CONCLUSÃO
Acreditamos que se possa construir, com apoio em interpretação sistemática da Constituição Federal e dos Códigos de Processo Civil e Civil, uma disciplina tolerável para a recusa à submissão ao exame de DNA e suas conseqüências.
Conforme já salientado, a recusa gera presunção relativa de paternidade do investigado, razão pela qual deve ser interpretada como tal na apreciação do conjunto probatório. E a interpretação dada à presunção decorrente da revelia indica, a nosso ver, alguns critérios razoáveis que deverão ser seguidos pelo magistrado na avaliação da prova e julgamento do mérito nas ações de investigação de paternidade nas quais o réu se recusa a realizar o exame de DNA.
Se o pedido formulado na inicial não deve ser, necessariamente, julgado procedente em razão da revelia; nem deve haver, obrigatoriamente, o julgamento antecipado da demanda em razão da revelia, devendo o Julgador, ao contrário, avaliar a plausibilidade e verossimilhança das alegações autorais, assim como analisar as provas produzidas nos autos para proferir a sentença (que, frise-se, poderá ser de improcedência), parece-nos que a recusa do réu em realizar o exame de DNA também não pode gerar, por si só, a procedência do pedido exordial, com a conseqüente declaração de paternidade do investigado, sem a devida e necessária análise dos elementos de convencimento (indícios, presunções e provas diretas) existentes nos autos.
BIBLIOGRAFIA
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NOTAS
01 Dispõe o art. 320 que a revelia não induz o efeito de presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor quando: II – o litígio versar sobre direitos indisponíveis. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13.07.1990), em seu artigo 27 prescreve que o reconhecimento da filiação é direito personalíssimo indisponível e imprescritível, podendo ser exercido contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.
02Teoria das provas, p. 333 apud A presunção absoluta e a relativa na teoria das provas – sua natureza jurídica e sua eficácia. Revista Forense, São Paulo, v 74, n 262, p. 91, abr/jun 1978.
03 SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. 3 ed. v 5. São Paulo: Max Limonad, 1968, p. 399.
04 MALUF, Carlos Alberto Dabus. Op. cit.. P. 90.
05 AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil. 2 ed. v 1. São Paulo: Saraiva, 1958, p. 393.
06 Consoante lição de Carlos Alberto Dabus MALUF, as presunções legais absolutas não são propriamente presunções, no sentido lógico-jurídico, mas sim disposições imperativas da lei. Op. cit., p. 92.
07 AMERICANO, Jorge. Op. cit.. P. 393.
08 PASSOS, José Joaquim Calmon. Comentários ao Código de Processo Civil. 9 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 371.
09 PASSOS, José Joaquim Calmon. Comentários ao Código de Processo Civil. 9 Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 373-9.
10 Neste sentido, cf. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Código de processo civil interpretado. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 967.
11 Código de processo civil interpretado. In: MARCATO, Antonio Carlos (Coord.). Código de processo civil interpretado. São Paulo: Atlas, 2004, p. 967.
12 MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5 ed. São Paulo: RT, 2006, p. 135.
13O novo processo civil brasileiro. 22 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 98.
14 STJ. REsp 689.331/AL, rel. Min. Castro Meira, 2ª T., j. 21.02.2006, DJ 13.03.2006 p. 266; TACSP. Ap. Cív. 785.089-9, rel. Des. José Roberto dos Santos Bedaque, 12ª C., j. 18.02.1999.
15 CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Comentários ao Código de Processo Civil. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 411.
16 A 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo atribuiu à desobediência da ordem judicial de realização de exame de DNA o valor de mero indício de paternidade, no julgamento do agravo de instrumento nº. 87.550, in LEX 111/350.
17 TJ/SP. Ap. cív. 225.649, j. 07.12.1994, rel. Des. Fonseca Tavares.
18 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Paternidade e sua prova. Revista de Direito Civil, v 71, p. 13 apud MORAES, Maria Celina Bodin de. Recusa à realização do exame de DNA na investigação de paternidade e direitos da personalidade. Revista Forense. v 343, p. 165.
19 Súm. 301, STJ: "Em ação investigatória de paternidade, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade".
20 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A prova indiciária no novo Código Civil e a recusa ao exame de DNA. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, nº. 33, p. 35, jan/fev 2005.
21 A prova indiciária no novo Código Civil e a recusa ao exame de DNA. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, nº. 33, p. 38, jan/fev 2005.
