V – Multas isolada e genérica. Aplicação em datas e processos distintos. Não-concomitância.
Concomitante, de acordo com o dicionário Novo Aurélio, é aquilo "que se manifesta simultaneamente com outro", "que acompanha", e, simultâneo, é o "que ocorre ou é feito ao mesmo tempo ou quase ao mesmo tempo que outra coisa".
Essa definição evidencia a falta de eficácia do entendimento de que a multa isolada deve ser dispensada, se aplicada concomitantemente com a genérica, pois para superar o aparente obstáculo da concomitância, bastaria o Fisco aplicar as multas isolada e genérica em datas e processos distintos, pois, assim, não seriam concomitantes.
Eventual entendimento de que a multa isolada não poderia ser aplicada mesmo em data e processo diversos da multa genérica, significa admitir, também sem respaldo legal, que a defendida dispensa da multa isolada não seria mais por ser concomitante com a multa genérica, mas pelo simples fato de se exigir a multa genérica.
Essa hipótese, além de não ter amparo legal, também produziria discriminação, pois não beneficiaria o contribuinte cuja multa por falta de recolhimento da antecipação fosse exigida durante o ano-calendário, juntamente com o imposto que deixou de ser antecipado, porque, nesse caso, além de não ser concomitante com a multa genérica, essa penalidade não é isolada do tributo. Essa discriminação somente seria afastada se houvesse previsão legal de compensação dessa multa com a genérica que porventura viesse ser posteriormente exigida, bem assim de restituição de eventual saldo remanescente.
VI – A aplicação da multa antes ou após o prazo estabelecido para pagamento da quota única do tributo definitivo não dispensa o recolhimento da antecipação e dos respectivos juros de mora.
O recolhimento da antecipação, juridicamente, não é dispensado, quer a multa por falta de recolhimento seja aplicada antes ou após término do prazo para pagamento da quota única do tributo ou contribuição, mesmo quando a antecipação, como se verá adiante, por uma questão procedimental, não consta do lançamento da multa isolada. A multa por falta de recolhimento de antecipação deve vir sempre acompanhada dos respectivos juros de mora, exigidos por expressa determinação do § 3º, do art. 61, da Lei nº 9.430/96, a partir do dia seguinte ao previsto para recolhimento da antecipação até a data fixada para o pagamento da quota única do IRPJ, da CSL (IN SRF nº 93/97, art. 21, inc. I) e do IRPF, observado, quando for o caso, o disposto no parágrafo único do art. 43 da retrocitada lei.
Se a omissão do recolhimento da antecipação for apurada após o prazo supracitado, a multa a ser exigida é a isolada do tributo, juntamente com os respectivos juros de mora, porque, mesmo nessa hipótese, a lei expressamente não exonera o contribuinte de cumprir a obrigação acessória de recolher tempestivamente a antecipação, a qual deixa de constar do auto de infração apenas porque já integra o imposto definitivo, a pagar ou a restituir, apurado espontaneamente ou de ofício na declaração de ajuste, em virtude dos rendimentos sobre os quais houve a omissão de antecipação terem sido nela considerados.
No caso, a lei, apenas por uma questão procedimental que visa economia processual e operacional, expressamente dispensa de constar no auto de infração a antecipação não recolhida, porque, se constasse, deveria ser incluída na declaração de ajuste, para fins de compensação com o imposto devido nela apurado, o que tornaria nulo o resultado dessas operações, inclusive no caso de prejuízo ou restituição, conforme se demonstra no exemplo abaixo, cujas conclusões se aplicam também ao carnê-leão:
Imagine-se uma empresa que tivesse uma receita bruta mensal R$ 100.000,00 (anual de R$ 1.200.000,00), base de cálculo mensal da antecipação do IRPJ de R$ 8.000,00 (8% da receita bruta - IN SRF nº 93/97, art. 3º, § 1º) e antecipação mensal de R$ 1.200,00 (alíquota de 15% sobre a base de cálculo - IN SRF nº 93/97, art. 8º), que não houvesse recolhido o montante de R$ 14.400,00 de antecipação devido no ano-calendário. Se o lucro real ao final do ano-calendário fosse de R$ 116.000,00, o imposto a pagar definitivo na declaração seria de R$ 17.400,00 (alíquota de 15% - IN SRF nº 93/97, art. 23), ou seja, R$ 3.000,00 a mais que a soma das antecipações mensais não recolhidas.
Nessa situação hipotética, se constasse do auto de infração da multa isolada a antecipação não recolhida de R$ 14.400,00, esse montante deveria ser incluído na declaração de rendimentos, para fins de compensação com o imposto devido nela calculado, o que faria com o imposto a pagar originalmente apurado de R$ 17.400,00 fosse reduzido para R$ 3.000,00.
