Resumo: Este trabalho apresenta uma análise acerca da injustiça ambiental e o impacto provocado nas comunidades rurais em decorrência da pulverização de agrotóxicos, que, por sua vez, suportam uma parcela desproporcional das consequências trazidas pelo atual modelo de produção agrícola. Identificou-se que antes mesmo dos alimentos chegarem as mesas dos consumidores finais, as comunidades mais frágeis têm sofrido um alto grau de intoxicação e exposição aos produtos químicos, deficiência esta que está atrelada a um conjunto de fatores políticos e econômicos, restringindo as comunidades mais despossuídas de proverem seus direitos fundamentais. Por este viés, o trabalho almeja analisar soluções que promovam a saúde e a defesa do meio ambiente, através de uma atuação estatal mais eficiente e adoção de um novo modelo de produção agrícola sustentável.
Palavras-chave:Agrotóxicos. Comunidades rurais. Injustiça ambiental. Intoxicações.
Sumário: Um breve panorama acerca da “Justiça Ambiental” e o uso de agrotóxicos. O movimento da “justiça ambiental” e sua construção no Brasil. A revolução verde e seus impactos no século XXI. Defensivos, agrotóxicos ou biocidas? Impacto nas comunidades rurais e tradicionais: o custo da saúde humana. O despertar da consciência ambiental. Meio ambiente como moeda de troca para interesses econômicos e políticos. Possibilidades de justiça ambiental. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca evidenciar os danos causados pelos agrotóxicos e seus impactos socioambientais nas comunidades rurais e tradicionais brasileiras, as quais têm enfrentado um grave quadro de injustiça ambiental em consequência da pulverização aérea e terrestre de agrotóxicos nas plantações.
O conceito de injustiça ambiental, apresentado logo no início do trabalho, vem expor as situações de risco que as comunidades rurais brasileiras suportam, onde a maior parcela dos danos ambientais propagados pelo desenvolvimento agropecuário tem se concentrado de forma predominante em locais onde vivem populações mais pobres e despossuídas de seus direitos básicos.
Essas consequências seguem a lógica do fenômeno da injustiça ambiental, na qual todos os efeitos nocivos do desenvolvimento recaem sempre sobre os grupos sociais mais despossuídos. O cenário de modernização e desenvolvimento da agricultura atribuídos pela revolução verde revelou uma intrínseca relação entre agrotóxicos e os diversos declínios na saúde pública e no meio ambiente. Pessoas comuns são expostas aos perigos dos agrotóxicos quando estes são pulverizados em plantações e contaminam de, forma generalizada, todos os recursos naturais como o solo, o ar, os recursos hídricos, a vegetação, os animais e as pessoas.
O interesse pessoal pelo tema é correspondente à constante vivência e relação com o agronegócio que tive desde pequeno, e por pertencer a uma família composta por fazendeiros e empresários do agronegócio, que proporcionou criar uma consciência “ecocêntrica”, que, por anos, foi impactada e perturbada pela generalizada destruição ambiental e social propagada pelo agronegócio. O trabalho em tela visa ser um meio de conhecimento e conscientização para outras pessoas sobre um assunto que pouco repercute e, cada vez mais, faz-se presente seus sinais de destruição.
Desse modo, apresenta-se como uma contribuição acadêmica e social para que o tema seja aprofundado e produzido novos meios de conhecimentos no setor acadêmico, que, ao meu ver, faz-se de poderoso instrumento de informação e exigência de novas políticas públicas e direitos para proteção de minorias que têm pouca voz e representatividade, proporcionando paulatinamente a proteção ambiental e social democrática.
No decorrer do trabalho, são criticadas as falhas que o país apresenta em suas políticas e omissões legislativas para a proteção de direitos básicos das comunidades rurais e sua liberal atuação na regulamentação e liberação dos agrotóxicos.
A metodologia hipotético dedutiva, empregada no estudo foi o método de pesquisa bibliográfica que se utilizou de clássicos da literatura internacional como as obras “Primavera Silenciosa”, “O Que é Justiça Ambiental” e outras bibliografias nacionais que contribuíram para a pesquisa, efetuada a partir da revisão literária de artigos científicos, periódicos, matérias jornalísticas e elementos normativos existentes sobre a temática, com o fim de adquirir conhecimentos a respeito da situação atual do problema apresentado.
2. UM BREVE PANORAMA ACERCA DA “JUSTIÇA AMBIENTAL” E O USO DE AGROTÓXICOS
Existe hoje uma crescente necessidade em se trabalhar a temática do meio ambiente, não só em torno de sua frágil proteção jurídica, mas, também, para compreendermos a real expressão do movimento de justiça ambiental e como é sua ação no Brasil. Temos, nos dias atuais, a consequência de uma má distribuição dos poluentes e os malefícios das atividades humanas no meio ambiente, que acabam recaindo em maior proporção aos grupos sociais vulneráveis. E é essa noção de “justiça ambiental” que será trabalhada, principalmente em relação às comunidades rurais, com o intuito de apresentar um direito ao meio ambiente seguro, sadio e produtivo para todos, onde o meio ambiente seja considerado em toda sua totalidade, incluindo suas dimensões ecológicas, físicas construídas, sociais, políticas, estéticas e econômicas.
