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A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça

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Agenda 16/05/2006 às 00:00

Ao lado da função social dos contratos, a boa-fé objetiva procura valorizar a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.. 3. A SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE. 3. AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E FINANCEIRAS. 4. A SÚMULA 286 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A POSSIBILIDADE DE REVISÃO DE CONTRATOS OBJETO DE NOVAÇÃO. 5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS.


1.INTRODUÇÃO.

            Em nosso livro A Função Social dos Contratos, tivemos a oportunidade de demonstrar toda a evolução pela qual vem passando o contrato, particularmente todas as alterações substanciais pelas quais vem passando esse instituto, que é basilar e fundamental não só para o Direito Civil, como para todo o Direito Privado. [01]

            Não vamos, aqui, repetir todos os conceitos que constaram naquela obra. Na realidade, o presente trabalho serve como atualização antecipada do nosso trabalho, trazendo novos tratamentos jurisprudenciais dados tanto em relação à função social dos contratos quanto à boa-fé objetiva - isso, inclusive, para demonstrar que a jurisprudência de nossos Tribunais superiores vem acompanhando essa tendência.

            De qualquer forma, pertinente lembrar que, pela função social dos contratos, os negócios jurídicos patrimoniais devem ser analisados de acordo com o meio social. Não pode o contrato trazer onerosidades excessivas, desproporções, injustiça social. [02] Também, não podem os contratos violar interesses metaindividuais ou interesses individuais relacionados com a proteção da dignidade humana, conforme reconhece Enunciado n. 23 do Conselho da Justiça Federal, aprovado na I Jornada de Direito Civil. [03]

            Assim sendo, entendemos que a função social dos contratos traz conseqüências dentro do contrato (intra partes) e também para fora do contrato (extra partes).

            Como efeito intra partes, citamos a previsão do art. 413 do novo Código Civil, exemplo típico de relativação da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda), justamente uma das conseqüências da função social dos negócios jurídicos. Por esse dispositivo, o juiz deve reduzir o valor da cláusula penal se a obrigação tiver sido cumprida em parte ou se entender que a multa é excessivamente onerosa. Como o comando legal utiliza-se a expressão "deve" a redução é de ofício, sem a necessidade de argüição pela parte interessada. Isso é confirmado pela natureza jurídica do princípio da função social dos contratos, de ordem pública, conforme previsão do art. 2.035, parágrafo único, do próprio Código Civil. [04]

            Como exemplo de efeitos extra partes, citamos um caso em que o contrato, pelo menos aparentemente, é bom para as partes, mas ruim para a sociedade. Podemos citar um contrato celebrado entre uma empresa e uma agência de publicidade. O contrato é civil e paritário, não trazendo qualquer desequilíbrio ou quebra do sinalagma. Entretanto, a publicidade veiculada é discriminatória (publicidade abusiva – art. 37, § 2º do CDC), estando nesse ponto presente o vício. Pela presença do abuso de direito, o contrato pode ser tido como nulo, combinando-se os arts. 187 e 166, VI, do novo Código Civil – nulidade por fraude à lei imperativa diante do ato emulativo. [05]

            Ao lado da função social dos contratos, a boa-fé objetiva procura valorizar a conduta de lealdade dos contratantes em todas as fases contratuais (art. 422 do novo Código Civil - função de integração da boa-fé).

            Na dúvida, os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé (art. 113 do novo Código Civil – função de interpretação da boa-fé). Em reforço, lembramos a interpretação a favor do consumidor (art. 47 do CDC) e do aderente (art. 423 do novo Código Civil).

            Por fim, a boa-fé objetiva está relacionada com deveres anexos, inerentes a qualquer negócio. A quebra desses deveres caracteriza o abuso de direito (art. 187 do novo Código Civil – função de controle da boa-fé).

            Sem dúvidas, esses dois princípios trazem uma nova dimensão contratual. Felizmente, antes mesmo do novo Código Civil a nossa melhor jurisprudência já vinha aplicando ao contrato esses novos paradigmas.

            Superou-se a tese pela qual o contrato visa principalmente a segurança jurídica. Na realidade, o contrato tem a principal função de atender à pessoa e aos interesses da coletividade, diante da tendência de personalização do Direito Privado. [06] Essa a real função dos contratos!

            As súmulas a seguir, felizmente, servem para demonstrar essa tendência. Passamos a analisar o seu conteúdo.


2.A SÚMULA 308 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A RESTRIÇÃO DOS EFEITOS DA HIPOTECA.

            Prevê a Súmula 308 do Superior Tribunal de Justiça que: "A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel". Trata-se de súmula com relevante enfoque sociológico.

