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O profissional liberal e sua responsabilidade civil na prestação de serviços

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Agenda 01/07/2006 às 00:00

III. Da responsabilidade civil

3.1 Conceito

Todo ato danoso repercute de algum modo no direito; uns de forma mais intensa, outros nem tanto; podem restringir-se apenas à seara cível ou até mesmo repercutirem na esfera penal. De qualquer forma, esses atos são sempre imputados a alguém, a um responsável, que, via de regra, terá a obrigação de reparar o prejuízo ocasionado.

Com efeito, uma vez rompidos a paz e o equilíbrio social, é necessário a intervenção do direito de modo que se restabeleça, na medida do possível, o "statu quo ante". Surge então a idéia de responsabilidade.

Nesse ínterim, Rui Stoco [169] menciona que "a responsabilização é meio e modo de exteriorização da própria Justiça e a responsabilidade é a tradução para o sistema jurídico do dever moral de não prejudicar a outro, ou seja, o ‘neminem laedere’" (a ninguém se deve lesar).

Não obstante a idéia do significado de responsabilidade exposta, grandes são as dificuldades encontradas pela doutrina para conceituar mencionado instituto [170].

Inicialmente, insta consignar que o vocábulo responsabilidade deriva do latim "respondere" que, em sentido geral, exprime a obrigação de responder por alguma coisa [171]; no campo cível, a responsabilidade designa a obrigação de reparar ou ressarcir o dano, quando injustamente causado a outrem.

José de Aguiar Dias [172] e Rui Stoco [173], uníssonos, entendem que o que mais se aproxima de uma definição de responsabilidade é a idéia de obrigação, de repercussão obrigacional, já que se exprime uma idéia de equivalência de contraprestação, de correspondência.

Comungando o mesmo pensamento, Carlos Roberto Gonçalves [174] esclarece que

[...] o instituto da responsabilidade civil é parte integrante do direito obrigacional, pois a principal conseqüência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para o seu autor, de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos.

Nesse diapasão, conforme entendimento da já consagrada Maria Helena Diniz [175], pode-se conceituar responsabilidade civil como

[...] a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por algum coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal.

Para que seja caracterizada a responsabilidade civil de alguém é necessário que se façam presentes alguns elementos: ação ou omissão, dano e nexo de causalidade; a culpa será verificada somente nos casos da responsabilidade subjetiva. Além do mais, estes elementos deverão ser analisados à luz do fato gerador da responsabilidade, que pode ser tanto contratual quanto extracontratual.

3.2 Breve relato histórico

Nos primórdios da civilização humana vigorava a vingança coletiva, caracterizada pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes [176].

Já em um segundo estágio, houve uma evolução para uma reação individual, ou seja, uma vingança privada; não havia o império do direito e não havia limitações [177]. Era, de acordo com Alvino Lima, citado por Aguiar Dias [178], uma "forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal".

Predominava à época, sob a égide da Lei de Talião, a reparação do mal pelo mal [179] (Pena de Talião), consubstanciada nos conhecidos brocardos: "olho por olho, dente por dente" e "quem com ferro fere, com ferro será ferido".

O Poder Público intervinha apenas para coibir abusos, declarando quando e como a vítima poderia ter direito de retaliação.

Em momento posterior passou-se a um período de composição, em que se substituía a vingança pela reparação do dano mediante a prestação da "poena". A "poena" consistia no pagamento de certa quantia em dinheiro à vítima, que ficaria ou a critério da autoridade pública, caso o delito fosse praticado contra direitos relativos à "res publica", ou do lesado, quando houvesse danos contra interesses particulares [180].

Esse estágio da responsabilidade também sofreu grande influência com o desenvolvimento tecnológico e a conseqüente divisão social do trabalho, pois a pena deixou de ser pessoal para ser patrimonial [181].

Vale lembrar ainda que os romanos não faziam qualquer distinção entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, sendo ambas impostas ao causador do dano.

Já num estágio mais avançado, o Estado passou a intervir nos conflitos privados, vedando que a vítima fizesse justiça com as próprias mãos. A composição econômica, que era apenas voluntária, passou a ser obrigatória [182]. É a época do Código de Ur-Nammu, do Código de Manu e da Lei das XII Tábuas.

Com efeito, a maior evolução desse instituto ocorreu a "Lex Aquilia", que deu origem à chamada responsabilidade civil delitual ou extracontratual, ou seja, a responsabilidade aquiliana.