Para melhor abordagem científica e compreensão de justiça ambiental, faz jus a conceituação do termo “meio ambiente”, termo este que traz múltiplas conceituações e muita crítica pela doutrina, pois “meio” deduz a aquilo que está no centro, indicando o lugar ou área onde habitam os seres vivos. Assim, a palavra “ambiente” também está inserida no conceito de meio, havendo em tal formação linguística um pleonasmo (repetição de palavras ou ideias com o mesmo sentido para dar ênfase).
Resolvemos, então, abordar a conceituação dada por Luís Paulo Sirvinskas, extraída de sua obra “Manual de Direito Ambiental”, para o qual meio ambiente é o lugar onde habitam os seres vivos, formando um conjunto harmonioso de condições essenciais para existência da vida como um todo (SIRVINSKAS, ano, p. 126).
A denominação “meio ambiente” foi empregada, pela primeira vez, por Étienne Geofrffroy Saint-Hilarie, um naturalista francês, em sua obra “Études Progressives dun Naturaliste” (1835), com um conceito mais restrito que o dos dias atuais.
O termo meio ambiente também é consagrado na legislação e jurisprudência brasileira, conforme disciplina o art.3, I, da Lei n. 6.938/81, in verbis: como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981). Luis Paulo Sirvinskas aborda, em sua obra, que o conceito legal de meio ambiente, na atual legislação brasileira, não é adequado, pois é restrito ao meio ambiente natural, não abrangendo de maneira ampla todos os bens jurídicos protegidos (SIRVINSKAS, 2019, p. 127).
José Afonso da Silva, também se deparando com essa deficiência na conceituação legislativa, conceitua o meio ambiente como “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que proporcionam o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas” (SILVA, 1998, p. 2).
Para José Afonso da Silva, nessa conceituação jurídico-legal que o Brasil adota para meio ambiente, há uma divisão do meio ambiente em:
a) Meio ambiente natural, que integra a atmosfera, águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, subsolo, e elementos da biosfera, fauna, flora, a biodiversidade, patrimônio genético e a zina costeira (art. 225 da CF); b) Meio ambiente cultural, que integra os bens de natureza material e imaterial, os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico (art. 215 e 216 da CF); c) Meio ambiente artificial, onde vai integrar todos os equipamentos urbanos, os edifícios comunitários (art. 21, XX, 182 e s. e 225, da CF); d) E, por último, o meio ambiente do trabalho, que integra a proteção do homem em seu local de trabalho, observando sempre as normas de segurança (arts. 7º, XXII, e 200, VII e VIII, ambos da CF) (SILVA, 1998, p. 2).
O mandamento constitucional protege a qualidade de vida do homem no mundo, tanto relacionada ao meio ambiente urbano, quanto o rural, preservando-os das agressões e degradações praticadas pelo próprio homem.
Ao observarmos o art. 3º, II, da Lei n. 6.938/81, entendemos por “degradação da qualidade ambiental” a degradação resultante de atividades que, direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas, ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
No Brasil, o modelo de desenvolvimento econômico e social adotado se tornou centro de grandes críticas e debates, devido a crescente escala de degradação ambiental que o país enfrenta, essa crise socioambiental está evidenciada em todos os lugares, seja em zonas urbanas, ou zonas rurais brasileiras. Essas degradações foram promovidas a categorias de crimes no sistema jurídico brasileiro, estando colocadas na Seção III, da Lei nº 9.065/1998, onde trata da poluição e outros crimes ambientais (BRASIL, 1998).
Correlação essa que, aqui, fazemos com a justiça ambiental, devido ao fato de haver uma proteção ambiental desproporcional. Desproporcionalidade essa que é evidenciada com maior impacto nas populações de baixa renda, povos étnicos, tradicionais e comunidades mais vulneráveis.
A poluição e malefícios da degradação ambiental não são distribuídos de forma democrática, as autoridades governamentais e sociedade pouco têm feito para melhorar a questão de redução da degradação ambiental, que consequentemente eleva o grau da injustiça ambiental, gerando riscos cada vez mais graves para a saúde das pessoas e o meio ambiente.
Tal fenômeno foi abordado pelos autores Henri Acserald, Cecília Campello Amaral Mello e Gustavo das Neves Bezerra, no livro “O que é justiça ambiental”, que utilizaremos como embasamento para a presente trabalho, trazendo toda a síntese desse fenômeno, desde o seu surgimento até os casos mais emblemáticos, no Brasil, de injustiça ambiental.
Essa obra é de importante relevância para o presente estudo, devido à crítica e equiparação feita em torno das comunidades rurais brasileiras, constituindo-se tema principal da obra, onde há uma forte caracterização de injustiça ambiental nas comunidades rurais, vítimas expostas da pulverização aérea e terrestre de agrotóxicos.