22 TJ/RS, 4ª Câm. Cív., AR 70001768720, rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, j. 09.11.2001: "(...) tendo sido o feito então julgado improcedente por falta de prova, o julgado não faz coisa julgada com relação à não-paternidade, nada impedindo a renovação da investigatória. Não havendo, portanto, coisa julgada, descabido o uso da rescisória".
23 Cumpre frisar que este entendimento é objeto de críticas da melhor doutrina, segundo as quais a coisa julgada é manifestação do princípio da segurança jurídica, inerente ao Estado Democrático de Direito, não podendo ser afastada sob o argumento de que a ação de investigação de paternidade versa sobre direitos indisponíveis. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada, p. 181-203. De fato, nosso sistema veda, via de regra, a formação secundum eventum probationis da coisa julgada.
24 Outra questão extremamente polêmica e interessante, mas que foge ao propósito deste breve ensaio, é saber se o exercício de uma garantia constitucional (recusar-se a realizar o exame de DNA) pode dar ensejo a conseqüências desfavoráveis ao réu no âmbito processual. Para Rolf Madaleno, trata-se de "inconciliável paradoxo judicial", pois se não existe sanção direta para quem se nega a se submeter ao exame pericial, não é possível sancionar indiretamente o investigado por seu gesto de recusa, derivando de sua resistência (que é exercício de garantia constitucional) um resultado contrário às pretensões que sustenta. A sacralização da presunção na investigação de paternidade. P. 84.
25 Em alguns casos, ignora-se, por exemplo, laudo médico atestando a impotência sexual ou infertilidade do investigado ou a argüição de exceptio plurium concubentium, comprovada por meio de prova testemunhal ou pela juntada de mensagens eletrônicas que indiquem que a mãe do investigante teve mais de um parceiro sexual à época da concepção, para conferir à presunção relativa decorrente da recusa na realização do exame de DNA caráter de prova absoluta e inquestionável.
26 MADALENO, Rolf. Idem, p. 83.
27 "O teste é feito por seres humanos, que são falíveis, embora a metodologia científica tenha uma margem de acerto de 99,99%. Há muitas diferenças entre laboratórios, profissionais e controles de qualidade. Pode haver erra na manipulação das amostras ou na interpretação dos resultados. A interpretação de um teste de DNA envolve profundos conhecimentos de genética e estatística. Não há fiscalização nem regulamentação sobre o funcionamento dos laboratórios. Existe apenas uma norma do Conselho Federal de Medicina que exige de cada laboratório um médico responsável especializado em genética". RASKIN, Salmo (médico geneticista). Não há fiscalização sobre os exames de DNA. Entrevista publicada no Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 19.06.99 apud ALMEIDA, Maria Christina de. Prova do DNA: Uma evidência absoluta? Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, n 2, p. 148, jul/set 1999.
28 "INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - EXAME DNA - CONDUÇÃO DO RÉU ‘DEBAIXO DE VARA’. Discrepa, a mais não poder, de garantias constitucionais implícitas e explícitas - preservação da dignidade humana, da intimidade, da intangibilidade do corpo humano, do império da lei e da inexecução específica e direta de obrigação de fazer - provimento judicial que, em ação civil de investigação de paternidade, implique determinação no sentido de o réu ser conduzido ao laboratório, ‘debaixo de vara’, para coleta do material indispensável à feitura do exame DNA. A recusa resolve-se no plano jurídico-instrumental, consideradas a dogmática, a doutrina e a jurisprudência, no que voltadas ao deslinde das questões ligadas à prova dos fatos". (HC 71373-RS, rel. Min. Francisco Rezek, j. 10.11.1994, DJ 22.11.1996, p. 45686).
29 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada – Hipóteses de relativização. São Paulo: RT, 2003, p. 189.
30 STJ, 3ª T., REsp 317.809-MG, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 02.05.2002, DJU 05.08.2002, p. 329. No mesmo sentido: STJ, 4ª T., REsp 336.836-SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 07.03.2002, DJU 15.04.2002, p. 226.
31 A sacralização da presunção na investigação de paternidade. P. 83.
32 OLIVEIRA, Schirlei Gonçalves de. A presunção de paternidade e o direito de recusar-se ao exame pericial. Revista Jurídica, Porto Alegre, n 309, p. 35, jul 2003.
33 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A prova indiciária no novo Código Civil e a recusa ao exame de DNA. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, São Paulo, nº. 33, p. 38-9, jan/fev 2005.