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E quando o alvo estiver em suas costas?

Agenda 28/09/2020 às 11:56

Um breve artigo, expondo o meu pensamento ao momento que vivenciamos frente aos discursos de ódio acalorados.

Vivenciamos atualmente um momento caótico em nossa sociedade motivada por inúmeros discursos de ódio, proclamados por diversas pessoas, inclusive por cidadãos do mais alto escalão de nossa República, especialmente o Excelentíssimo Presidente da República, que deveria ser exemplo de sobriedade e decência, mas aflora, ainda mais, os ânimos de guerra da população.

Uma sociedade que é apoiada por falas de odiosidade caminha certamente ao retrocesso dos direitos e garantias fundamentais estipulados em nossa Carta Magna de 1988, que caminhara, a passos lentos, até chegar ao que é aplicado atualmente e que percebe que o caminho percorrido pode ter sido em vão.

Nos primórdios da humanidade a prática de crimes era totalmente inaceitável, não que hoje os delitos sejam aceitáveis, ou que não sejam dignos de reprovação, mas punições como essas não podem persistir. Naquela época, a forma de execução das penas eram horrorosas, ligadas diretamente ao corpo do criminoso, sendo comum os esquartejamentos, os enforcamentos, as amputações, as queimas de corpos, entre outras formas. Aliás, as represálias eram exibidas população com o intuito de demonstrar que cometer delitos seria uma prática intolerável evidenciando o poder de punição aplicado.

Podemos observar com facilidade que a humanidade, em especial nossa Constituição Federal, avançou muito para assegurar direitos fundamentais dignos a todos os cidadãos, não sendo diferente aos investigados e condenados privados de liberdade, também sujeitos de direitos e garantias.

O processo penal brasileiro, que hoje caminha para uma nova realidade com delações premiadas e grande empenho na criminalização de corrupção, ainda é atrasado, inquisitorial e demorado. Nessas condições, acaba por atingir somente parte da população, em especial pessoas de classes menos favorecidas da sociedade, na contramão de princípios consagrados pelo nosso ordenamento, como o devido processo legal, a dignidade da pessoa humana, a presunção de inocência, entre outros, escancarando o movimento punitivista e segregador.

Importante salientar, ainda, o panorama dos estabelecimentos prisionais do país, falido, caótico, com condição insalubre e desumana. Um verdadeiro abismo sem volta, cujo discurso estampado na Lei de Execução Penal de punir, prevenir e ressocializar, não mostra a realidade vivida corriqueiramente pelos encarcerados, refletindo a crise do próprio Estado.

E aqui é o motivo deste breve artigo para reflexão. E se os apoiadores dos discursos de ódio, que pronunciam “bandido bom é bandido morto”, “cometeu crime tem que morrer mesmo”, “fez cagada tem que mofar na cadeia”, “juiz tem que dar uns 15 anos de cadeia para esse bandido”, “tem que mostra a cara do safado na TV para todos verem o criminoso que é”, “tem que ficar preso preventivamente mesmo até ser condenado e continuar por lá”, dentre várias outras colocações errôneas não pararem para pensar que a qualquer momento “o bandido bom é bandido morto” podem ser eles?

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Então aquela grande falácia será levantada: “eu nunca vou ser processado”, "nunca vou matar alguém”, “não cometo crime algum e nunca vou cometer”. Cito um trecho do livro de Mário Ottoboni, idealizador do método revolucionário de recuperação denominado Método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) trabalhando na ressocialização efetiva e dignada do condenado, vejamos:

“Todo ser humano carrega dentro de si um homem pronto para matar ou morrer, disposto à guerra e à paz. Traz em si a força do amor e do ódio, do perdão e da vingança. Quando possuído pela força do pecado, distante de sua realidade de filho de Deus, é capaz de cometer todo tipo de atrocidades. Santo Agostinho afirmava: ‘Não existe um pecado que o homem cometa que o outro não seja capaz de cometer’; e Francisco de Assis dizia: ‘Todos nós temos dentro do coração um lobo voraz, capaz de causar o pânico e a morte’.” (OTTOBONI, M. Vamos matar o criminoso?: método APAC. São Paulo: Paulinas, 2001)

Portanto, claramente somos capazes de qualquer coisa, bastando simplesmente sermos colocados a prova, e, caso isso aconteça, qual sistema processual penal você gostaria de ser julgado? E se condenado, em qual estabelecimento prisional gostaria de cumprir sua pena? Discursos de ódio e pensamentos egoístas, que alimentam ainda mais o sistema punitivo, não cabem mais nos dias atuais, ou, melhor dizendo, nunca tiveram espaço.

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