OS DANOS CAUSADOS PELO REFÚGIO NA VIDA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
As crianças e adolescentes refugiados estão expostas a vários tipos de violações de direitos e violência, como falta de escolas, violência sexual, pobreza, fome, contágio de doenças, entre outras. Estas situações de violações de direitos e de violência podem ser de natureza física ou psicológica, e podem resultar em danos irreversíveis. Os danos suportados por estas crianças diariamente podem afetar toda uma geração pelo resto de suas vidas, é o que afirma a médica Marcia Brophy (2017, p.7): “Si no son tratados, las consecuencias a largo plazo pueden ser incluso mayores y dañar su salud mental y física para el resto de sus vidas” 10
As preocupações com as crianças e adolescentes em situação de emergência se justificam considerando sua falta de capacidade de se defender das várias ameaças que as cercam. Crianças e adolescentes refugiados estão expostos a diversas dificuldades que muitas vezes não podem ser previstas antecipadamente e o prolongamento dos conflitos armados e as suas permanências em meio a estes conflitos e nos acampamentos e abrigos afetam sua saúde física e seu crescimento, é o que aponta a representante do UNICEF Marie- Pierre Poirier
Durante as emergências, meninas e meninos se encontram mais expostos a situações que podem afetar permanentemente seu desenvolvimento físico e psicológico. A atenção prioritária para as crianças e os adolescentes justifica-se especialmente por conta das consequências imediatas que elas podem sofrer, como desnutrição, surtos de doenças infecciosas, interrupção das atividades escolares, perda da moradia e do contato com a família, abuso sexual, tráfico de seres humanos e outras formas de violência. (POIRIER, 2011)
Neste sentido, a Organização não Governamental Save the Children publicou no ano de 2017 um estudo sobre os impactos dos seis anos de guerra na Síria na saúde mental das crianças e adolescentes sírios. O estudo intitulado como Feridas Invisíveis, em português, divulgou quais são as principais dificuldades enfrentadas pelas crianças sírias e quais os principais tipos de doenças e violências às quais estão expostos os meninos e meninas que convivem com os conflitos armados e aqueles que estão em processo de deslocamento e refúgio.
Neste sentido, analisar as sequelas deixadas pelo maior conflito armado existente no momento- os conflitos que ocorrem em território sírio- e que mais provoca refúgio no mundo possibilita a visualização da conjectura em que estão as crianças e adolescentes que são atores da crise de refugiados que se espalha pelo cenário mundial. O estudo constatou que as crianças que convivem com conflitos armados estão submetidas a um tipo de stress que é chamado de Stress Tóxico, este é um tipo de stress resultante da soma de vários fatores externos como as ameaças de abuso físico e mental, exposição à violência e a privações de alimentos, sono, infância e a pobreza. A ONG define o stress tóxico como sendo
El estrés tóxico se define como “la forma más peligrosa de reacción al estrés” que puede darse cuando los niños experimentan el peligro de una forma tan dura, frecuente y prolongada sin suficiente apoyo por parte de personas adultas. La respuesta al estrés tóxico continuo y a las múltiples causas de dicho estrés puede tener un impacto para toda la vida sobre la salud mental y física. (Save The Children, 2017, p. 10).11.
