsabilidade do fiador após o vencimento expresso no contrato

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27/04/2006 às 00:00
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A Súmula nº 214 do STJ dispõe que o fiador, na locação, não é responsável por obrigações decorrentes de prorrogação contratual a qual não anuiu. O presente artigo visa demonstrar que a interpretação do STJ é a mais correta.

Introdução.

            A Súmula 214 do STJ dispõe que o fiador, na locação, não é responsável por obrigações decorrentes de prorrogação contratual a qual não anuiu. Várias ementas jurisprudenciais da Corte Superior vêm confirmando o enunciado, complementando-o, com o entendimento da ineficácia da cláusula que responsabiliza o fiador até a efetiva entrega das chaves. No entanto, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vem mantendo o entendimento de que o garantidor que assinou contrato comprometendo sua responsabilidade até a entrega definitiva do imóvel, responde por obrigações ocorridas após o vencimento expresso, em locação prorrogada tacitamente por prazo indeterminado, caso não tenha se exonerado da obrigação.

            O presente artigo visa demonstrar que a interpretação do STJ é a mais correta à luz da hermenêutica.


1. Da natureza jurídica. Da positivação da forma e interpretação da fiança.

            Inicialmente, abordaremos, sinteticamente aspectos da natureza jurídica da Fiança, a fim de traçar análise crítica em relação às questões polêmicas no que tange à aplicação do direito em caso concreto nos contratos de fiança locatícia.

            I) Trata-se de contrato unilateral, visto que gera obrigações estritamente ao fiador. Não obstante, entretanto, alguns atribuírem natureza bilateral imperfeita, posto que ao pagar a obrigação, o fiador sub-roga-se nos direitos do credor originário.

            II) Caracteriza-se como um contrato benéfico ou gratuito, não auferindo qualquer vantagem ao fiador. Não obstante, não haver qualquer óbice à fixação de remuneração, como forma de compensação pelo risco assumido, notadamente na fiança mercantil ou comercial.

            III) É sempre contrato acessório. Pressupondo a existência de uma obrigação principal, de ordem legal ou convencional1 .

            Eis as três características mais proeminentes do contrato de fiança que embasam a integração de forma e interpretação consubstanciada nos artigo 818 a 837 do Código Civil de 2002.

            Assim, tendo em vista sua natureza benéfica ou gratuita, o artigo 819 do Código Civil só admite a forma escrita, e, impõe interpretação restritiva, ao não admitir a extensiva.

            Ainda, embasado no caráter benéfico do contrato, o legislador atrelou ao direito do fiador os seguintes benefícios:

            a) Benefício de ordem, previsto no artigo 827 (CC), fixando-a como garantia subsidiária, admitindo-se a solidariedade somente se houver renúncia expressa do fiador ao benefício;

            b)Previsão no direito material (artigos 837 e 838 do Código Civil) da possibilidade do fiador opor as exceções2 que lhe forem pessoais e as extintivas de obrigação, entre as quais quando a culpa pelo descumprimento pelo afiançado ocorreu em decorrência de qualquer favorecimento, omissão ou conduta por parte do credor, incluindo eventual inércia.

            Destaque-se, por último, que o artigo 818 (CC) atribui ao fiador o dever de garantir a satisfação ao credor, somente no caso de descumprimento do afiançado, em decorrência da natureza acessória do contrato de fiança.


2. Polêmica jurídica. Antinomia (conflito entre normas). Divergência jurisprudencial STJ x Tribunais Estaduais.

            A Súmula 214 do STJ, publicada no Diário da Justiça em 02.10.1998, pág. 250, dispõe que:

            "O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu"

            Via de regra, os contratos de locação (principal) e de fiança (acessório) são formalizados em um só instrumento. Apesar de pactuar prazo determinado, geralmente os instrumentos com cláusulas pré-inseridas (contratos de adesão), textualizam a perpetuidade do vínculo do fiador, renunciando ao vencimento do contrato, por meio da frase de que sua responsabilidade, na realidade, encerar-se-ia somente com a entrega definitiva das chaves.

