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Decisões administrativas que afastam as multas isoladas por falta de recolhimento de antecipações de tributo e contribuição.

Ausência de amparo legal

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29/05/2006 às 00:00
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I – Considerações iniciais

            Tem sido acatado na segunda instância de julgamento de processos administrativos fiscais o entendimento segundo o qual, relativamente ao imposto de renda da pessoa física (IRPF), o Fisco não poderia, num mesmo exercício, exigir a multa por falta de recolhimento do "carnê-leão" (antecipação) concomitantemente com a multa de ofício por redução indevida, total ou parcial, do imposto (definitivo) a pagar na declaração, ainda que essas infrações e penalidades estejam expressamente tipificadas e cominadas na legislação tributária, mais especificamente no § 1º, do art. 44, da nº 9.430, de 27/12/1996, abaixo transcrito, ou seja, a segunda infração anistiaria a primeira ou dispensaria a aplicação da respectiva penalidade:

            "Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas, calculadas sobre a totalidade ou diferença de tributo ou contribuição:

            I – de 75% (setenta e cinco por cento), nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, pagamento ou recolhimento após o vencimento do prazo, sem o acréscimo de multa moratória, de falta de declaração e nos de declaração inexata, excetuada a hipótese do inciso seguinte;

            II – 150% (cento e cinqüenta por cento), nos casos de evidente intuito de fraude, definido nos arts. 71, 72 e 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis.

            § 1º As multas de que trata este artigo serão exigidas:

            I – juntamente com o tributo ou a contribuição, quando não houverem sido anteriormente pagos;

            II – isoladamente, quando o tributo ou a contribuição houver sido pago após o vencimento do prazo previsto, mas sem o acréscimo de multa de mora;

            III – isoladamente, no caso de pessoa física sujeita ao pagamento mensal do imposto (carnê-leão) na forma do art. 8º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988, que deixar de fazê-lo, ainda que não tenha apurado imposto a pagar na declaração de ajuste;

            IV – isoladamente, no caso de pessoa jurídica sujeita ao pagamento do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido, na forma do art. 2º, que deixar de fazê-lo, ainda que tenha apurado prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para a contribuição social sobre o lucro líquido, no ano-calendário correspondente.

(g.n.).

            O referido entendimento está evidenciado nas ementas dos acórdãos do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, abaixo reproduzidas, publicadas no site www.conselhos.fazenda.gov.br.:

            MULTA ISOLADA - IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA CUMULATIVA COM A MULTA DE OFÍCIO NORMAL - Deve ser afastada a aplicação da multa isolada concomitantemente com a multa de ofício normal, incidentes sobre o tributo objeto do lançamento.

Acórdão 102-4693.1 (g.n.)

            MULTA ISOLADA - CUMULATIVIDADE COM A MULTA DE OFÍCIO – Contendo o artigo 44, I, da lei nº 9430, de 1996, norma que alberga a falta, genérica, de pagamento do Imposto de Renda, sua aplicação inibe a eficácia simultânea daquela contida no § 1º, III, desse artigo. Acórdão 102-46375. (g.n.).

            MULTA DE LANÇAMENTO DE OFÍCIO E MULTA ISOLADA - CONCOMITÂNCIA - É incabível, por expressa disposição legal, a aplicação concomitante de multa de lançamento de ofício exigida com o tributo ou contribuição, com multa de lançamento de ofício exigida isoladamente. (Artigo 44, inciso I, § 1º, itens II e III, da Lei nº 9.430, de 1996). Acórdão 104-21094.(g.n.).

            DECLARAÇÃO DE AJUSTE ANUAL INEXATA - MULTA ISOLADA - DUPLA INCIDÊNCIA - A omissão de rendimentos recebidos de pessoas físicas deve ser punida com multa isolada na forma prevista no art. 44, § 1º, inciso III, da Lei nº 9.430, de 27/12/1996, mas incorreta sua exigência quando conjunta com a penalidade por declaração inexata. Dupla penalização para uma mesma base de incidência. Acórdão 106-13145. (g.n.).