A exposição a todos estes fatores são diárias, existindo crianças que nasceram expostas a estes males, isto porque já nasceram durante a existência dos conflitos armados. O estudo acima citado, também apontou que o desenvolvimento físico e psicológico dessas crianças está sendo afetado permanentemente. Já que o stress tóxico aumenta a possibilidade do surgimento de outras doenças
El estrés tóxico aumenta la probabilidad de que los niños experimenten retrasos en el desarrollo o problemas de salud en el futuro. Puede afectar al desarrollo del cerebro y otros órganos, así como aumentar el riesgo de patologías ligadas al estrés, enfermedades cardíacas, diabetes, drogadicción, depresión y profundas heridas emocionales. Dado que las experiencias de un niño durante sus primeros años de vida tienen consecuencias sobre la arquitectura del desarrollo de su cérebro. (Save the Children, 2017, p.10)12
As crianças que crescem nos ambientes violentos e ficam submetidas a condições sub-humanas de higiene e de moradia começam a desenvolver transtornos desde cedo e alguns destes podem perdurar por toda a vida, conforme citado acima. Os transtornos mais comuns neste tipo de situação, segundo a ONG Save the Children (2017, p.9), são: Transtorno Depressivo Maior (TDM), Transtorno de Ansiedade por separação (TAS), o Transtorno de Ansiedade Excessiva (TAE) e o Transtorno de Stress Pós-traumático (TEPT). Existem também outras doenças que podem afetar estas crianças e adolescentes que convivem com os conflitos armados, como
Puede elevar el riesgo de trastornos psiquiátricos y se ha asociado a la ansiedad, la depresión, los trastornos bipolares y al trastorno de hiperactividad con déficit de atención (ADHD, por sus iniciales en inglés) y, a largo plazo, puede derivar em una serie de problemas que incluyen obesidad, diabetes, enfermedades cardíacas e incluso mortalidad prematura. (Save the children, 2017, p.18)13
Os sintomas enfrentados pelas crianças podem ser silenciosos e invisíveis, o que dificultam os seus diagnósticos e a sua percepção. No entanto, no longo prazo, esses sintomas começam a refletir além do psicológico e passam a ter reflexos físicos também. Segunda a ONG Save the Children (2017, p. 18) as crianças possuem um medo constante, o que aponta como um sintoma: “Repitieron una y otra vez que sienten constantemente miedo de ser alcanzados por las bombas. Muchos sufren pesadillas frecuentes y tienen dificultades para dormir debido al miedo a no despertar.”14
As crianças e adolescentes refugiadas também estão mais suscetíveis à pobreza e a violência, isto porque durante o período de refugio os pais e responsáveis por estes menores de idade encontram dificuldades em trabalhar e prover o sustento e bem estar, assim as crianças estão submissas às condições financeiras de seus pais e familiares que, em decorrência do refúgio, muitas vezes são submetidos a subempregos, prostituição e tráfico de drogas, armas e órgãos é o que aponta a ONG Save the children
Um estudio de Save the Children de 2015 encontró que la primera causa de los problemas psicosociales entre los niños refugiados sirios eran las graves condiciones económicas y la pobreza que afrontan las familias refugiadas. La mayor parte de las personas adultas refugiadas no pueden trabajar legalmente y tienen un estatus legal limitado, lo que les impide acceder a la asistencia sanitaria y la escuela. (Save The Children, 2017, p.16)15
Outro impacto dos conflitos armados e do refúgio é a separação dos menores de sua família. Não obstante, em janeiro de 2017 o UNICEF divulgou uma matéria dizendo que cerca de 25.800 crianças e adolescentes chegaram à costa da Itália em 2016 desacompanhadas ou separadas de suas famílias. Segundo Lúcio Melandri, gerente do UNICEF (2017) esses números foram alarmantes e indicam uma tendência mundial, pois as crianças e adolescentes desacompanhadas estão arriscando suas vidas para sair de onde moram e chegar até o continente Europeu. Esse fenômeno é o retrato da dificuldade que estão enfrentando em seus países de origem.
