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A voz da criança no processo penal de abuso sexual.

Em quais medidas é aplicável o depoimento especial para a escuta de crianças e adolescentes e a sua não revitimização?

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Agenda 08/07/2020 às 22:48

2. O DEPOIMENTO EM SEDE DE ANTECIPAÇÃO DE PROVA .

2.1 CONCEITO DE PROVA.

Necessário se faz entender o que seria prova, o vocábulo prova tem origem no latim proba, aquilo que assegura a veracidade, autenticidade ou falsidade de um fato.

Sendo assim, é importante citar o pensamento do Professor Doutor Fernando Capez7 , prova: “Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação.”

Desta forma, prova é tudo aquilo que contribui para a formação do convencimento do juiz, ou seja, é tudo aquilo que levamos ao seu conhecimento na expectativa de convencê-lo da realidade dos fatos ou de um ato do processo.

Entretanto, simplesmente por não existir prova de algo alegado, não significa necessariamente que o fato não ocorreu, existe somente a incerteza da veracidade do ato, pode ocorrer a mentira ou não, mas o juiz utiliza de todos os meios necessários para chegar ao seu entendimento.

O principal meio probatório no processo penal é a prova testemunhal, que é feita através do depoimento.

A prova testemunhal é a reprodução oral dos fatos ocorridos que deram ensejo a um processo penal, estando prevista nos artigos 202 ao 225 do nosso Código de Processo Penal.

É um dos meios de prova oral mais utilizado para a busca da verdade e da efetivação da justiça, pois a testemunha pode auxiliar o juiz a esclarecer e ou chegar perto dos fatos, para que possa proferir uma sentença justa.

Ressalta-se que a mesma se adapta as necessidades do depoente, se a pessoa for muda, por exemplo, fica inviável ser feita de forma oral.

2.2. ANTECIPAÇÃO DE PROVA.

Antecipação de prova é a possibilidade que o juiz tem de solicitar que algo seja realizado antes da época supostamente prevista, conforme art. 156, inciso I do Código de processo penal;

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008).

I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008).

Prevê ainda o artigo Art. 11, da lei 13.431/2017 que

“O depoimento especial reger-se-á por protocolos e, sempre que possível, será realizado uma única vez, em sede de produção antecipada de prova judicial, garantida a ampla defesa do investigado”.

A lei prevê a antecipação do depoimento da vitima ou testemunha, visto que seu principal objetivo é assegurar a diminuição dos danos aos menores envolvidos, desta forma é necessário que se tenha em mente os possíveis desdobramentos da violência, devendo o depoimento conter informações que sejam relevantes para todas as ações que estejam sendo ou possam vir a ser ajuizadas a partir desse fato, ou seja, para que não fiquem brechas que abram parênteses para um novo depoimento futuramente.

A possibilidade da realização do depoimento a titulo de produção antecipada de prova tem o objetivo de evitar prejuízos decorrentes da demora no julgamento da causa, para a vitima que ao ser chamada novamente para relatar o ocorrido irá reviver todo o trauma por qual passou devido a violência sofrida ou para o próprio processo, pois o ocorrido fica registrado na memoria da vitima e pode sofrer perdas importantes de detalhes e fatos com o passar do tempo.

2.3 ANTECIPAÇÃO PARA EVITAR A REVITIMIZAÇÃO.

Necessário se faz entender o que seria a revitimização e como este fato é ruim para a criança, a Wikipédia, a enciclopédia livre, conceitua como: O fenômeno decorrente do sofrimento continuado ou repetido da vítima de um ato violento, após o encerramento deste, que pode ocorrer instantaneamente, dias, meses ou até anos depois.

A revitimização acontece principalmente em uma esfera institucional, a exemplo, a vítima de abuso sexual que, após o sofrimento da violência própria do ato, é interrogada de maneira inescrupulosa de modo a lembrar, de maneira dolorosa, os momentos em que esteve sob o jugo do agressor.

Desta forma a revitimização ocorre quando a criança é submetida a processos que levam a reviver a violência sofrida, sendo exemplos o depoimento na delegacia, na repetição do ato que sofreu diante de órgãos do judiciário, diante do juiz e até diante da família, que pede para a criança repetir varias vezes e em dias diferentes o relato do ato afim de que ela confirme contando sempre da mesma forma ou negue mudando o fato narrado em cada vez que relata.