            Ora, sabe-se que a hipoteca é um direito real de garantia sobre coisa alheia, que recai principalmente sobre bens imóveis, tratada entre os arts. 1.473 a 1.505 do atual Código Civil. Sem prejuízo dessas regras especiais, a codificação traz ainda regras gerais quanto aos direitos reais de garantia, entre os seus artigos 1.419 a 1.430.

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            Um dos principais efeitos da hipoteca é a constituição de um vínculo real, que acompanha a coisa (art. 1.419). Esse vínculo real tem efeitos erga omnes, dando direito de excussão ao credor hipotecário, contra quem esteja o bem (art. 1.422).

            Exemplificando, se um imóvel é garantido pela hipoteca, é possível que o credor reivindique o bem contra terceiro adquirente do bem, o que traz o que se denomina direito de seqüela. Assim, não importa se o bem foi transferido a terceiro; esse também perderá o bem, mesmo que o tenha adquirido de boa-fé. [07]

            A constituição da hipoteca é muito comum em contratos de construção e incorporação imobiliária, visando um futuro condomínio edilício. Como muitas vezes o construtor não tem condições econômicas para levar a frente a sua obra, celebra um contrato de empréstimo de dinheiro com um terceiro (agente financeiro ou agente financiador), oferecendo o próprio imóvel como garantia, o que inclui todas as suas unidades do futuro condomínio.

            Iniciada a obra, o incorporador começa a vender as unidades para terceiros, que no caso são consumidores, pois é evidente a caracterização da relação de consumo, nos moldes dos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90.

            Diante da boa-fé objetiva e da força obrigatória que ainda rege os contratos, espera-se que o incorporador cumpra com todas as suas obrigações perante o agente financiador, pagando pontualmente as parcelas do financiamento. Assim sendo, não haverá maiores problemas.

            Mas, infelizmente, como nem tudo são flores, nem sempre isso ocorre. Em casos tais, quem acabará perdendo o imóvel, adquirido a tão duras penas? O consumidor, diante do direito de seqüela advindo da hipoteca.

            A referida súmula visa justamente proteger o último, restringindo os efeitos da hipoteca às partes contratantes. Isso, diante da boa-fé objetiva, já que aquele que adquiriu o bem pagou pontualmente as suas parcelas frentes à incorporadora, ignorando toda a sistemática jurídica que rege a incorporação imobiliária.

            Presente a boa-fé do adquirente, não poderá ser responsabilizado o consumidor pela conduta da incorporadora, que acaba não repassando o dinheiro ao agente financiador. Fica claro, pelo teor da súmula, que a boa-fé objetiva também envolve ordem pública, pois caso contrário não seria possível a restrição do direito real. [08]

            Aliás, concluímos que a boa-fé objetiva é princípio de ordem pública interpretando o art. 167, § 2º, do novo Código Civil, que traz a inoponibilidade do ato simulado frente a terceiros e boa-fé. Esclarecemos. Como se sabe, a simulação gera, em regra, a nulidade absoluta do negócio celebrado. Mas essa nulidade absoluta, que envolve ordem pública, não poderá ser oposta frente a terceiros de boa-fé. Pois bem, se o princípio da boa-fé não envolvesse ordem pública, a boa conduta não faria frente ao ato simulado.

            Superado esse ponto, entendemos que a súmula 308 do STJ também mantém relação com o princípio da função social dos contratos, já que visa preservar os efeitos do contrato de compra e venda do imóvel a favor do consumidor, parte economicamente mais fraca. Por essa simples razão, já mereceria os nossos aplausos.

            Mas a súmula visa também proteger o direito à moradia, assegurado constitucionalmente, no art. 6º da Carta Política de 1988. Reforçando, tende-se a preservar o negócio jurídico, diante do principio da conservação negocial, inerente à concepção social do contrato. [09]

            Concluindo, percebe-se que a eticidade e a socialidade acabam fazendo milagres no campo prático, relativizando o rigor formal da concepção dos direitos reais, em prol da proteção do vulnerável, do hipossuficiente, daquele que sempre agiu conforme a boa-fé.


3.A SÚMULA 302 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA RESTRITRIVA DE INTERNAÇÃO EM CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE.

            Não se pode esquecer da grande importância do Código de Defesa do Consumidor para os contratos, uma vez que a grande maioria dos negócios jurídicos patrimoniais são de consumo, enquadrados nos arts. 2º e 3º da Lei n. 8.078/90.

            Por muito tempo, afirmou-se que, havendo relação jurídica de consumo não seria possível a aplicação concomitante do Código Civil e do Código de Defesa do Consumidor. Isso, na vigência do Código anterior, eminentemente individualista e muito distante da proteção do vulnerável constante da Lei Consumerista.