A separação de seus familiares, o abandono e a solidão pode ser um dos traumas mais graves para o desenvolvimento das crianças e adolescentes, já que o apoio familiar, o amor dos pais e o sentimento de proteção e vivência com amigos e demais familiares trazem as crianças o aconchego de que necessitam. O trauma da separação de seus pais pode ser um dos mais graves para as crianças menores de idade, é o que aponta a o estudo realizado pela ONG Save the Children:
Esta pérdida y alteración en sus familias puede llevar a altas tasas de depresión y ansiedad en los niños y niñas afectados por la guerra. La importancia de la família y el cuidado y apoyo que ofrece a los niños y niñas significa que ser separado de los padres puede ser uno de los traumas más significativos de todos, en especial para los niños y niñas de menor edad. Las vulnerabilidades de los niños ante los múltiples riesgos que enfrentan aumentan enormemente. (Save The Children, 2017, p.26).16
O fato de estarem sozinhas e desacompanhadas de suas famílias faz com que os menores tenham que procurar meios de sobreviver, o que pode significar que tenham que aceitar trabalhos pesados, se vender a grupos armados e se submeter à prostituição. Neste sentido, aponta o UNICEF que as meninas estão em situação mais vulnerável, já que o sexo é utilizado como uma moeda de troca
As meninas em particular correm risco de exploração e abuso sexual, incluindo a exploração sexual comercial por gangues criminosas. Várias meninas entrevistadas pela equipe do UNICEF em Palermo relataram que foram forçadas a se prostituir na Líbia como um meio de "pagar" o custo da viagem de barco pelo Mediterrâneo. (UNICEF, 2017)
Um estudo divulgado pela UNESCO no ano de 2011, intitulado A crise oculta: conflitos armados e educação, relatou que os danos deixados pelos abusos e exploração sexuais são permanentes e se refletem até mesmo na capacidade de aprendizado das crianças e adolescentes. Neste sentido, a UNESCO destacou que as meninas são as mais afetadas por tal situação, fazendo com que exista disparidade de escolaridade entre o gênero feminino e masculino. Isto ocorre principalmente porque, segundo a UNESCO “o estupro e outros tipos de violência sexual são amplamente utilizados como tática de guerra em muitos países” (UNESCO,2011, p. 26).
No ano de 2016 a UNESCO divulgou um novo estudo intitulado: Relatório conciso de gênero: criar futuros sustentáveis para todos, que destacou a gravidade da situação da educação para as meninas refugiadas e conviventes com os conflitos armados. Neste estudo foi evidenciada a crise educacional enfrentada pelas meninas que vivem nas áreas de conflitos armados e nos acampamentos e abrigos enquanto refugiadas, sendo confirmado que são elas as mais prejudicadas na educação nestas situações. Desta forma, constatou a UNESCO que
As meninas que vivem em países afetados por conflitos têm probabilidade quase duas vezes e meia maior de estar fora da escola. As meninas refugiadas têm chances menores de concluir a educação primária, fazer a transição para o nível seguinte e concluir a educação secundária. Os deslocamentos debilitam os ambientes de proteção às crianças e as famílias podem precisar recorrer a mecanismos de sobrevivência que desfavorecem as meninas, como trabalho doméstico e casamento infantis. (UNESCO, 2016, p. 22)
Segundo a UNESCO (2016, p. 22) as causas que mais afastam as meninas da educação nestas situações são o trabalho doméstico, o casamento precoce e também o fato do ambiente escolar ser um alvo fácil para ataques violentos e aliciamento e sequestro de menores. Neste sentido, o casamento infantil também é uma das consequências dos conflitos armados e da pobreza por ele gerado, que se tornou uma grande preocupação para os organismos de proteção das crianças e adolescentes.
O casamento precoce é utilizado como meio para saírem da condição de refugiadas, assim muitas meninas acabam se casando e dessa maneira prejudicando toda a sua infância e desenvolvimento para a vida adulta. Os casamentos muitas vezes também são feitos em troca de dinheiro, o que dá às meninas a chance de proporcionar em curto prazo uma melhor condição financeira para suas famílias. Neste sentido, a ONG Save the children explica que
la creciente pobreza ha llevado al aumento del número de niños reclutados por los grupos armados, a matrimonios de niñas de tan solo 12 años y a tener que mandar, tanto a niños como a niñas, a buscar trabajo para ayudar a sus familias. Recientes evaluaciones de Naciones Unidas en Siria descubrieron que en el 90% de las zonas encuestadas se informó del reclutamiento de niños y en el 85%, de matrimonio infantil.17 (Save The Children, 2017, p. 23).