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Dessa forma, o fato de repetir mais de uma vez o abuso sofrido, faz com que a criança vivencie uma nova forma de violência a revitimização, que está intimamente ligada aos sentimentos e danos a criança.

Ao se relatar novamente um fato a criança se vê novamente exposta a toda a violência sofrida, é como se a mesma vivesse a agressão novamente.

Vilela8 afirma que ao fazer a criança relatar os fatos mais de uma vez se pode acarretar até prejuízos para a justiça, uma vez que a vitima por estar cansada de relatar as mesmas coisas venha a omitir os fatos ou ainda por considerar que está chamando atenção vim a aumentar os acontecimentos, uma vez que em muitos casos a vitima é pequena e ainda está formando seu caráter.

As perguntas feitas para as vitimas no momento do depoimento dependendo da não atenção para as palavras provocam a revitimização, dor, angustia e posterior culpa.

Existiam casos em que o advogado tenta livrar seu cliente do crime e acaba fazendo perguntas que constrangem a vitima, por exemplo, ao tentar afastar o crime ao perguntar se a vitima chegou a “gozar”, ou seja, sentiu prazer, fato que pode ocorrer mesmo contra sua vontade.

Ao passar por um questionamento desses a criança ou adolescente pode até se sentir culpada devido ao seu corpo ter tido alguma reação aquele abuso.

Um caso que chamou a atenção em 2016 foi o fato de um promotor de justiça humilhar uma vitima de 14 anos de idade em uma audiência onde o pai da menina era o abusador e réu, o caso versava sobre o pai da menina ser abusador e ter engravidado a menina, o promotor se exaltou devido o fato da menina ter realizado um aborto autorizado por lei e após isso em audiência mudou o que havia relatado, se retratando quanto ao fato de seu pai ser o abusador, nas palavras do promotor:

A desembargadora Jucelana Lurdes Pereira dos Santos informou que relatórios do Conselho Tutelar indicaram que a vítima foi induzida (pela família) a retratar-se, a negar envolvimento do pai nos abusos.

O promotor não observou o problema pelo qual a menina estava passando em sua família, se exaltando pelo fato da vitima mudar seu relato, fato este que era possível devido ao drama familiar no qual estava inserida, não se sabe o que sua família disse para a menina, por seguir conselhos acabou sendo humilhada em audiência, sendo até mesmo acusada de criminosa, esqueceu-se o promotor que era uma criança, estava sozinha em audiência e estava passando por um trauma terrível que lhe causou danos.

Ressalta-se ainda que naquele momento a vítima precisava de apoio de quem conhece casos de abusos e que entenderia e ajudaria e não de um acusador, afinal a função do promotor é de defender a vitima e não de a acusar e lhe fazer mal, sendo visto assim a necessidade de preparação dos profissionais que cuidam de casos tão sérios e delicados.

Não obstante, a Juíza não tomou providencias e deixou o promotor agredir a vitima verbalmente sendo arrogante, grosseiro e ofensivo.

Distante do posicionamento do promotor um caso em Mato Grosso Sul, publicado em 25/06/2018, revela a preocupação de uma delegada que pediu que o depoimento de três crianças fosse feito por antecipação de provas, a fim de evitar a revitimização, conforme assistente social; A assistente social Elisangela Facirolli do Nascimento foi a técnica responsável pela escuta das vítimas, na primeira audiência com depoimento especial para antecipação de provas em MS, e considerou o procedimento um sucesso em razão de ser único, em consonância com a lei, mas principalmente por evitar a revitimização das crianças.

Desta forma, observa-se o quanto se faz necessária a aplicação da medida de depoimento especial previsto em lei, a capacitação de profissionais e que os juízes que se posicionam contra o referido método comecem a tentar entender os benefícios para a acriança.

Não se pode deixar que uma criança sofra sem extrema necessidade, a produção de provas por meio do depoimento assegura menos sofrimento e mais celeridade ao processo, que passa a ter uma menor possibilidade de retratação devido ao convívio com família e amigos que a aliene a mentir em juízo.

Ao se praticar a antecipação de prova o judiciário ganha tempo e um processo mais humano e com respeito a sua linguagem.

2.4. QUANDO QUEM PRÁTICA O ABUSO É DA FAMÍLIA? DANOS REAIS.

A criança adquire em grande parte o seu conhecimento de seus pais e familiares, a base de uma criança ou adolescente é sua família onde aprende o certo e o errado, mas e quando os próprios pais ou familiares abusam da criança? Ela vai achar que aquele abuso é certo, sendo que seu próprio pai, por exemplo, o ente que deveria lhe proteger e em quem ela confia pratica ato libidinoso com a mesma? É fato que nos tempos atuais não se deve confiar em ninguém e é muito fácil se aproveitar da falta de entendimento ou da inocência de uma criança.