Conforme já mencionado nas linhas acima, reiteramos que a noção de justiça ambiental implica em um meio ambiente seguro, sadio e produtivo para todos, o meio ambiente é considerado em sua totalidade, incluindo suas dimensões ecológicas, físicas construídas, sociais, políticas, econômicas e estéticas. Assim sendo, tem-se que o Direito, como posto aqui, deve ser exercido livremente, respeitando e preservando as identidades individuais e de grupo, onde todo trabalhador tenha um ambiente de trabalho sadio e seguro, sem que ele seja forçado a uma vida de risco e do desemprego, e os moradores estejam livres, em suas casas, dos perigos ambientais provenientes das ações físico-químicas das atividades produtivas (ACSELRAD et. al., 2008).
Segundo Acselrad et. al. (2008), o movimento da “justiça ambiental” surgiu nos EUA, no final dos anos 1960, mas só foi concretizado em torno de 1980, a partir de lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis. Nesta época, ocorreram várias análises sobre a distribuição dos riscos ambientais, chegando à conclusão de que os impactos dos acidentes ambientais estão desigualmente distribuídos por raça e por renda.
A conclusão destas análises mostrou que áreas de concentração de minorias raciais têm uma probabilidade maior de sofrer com riscos e acidentes ambientais. Inclusive é demonstrado que havia uma certa atuação estatal para que concorresse uma aplicação desigual das leis ambientais.
[...] há um recorte racial na forma como o governo norte-americano limpa aterros de lixo tóxico e pune os poluidores. Comunidades brancas veem uma ação mais rápida, melhores resultados e penalidades mais efetivas do que comunidades em que negros, hispânicos e outras minorias vivem. Essa desigual proteção também ocorre independentemente da comunidade ser rica ou pobre (COLE & FOSTER, 2001, p. 57).
Além do trecho acima, retirado do Livro de Cole & Foster sobre o racismo ambiental, foram apresentadas situações que impulsionaram o nascedouro do movimento por justiça ambiental, que contém estudos sobre impactos desproporcionais dos acidentes ambientais por raça e por renda.
A justiça ambiental é uma condição de existência social, onde deve haver um tratamento justo em que nenhum grupo de pessoas, incluindo-se grupos étnicos, raciais ou de classe, deva suportar uma parcela maior das consequências ambientais negativas, resultantes da operação de empreendimentos industriais, comerciais, agrícolas e municipais, bem como das consequências resultantes da ausência ou omissão das políticas governamentais.
Acselrad et. al.(2008) trazem, nesse contexto, o surgimento de movimentos civis, em sua grande maioria da população negra nos EUA, exigindo a noção de “equidade geográfica”, a qual se refere à configuração espacial e locacional de comunidades pobres e negras, próximas às fontes de contaminação ambiental, instalações perigosas, usos do solo localmente indesejáveis, como depósitos de lixo tóxico e perigoso.
Essa noção de equidade geográfica foi posta devido a um contorno racial, na forma em que o governo norte americano limpava aterros de lixo tóxico e punia os poluidores.
Nos anos 1970, ainda em processo de concretização do movimento da justiça ambiental, sindicatos dos EUA, ambientalistas e lideranças de minorias começaram a se importar com a questão da saúde ocupacional, fazendo uma ação conjunta para elaborar o que se entendia por “questões ambientais urbanas”. Na época, já havia estudos revelando a distribuição espacialmente desigual da poluição conforme a raça e classe social, mas sem conseguir muito êxito em cativar a atenção pública para tal problema.
Em meados de 1976-1977, essas organizações ambientais e lideranças de minorias tiveram várias negociações com intuito de criar um acordo para o combate à localização de lixo tóxico e perigoso, que eram, em sua maioria, localizadas em áreas de concentração residencial de população negra dos EUA.
Porém, só veio a se concretizar esse movimento da justiça ambiental com a prática concreta de luta que ocorreu em Afton, no condado de Warren, na Califórnia do Norte, no ano de 1982. Oportunidade essa em que habitantes de Afton se reuniram em uma onda de protestos contra a contaminação da água na rede de abastecimento da cidade, ocasionando a prisão de mais de 500 pessoas e evidenciando assim a sua grande maioria negros. Isso levantou a justiça ambiental como questão central na luta pelos direitos civis, surtindo efeito de introduzir na agenda do movimento ambientalista tradicional a questão de desigualdade ambiental.
O movimento da justiça ambiental estruturou suas técnicas inovadoras de própria produção de conhecimento, uma vez que a produção de conhecimento científico da época era votado pelos que pretendiam reduzir as políticas ambientais. Momento de extrema importância este, em que foi realizada uma pesquisa a pedido da Comissão de Justiça Racial da United Church of Christ, demonstrando que “a composição racial de uma comunidade é a variável mais apta a explicar a existência ou inexistência de depósitos de rejeitos perigosos de origem comercial em uma área” (ACSELRAD et. al., 2008, p. 19).
Esta pesquisa teve importância, nesse contexto histórico do surgimento de justiça ambiental, devido ao fato de o número de residentes pertencentes a minorias étnicas em comunidades que abrigam depósitos de resíduos perigoso ser igual ao dobro da proporção de minorias nas comunidades desprovidas de tais instalações. O motivo raça mostrou-se ainda mais relacionado ao indicador da coincidência entre os locais onde as pessoas vivem e aquelas onde os resíduos tóxicos são depositados.