            Entretanto, atualmente e ao contrário, tem-se defendido um "diálogo das fontes" entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor. Por meio desse diálogo, deve-se entender que os dois sistemas não se excluem, mas se complementam. A tese foi trazida para o Brasil por Cláudia Lima Marques, utilizando os ensinamentos de Erik Jayme. [10] Isso se dá diante de uma aproximação principiológica entre os dois sistemas legislativos, principalmente no que tange aos contratos. [11]

            Pretendemos analisar a Súmula 302 do STJ à luz desse diálogo de complementariedade entre os dois sistemas, "a permitir a aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas fontes legislativas". [12]Prevê a referida súmula que "é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo o internação hospitalar do segurado".

            A súmula somente consubstancia o que já vinha entendendo tanto a doutrina quanto a jurisprudência. [13] A abusividade da cláusula é flagrante, enquadrando-se inicialmente no art. 51, I, da Lei n. 8.078/90, pela qual é nula a cláusula que exonerem ou atenuem a responsabilidade do prestador do serviço. Além dessa previsão, a referida cláusula já era vedada expressamente pela Portaria n. 3, de 19 de março de 1999, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. [14]

            Fazendo um necessário "diálogo das fontes", a cláusula de limitação de internação poderia também ser considerada abusiva pelo que consta do art. 424 do atual Código Civil, já que o contrato em questão assume a forma de adesão, sendo o seu conteúdo imposto unilateralmente pela empresa de plano de saúde.

            Isso porque o comando legal em questão prevê a nulidade absoluta, nos contratos de adesão, das cláusulas que implicam em renúncia prévia a direito resultante da natureza do negócio. Ora, pela referida cláusula está sendo limitado o uso do serviço pelo aderente, que é o principal objetivo do contrato celebrado entre as partes.

            Partindo-se para a análise principiológica da referida súmula, observa-se, de imediato, que a mesma traz aplicação direta do princípio da função social dos contratos, relativizando a força obrigatória (efeito inter partes).

            Podemos também citar o já mencionado Enunciado n. 23 do Conselho da Justiça Federal, uma vez que a autonomia contratual não pode prevalecer diante de um interesse maior, relacionado com a vida e com a integridade física do segurado, direitos da personalidade relacionados com a dignidade humana. Vale lembrar que os direitos da personalidade são irrenunciáveis (art. 11 do novo Código Civil). Pela cláusula de limitação de internação, o contratante renuncia ao direito de ser tratado como se espera, principalmente num caso de gravidade, em unidade de tratamento intensivo (UTI). Sem prejuízo de tudo isso, entendemos que a cláusula de limitação traz no seu conteúdo um abuso de direito (art. 187 do novo Código Civil), a gerar a sua nulidade por fraude à lei imperativa (art. 166, VI, do nCC).

            Em reforço, a parte que impõe a referida cláusula desrespeita o dever anexo de lealdade e, com isso, a boa-fé objetiva que se espera nas relações negociais. [15] Percorre-se o mesmo caminho: pela quebra da boa-fé, caracteriza-se o abuso de direito a gerar a nulidade absoluta do referida cláusula.

            De qualquer forma, não se pode esquecer que a cláusula é nula, mas deve preservado todo o resto do contrato, aplicação direta do art. 51, § 2º do Código de Defesa do Consumidor, que consagra o princípio da conservação contratual na ótica consumerista. [16]

            Feitas essas observações e ressalvas, manifestamos o nosso entusiasmo e a nossa concordância integral em relação à Súmula 302 do STJ, que atende àquela visualização personalizada do Direito Contratual, pela qual o principal objetivo dos negócios jurídicos patrimoniais é atender aos interesses da pessoa. Isso, sintonizada, com o Direito Civil Constitucional e os seus três princípios máximos: a proteção da dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88), a solidariedade social (art. 3º, I, da CF/88) e a igualdade em sentido amplo (art. 5º, caput, da CF/88).


4.AS SÚMULAS 297 E 285 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. A APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ÀS INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS E FINANCEIRAS.

            Ainda em relação ao Código de Defesa do Consumidor, duas importantes súmulas do Superior Tribunal de Justiça prevêem a sua aplicação em dois casos muito comuns da prática contratual: aos contratos bancários e financeiros. Transcreveremos o teor das ementas de forma destacada para uma análise conjunta:

            "Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras"

            "Súmula 285: Nos contratos bancários posteriores ao Código de Defesa do Consumidor incide a multa moratória nele prevista".

            As duas ementa sepultam de vez a suposta discussão quanto à existência ou não de relação de consumo nos contratos celebrados com as instituições bancárias e financeiras.