            Observa-se, no caso, a preocupação do credor em convencionar a norma estatutária preconizada no artigo 39 da Lei 8.245/91, almejando a perpetuação da garantia. A cláusula convencional teria, supostamente, o condão de convalidar a normal legal estatutária.

            Dispõe o artigo 39 da Lei 8.245/91 que não havendo disposição contratual em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a entrega definitiva do imóvel. Observe-se que, no caso da fiança locatícia, existe disposição legal em contrário, haja vista que se exige a forma escrita para a validade da efetivação da garantia. Portanto, aplicando os conceitos de hermenêutica ao próprio dispositivo legal, inadmissível que a garantia fidejussória acompanhe a prorrogação tácita da locação.

            O parágrafo primeiro do artigo 46 da Lei 8.245/91 preceitua que, findando o prazo pactuado, se o locatário continuar na posse do imóvel alugado por mais de 30 dias sem oposição do locador, presumir-se-á prorrogada a locação por prazo indeterminado, mantidas as demais cláusulas e condições do contrato.

            Verifica-se, pois, a ocorrência do fenômeno de antinomia entre normas.

            O artigo 39 em conjunto com parágrafo primeiro do artigo 46 da Lei 8.245 determina que o contrato de locação e suas garantias ficam tacitamente prorrogados, em razão do silêncio entre locador e locatário decorridos trinta dias do vencimento do contrato.

            No entanto, o artigo 819 do Código Civil só admite a formalização de fiança por escrito, impondo interpretação restritiva.

            Cabe ao aplicador de direito utilizar os conceitos jurídicos inerentes à solução da antinomia entre normas jurídicas, a fim de solucionar o impasse.

            A Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem entendimento majoritário, de que prevaleceria a cláusula convencional de que a responsabilidade do fiador perduraria até a entrega das chaves, contrariando jurisprudência sumulada pelo STJ, a saber:

            "FIANÇA - RESPONSABILIDADE DO FIADOR - LOCAÇÃO - FIXAÇÃO ATÉ A ENTREGA DAS CHAVES - CONTRATO PRORROGADO - EXONERAÇÃO - AUSÊNCIA – RECONHECIMENTO -

Fiador que se obrigou até a entrega real e efetiva do imóvel e não requereu sua exoneração, como permitido pelo artigo 1500 do Código Civil de 1916, continua respondendo pelas obrigações de seu afiançado, mesmo após o vencimento do contrato escrito, exceto por aquelas decorrentes de aditamentos feitos sem a sua anuência". Ap. c/ Rev. 779.092-00/4- 29ª Câmara. - Rel. Desembargador DYRCEU CINTRA - J. 2.3.2005.

            Ao contrário, o Superior Tribunal de Justiça, interpreta a súmula 214 na integralidade do contexto, ou seja, mesmo que haja a responsabilização contratual do fiador até a efetiva entrega das chaves, o garantidor não seria responsável por obrigações decorrentes de prorrogação legal a qual não anuiu. Segundo o entendimento cessa a relação jurídica, em relação ao fiador, após o vencimento do contrato, delimitando sua responsabilidade, estritamente, por possível inadimplência do afiançado dentro do prazo de vencimento expresso no contrato com prazo determinado, a saber:

            "STJ. 5ª Turma. Relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima. 21.10.2004. Votação unânime. Ementa: " A despeito de o fiador haver-se comprometido com as obrigações do locatário até a devolução do imóvel, tal não deve prevalecer se ele não concordou, expressamente, com a prorrogação do contrato (súmula 214/ STJ), ante a natureza benéfica dessa garantia, cuja interpretação deve ser restritiva. 2. O termo inicial da exoneração do fiador, em ação declaratória com esse objetivo deve coincidir com a data da citação, conforme aliás, dispôs a sentença. 3. Recurso Especial conhecido e provido, nos termos do voto do condutor".

            ‘STJ.Resp 440.110/SP. Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca. DJU 11.11.2002, pág. 284. Ementa: "A jurisprudência da Corte vem-se firmando no sentido de não admitir interpretação extensiva ao contrato de fiança, daí não pode ser responsabilizado o fiador por prorrogação de prazo no contrato de locação, a que não deu anuência, mesmo que exista cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva entrega das chaves. Recurso conhecido e provido".