A expressão “racismo ambiental” surgiu a partir dessa pesquisa, justamente para caracterizar a imposição desproporcional de dejetos perigosos às comunidades de cores. E para isso, buscaram-se vários fatores que explicassem tal fenômeno, como por exemplo a disponibilidade de terras baratas nessas comunidades, falta de oposição da sociedade local, carência de recursos políticos, juntamente com a falta de representação dos mesmos nas agências governamentais.
Concorriam de forma conjunta para a produção da desigualdade ambiental a forte imposição do mercado e as práticas discriminatórias das agências governamentais, passando a constatar, dessa forma, que a atribuição desigual dos riscos era devido à fraqueza política dos grupos minoritários.
A partir de 1987, as organizações de base começaram a discutir mais intensamente as ligações entre raça, pobreza e poluição, e os pesquisadores expandiram seus estudos sobre as ligações entre problemas ambientais e desigualdade social, procurando elaborar os instrumentos de uma “avaliação de equidade ambiental” que introduzisse variáveis sociais nos tradicionais estudos de avaliação de impacto (ACSELRAD et. al., 2008, p. 22).
Com o movimento ganhando cada vez mais força, novas formas de pesquisas participativas começaram a surgir, envolvendo os próprios grupos sociais ambientalmente desfavorecidos, como coprodutores de conhecimento. Essa produção de conhecimento própria teria, assim, um importante papel, já que seria visto como parte da elaboração não discriminatória de políticas públicas.
Com o surgimento de manifestações e pressões, começaram a ocorrer mudanças no Estado, exemplo este que podemos colocar quando a Environmental Protection Agencydo governo dos EUA criou, pela primeira vez (1990), um grupo de estudo para analisar o risco ambiental em comunidades de baixa renda.
E, logo no ano seguinte, acabou se sucedendo a primeira Cúpula Nacional de Lideranças Ambientalistas de Povos de Cor, ocasião esta que acabou aprovando “17 princípios da justiça ambiental”, estabelecendo uma agenda nacional para redesenhar a política ambiental dos EUA, a fim de incorporar a pauta das minorias (BARDEN, 1994).
Observa-se, nesse breve contexto histórico, que, depois da década de 1980, nos EUA, houve inúmeras lutas voltadas para a questão do meio ambiente e desigualdade social, impulsionando, assim, uma reflexão e mobilização social ainda mais ampla.
Essa reflexão geral, que despertou entre risco ambiental, pobreza e etnicidade juntos, fez com que surgisse uma rede nacional de lutas solidárias em todo o território dos EUA, e que, logo após, se tornaria uma rede internacional, espalhando-se a nível global.
O movimento de Justiça Ambiental consolidou-se como uma rede multicultural e multirracial nacional, introduzido através dos militantes de base e dos acadêmicos que inicialmente apoiaram a causa da justiça ambiental, sendo capaz de elaborar os princípios da justiça ambiental e ideais de luta, onde logo depois deu força e expandiu-se internacionalmente, promovendo grupos comunitários, entidades de direitos civis, organizações de trabalhadores e intelectuais no combate ao racismo ambiental.
Impulsionou-se não só uma reflexão geral entre risco ambiental, pobreza e etnicidade, mas também a adoção de novas formas de lutas pelos direitos civis, incluindo protestos, passeatas, petições, lobby, relatórios, apuração de fatos e audiências para engajar os debates públicos com as comunidades.
Os princípios criados tiveram grande impacto, pois nortearam e construíram as redes de justiça ambiental. Basicamente os princípios eram baseados e organizados como:
a) “Poluição Tóxica Para Ninguém”, que pelo fato de existir um deslocamento espacial de poluição para as comunidades mais desfavorecidas, esse princípio busca por em pauta pública a desigualdade ambiental, contra os empreendimentos ambientalmente maléficos, impedindo assim, que qualquer população vulnerável venha sofrer danos; b) “Outro modelo de desenvolvimento”, contesta a forma de desenvolvimento que direciona a distribuição espacial das atividades e o modelo de consumo, que gera cada vez mais malefícios ao meio ambiente e à saúde das comunidades mais fracas; c) “Por uma transição Justa”, mostra a necessidade de mudar o modelo de desenvolvimento, tratado no princípio anterior, mas de forma gradual, justamente para que o combate contra o risco ambiental desigual, não afete retirando o emprego dos trabalhadores das industrias poluentes; e por fim d) “por políticas ambientais democraticamente instituídas”, é o combate pela ausência de uma regulamentação efetiva sobre os grandes agentes econômicos do risco ambiental, é o que possibilita que estes procurem livremente as comunidades mais carentes como vítimas da poluição (ACSELRAD et. al., 2008, p. 29).
Os movimentos por justiça ambiental identificaram que a ausência de uma regulamentação efetiva referente aos riscos ambientais causados pelos grandes agentes econômicos faz com que exista uma livre escolha pelas empresas em fazerem comunidades mais carentes como vítimas de sua poluição.
[...] acredita-se que a injustiça ambiental cessará apenas com a contenção do livre arbítrio dos agentes econômicos com maior poder de causar impactos ambientais, ou seja, pelo exercício mesmo da política, nos marcos de uma democratização permanente (ACSELRAD et. al., 2008, p. 33).