O resultado dessas operações, como se observa, é nulo, pois os R$ 14.400,00 de antecipação exigidos juntamente com a multa isolada, somados com os R$ 3.000,00 do imposto definitivo apurado posteriormente na declaração, totalizam os mesmos R$ 17.400,00 de imposto a pagar originalmente apurados, confirmando assim que a lei, ao implicitamente dispensar de constar no auto de infração a antecipação não recolhida, o fez apenas como medida procedimental de economia processual e operacional de cobrança, sem juridicamente dispensar, nesse ou em qualquer outro caso, o recolhimento mensal e os respectivos juros de mora.
Corrobora o exposto o fato do ordenamento jurídico nacional, mais especificamente o art. 2º da Lei nº 9.430/96, que dispõe sobre o pagamento do imposto por estimativa, não ressalvar expressamente, como exige o CTN, qualquer hipótese de dispensa de recolhimento de antecipação e seus acréscimos legais.
A lei, ao assim dispor, evita discriminação de contribuinte que, em situação fiscal semelhante à daquele que se exige a multa isolada, fosse objeto de ação fiscal no próprio ano-calendário ou no ano seguinte, antes do término do prazo previsto para pagamento da quota única do IRPJ, da CSL (IN SRF nº 93/97, art. 21, inc. I) e do IRPF, do qual seria exigido de ofício a multa juntamente com a antecipação não recolhida e os respectivos juros de mora.
Corroborando o exposto e a mens legis do art. 44, da Lei nº 9.430/96, a respeito da independência das infrações e das multas isolada e genérica, o legislador, no art. 9º, da Lei nº 10.426, de 24/04/2002, abaixo transcrito, ao estabelecer que a multa por falta de recolhimento de antecipação é também exigível da pessoa jurídica, quando esta não retiver e não recolher a antecipação do tributo devido na fonte, não faz nenhuma ressalva de que a fonte pagadora estaria dispensada dessa penalidade se fosse aplicada a multa genérica na pessoa física ou jurídica beneficiária do rendimento, no caso de não inclusão desses recursos na declaração de ajuste, ou, na hipótese de inclusão, se a pessoa jurídica apurasse prejuízo ou não houvesse imposto a pagar:
"Art. 9o Sujeita-se às multas de que tratam os incisos I e II do art. 44 da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, a fonte pagadora obrigada a reter tributo ou contribuição, no caso de falta de retenção ou recolhimento, ou recolhimento após o prazo fixado, sem o acréscimo de multa moratória, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.
Parágrafo único. As multas de que trata este artigo serão calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição que deixar de ser retida ou recolhida, ou que for recolhida após o prazo fixado."
Se os retrocitados entendimentos sobre não exigência da multa isolada fossem procedentes, esse dispositivo legal os corroboraria, ressalvando expressamente a anistia da infração, a dispensa da multa isolada ou a exclusão do respectivo crédito tributário nas hipóteses neles defendidas, bem como preveria, quando essa multa fosse aplicada antes do prazo previsto para pagamento da quota única do imposto, a sua compensação com a genérica que viesse posteriormente ser exigida, bem como, se fosse o caso, a restituição integral ou parcial de eventual saldo remanescente. O legislador, entretanto, assim não procedeu, numa demonstração da improcedência dos referidos entendimentos.
O Parecer Normativo da Coordenação-Geral do Sistema de Tributação (COSIT) nº 01, de 24/09/2002, que trata da falta de retenção e recolhimento da antecipação do imposto de renda na fonte, na parte abaixo transcrita, determina que, no caso de verificação da falta de recolhimento antes do prazo fixado para entrega da declaração de ajuste e pagamento da quota única do tributo definitivo pelo beneficiário do rendimento, devem ser "exigidos da fonte pagadora o imposto, a multa de ofício e os juros de mora". Essa multa, além de não ser isolada do tributo, não pode, faticamente, ser exigida simultaneamente com a genérica, daí o fato do entendimento sobre a concomitância de multas admitir a sua exigência, ainda que posteriormente venha ser aplicada a multa genérica, produzindo a discriminação retrocitada:
"IRRF. ANTECIPAÇÃO DO IMPOSTO APURADO PELO CONTRIBUINTE. NÃO RETENÇÃO PELA FONTE PAGADORA. PENALIDADE."
"Constatada a falta de retenção do imposto, que tiver a natureza de antecipação, antes da data fixada para a entrega da declaração de ajuste anual, no caso de pessoa física, e, antes da data prevista para o encerramento do período de apuração em que o rendimento for tributado, seja trimestral, mensal estimado ou anual, no caso de pessoa jurídica, serão exigidos da fonte pagadora o imposto, a multa de ofício e os juros de mora."
