OS ALIMENTOS SÃO IRRENUNCIÁVEIS
Rogério Tadeu Romano
O direito aos alimentos é irrenunciável:
Art. 1.707. Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.
Assim diz o Código Civil de 2002.
Recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento a um recurso do Ministério Público por entender que é possível a realização de acordo com a finalidade de liberar o devedor de pensão alimentícia das parcelas vencidas que vinham sendo executadas judicialmente. Tal acordo, para os ministros, não viola o caráter irrenunciável do direito aos alimentos.
O colegiado manteve decisão de segunda instância que validou o acordo firmado entre a mãe e o pai de duas crianças, que envolveu a desistência em relação a 15 parcelas mensais de pensão alimentícia não pagas. A mãe havia ajuizado a ação de execução de alimentos, mas, com o acordo, o tribunal estadual extinguiu o processo.
Para o Ministério Público, no entanto, o caráter irrenunciável e personalíssimo dos alimentos não permitiria que a mãe abrisse mão de cobrar os valores de que as filhas menores de idade são credoras. O MP apontou a existência de conflito de interesses entre mãe e filhas, e defendeu a nomeação de um curador especial.
Segundo o ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso, a extinção da execução em virtude da celebração do acordo em que o débito foi exonerado não resultou em prejuízo para as crianças, pois não houve renúncia aos alimentos indispensáveis ao seu sustento, mas apenas quanto à dívida acumulada.
"As partes transacionaram somente o crédito das parcelas específicas dos alimentos executados, em relação aos quais inexiste óbice legal", explicou o relator.
O ministro Villas Bôas Cueva afirmou que a vedação legal à renúncia decorre da natureza protetiva do instituto dos alimentos, mas essa irrenunciabilidade atinge apenas o direito, e não o seu exercício.
De acordo com o ministro, a redação do artigo 1.707 do Código Civil permite compreender que o direito aos alimentos presentes e futuros é irrenunciável, mas tal regra não se aplica às prestações vencidas, pois o credor pode deixar de exercer seu direito.
Sendo assim seria possível a realização de acordo para exonerar devedor de pensão alimentícia das parcelas vencidas.
Para o caso, com o devido respeito, seria interessante que o órgão do Ministério Público Federal que atua perante o Superior Tribunal de Justiça ajuizasse recurso de embargos declaração, pois pode ser entendida como contraditória a conclusão trazida no julgado que corre em segredo de justiça.
Já entendeu Orlando Gomes(Direito de Família, pág. 379) que o cônjuge pode provar que o outro não precisa de alimentos; mas, provada a necessidade do alimentando, e a possibilidade do alimentante, a obrigação é devida.
Aliás, afirmou, no passado, o ministro Orosimbo Nonato, no RE 24.324, que o dever de socorro permanece, e sua renunciabilidade não pode ser aceita.
A Lei 5.478, de 25 de julho de 1968, que dispôs sobre ação de alimentos declarou que o direito a alimentar é irrenunciável, ainda que possa ser provisoriamente dispensado(artigo 230).
Em tese, há possibilidade de renúncia aos alimentos na petição inicial, porque o cônjuge não os necessita, porquanto tem meios de sobrevivência. A regra do artigo 404 do Código Civil de 1916 era considerada inaplicável à sociedade conjugal. Aquele dispositivo era considerado aplicável à obrigação alimentar derivada do parentesco. Ora, com a dissolução da sociedade conjugal, no caso de separação judicial, cessam os deveres conjugais, entre eles o de assistência(Lei da ação de alimentos, artigo 23).
Já o projeto de Código Civil de 1975, institucionalizou o preceito sumular, não admitindo a renúncia, e obrigando o cônjuge separado a prestar alimentos ao outro, se esse viesse a necessitá-los.
Ao julgar o RE 85.019, o ministro Rodrigues da Alckimin solicitou a revogação da Súmula 379, porque o dever de assistência alimentar cessa com a extinção da sociedade conjugal. A Corte não admitiu esse pedido, mantendo o enunciado. Sílvio Rodrigues comungou a tese preconizada pelo ministro Alckmin(Direito Civil, 6ª edição, volume 6/377). Em oposição, tem-se a lição de Washington Barros Monteiro(Curso de direito civil, 17ª edição, volume 2/294; RTJ 119/7112; 120/375).
Segundo Sílvio Rodrigues, a despeito do expresso impedimento legal do disposto no artigo 1.707 do Código Civil de 2.002, bem como na Súmula nº 379 do STF, não há possibilidade jurídica de um cônjuge pleitear alimentos, considerando a renúncia no ato da separação judicial.
Os ministros do Superior Tribunal de Justiça não têm entendimento diverso, ao argumento de que a renúncia se apresenta condizente com cláusulas que tratam os alimentos com disponibilidade no ato da separação, considerando-as como válidas e eficazes. Com efeito, a 3ª¹ e a 4ª² Turma concluíram recentemente: "Tendo sido homologado acordo em separação judicial no qual a parte renunciou aos alimentos, por dispor de meios próprios para o seu sustento, não pode posteriormente pretender recebê-los".
Em destaque, a Ministra Nancy Andrighi, ainda alerta: "Esse julgamento permite que seja aberta uma grave reflexão no sentido de alertar as mulheres deste País a respeito do que são levadas a assinar, muitas vezes desconhecendo o teor ou as implicações futuras daquilo que está redigido no acordo de separação".
Nesse particular, questiona-se se são realmente irrenunciáveis os alimentos, conforme disposto em lei, ou se podem os ex-cônjuges postularem-nos a qualquer tempo, mesmo depois da acordarem sua renúncia.
A justificativa para tal posicionamento encontra-se no seguinte ponto: a irrenunciabilidade dos alimentos prescrita em lei versa somente sobre os alimentos fundados no parentesco, caso em que marido e a mulher não se incluem, uma vez que não são parentes. Em sua obra Direito de Família, Washington de Barros Monteiro afirmou que "[...] cônjuge não é parente e sim um companheiro, um sócio, enquanto perdure a sociedade conjugal".
O Superior Tribunal de Justiça validou a súmula como se lê do REsp 9.286, Relator ministro Eduardo Ribeiro; RSTJ 29/447; REsp 19.453, Relator ministro Waldemar Zveiter, RSTJ 47/241.