Acselrad et. al.(2008) apresentam sete estratégias a serem seguidas para que seja possível concretizar o que eles chamam de “democratização permanente”, sendo elas as seguintes: I - produção de conhecimento próprio; II - pressão pela aplicação da lei de forma universal; III - pressão pelo aperfeiçoamento da legislação de proteção ambiental; IV - pressão por novas racionalidades no exercício do poder estatal; V - adoção de procedimentos de avaliação de equidade ambiental; VI - ação direta; VII - difusão espacial do movimento.
As grandes empresas hoje ao receberem algum tipo de limitação de suas atividades, seja por conta de alguma pressão social ou governamental, tendem a exportar/transferir para algum outro local onde a legislação seja mais debilitada, ou a sociedade seja mais omissa e manipulável. Por isso, quando falamos em internacionalização do movimento, podemos mencionar o surgimento de novas redes de organizações nacionais contra a injustiça ambiental, exemplo que vem ocorrendo no Brasil, Filipinas e na África do Sul.
Uma das importantes mostras do processo gradativo de internacionalização do Movimento foi a realização de um colóquio internacional em Johanesburgo, com mais de trezentos participantes de diversas nacionalidades durante a Conferencia Rio + 10, em Setembro de 2002. Pode-se citar também a realização dos encontros entre representantes de vários países em diversas edições do Fórum Social Mundial, em debates específicos sobre as lutas por justiça (ACSELRAD et. al., 2008, p. 38).
2.1. O movimento da “justiça ambiental” e sua construção no Brasil
No Brasil, o primeiro indicativo do Movimento foi em 1998, quando alguns representantes de algumas redes do Movimento de Justiça Ambiental dos EUA vieram trazer sua experiência e estabelecer relações com pesquisadores, organizações locais não governamentais, dispostas a formar parcerias na resistência aos processos de “exportação da injustiça ambiental”.
[...] participaram do encontro com o Movimento de Justiça Ambiental, realizado no Campus da Praia Vermelha da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – em Junho de 1998, representantes do Southeast Regional Economic Justice Netwrkk, do Southern Organizing Committee, do Southwest Public Workers Union, do Environmental and Economic Justice Project, dos EUA e da Cordillera People´s Alliance, das Filipinas (ACSELRAD et. al., 2008, p. 40).
O contato entre entidades norte-americanas de justiça ambiental e organizações brasileiras resultou na elaboração de um material de discussão publicado por iniciativa da Ibase, da representação da Central Sindical – CUT, no Rio de Janeiro e de pesquisadores da UFRJ, denominado de “Sindicalismo e Justiça Ambiental”.
A publicação de tal material repercutiu de forma positiva, estimulando outros grupos de universidades, ONGs e do sindicalismo a explorar tal discussão, culminando, mais tarde, na realização do Seminário Internacional de Justiça Ambiental e Cidadania, ocorrido em 2001, em Niterói, que reuniu representantes de organizações de diversas localidades brasileiras, pesquisadores e representantes do movimento dos EUA, o qual acabou resultando o surgimento da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.
Por Justiça ambiental, ao contrário, designou-se o conjunto de princípios e práticas que:
- Asseguram que nenhum grupo social, seja ele étnico, radical ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das consequências ambientais negativas de operações econômicas, decisões de políticas e programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas;
- Asseguram acesso justo e equitativo, direto e indireto, aos recursos ambientais do país;
- Asseguram amplo acesso às informações relevantes sobre o uso dos recursos ambientais, a destinação de rejeitos e a localização de fontes de riscos ambientais, bem como processos democráticos e participativos na definição de políticas, planos, programas e projetos que lhe dizem respeito;
- Favorecem a constituição de sujeitos coletivos de direitos, movimentos sociais e organizações populares para serem protagonistas na construção de modelos alternativos de desenvolvimento que assegurem a democratização do acesso aos recursos ambientais e a sustentabilidade do seu uso (ACSELRAD et. al., 2008, p. 41).
Após concluírem os debates no Seminário Internacional de Justiça Ambiental e Cidadania, foi elaborada uma declaração que ampliou a dimensão do movimento que agora não está apenas voltado à questão do racismo ambiental, mas também voltado às denúncias no âmbito das sociedades desiguais, onde a maior parcela dos danos ambientais causado pelo desenvolvimento recai nos grupos sociais de baixa renda, grupos raciais descriminalizados, povos étnicos tradicionais, comunidades rurais vulneráveis.
Foi por intermédio dessa declaração elaborada no referido seminário que surgiu a Rede Brasileira de Justiça Ambiental – RBJA, no ano de 2001. A RBJA iniciou seu trabalho promovendo e participando de iniciativas e campanhas relacionadas às lutas contra a contaminação ambiental e ocupacional, com objetivo de denunciar a destruição do meio ambiente e dos espaços coletivos de vida e trabalho, que ocorrem predominantemente em locais onde vivem as populações mais desfavorecidas de recursos econômicos, e grupos sociais marginalizados.
