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A essência da Constituição

Definição sociológica de Constituição segundo Ferdinand Lassalle

Agenda 11/08/2020 às 14:39

A presente obra se trata de um estudo acerca da conceituação sociológica de constituição, baseado na obra de Ferdinand Lassalle.

INTRODUÇÃO

O conceito sociológico de constituição nos foi apresentado pelo ilustre Ferdinand Lassalle, teórico socialista, escritor e economista, nascido na Prússia, ao que hoje corresponde à Polônia. Antes de sua conceituação sobre constituição, era comum a pergunta do que seria uma constituição ser respondida como algo de valor fundamental, que organizava o poder político, unificava o Estado e limitava o seu poder, no entanto, não satisfeito com essa definição, Lassalle buscou um novo ponto de vista para tratar desse importante tema, mais importante ainda em sua época, pois era o auge do constitucionalismo europeu, por constitucionalismo entenda-se um movimento social que busca a unificação dos Estados, a conquista de direitos individuais e a limitação do poder estatal através de uma constituição escrita. A Alemanha no entanto, junto com a Itália, foi um dos países a realizar tardiamente a mudança da constituição baseada em seus costumes e tradição (a ideia de preservação do espírito do povo alemão) para uma constituição baseada na razão (escrita), e a unificar seu território, o que, além de seu interesse nas classes minoritárias dos proletariados, foi um grande fator para abordar o tema. Nesse texto, portanto, vamos nos aprofundar nesta definição tendo como principal referência a história e a obra de Lassalle, tema que, por sinal, continua sendo rico por nos possibilitar constantemente a inversão copernicana. Desse modo, a análise que faremos hoje é, acima de tudo, uma busca pelos diversos campos do saber.


LEI E CONSTITUIÇÃO

Para entrarmos no tema, Lassalle propõe que analisemos o que poderia ser uma constituição tendo por base a definição de uma coisa que conhecemos: a lei, e outra coisa da qual queremos conhecer: a constituição. Mas afinal, qual a diferença entre a lei e a constituição? poderíamos, facilmente, responder a essa questão que a diferença reside no fato de a lei ser comum e a constituição algo de valor fundamental, mas ao tomarmos essa definição nos encontraríamos diante de outro questionamento: qual a diferença entre uma lei comum e uma lei fundamental? Ou seja, retornamos ao ponto de início, mas, pela definição de uma lei fundamental podemos chegar ao ponto alto da caverna de Platão, o que se entende por uma lei fundamental? primeiramente poderíamos dizer que é fundamental pois é qualquer coisa de maior valor que uma lei comum, em segundo plano, poderíamos dizer que é fundamental pois constitui, ou seja, que guia as outras normas, e em terceiro plano, que é necessária a sua existência, ou seja, uma constituição existe por dever de existir, e essa noção de necessidade nos é apresentada tal como a lei da gravidade, que pressupõe uma interação entre os corpos para ela existir, do mesmo modo uma constituição nasce dessa relação social entre poderes.


OS FATORES REAIS DE PODER

Nesse ponto da necessidade de se ter uma constituição para representar essa atividade das forças de um Estado é onde se fixa Lassalle, para nos apresentar a ideia dos fatores reais de poder, ele nos guia através de uma hipótese: imaginemos que em um dado país sumam todas as suas leis físicas, todas os papéis, todos os exemplares e que da noite para o dia não reste nada do que se sabia sobre o texto constitucional. Nessa situação, caberia apenas ao legislador o dever de recriar as leis daquele país de acordo com a sua vontade e seu entendimento? Para isso um Monarca poderia responder: tendo as leis desaparecidas ou não, eu sou o detentor do poder sobre o exército, sobre meus canhões, e por isso não tolero que me sejam submetidas quaisquer disposições contrárias à minha vontade, ou seja, o monarca é uma parte da constituição; a aristocracia, no entanto, que forma uma nobreza detentora de vastas terras, influente e bem vista pela corte, reivindicaria seu poder de legislar de modo a garantir seus interesses, ou seja, a nobreza é uma parte da constituição; a grande burguesia poderia intervir afirmando que sem ela e sem o respeito a seus interesses, a economia cairia, ou seja, a grande burguesia é uma parte da constituição; o povo e a cultura geral da nação poderiam ficar tão insatisfeitos com a falta de consulta a sua entidade que poderia o reino cair sobre uma guerra. Lassalle nos apresenta, por tanto, alguns dos que ele chama de fatores reais de poder, sendo, por definição, qualquer ente que exerça influência nos rumos do Estado, esse ente poderá exigir que sua influência seja respeitada e integrar uma constituição escrita pelo simples fato de existir na constituição real.

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CONSTITUIÇÃO BOA E CONSTITUIÇÃO RUIM

Para Lassalle, uma constituição boa é aquela que corresponde à constituição real, podemos analisar, por exemplo, a constituição brasileira de 1988, que diz em seu artigo 5º, inciso I:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Sabemos que o Brasil é um dos países mais desiguais no tocante a remuneração de homens e mulheres, e isso, para Lassalle, seria uma afirmação de que o Brasil é um país que prega pela desigualdade salarial, e isso não é tratado como algo bom ou ruim do ponto de vista social, mas é apenas uma constatação de fato.

Por mais humana e completa que seja uma constituição escrita, ela não passa de uma folha de papel se não corresponde ao que acontece de fato em um país. Apenas poderemos dizer que uma constituição escrita é boa quando ela corresponder à constituição real e fincar suas raízes nos poderes que regem o país.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como no texto anterior, não buscamos solucionar nenhum conflito intelectual ou buscar uma melhor teoria que outra, buscamos apenas apresentar e esperar que seja contribuição para a riqueza intelectual de quem ler. Todavia, temos que considerar essa uma das principais obras para entendermos o contexto ao qual nossos direitos e nosso poder se exerce, entendermos que somos influentes como povo ou como trabalhador para os rumos do nosso Estado, e que se a nossa constituição ainda é não condizente com os fatos da nossa constituição real, é porque a constituição real deve ser modificada e posteriormente a constituição escrita se ajustar a essa mudança, somos escritores de parte do nosso Estado e devemos lutar por isso. Espero que esse texto tenha sido útil para você, se não de forma intelectual, que pelo menos material.


REFERÊNCIAS

Sobre o autor
Evanilson Kleverson da Silva Melo

Sou estudante de direito na UFAL, e dedico a maior parcela do meu tempo à procura pelo conhecimento, que me vem dos mais diversos meios, e minha persistência nesse modo de vida consiste na vontade de transmitir a maior quantidade possível do conhecimento que adquiro.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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