            O Conselho de Contribuintes e a Câmara Superior de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda também têm acatado, conforme se verifica das ementas abaixo transcritas, outros entendimentos semelhantes ao da concomitância de multas, segundo os quais as multas isoladas por falta do recolhimento mensal da antecipação do imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro (CSL) por estimativa (Lei nº 9.430/96, arts. 2º e 30), não seriam exigíveis, porque, entre outros argumentos, versariam sobre desatendimento "de mera obrigação acessória apurada após o encerramento do ano-calendário, sem repercussão na órbita do tributo"; porque deveria prevalecer apenas o imposto (definitivo) efetivamente apurado com base no lucro real ou porque se apurou prejuízo no ano-calendário:

            IRPJ - CSLL - RECOLHIMENTO POR ESTIMATIVA - MULTA - ISOLADA - Encerrado o período de apuração do imposto de renda, a exigência de recolhimentos por estimativa deixa de ter sua eficácia, uma vez que prevalece a exigência do imposto efetivamente devido apurado, com base no lucro real, em declaração de rendimentos apresentada tempestivamente, revelando-se improcedente e cominação de multa sobre eventuais diferenças, mormente quando verificado o prejuízo no ano-calendário.

Acórdão 103-2103 (g.n.).

            CONCOMITÂNCIA DA MULTA ISOLADA COM A DEVIDA POR FALTA DE PAGAMENTO DE TRIBUTO OU CONTRIBUIÇÃO – Descabe a concomitância da multa isolada por falta de recolhimento da estimativa de que trata o art. 2º da Lei nº 9.430/96 com a multa proporcional ao imposto devido lançado, sob pena de aplicar-se dupla penalidade sobre uma mesma infração. Acórdão 107-08001. (g.n.).

            MULTA ISOLADA – INEXISTÊNCIA DE TRIBUTO A RECOLHER – DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA (art. 44, parágrafo 1º, inciso IV da Lei nº 9.430/96) – A exigência da multa isolada prevista na legislação de regência não tem cabimento se o descumprimento versa sobre desatendimento de mera obrigação acessória apurada após o encerramento do ano calendário, sem repercussão na órbita do tributo. Acórdão CSRF/01-04.263. (g.n.).

            PENALIDADES - RECOLHIMENTO TRIBUTÁRIO POR ESTIMATIVA - MULTA DE OFÍCIO - Falece legalidade a aplicação de multa de ofício sobre tributo objeto de recolhimento com base em estimativa, visto, não se inserir esta última no conceito de fato gerador do imposto de renda e da contribuição social de pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real. Acórdão 104-16357

            Os entendimentos supracitados relativos à antecipação do IRPJ e da CSL não são unânimes no Conselho de Contribuintes, conforme se verifica das ementas dos acórdãos a seguir reproduzidas:

            MULTA DE OFÍCIO E MULTA ISOLADA – Verificada a falta de pagamento do imposto por estimativa, após o término do ano-calendário, o lançamento de ofício abrangerá a multa de ofício sobre os valores devidos por estimativa e não recolhidos e o imposto devido com base no lucro real apurado em 31 de dezembro, caso não recolhido, acrescido de multa de ofício e juros de mora contados do vencimento da quota única do imposto.

Acórdão 101-95171

            MULTA ISOLADA – ANO-CALENDÁRIO DE 1997 - Pessoa jurídica obrigada ao regime por estimativa, que deixa de recolhê-la, e apura prejuízo e base negativa no ano-calendário, incide na penalidade prevista no inciso IV, § 1º do artigo 44 da Lei 9.430/96. Acórdão 108-06.004.

            IRPJ – ESTIMATIVA – FALTA DE RECOLHIMENTO – MULTA ISOLADA - DENÚNCIA ESPONTÂNEA EM FACE DO PREJUÍZO – INOCORRÊNCIA – O art. 44, I, § 1º, IV, da Lei 9430/96 prevê expressamente a hipótese de incidência da multa isolada quando a empresa, sujeita ao recolhimento por estimativa, deixar de fazê-lo, ainda que tenha ao final do período base anual apurado prejuízo. Portanto, a apuração de prejuízo ou a entrega da Declaração com prejuízo não corresponde à denúncia espontânea do art. 138 do CTN, que estabelece a exclusão da responsabilidade da infração se esta for denunciada com o recolhimento do tributo, o que não ocorreu. Acórdão 108-06.571


II – Dispensa de penalidade e anistia de infração. Exigência de expressa disposição legal.