A RBJA consolidou-se, desde 2001, como um espaço de identificação, solidarização e fortalecimento dos princípios de Justiça Ambiental ― marco conceitual que aproxima as lutas populares pelos direitos sociais e humanos, a qualidade coletiva de vida e a sustentabilidade ambiental.
Constituiu-se como um fórum de discussões, de denúncias, de mobilizações estratégicas e de articulação política, com o objetivo de formulação de alternativas e potencialização das ações de resistência desenvolvidas por seus membros ― movimentos sociais, entidades ambientalistas, ONGs, associações de moradores, sindicatos, pesquisadores universitários e núcleos de instituições de pesquisa/ensino.
A RBJA opera como uma articulação horizontal e conta com uma Secretaria Nacional que tem como atribuição facilitar o intercâmbio de informações, potencializar a articulação dos membros e apoiar as ações coletivas da RBJA (REDE BRASILEIRA DE JUSTIÇA AMBIENTAL, [s.d.]).
Acselrad et. al. (2008) demonstram a importância da criação da RBJA e ilustram alguns casos emblemáticos da Rede na luta contra a injustiça social no Brasil. Grande exemplo é o ocorrido em 2003, que houve a articulação de um grupo que acabou sendo responsável pela campanha contra a transferência de resíduos tóxicos da cidade de São Paulo (a qual o estado apresenta uma legislação mais rígida) para a Bahia (onde denota de uma legislação mais maleável e frágil), referente à incineração de produtos tóxicos produzidos por uma determinada empresa, criando, dessa forma, uma mobilização maior na sociedade, motivando outras ações contra a exportação dos riscos das injustiças ambientais.
De forma semelhante ocorreu em 2004, quando houve uma organização da RBJA juntamente com movimentos internacionais para denunciarem a Petrobras pela intenção de iniciar a exploração de petróleo no Parque Nacional Yasuni, e no território indígena Huaorani, no Equador. O questionamento feito pelas organizações da Rede foi justamente pelo fato de não ser permitida a exploração de petróleo em terras indígenas e parques nacionais no Brasil, mas a empresa tentava se beneficiar em outra legislação mais permissiva, como era no caso o Equador.
Caso emblemático também foi o ocorrido em 2006 contra a União Europeia, que, através da Organização Mundial do Comercio (OMC), solicitou a abertura de um painel arbitral contra a decisão do governo brasileiro que barrou a importação de pneus reformados vindos da União Europeia para incineração.
Por razões ambientais e de saúde pública, a própria legislação brasileira proíbe essa prática. Nesse contexto, houve uma parceria com grupos da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), juntamente com grupos de trabalho da Rede e outras redes nacionais e internacionais contra a ação de incineração, que se posicionaram contra a postura da União Europeia e realizaram a elaboração de um documento enviado ao governo, que serviu de apoio para a ação política das organizações, barrando a importação dos riscos ambientais vindos da União Europeia.
Esses foram alguns casos de colaboração para o fortalecimento da legislação e regulamentação brasileira na defesa do meio ambiente, proporcionando, inclusive, a participação de grupos da RBJA em conselhos destinados a influenciar as políticas públicas. Deste espaço participativo resultou a elaboração do relatório sobre incineração no Brasil, produzido em 2006, em uma oficina de trabalho do grupo.
Toda essa abordagem histórica de como se promoveu o surgimento do fenômeno da “justiça ambiental” até sua chega no Brasil, e criação da RBJA faz enorme valia no presente estudo para que haja compreensão de forma mais clara sobre o atual cenário brasileiro. Principalmente quando falamos dos riscos sofridos pelas comunidades rurais, que estão sendo “envenenadas” no sentido literal da palavra, devido a exposição de produtos químicos nas lavouras rurais.
Nas áreas rurais do Brasil, pessoas comuns são expostas a perigosos agrotóxicos quando estes são pulverizados em plantações e se dispersam para áreas vizinhas ou quando os agrotóxicos evaporam e seguem para áreas adjacentes nos dias após a pulverização (HUMAN RIGHTS WATCH, 2018, p. 26).
Um relatório feito pela Human Rights Watch, uma organização internacional de direitos humanos, que deu embasamento para o presente trabalho, demonstrou situações alarmantes em sete localidades rurais do Brasil por intoxicação aguda devido ao uso de agrotóxicos. De acordo com o documento,
O Brasil tem falhado em proteger comunidades rurais expostas à dispersão de agrotóxicos. Enquanto um regulamento do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento proíbe a pulverização aérea a menos de 500 metros de locais habitados, na prática, esta zona de segurança é frequentemente ignorada. Não há uma regulamentação nacional similar que limite a pulverização terrestre. Há indícios de que os dados do governo subestimam a prevalência de intoxicações por agrotóxicos. O sistema nacional de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em água para consumo humano e alimentos também é fraco (HUMAN RIGHTS WATCH, 2018, p. 26).
O relatório chamado “Você não quer mais respirar veneno” chama a atenção dos órgãos do governo, Ministério da Fazenda e Saúde quanto à fiscalização para a aplicação destes produtos químicos. Essa exposição se dá através do processo de pulverização de agrotóxicos nas plantações, fazendo com que, após aplicado o veneno, ele evapore e se disperse no ar nos próximos dias para as áreas aos redores.