            Utilizando os instrumentos da hermenêutica e os Princípios Gerais do Direito, notadamente, o Princípio da Razoabilidade, vislumbra-se a posição da Corte Superior como a mais acertada, conforme será demonstrado adiante.

            No entanto, apesar do disposto no artigo 557, "caput" e parágrafo primeiro, que estabelece que o Relator deve, de forma monocrática, adequar sua decisão com súmula do Tribunal Superior, o Egrégio Tribunal Estadual persiste na interpretação divergente à Corte Superior.

            Como a súmula 214 do STJ não prevê, literalmente, a ineficácia da renúncia implícita na frase "até a entrega definitiva das chaves", o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo mantém uma interpretação essencialmente gramatical ou literal, a despeito de a jurisprudência da Corte Superior repetir, ininterruptamente, valendo-se de interpretação teleológica, a invalidade absoluta da cláusula que responsabiliza o fiador até a entrega definitiva do imóvel.


3. Solução jurídica da antinomia.

            A ordem jurídica prevê os seguintes critérios para a solução de antinomias no direito positivado, a saber:

            I-Hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), tido como o principal dos critérios.

            II-Cronológico (lex posterior derogat legi priori). Quando se tratar de conflito de normas pertencentes ao mesmo escalão;

            III-Especialidade (lex specialis derogat legi generali). Critério aplicável para o caso concreto.3

            Caso venha a ocorrer impossibilidade de remoção do conflito normativo, não se verificando a prevalência de qualquer um dos enunciados legais, surge o fenômeno da antinomia real ou lacuna de colisão, devendo ser solucionada por meio dos Princípios Gerais de Direito, positivados nos artigos 4º e 5º do Decreto Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942 (LICC), robustecidos pelo artigo 126 do Código de Processo Civil (Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973). Cabendo ao julgador norteado pelos Princípios Gerais do Direito, buscar a solução que melhor atenda aos anseios sociais à fórmula mais justa.

            Tais dispositivos legais têm origem na primeira codificação jurídica pós Justiniano, o Código Napoleônico que, em 1804, positivou pela primeira vez sistema jurídico francês, com ampla repercussão, produzindo fundamental influência no desenvolvimento do pensamento jurídico moderno e contemporâneo4.

            O artigo 4º do Código Napoleônico dispunha:

            "O juiz que se recusar a julgar sob o pretexto do silêncio, da obscuridade ou da insuficiência da lei, poderá ser processado como culpável de justiça denegada".

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            Utilizando-se qualquer uma das fórmulas expostas acima, evidencia-se a necessidade de que a súmula 214 do STJ venha a ser respeitada e aplicada pelos Tribunais Estaduais, com absoluta primazia, na forma do entendimento reiterado por sucessivas ementas jurisprudenciais emanadas da Corte Superior.

            Gildo Santos5, em notas explicativas ao artigo 39 da Lei 8.245/91, assevera:

            "A mais recente orientação do Superior Tribunal de Justiça tem estabelecido que ‘a jurisprudência da Corte vem-se firmando no sentido de não admitir interpretação extensiva ao contrato de fiança, daí não pode ser responsabilizado o fiador por prorrogação de prazo no contrato de locação, a que não deu anuência, mesmo que exista cláusula de duração da responsabilidade do fiador até a efetiva entrega das chaves. Recurso conhecido e provido’ (Resp 440.110/SP – Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca – DJU 11.11.2002, pág. 284). Como essa Corte Superior tem competência recursal para julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados ou do Distrito Federal, quando a decisão contrariar lei federal ou negar-lhe vigência, vale dizer que cabe ao STJ dar a última palavra na interpretação das leis infraconstitucionais, como é o caso da locação".

            Ocorre que, infelizmente, o objetivo do legislador constituinte em aperfeiçoar e uniformizar a interpretação das normas infraconstitucionais, por meio do Recurso Especial (CF 105 III), tornou-se inócuo. O Superior Tribunal de Justiça, com apenas duas câmaras de direito privado, assoberbado de demandas, impõe excessiva e inexplicável exigência formalista para o conhecimento do recurso, estabelecendo barreira intransponível para a análise do mérito. Agravando-se com a conduta de vários Relatores dos Tribunais Estaduais que, agindo com certa aleivosia, procuram, propositadamente, não prequestionar questões nucleares apresentadas pelo jurisdicionado, mesmo em reiteradas oposições de embargos declaratórios.