            Dizemos suposta, e de forma destacada, pois sempre nos pareceu clara a possibilidade de aplicação da Lei n. 8.078/90 ao contratos celebrados entre correntistas/destinatários finais e instituições bancárias e financeiras. Aliás, entender ao contrário sepultaria a efetividade prática do Código de Defesa do Consumidor em nosso País. Por certo que o grande interesse social relacionado com a norma consumerista é vê-la aplicada às relações jurídicas que as pessoas mantém com as instituições bancárias e financeiras.

            A possibilidade ou, mais do que isso, a necessidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor fica clara pelo que consta do art. 3º, § 2º, da Lei n. 8.078/90, pelo qual "serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (destacamos). Norma mais clara não há!

            De qualquer forma, os bancos, por meio da Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif) propuseram uma ação declaratória de inconstitucionalidade desse comando consumerista, que recebe o número 2.591/2003. Nessa ação pretendem que o CDC não seja aplicado às relações bancárias. Com todo o respeito em relação às razões que constam da referida ação, com ela não concordamos em hipótese alguma.

            A referida ADIN, para nós, é totalmente destoada da principiologia adotada pela Constituição Federal de 1988 que protege os consumidores de forma expressa (art. 5º, XXXII e art. 170, V). A não aplicação do CDC aos bancos viola a própria dignidade humana e a solidariedade social, particularmente a tendência de personalização do Direito Privado. Essa não incidência entra em conflito também com a função social dos contratos e a boa-fé objetiva, regramentos sociais indeclináveis que corporificam uma nova realidade contratual.

            Esperamos, portanto, que a ADIN n. 2.591/2001 não obtenha êxito. Na verdade, entendemos que a mesma está prejudicada pela entrada em vigor no novo Código Civil, que confirma a tendência de proteção dos mais fracos, dos mais frágeis. [17]

            Com o insucesso da ADIN, continuarão a ter aplicação as referidas súmulas, com a aplicação do CDC aos contratos bancários e financeiros, entre os últimos, o caso dos contratos de cartão de crédito. De qualquer forma, o que falta ainda à jurisprudência brasileira é limitar as taxas de juros cobrada por tais instituições, o que não vem ocorrendo, diante da vigência de duas outras súmulas de nossos Tribunais Superiores.

            A Súmula 596 do STF prevê que as instituições bancárias não estão sujeitas à Lei de Usura (Decreto-lei 22.626/1933), sendo perfeitamente possível a livre convenção de juros, o que vem sendo aplicado pelo STJ. [18] A recente Súmula 283 do STJ prevê o mesmo para as empresas administradoras de cartão de crédito. Já manifestamos nossa discordância em relação às referidas súmulas. [19]

            Na situação descrita vemos um paradoxo: duas súmulas prevêem a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários e financeiros; mas duas outras trazem a livre convenção dos juros. Em outras palavras: as Súmulas 297 e 285 do STJ tendem a proteger os consumidores; as Súmulas 596 do STF e 283 do STJ tentem a beneficiar as entidades bancárias e financeiras. [20]

            Se isso ocorre quanto aos juros convencionais, infelizmente; o mesmo não se pode dizer quanto à multa moratória, felizmente. Isso porque a cláusula penal é limitada em dois por cento (2%) sobre o valor da dívida tanto nos casos de contratos bancários quantos nos contratos financeiros - repita-se, o caso do contrato de cartão de crédito.

            A Súmula 285 do STJ prevê essa limitação de forma expressa para os contratos celebrados na vigência do CDC. Não faz o mesmo, de forma expressa, a Súmula 297, mas isso é decorrência lógica do seu teor, já que a referida multa consta da própria lei consumerista. Para ilustrar, reportamo-nos à ementa transcrita na última nota de rodapé.

            Mais uma vez, manifestamos nosso contentamento em relação às duas últimas súmulas, adaptadas à nova Teoria Geral dos Contratos e aos novos paradigmas contratuais. Lembramos que as súmulas apenas consubstanciam o que a doutrina consumerista especializada sempre defendeu em relação aos contratos bancários e financeiros. As ementas vieram em boa hora, para que não pairem mais dúvidas em relação ao seu conteúdo.

Sobre o autor
Flávio Tartuce

advogado em São Paulo (SP),doutorando em Direito Civil pela USP, mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP, professor do Curso FMB, coordenador e professor dos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito (SP).Doutorando em direito civil pela USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e as recentes súmulas do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1049, 16 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8384. Acesso em: 2 nov. 2024.

Mais informações

Artigo publicado na Revista Científica da Escola Paulista de Direito, São Paulo (SP), ano 1, nº 1, maio/agosto de 2005, coordenação científica Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka.

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