Não há, hoje no Brasil, uma legislação, norma, ou regulamento que proteja as zonas sensíveis às pulverizações de agrotóxicos. O contato dessas zonas sensíveis com produtos químicos, seja de forma aguda ou crônica, traz grandes malefícios para saúde e preocupação para saúde pública.
2.2. Revolução verde e seus impactos no século XXI
O decreto regulamentador dos agrotóxicos no Brasil, Nº 4.074, de 04 de janeiro de 2002, em seu Art. 1º, IV, juntamente com a Lei dos agrotóxicos, N. 7.802, de 11 de julho de 1989, no Art. 2º, I, trazem a definição de agrotóxicos como:
Produtos e agentes de processos físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de florestas, nativas ou plantadas, e de outros ecossistemas e de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos empregados como desfolhantes, dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento (BRASIL, 1989).
A descoberta dos agrotóxicos se deu como fruto de uma indústria da Primeira Guerra Mundial, mas sua utilização se iniciou apenas na Segunda Guerra Mundial, como armas químicas. O livro de Rachel Carson, Primavera Silenciosa, foi a primeira obra a trazer calorosos debates sobre a descoberta desses agentes químicos, que só começaram a ser utilizados durante a segunda guerra mundial (CARSON, 2010, p. 29).
Diferentemente dos inseticidas utilizados antes da segunda guerra, os inseticidas eram derivados de minério e plantas encontradas na natureza, estes novos agentes químicos descobertos pela indústria armamentista, os agrotóxicos sintéticos, melhor falando, vem com manipulações de moléculas de carbono em laboratórios, envolvendo a substituição dos átomos ou alteração de sua disposição, com uma enorme potência biológica (CARSON, 2010, p. 30).
Essa enorme potência biológica diz respeito ao alto poder de não só envenenar, mas como infiltrar nos processos mais vitais do corpo e alterá-los de forma mortal, seja de um ser vivo ou bioma.
Eles destroem as enzimas cuja função é proteger o corpo contra os danos; bloqueiam os processos de oxidação que fornecem energia para o corpo; impedem o funcionamento normal de vários órgãos e podem desencadear, em certas células, a lenta e irreversível mudança que conduz as doenças malignas (CARSON, 2010, p. 30).
Ainda antes de terminar a Segunda Grande Guerra, instituições privadas, como a companhia Rockfeller e Ford, vendo na agricultura uma boa chance para reprodução de capital, começaram a investir de forma intensiva em técnicas para o melhoramento de sementes, denominadas Variedade de Alta Produtividade, no México e nas Filipinas (ROSA, 1998).
Muitas indústrias químicas que abasteciam a indústria bélica norte-americana começaram a produzir e a incentivar o uso de agrotóxico: herbicida, fungicida, inseticida e fertilizantes químicos na produção agrícola para eliminar fungos, insetos, ervas daninhas (ROSA, 1998).
Não se pode esquecer também a construção e adoção de um maquinário pesado, como tratores, colheitadeiras, para serem utilizados nas diversas etapas da produção agrícola, desde o plantio até a colheita, concretizando, assim, o ciclo de inovações tecnológicas promovido pela Revolução Verde.
Ao término da Segunda Guerra Mundial, veio um período de tensão mundial, onde argumentou-se aí a implementação da revolução verde com argumentos políticos, sociais e econômicos.
O problema da fome tornava-se cada vez mais sério em várias partes do mundo, e o governo americano e os grandes capitalistas temiam que se tornasse elemento decisivo nas tensões sociais existentes em muitos países, o que poderia ampliar o número de nações sob o regime comunista, particularmente na Ásia e na América Central, tradicionais zonas de influência norte-americana (ROSA, 1998, p. 19).
O aumento da produtividade de alimentos com a vinda da revolução verde é notório, mas a verdade é que a ideia foi recebida com o intuito de expandir capital, ao invés de solucionar problemas sociais como a fome.
Ainda que tenha aumentado a produção agrícola mundial, não eliminou o problema da fome, uma vez que os produtos (cereais) plantados eram para atender o mercado consumidor dos países ricos industrializados (Estados Unidos, Canadá, União Europeia e Japão) (FRANCISCO, [s.d.]).
Notamos que a justificativa de acabar com a fome, utilizando-se desse “mal necessário” é ilusória, uma vez que resultados de estudos realizados por pesquisadores da Universidade de Michigan (EUA) mostram que o sistema orgânico de produção tem rendimentos iguais ou superiores aos métodos químicos.
São fartas as evidências documentadas que comprovam que a produção de alimentos intoxicados não é uma necessidade irremediável para assegurar o abastecimento de uma população mundial crescente”, afirma o documento (BADGLEY, C. et al., 2007).
BADGLEY, C. et al.acrescentam ainda:
Uma extensa compilação de estudos realizada por pesquisadores da Universidade de Michigan (EUA) demonstrou que os sistemas orgânicos de produção sistematicamente alcançam rendimentos físicos iguais ou superiores aos dos sistemas que lançam mão de agroquímicos (BADGLEY, C. et al., 2007).
