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Da (não) manutenção da natureza do crédito de precatório ou de requisição de pequeno valor quando de sua cessão

Agenda 01/09/2020 às 15:45

Aspectos relevantes sobre os precatórios e as requisições de pequeno valor, à luz do STF, nos termos da decisão, em regime de repercussão geral (tema 361), proferida em sede de RE.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo, além de fornecer uma pequena explicação acerca dos precatórios e requisições de pequeno valor, detalhar, segundo decisão em regime de repercussão geral no RE 631537 do STF, rel. Min. Marco Aurélio (tema 361), se tais créditos, quando cedidos, permanecem ou não com a mesma natureza de quando foram constituídos.


Introdução

Entendem-se como precatórios, ou requisições de pequeno valor, os instrumentos pelos quais se cobra um débito do Poder Público[1]. Nesse sentido, os pagamentos devidos pelos entes federativos (União, Estados, Município e Distrito Federal), em decorrência de sentença judicial, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica da apresentação de precatórios[2].

Das espécies de precatórios

Primeiramente, é necessário definir que há duas espécies de precatórios: i) os de natureza alimentícia e ii) os de natureza não alimentícia ou gerais.

Os de natureza alimentícia[3] serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre os que tratam o §2º do artigo 100 da Constituição Federal.[4] São denominados preferenciais.

Por isso, compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º do artigo 100 da Constituição Federal.

Já os superpreferenciais são os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência. Assim definidos na forma da lei, os créditos superpreferenciais serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei, para os fins do disposto no § 3º do artigo 100 da Constituição Federal, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.

Tal superpreferência, além daquela originada pela natureza alimentar do crédito, decorre do fato de que, atendendo-se ao princípio da isonomia, algumas pessoas pelo critério etário, por serem portadoras de deficiência ou acometidos por doença grave, devam ter preferência além da preferência hodierna.

O STF definiu que “o pagamento prioritário, até certo limite, de precatórios devidos a titulares idosos ou que sejam portadores de doença grave (ou que sejam pessoas com deficiência, acrescente-se, em razão da ampliação introduzida pela EC n. 94/2016, inexistente à época do julgamento) promove, com razoabilidade, a dignidade da pessoa humana (CF, art. 1.º, III) e a proporcionalidade (CF, art. 5.º, LIV), situando-se dentro da margem de conformação do legislador constituinte para operacionalização da novel preferência subjetiva criada pela EC n. 62/2009” (ADI 4.357 e ADI 4.425)[5]

Nesse sentido, é bom se ressaltar que os créditos possuem determinada natureza (gerais ou alimentares), que não se confunde com a preferência no pagamento, a depender do que a Constituição Federal defina como preferência.

Da Requisição de Pequeno Valor (RPV)

Vista como exceção ao regime de precatórios, vez que o artigo 100, §3º estatui tal excepcionalidade, as requisições de pequeno valor devem ser pagas em 2 (dois) meses, por ordem do juiz[6].

O valor de tal RPV é definido por cada ente federativo, por leis próprias, em atenção às capacidades econômicas singulares, só devendo ser observado o piso estabelecido pela Constituição Federal em seu artigo 100, §4º.[7]

Caso haja omissão no ente federado em estabelecer o valor da Requisição de Pequeno Valor, o artigo 87 do ADCT definiu o teto para se entender como RPVs os créditos em face das Fazendas Públicas:

 Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100.

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Da cessão dos créditos de precatórios

Os créditos de precatórios, conforme alude o artigo 100, §13º, podem ser cedidos, total ou parcialmente, pelos seus credores, independentemente da concordância do devedor, verbis:

§ 13. O credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º.    

O mesmo artigo define que as características que tornam o crédito superpreferencial, nos §§2º e 3º da Constituição Federal, não se aplicam ao cessionário.

Isso porque o cessionário adquirente do crédito não pode se valer de condição especial e beneficiar-se com a superpreferência, vez que não é titular originário ou por sucessão hereditária (art. 100, §2º da Constituição Federal).

Pois bem, além dos §§ 13 e 14 da Constituição Federal, há também o artigo 78 do ADCT, verbis in fine:

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. (g.n)

Portanto, a cessão de direitos decorrentes de sentença judicial transitada em julgado em face da Fazenda Pública, é afirmada e reafirmada na Constituição Federal, bem como no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de modo que, não há que falar em inconstitucionalidade da aludida transação.

Da natureza do precatório após a cessão

O precatório, como alhures afirmado, pode ser cedido. A natureza do precatório após a cessão não se altera[8].