O abuso sexual infantil e a exploração sexual é um dos riscos mais perigosos aos quais estão expostas as meninas refugiadas e deslocadas. Não são somente as crianças e adolescentes desacompanhadas que podem sofrer abusos, mesmo aquelas que ainda possuem algum familiar, ficam nos acampamentos sozinhas ou cuidando de outras crianças menores enquanto seus responsáveis procuram algum meio de sobreviverem e assim ficam suscetíveis a ocorrência de abusos sexuais. É o que ocorre atualmente perante os conflitos armados e acampamentos e abrigos existentes na Síria. A ONG Save the Children entrevistou pessoas que vivem nestas condições e divulgou que
En muchas entrevistas se enfatizó la creciente amenaza de la violencia sexual contra las niñas, como ocurre en guerras de todo el mundo. Los trabajadores humanitários locales nos contaron que esos casos no se denuncian y la magnitud del problema suele subestimarse. Algunas niñas y mujeres jóvenes que habían sido violadas o acossadas sexualmente habían recurrido a intentos de suicidio por temor al escándalo o miedo a la persona que las había agredido. Sufren un especial riesgo las niñas que viven en tiendas de campaña de campamentos para personas desplazadas, donde se agolpan en poco tiempo grandes cantidades de personas, abarrotadas y en condiciones básicas. (Save The Children, 2017, p. 25).18
Conforme já mencionado, as sequelas decorrentes das violências sexuais para as crianças que estão vivendo como refugiadas em locais inadequados, como os campos de concentração, acampamentos e tendas de campanhas podem perdurar por uma vida inteira. Os danos advindos desta violência poderão resultar em adultos que possuem comportamentos agressivos, desenvolvimento emocional estagnado e a utilização da violência como algo normal durante todas as suas vidas. A consequência desta relação com a violência pode ser também a falta de empatia com o outro e a indiferença com a violência que possa ocorrer ao seu redor. Com relação à convivência com várias formas de violência a ONG Save the Children explica que
Los niños y las niñas que están expuestos a múltiples fuentes de violencia pueden acabar insensibilizados y emocionalmente paralizados, lo que aumenta la posibilidad de que imiten los comportamientos agresivos que presencian y lleguen a considerar la violencia como algo normal. Algunos niños y niñas pueden utilizar la insensibilización como una manera de resistir frente a la que ven, con un notable riesgo de convertirse en personas adultas sin empatía e indiferentes a la violência que ocurra a su alrededor.19 (Save the Children, 2017, p.32)
A exposição às múltiplas fontes de violência demonstradas geram consequências duradouras na vida das crianças e adolescentes refugiadas e conviventes com os conflitos armados, isto porque podem gerar reflexos na formação de sua personalidade. Estas crianças possuem uma tendência a desenvolver comportamentos agressivos, podem ser adultos com insensibilidade para lidar com outras pessoas e com situações de violência que podem ocorrer ao seu redor. A crise dos refugiados atual está determinada somente pelo contexto de mobilidade de pessoas, o seu aspecto humanitário é o que a torna tão grave, já que seus reflexos poderão ser vistos durantes muitos anos.
Por fim, destaca-se que todos os pontos abordados, como a pobreza, a violência sexual, o trabalho e recrutamento infantil por grupos armados, bem como as doenças psicológicas e físicas que sofrem as crianças e adolescentes decorrem da sua condição de refugiadas. No mais, é importante ressaltar que o refúgio não ocorre necessariamente em território estrangeiro, podendo também ocorrer dentro do próprio território do país daquele que necessita de proteção. Isto é possível, pois o instituto do refúgio possui a finalidade de proteção daquele que está fugindo de uma situação de perigo ou de ameaça. Assim, enquanto estão se deslocando para outros países e regiões estes menores continuam em contato com os conflitos armados e sendo vítimas de suas consequências.
Os conflitos armados são os grandes responsáveis pelo surgimento de tantos refugiados no mundo, e o contato com esta forma de violência resulta em consequências que podem ser permanentes. Mesmo sendo encobertos pelo instituto do refúgio, as crianças e adolescentes muitas vezes continuam tendo contato com outras formas de violências já demonstradas, como as psicológicas e sociais que são advindas dos conflitos armados.