Inúmeros são os casos e em grande maioria internacionais de pais que engravidaram as próprias filhas, casos que vistos em outros olhos são abomináveis e que para a criança pode ser algo “normal”.

O Jornal brasileiro NH (noticias de Novo Hamburgo), publicou em 2017 uma matéria intitulada de "Vidas marcadas pelo abuso", na qual relatou quatro histórias que mostram a triste realidade de conviver com o abuso, como superou ou tentou seguir a vida. Demonstra como o abuso é algo doloroso, em um dos relatos a repórter escreveu sobre uma menina de sete anos que deu o nome de Isabel:

"Na casa, onde a proteção deveria prevalecer, foi abusada pela primeira vez. De mão em mão e colo em colo, os toques na inofensiva menina não eram praticados apenas por uma pessoa, mas sim por vários tios. Desta forma, viveu sua infância. Na época, Isabel não entendia as situações como um abuso. (...) Aos 11 anos, préadolescente e com o corpo já em desenvolvimento, os toques e carícias foram se acentuando e o ato sexual, pela primeira vez, foi consumado. Desta vez, pelo padrasto. De acordo com Isabel, ele era uma pessoa atenciosa e conseguiu conquistar sua confiança. “Foi uma decepção tão grande, porque eu confiava muito nele”. E fui abusada justamente onde eu me sentia protegida.”.

Isabel colocou a culpa em si, acabou se renegando e acreditando que ela era a causadora da situação, além do fato de ter perdido o poder de confiar em alguém que pode causar uma doença seria chamada pistantrofobia, a criança passou por algo que no passado não entendia por ser inocente e achar que os toques não tinham malicia.

Os traumas sofridos por quem é abusado podem causar consequências serias para o seu desenvolvimento e que podem ser vistas só em longo prazo.

É visto com frequência aulas sobre sexualidade nas cadeiras de ensino médio, mas não seria possível fazer uma mudança em sua didática e abranger alguns assuntos para o préescolar? Não se forma ofensiva ou acabando com a inocência de uma criança, mas de forma que a mesma saiba que existe atos que não são certos de “papai” e “mamãe” realizarem, questionários e bates papos descontraídos é de extrema importância e são em aulas e conversas assim que a professora acaba descobrindo um abuso e alertando o conselho tutelar.

Ressalta-se ainda que, o silêncio e consequente retardamento da denúncia decorre dos sentimentos de medo, culpa, vergonha, ignorância e tolerância que a vítima vivencia na sua rotina.

Comum é a própria família dar mais crédito à denúncia da criança quando o agressor não é da família.

Em casos em que a vitima já é adolescente e foi violentada por padrasto, é comum ver a mãe da vitima falar que a “culpa é da menina que ficou se amostrando”, “que a menina que não vale nada”, é comum ver mães culpando suas próprias filhas pelos atos cometidos pelos seus parceiros.

Revela-se ainda, inúmeros casos em que a criança é ameaçada pelo seu abusador, seja pai, irmão ou tio e que desta forma perde a infância e cria medo, casos assim são os que demoram mais tempo para serem descobertos.

Um caso recente datado do dia 21 de agosto de 2018, relata o abuso sofrido por uma menina de 16 anos que era abusada pelo próprio pai, a 18 adolescente relata que contou para a sua mãe, que não morava com a mesma, os abusos sofridos e que ela a entregou de volta para o seu abusador, o pai da jovem.

Foi informado ainda que a adolescente era abusada desde antes dos seus 14 anos de idade, a menina afirmou que “ele a ameaçava de morte caso ela revelasse os estupros para alguém...ela disse que ele trancava a porta do quarto e deixava o volume da televisão bem alto, para que os outros filhos não percebessem o que estava acontecendo" e que o abusador tinha um alarme no celular informando o horário que a menina deveria tomar o anticoncepcional.

Sobre a autora
Informações sobre o texto

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Mais informações

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial à obtenção do grau de bacharel em Direito do curso de Direito do Centro Universitário Estácio da Amazônia, 2018. Orientador: Prof. Dr. Ronaldo Figueiredo Brito.

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