            Preliminarmente registra-se que a retenção e o recolhimento de antecipações constituem obrigação tributária acessória, cujo fato gerador é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal (Código Tributário Nacional - CTN, art. 115).

            A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. O simples fato da sua inobservância a converte em obrigação principal, relativamente à penalidade pecuniária (CTN, art. 113, §§ 2º e 3º).

            O crédito tributário regularmente constituído, entre os quais o relativo à penalidade pecuniária, somente se modifica ou se extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos expressamente previstos no CTN, fora dos quais não podem ser dispensados, sob pena de responsabilidade funcional (CTN, arts. 141 e 142).

            Os arts. 97, inc. VI, e 180, do CTN, adiante reproduzidos, estabelecem que a infração somente pode ser anistiada, a penalidade dispensada ou reduzida e o respectivo crédito tributário excluído ou extinto, se houver expressa disposição de lei:

            "Art. 97. Somente a lei pode estabelecer

:

             ..............................................................................................................

            VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades."

            "Art. 180. A anistia abrange exclusivamente as infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que a concede, não se aplicando:" (g.n.)

            Sob o ponto de vista legal, têm-se ainda que, na hipótese de exclusão do crédito tributário, o inc. I, do art. 111, do CTN, abaixo transcrito, exige a interpretação literal da lei, donde, não ser admitida outras espécies de interpretações que conduzam a esse resultado, como as constantes dos entendimentos retrocitados:

            "Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

            I – suspensão ou exclusão do crédito tributário."

            O crédito tributário da multa isolada por falta de recolhimento de antecipação, também não pode ser dispensado ou excluído na via administrativa sob o argumento de que tal exigência seria injusta ou gravosa, tendo em vista que os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, entre outros, insculpidos na Constituição Federal (arts. 145, § 1º, e 150, inc. IV), são dirigidos ao legislador e não ao aplicador da lei. Posta a lei no mundo jurídico, deve ser aplicada. Se se entender que é inconstitucional, deve-se adotar as medidas cabíveis para a sua argüição perante o Supremo Tribunal Federal, por ser a declaração de inconstitucionalidade atribuição exclusiva do Poder Judiciário, conforme artigos 97 e 102, I, "a" e III, "b", da Constituição Federal.

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            A Administração Tributária já consagrou o exposto mediante o Parecer Normativo CST nº 329, de 1970, que traz em seu texto citação da lavra de Tito Rezende, contida na obra "Da Interpretação e da Aplicação das Leis Tributárias", de Ruy Barbosa Nogueira – 1965, nos seguintes termos:

            "É princípio assente, e com muito sólido fundamento lógico, o de que os órgãos administrativos em geral não podem negar aplicação a uma lei ou um decreto, porque lhes pareça inconstitucional. A presunção natural é que o Legislativo, ao estudar o projeto de lei, ou o Executivo, antes de baixar o decreto, tenham examinado a questão da constitucionalidade e chegado à conclusão de não haver choque com a Constituição: só o Poder Judiciário é que não está adstrito a essa presunção e pode examinar novamente aquela questão".

            A legislação e a doutrina supracitadas demonstram que os referidos entendimentos não têm respaldo legal, por inexistir disposição expressa do CTN ou da legislação tributária ordinária que autorize a dispensa da multa isolada por descumprimento da obrigação acessória de recolher antecipações, ainda que, no caso do carnê-leão, a penalidade seja exigida concomitantemente com a multa por redução indevida do imposto a pagar apurada na declaração de rendimentos.


III – Falta de recolhimento de antecipação e de pagamento do imposto definitivo. Infrações distintas e não excludentes.

            O caput do art. 44, da Lei nº 9.430/96, em consonância com o disposto no inc. XXXIX, do art. 5º, da Constituição Federal, de que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, tipificou as infrações abaixo relacionadas, entre as quais a de falta de recolhimento de antecipação e de pagamento do imposto (definitivo) apurado na declaração; as multas (75% e 150%) e as respectivas bases de cálculo (a totalidade ou diferença de tributo apurada de ofício):

            a) falta de pagamento de tributo ou contribuição (definitivos);

            b) falta de recolhimento do tributo ou contribuição (antecipações);

            c) pagamento de tributo ou contribuição declarado após o prazo, sem o acréscimo de multa de mora (definitivos);

            d) recolhimento de tributo ou contribuição após o prazo, sem o acréscimo de multa de mora (antecipações);

            e) falta de apresentação de declaração; e

            f) apresentação de declaração inexata.