            A Súmula 214, publicada há oito anos, não consegue harmonizar o entendimento jurisprudencial dos tribunais estaduais, determinando expressivos prejuízos ao jurisdicionado que não obtém a apreciação meritória no Recurso Especial interposto ao Tribunal Superior, mesmo com o dispositivo legal encartado no artigo 557 "caput" e parágrafo primeiro do Código de Processo Civil. Observa-se, flagrante ausência do dever de Prestação Jurisdicional por parte do Estado Juiz, com absoluto descaso à pretensão do jurisdicionado.

            3.1. Aplicação do Princípio da Especialidade.

            Para a solução da antinomia sob o enfoque do Princípio "lex specialis derogat legi generali" necessário que, de início, se verifique qual seria a norma especial em relação à outra de ordem genérica.

            Indubitavelmente, deve prevalecer a norma estatutária da espécie de contrato acessório estabelecida no Código Civil que dispõe no artigo 819 que a fiança dar-se-á por escrito, não admitindo interpretação extensiva.

            A fim de demonstrar o acerto da opção acima, desenvolvamos um caso análogo. O artigo 108 do Código Civil determina que a Escritura Pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem constituição, modificação, transferência, etc. de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país.

            Portanto, ao formalizar um contrato de confissão e assunção de dívidas com garantia hipotecária, de valor superior a 30 vezes o salário mínimo, exige-se para a eficácia da garantia hipotecária que seja pactuado por escritura pública, prevalecendo especialidade legal da garantia em relação ao negócio genérico.

            Se formalizado por contrato particular haverá validade do contrato genérico de assunção de dívidas, no entanto, sem a eficácia da garantia hipotecária.

            Assim, se a norma específica que institui a espécie de garantia exige contrato escrito, não admitindo interpretação extensiva, ineficaz a forma tácita, mesmo que haja previsão legal considerando prorrogado o contrato de locação e suas garantias. É absolutamente nula a presunção de prorrogação tácita do contrato de fiança por força do dispositivo encartado no artigo 166, inciso IV do Código Civil que determina a nulidade do negócio jurídico que não revestir a forma prevista em lei.

            Portanto, no caso da fiança locatícia, com locação prorrogada tacitamente por determinação legal em decorrência decurso de tempo sem manifestação em contrário, não obstante, ser incontestável que houve a prorrogação do contrato de locação por prazo indeterminado, não se pode admitir o mesmo em relação ao contrato de fiança, que para sua eficácia só admite a forma escrita.

            3.2. Interpretação da antinomia sob o enfoque contratual.

            Ainda na vigência do Código Civil de 1916, Orlando Gomes destacava6:

            "Ao princípio da boa-fé empresta-se ainda outro significado. Para traduzir o interesse social das relações jurídicas, diz-se como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas".

            O saudoso Vicente Ráo7, com sua admirável inteligência e concisão, lecionava a respeito da declaração expressa em contrato:

            "Considera-se expressa a declaração de vontade produzida com o propósito consciente de torná-la conhecida por outrem, ou, tal seja o caso, para que produza, pura e simplesmente, os efeitos que a lei lhe atribui".

            Em regra, o instrumento de locação, com garantia fidejussória, é da espécie de contrato de adesão, contendo cláusulas pré-impressas. Observa-se, ainda, que o contrato é complementado com seu vencimento com letras maiores que às pré-imprimidas. Assim, o vencimento previsto para o contrato de prazo determinado é expresso em letras bem maiores que a cláusula pré-inserida prevendo a responsabilidade do fiador até a entrega definitiva das chaves, supostamente, renunciando à duração da responsabilidade ao termo original do contrato expresso.

            É ineficaz a renúncia, por não traduzir com fidelidade a real vontade do fiador.

            O Novo Código Civil positivou a posição dos respeitáveis juristas mencionados acima.