Nesse aspecto, Carson afirma que a produção de pesticidas sintéticos nos Estados Unidos subiu vertiginosamente de cerca de 56 mil toneladas, em 1947, para cerca de 290 mil toneladas, no ano de 1960, com o valor por atacado desses produtos chegando a mais de um quarto de bilhão de dólares (CARSON, 2010, p. 30).
A partir da década de 1960, a pesquisa agrícola adquiriu uma dinâmica internacional. Diversos centros de pesquisa (IARCs – International Agricultural Research Centers) foram instalados em vários países, contando com financiamento do Banco Mundial, de fundações sem fins lucrativos como a Fundação Rockefeller e a Fundação Ford, bem como outras instituições de financiamento. Em 1971, foi criado o Consultative Group on International Agricultural Research(CGIAR), a agência de pesquisa que tem dirigido os esforços de pesquisa dos vários centros envolvidos no melhoramento genético. Como resultado da adoção desses insumos, a produtividade média dos cereais dobrou em 30 anos, o que significou um aumento de cerca de 7% no total de alimentos per capta produzidos nos países de Terceiro Mundo. Por outro lado, os efeitos nocivos das práticas intensivas da Revolução Verde passaram a ser identificados a partir da década de 1960 e divulgados através da mídia e de publicações científicas. A utilização de fertilizantes e de agrotóxicos começou a ser duramente criticada, em função dos problemas causados pelo uso intensivo desses produtos, tais como: intoxicação humana e animal; surgimento de pragas mais resistentes; contaminação da água e do solo; erosão; e salinização do solo (ALBERGONI; PELAEZ, 2007, p. 39).
Esse boom da economia mundial ocasionado pela revolução verde teve grande influência dos financiamentos bancários subsidiados pelos governos dos países desenvolvidos que exportaram a tecnologia. Isso fez com que áreas antes ocupadas por pequenos produtores rurais de cultura de subsistência se transformassem em grandes lavouras mecanizadas de monocultura.
O impacto desse novo modelo de produção moderna, além de trazer os problemas ambientais como contaminação das águas, do solo, do ar, do manto verde, da comida, destruição de florestas e biodiversidade, também trouxe problemas sociais, como a diminuição das famílias agrícolas, dominação do comércio agrícola sobre a produção, troca do trabalho manual pela mecanização ocasionando forte êxodo rural, uma vez que os pequenos produtores também não eram beneficiados da mesma forma pelos financiamentos concedidos.
No Brasil, em novembro de 1965, foi criado o SNCR (Sistema Nacional de Crédito Rural) pela Lei nº 4.829/65, um instrumento para impulsionar essa nova política agrícola, com forte apoio do Banco Central, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, bancos estaduais e regionais, bancos privados, cooperativas de crédito e órgãos de assistência técnica e extensão rural.
O governo brasileiro para impulsionar essa nova revolução na agricultura, e motivar os agricultores a utilizarem tais tecnologias promoveu um crédito subsidiado, onde, a partir do início da década de 1970, o Banco do Brasil “tornou obrigatória a destinação de 15% do valor dos empréstimos de custeio para a aquisição de agrotóxicos” (FERRARI, 1985, p. 27).
A concessão de crédito altamente subsidiado e vinculado à utilização de insumos e práticas pré-determinadas induziu um padrão de modernização “compulsória”, capaz de obter resultados significativos em pouquíssimo tempo (KAGEYAMA, 1987 apudMARTINE, 1991, p. 10).
A rica dissertação de mestrado da USP de Eduardo Mazzaferro Ehlers, cujo título é “O que se entende por agricultura sustentável?”, traz importantes dados de problemáticas ambientais e sociais, como, por exemplo, o êxodo rural, que decresceu a população rural de 70% para 30%, entre 1940 a 1980, segundo dados do Ministério da Agricultura (EHLERS, 1994). Na dissertação, Ehlers aponta ainda o seguinte:
As linhas especiais de crédito atreladas à compra de insumos agropecuários, criadas pelo governo, ampliou a dependência do setor produtivo agrícola em relação ao setor produtor de insumos e relegou à agricultura uma nova função, qual seja: a criação de mercado para a indústria de insumos agrícolas” (EHLERS, 1994, p. 29).
Essa estratégia proporcionou a modernização em algumas áreas da agricultura elevando de forma significativa a produção de grãos e desenvolvimento da indústria voltada na produção de insumos, defensivos, fertilizantes, inseticidas.
A partir daí, o Brasil, com toda a pressão econômica voltada para impulsionar o uso de agrotóxicos, passa a produzir tecnologia própria em agências governamentais como a Embrapa, instituições privadas e universidades. Essa evolução na agricultura fez com que, a partir de 1990, o Brasil passasse a ser recordista na produção de soja, milho, algodão, batendo recordes de exportação.
Sucedeu-se, junto com esse salto na produção, também o surgimento de novas pragas e doenças na agricultura, fora as consequências ambientais e na saúde pública, disseminando uma poluição generalizada dos solos, recursos hídricos, ares e aumentando significativamente casos de câncer e outras doenças relacionadas aos agrotóxicos.