            Da leitura dos incisos do § 1º, do art. 44, da Lei nº 9.430/96, verifica-se que os incisos II a IV estão em contraposição ao disposto no inciso I.

            O inc. I determina que a multa denominada de normal ou genérica, será exigida juntamente com o tributo ou contribuição (definitivos), apurados de ofício, quando não houverem sido anteriormente pagos, no prazo estabelecido pela legislação, que, no caso da pessoa física, coincide com a data do encerramento do prazo para entrega tempestiva da declaração de rendimentos, e, no caso da pessoa jurídica, com a data estabelecida após o encerramento do período de apuração do tributo ou contribuição para pagamento da quota única.

            Se houver declaração exata e o imposto, espontaneamente apurado não for pago no prazo previsto na legislação, a multa cabível é a de mora, de que trata o art. 61, da Lei nº 9.430/96, por inexistir omissão parcial ou total de tributos que possa ser apurada de ofício, que constitui a base de cálculo ou de incidência da multa genérica.

            Os incisos II a IV, por sua vez, dispõem que a multa será exigida isoladamente do tributo, quando houver falta de recolhimento da antecipação ou quando o recolhimento houver sido efetuado intempestivamente sem o acréscimo de multa de mora, sem estabelecer qualquer vínculo com a infração por falta de pagamento do imposto definitivo apurado de ofício na declaração.

            A Constituição Federal e a legislação tributária infraconstitucional não vedam a aplicação concomitante de penalidades, como comprova o art. 74, da Lei nº 4.502, de 30/11/64, que estabelece, expressamente, que "apurando-se, no mesmo processo, a prática de duas ou mais infrações pela mesma pessoa natural ou jurídica, aplicam-se cumulativamente, no grau correspondente, as penas a elas cominadas, (...)".

            Como se constata, a tipificação pelo art. 44 da Lei nº 9.430/96 das infrações por falta de recolhimento de antecipação e de pagamento do tributo ou contribuição (definitivos) não significa duplicidade de tipificação de uma mesma infração e nem de penalidade. Pelo contrário, a lei, por não conter palavras inúteis ou supérfluas, ao tipificar essas infrações, inclusive num mesmo dispositivo legal, demonstra estar tratando de obrigações, infrações e penalidades tributárias distintas, que não se confundem e não são excludentes. Logo, não procedem os entendimentos que pretendem dispensar a multa isolada, por ter sido aplicada concomitantemente com a multa genérica ou, no caso de pessoa jurídica, por ter sido apurado prejuízo no exercício ou por não ter sido apurado imposto a pagar na declaração.


IV – Multas isolada e genérica. Bases de cálculo distintas.

            As bases de cálculo das multas isolada e genérica, por falta de recolhimento de antecipação e por falta de pagamento da contribuição ou tributo, também são distintas, tanto de fato como de direito.

            O pagamento do tributo definitivo apurado na declaração extingue o crédito tributário (CTN, art. 150, inc. I), ao contrário do recolhimento da antecipação, que, sendo uma obrigação acessória, não tem esse efeito, por ser esse recolhimento provisório e precário e estar sujeito ao ajuste na declaração, podendo, inclusive, resultar em restituição, parcial ou integral.

            Para ilustrar essa assertiva cita-se como exemplo uma pessoa física que tenha percebido rendimentos em apenas um mês do ano-calendário de 2005, no montante de R$ 13.000,00, acima, portanto, do limite de isenção mensal de R$ 1.164,00 (IN SRF nº 488/2004), tendo, por isso, sido retido e recolhido na fonte R$ 3.109,65. Nessas condições, esse contribuinte tem direito à restituição integral do imposto retido na fonte, em virtude do limite de isenção na declaração de ajuste anual desse exercício ser de R$ 13.968,00 (IN SRF nº 616/2006).