Segundo definição do Tema 361, no bojo do RE 631.537, Rel. Ministro Marco Aurélio, em outras palavras, o negócio jurídico entabulado entre cedente e cessionário não tem o condão de modificar a natureza do crédito de precatório alimentar.

Nesse sentido, a preferência decorrente da natureza alimentar do precatório não é alterada após a realização de negócio jurídico que altere a titularidade do crédito.

Isso porque não há dispositivo constitucional que afirme a distinção da natureza do crédito de precatório quando este for cedido a terceiro, independentemente da condição que ostentar o cessionário.

Seguem as palavras do Exmo. Min. Marco Aurélio, verbis:

O artigo 286 do Código Civil de 2002 autoriza ao credor ceder créditos a terceiros, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor. O artigo 287 nele contido prevê que, na cessão do crédito, estão abrangidos os acessórios. Independentemente das qualidades normativas do cessionário e da forma como este veio a assumir a condição de titular, o crédito representado no precatório, objeto da cessão, permanece com a natureza possuída, ou seja, revelada quando da cessão.

Segue o Ministro em seu voto afirmando que a transmudação da natureza do precatório (mudança da natureza alimentar para geral sem preferência), faz-se prejudicar justamente aquele cedente que a Constituição Federal quis proteger.

É bem verdade que se se alterar a natureza do precatório alimentar quando de sua cessão, o eventual interessado na aquisição de tal direito creditício (cessionário) perderá o seu interesse, ou ainda, oferecerá ao detentor do crédito de precatório alimentar menor valor do que ofereceria se se mantivesse a natureza do precatório.

Isso porque perderia o precatório a preferência em seu pagamento.

Não é demais ressaltar que a superpreferência a que alude o §2º do Artigo 100 da Constituição Federal, não é natureza de precatório e, portanto, conforme expressa disposição Constitucional no § 13º, não se aplica ao cessionário tal preferência conforme acima explanado.

Por fim, tal entendimento apenas corrobora o que está descrito na Resolução nº 303 de 18 de dezembro de 2019 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), especialmente o conteúdo do Capítulo II, artigo 42 e seu §1º:

Art. 42. O beneficiário poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos a terceiros, independentemente da concordância da entidade devedora, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e 3º do art. 100 da Constituição Federal, cabendo ao presidente do tribunal providenciar o registro junto ao precatório.

§ 1º A cessão não altera a natureza do precatório, podendo o cessionário gozar da preferência de que trata o § 1o do art. 100 da Constituição Federal, quando a origem do débito assim permitir, mantida a posição na ordem cronológica originária, em qualquer caso.

Conclusão

Portanto, o STF, após analisar o tema 361 sob a sistemática da repercussão geral, definiu que não se transmuda a natureza do precatório definido como crédito alimentar quando de sua cessão. 

O negócio jurídico entabulado entre cedente e cessionário não tem o ímpeto de modificar a natureza do crédito, nem a sua preferência, vez que a Constituição Federal protegeu tais credores dando-lhes preferência.

A transmudação, nesse sentido, trar-lhes-ia malefícios incompatíveis com o regime de proteção a eles atribuído, de modo que seus créditos perderiam valor e interesse no mercado.

Referências Bibliográficas:

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 23. Ed – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – Volume Único. 8. Ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.


Notas

[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 23. Ed – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[2] Artigo 100 da Constituição Federal do Brasil.

[3] Artigo 100, §1º da Constituição Federal do Brasil.

[4] Artigo 100, §2º da Constituição Federal do Brasil: § 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório. 

[5] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 23. Ed – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[6] Artigo 535, §3º, inciso II - por ordem do juiz, dirigida à autoridade na pessoa de quem o ente público foi citado para o processo, o pagamento de obrigação de pequeno valor será realizado no prazo de 2 (dois) meses contado da entrega da requisição, mediante depósito na agência de banco oficial mais próxima da residência do exequente.

[7] § 4º Para os fins do disposto no § 3º, poderão ser fixados, por leis próprias, valores distintos às entidades de direito público, segundo as diferentes capacidades econômicas, sendo o mínimo igual ao valor do maior benefício do regime geral de previdência social. 

[8] A cessão de crédito não implica alteração da natureza. STF. Plenário. RE 631537, Rel. Marco Aurélio, julgado em 22/05/2020 (Repercussão Geral – Tema 361).

Sobre o autor
Guilherme Novaes de Carvalho

Bacharel em Direito. Advogado. Procurador Municipal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Guilherme Novaes. Da (não) manutenção da natureza do crédito de precatório ou de requisição de pequeno valor quando de sua cessão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6271, 1 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85106. Acesso em: 21 nov. 2024.

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