O referido parecer normativo, ao dispor também, conforme transcrição abaixo, que após o prazo fixado para pagamento do imposto definitivo, "serão exigidos da fonte pagadora a multa de ofício e os juros de mora isolados", corrobora que, juridicamente, o recolhimento da antecipação é sempre devido, quer a multa seja exigida antes ou após o prazo para pagamento da quota única do tributo, porque, se assim não fosse, na hipótese supracitada, os juros não seriam devidos. Corrobora ainda que, conforme exposto, a antecipação não consta do lançamento da multa isolada apenas por uma questão procedimental de economia processual e operacional de cobrança.
Ao dispor ainda que deve ser exigido do beneficiário do rendimento "o imposto, a multa de ofício e os juros de mora", simultaneamente ou não com a multa isolada aplicada na fonte pagadora, afasta, por analogia, o entendimento de que, no caso da pessoa física, a multa isolada deveria ser dispensada quando exigida concomitantemente com a genérica, tendo em vista que relativamente ao imposto de renda na fonte a situação jurídica da fonte pagadora é semelhante a da pessoa física responsável pelo recolhimento do carnê-leão:
"IRRF. ANTECIPAÇÃO DO IMPOSTO APURADO PELO CONTRIBUINTE. NÃO RETENÇÃO PELA FONTE PAGADORA. PENALIDADE."
"Verificada a falta de retenção após as datas referidas acima serão exigidos da fonte pagadora a multa de ofício e os juros de mora isolados, calculados desde a data prevista para o recolhimento do imposto que deveria ter sido retido até a data fixada para a entrega da declaração de ajuste anual, no caso de pessoa física, ou, até a data prevista para o encerramento do período de apuração em que o rendimento for tributado, seja trimestral, mensal estimado ou anual, no caso de pessoa jurídica; exigindo-se do contribuinte o imposto, a multa de ofício e os juros de mora, caso este não tenha submetido os rendimentos à tributação."
VII – Multa isolada–Irrelevância da existência de prejuízo ou imposto a restituir após o término do ano-calendário
Também não encontra respaldo legal o entendimento de que, no caso de falta de recolhimento mensal por estimativa do IRPJ e da CSL, a multa isolada e, por conseguinte, os respectivos juros de mora, não poderiam ser exigidos se na declaração fosse apurado prejuízo ou imposto a restituir, porque, não havendo imposto a pagar, não teria havido repercussão na órbita do tributo, ou seja, não teria havido prejuízo para a Fazenda Pública e, por conseguinte, não teria havido necessidade de recolhimento das antecipações inadimplidas, porque estas não seriam devidas.
Por pertinente, ressalta-se que qualquer infração tributária implica em prejuízo à Fazenda Nacional, ainda que indireto, especialmente a falta de recolhimento da antecipação mensal que, em tese, impõe um ônus à União, equivalente aos juros que tem que pagar quando recorre ao mercado financeiro para complementar os recursos necessários às suas atividades.
De acordo com a supracitada argumentação, não poderia ser exigida a multa isolada e os respectivos juros de mora de uma pessoa jurídica que, por exemplo, devesse antecipar R$ 1.200.000,00 de IRPJ no ano-calendário, mediante 12 parcelas mensais de R$ 100.000,00, e que, sem fazer o balanço ou balancete de suspensão, houvesse recolhido apenas R$ 600.000,00 (6 parcelas mensais de R$ 100.000,00), caso essa pessoa jurídica apurasse nesse exercício um imposto devido de R$ 400.000,00, que após a compensado com as antecipações recolhidas, resultasse num imposto a restituir de R$ 200.000,00, por entender-se que não teria ocorrido prejuízo para a Fazenda Nacional.
Esse entendimento não procede. Primeiro, porque inexiste previsão legal expressa de dispensa da multa isolada e dos juros de mora por esse motivo e, depois, porque a informação sobre o resultado do exercício não estaria disponível no momento em que se deveria efetuar o recolhimento mensal. Além disso, a própria Lei nº 9.430/96, no inc. II, do § 1º, do art. 6º, afasta esse entendimento ao prever a possibilidade de ocorrer excesso de recolhimento em face do imposto definitivo apurado na declaração, estabelecendo que, nessa hipótese, o tributo pode ser compensado com o imposto a ser pago a partir do mês de abril do ano subseqüente ou, alternativamente, ser requerida sua restituição, após a entrega da declaração de rendimentos. Relativamente à pessoa física, a restituição de eventual excesso de antecipação é prevista nos arts. 13 e 16 da Lei nº 9.250/95.
Confirmando o exposto, a Lei nº 9.430/96, no inc. III, do § 1º, do art. 44, ao tratar da falta de recolhimento da antecipação do imposto de renda da pessoa física, estabelece que multa por falta de recolhimento do carne-leão será exigida isoladamente do tributo, ainda que não se tenha apurado imposto a pagar na declaração de ajuste, numa demonstração evidente de que, na falta de recolhimento das antecipações, é irrelevante a existência ou não de prejuízo ou de imposto a pagar ou a restituir na declaração de rendimentos.