            O artigo 423 do Código Civil determina que quando houver cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente, concomitantemente, o artigo 424 do mesmo ordenamento jurídico dispõe que: "são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio". Os dois dispositivos legais mencionados complementam o disposto no artigo 422 do Código Civil que trata da manutenção da boa-fé e da probidade, tanto na conclusão do contrato, como na sua execução.

            No caso específico da fiança locatícia não há como não atender, ainda, ao dispositivo encartado no artigo 114 do Código Civil:

            "Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se restritivamente

".

            Pelo que foi exposto acima fica claro que o vencimento expresso, no caso do fiador, se sobrepõe à cláusula inserida de que sua responsabilidade se prorrogaria até a entrega final das chaves, sem necessidade de desenvolver elasticidade argumentativa adicional.

            3.3. Interpretação sob o enfoque volitivo "stricto sensu". Princípio da Razoabilidade.

            Sob os enfoques volitivos e axiológicos, contrapondo-se o real vencimento do contrato à frase pré-inserida de que a responsabilidade perduraria até a entrega das chaves, não há como prescindir, no exercício da hermenêutica, de atender ao Princípio Constitucional da Razoabilidade, não expresso, porém implícito ao Estado Democrático de Direito.

            Utilizando-se os mecanismos da empatia, depreende-se, claramente, que mesmo que o manifestante estivesse concordando com a frase de que sua obrigação fidejussória, a despeito do vencimento inserido no contrato, abrangeria o lapso temporal entre o termo final e a efetiva entrega do imóvel, impõe-se interpretar que a vontade real do aderente seria obrigar-se por um tempo razoável após o vencimento do contrato, e nunca perpetuamente.

            A frase não tem o sentido de perpetuidade. O parágrafo primeiro do artigo 46 da lei 8.245/91 prevê a presunção de prorrogação tácita do contrato por prazo indeterminado, somente após haver decorrido 30 dias sem que o locatário e locador ponham termo à relação jurídica. Ora, verifica-se que a norma estatutária referente à locação prevê um prazo de tolerância ou carência de trinta dias corridos do termo do contrato para que o locatário permaneça na posse do imóvel, sob a égide do contrato escrito já vencido, sem implicar que haja qualquer presunção de prorrogação do contrato, e, sua conseqüente conversão de prazo determinado para indeterminado. Somente no 31º dia após o vencimento considerar-se-á prorrogado o contrato de locação.

            Assim, sob o enfoque volitivo do garantidor da obrigação pactuada, a cláusula de que "a responsabilidade perdurará até a entrega das chaves" deve limitar-se ao lapso temporal de 30 dias determinado pela lei, para que o locatário permaneça no imóvel sem ocorrer presunção de formalização tácita de prorrogação do pacto locatício.

            Não há como entender porque o aspecto volitivo não foi abordado pela Doutrina ou Jurisprudência, com a identificação da vontade real, atendendo ao Princípio Jurídico da Primazia da Realidade e ao Princípio Constitucional da Razoabilidade.

            Somente para reforçar o enfoque sob o Princípio da Razoabilidade, apresentamos o seguinte exemplo:

            Instrumento consubstanciando contrato principal de locação e acessório de fiança, celebrado em 1978, com vencimento previsto para 1981, e cláusula de responsabilização do fiador até a entrega real das chaves. Findo o pacto expresso, o locatário continua na residência, pagando rigorosamente os aluguéis até o ano de 2004. Em 2006, o locador, após despejar o locatário, decide promover a execução do contrato de fiança para receber os valores referentes à inadimplência do locatário, com ocorrência registrada 25 anos após o vencimento do contrato.

            Indubitavelmente, não é justo, nem razoável, o entendimento patrocinado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado. Contraria a função social da jurisdição e do contrato.

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Sobre o autor
Riad Fuad Salle

advogado em Marília (SP), especialista em Direito Civil e Processual civil, pós-graduado pela UNIVEM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALLE, Riad Fuad. Fiança locatícia:: ausência de responsabilidade do fiador após o vencimento expresso no contrato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1030, 27 abr. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8310. Acesso em: 22 dez. 2024.

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