            A natureza jurídica do recolhimento da antecipação não se altera mesmo quando, em função do texto relativo à tributação mensal do imposto de renda da pessoa física instituída pela Lei nº 7.713, de 1988, posteriormente reconvertida para tributação anual com a Lei nº 8.134, de 1990, a lei, ao dispor sobre o carnê-leão, refira-se à falta de recolhimento com a expressão falta de pagamento.

            No campo da matéria de fato, a distinção das bases de cálculo dessas multas pode ser visualizada nos exemplos abaixo, em que se imagina uma situação hipotética em que três contribuintes, que deixaram de recolher R$ 100.000,00 de carnê-leão, têm na respectiva declaração anual de ajuste um imposto a pagar de R$ 1.000,00.

            O primeiro deles não apresenta a declaração de ajuste, de modo que posteriormente lhe é exigido a totalidade do imposto a pagar apurado de ofício na referida declaração, no montante de R$ 1.000,00, juntamente com a multa genérica de R$ 750,00 (75% x R$ 1.000,00). Segundo o retrocitado entendimento sobre a concomitância de multas, desse contribuinte não poderia ser exigida a multa isolada de R$ 75.000,00 por falta de recolhimento do carnê-leão.

            O segundo contribuinte apresenta a declaração anual de ajuste inexata, informando um imposto de apenas R$ 400,00, cuja diferença de R$ 600,00 lhe é posteriormente exigida de ofício, juntamente com a multa genérica de R$ 450,00 (75% x R$ 600,00). Aqui, segundo o citado entendimento, também não poderia ser exigida a multa isolada por falta de recolhimento do carnê-leão.

            O terceiro contribuinte apresenta a declaração anual de ajuste exata, com um imposto a pagar de R$ 1.000,00, inexistindo, portanto, hipótese de exigência da multa genérica por insuficiência parcial ou total de imposto definitivo a pagar. Neste caso, de acordo com o mencionado entendimento, deve ser aplicada a multa isolada de R$ 75.000,00 por falta de recolhimento do carnê-leão, porque não haveria exigência concomitante dessa multa com a genérica.

            Como se constata, as bases de cálculos das multas isolada e genérica são materialmente distintas. Nos exemplos acima eram, respectivamente, de R$ 100.000,00 e R$ 1.000,00; R$ 100.000,00 e R$ 600,00 e R$ 100.000,00 e R$ 0,00 (zero).

            Se excepcionalmente esses valores fossem coincidentes, mesmo assim, as bases de cálculo seriam juridicamente diversas, por se referirem a obrigações tributárias de naturezas jurídicas distintas.

            Ainda que a lei atribuísse uma mesma base de cálculo para multas por infrações distintas, o referido entendimento sobre concomitância de multas também não prosperaria, porque o CTN e a Constituição Federal não proíbem que a lei assim disponha, estabelecendo a Constituição Federal apenas que as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos (CF, art. 145, § 2º).

            O entendimento sobre dispensa da multa isolada quando concomitante com a multa genérica, além de não ter amparo legal, institui, à margem da lei, tratamento discriminatório, que fere o princípio constitucional da isonomia, pois, na hipótese de falta de recolhimento do carnê-leão, como visto nos exemplos supracitados, penaliza com a multa isolada o contribuinte que apresenta a declaração de ajuste exata, enquanto que daqueles que omitem imposto a pagar ou que o declaram a menor, exige apenas as multas genéricas.

            Nessas condições, o não-recolhimento da antecipação e a omissão de imposto definitivo a pagar na declaração podem resultar em vantagem financeira, especialmente se o imposto a pagar apurado de ofício for irrisório em comparação com o valor da multa por falta de recolhimento do carnê-leão que seria dispensada, não se podendo assegurar, por isso, que o entendimento acima referido não possa ensejar planejamento tributário visando a referida vantagem.

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Sobre o autor
José Oleskovicz

Bacharel em direito. Ex-Conselheiro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLESKOVICZ, José. Decisões administrativas que afastam as multas isoladas por falta de recolhimento de antecipações de tributo e contribuição.: Ausência de amparo legal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1062, 29 mai. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8419. Acesso em: 26 abr. 2024.

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