A partir de então, o Estado assumiu a função de punir, sendo que nos delitos públicos a pena econômica paga pelo réu era recolhida aos cofres públicos e nos delitos privados, a pena paga em dinheiro, cabia à vítima [183].

O fundamento que gera a obrigação de alguém reparar algum dano também foi sendo modificado no decorrer dos anos; fruto de tempos modernos, do grande desenvolvimento industrial, pela produção de bens em larga escala, pela multiplicação dos danos.

Começou a vigorar então, juntamente com a responsabilidade subjetiva, baseada na culpa, a responsabilidade objetiva em que não se discute a presença desta. Esta, baseia-se no princípio do "ubi emolumentum, ibi ius" (ou "ibi onus"), em que a pessoa que se aproveitar dos riscos ocasionados deverá arcar com suas conseqüências.

Além do mais, a verificação da culpa já não se demonstrava mais suficiente para reparação de alguns prejuízos, principalmente quando se visa a proteção da pessoa humana, em particular os trabalhadores e os consumidores [184].

Mesmo assim, o Código Civil prevê a responsabilidade subjetiva (art. 186 do CC), não obstante, em casos expressamente previstos, haver a possibilidade de ser adotada a responsabilidade objetiva (art. 927, parágrafo único do CC).

Várias legislações esparsas também adotaram a responsabilidade objetiva, dentre as quais podemos citar: o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/90, arts. 12 e 14), o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n.º 7.565/86), Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503/97) entre outras. A própria Constituição da República também previu a responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º).

3.3 Espécies de responsabilidade

A responsabilidade civil pode ser analisada sob diferentes aspectos. Em relação ao seu fato gerador, poderá ser considerada contratual ou extracontratual; quanto ao fundamento, divide-se em responsabilidade subjetiva ou objetiva [185].

Maria Helena Diniz [186] ainda a divide em relação ao agente, podendo ocorrer responsabilidade direta (se proveniente da própria pessoa imputada) ou indireta (se promana de ato de terceiro, vinculado ao agente, de fato de animal ou de coisa inanimada sob sua guarda).

No entanto, no presente trabalho, a análise da responsabilidade restringir-se-á ao fato gerador (contratual ou extracontratual) e ao seu fundamento (subjetiva ou objetiva).

3.3.1 Responsabilidade extracontratual e contratual

O dano causado por alguém pode decorrer tanto de um inadimplemento contratual, quanto da prática de um ilícito. Nesta, há a responsabilidade extracontratual e, naquela, a responsabilidade contratual. De ambas decorrem o fato gerador da responsabilidade civil.

Em relação aos profissionais, o jurista francês Savatier, segundo informa Fernando Antônio Vasconcelos [187], foi o pioneiro a se preocupar se sua responsabilidade seria contratual ou não. Concluiu, por fim, que ambas se aplicam ao profissional liberal, já que este poderia ocasionar dano havendo contrato com seu cliente ou mesmo que não houvesse qualquer relação negocial entre ambos.

Pois bem, tratar-se-á, primeiramente da responsabilidade extracontratual, para, em seguida, analisar a responsabilidade contratual, que é, de fato, a mais comum na apuração da responsabilidade dos profissionais liberais.

A responsabilidade extracontratual, também conhecida como delitual ou aquiliana, consiste na violação de um dever legal, podendo surgir tanto da lesão a um direito subjetivo quanto da prática de um ato ilícito [188] ou até mesmo de um ato lícito, isso é, excepcionalmente e com expressa previsão legal [189].

Resulta, pois, de um inadimplemento normativo, da inobservância da lei e também, de acordo com Maria Helena Diniz [190], de uma "infração ao dever jurídico geral de abstenção atinente aos direitos reais ou de personalidade, ou melhor, de violação à obrigação negativa de não prejudicar ninguém".

Nessa espécie de responsabilidade, não há relação de direitos preexistentes unindo o autor do dano ao prejudicado; o que irá uni-los será o fato danoso [191].

Outrossim, como tal responsabilidade não tem origem na autonomia de vontades, a obrigação de indenizar funda-se numa imposição de ordem social [192]; visa, pois, punir aquele que agiu com um desvio de conduta, se afastando do comportamento médio do "bonus pater familis." [193]

A fonte geradora da responsabilidade aquiliana será a prática de um ilícito (ou lícito, excepcionalmente) que será apurado mediante a verificação de culpa, em seu sentido "lato".

O eminente jurista Rui Stoco [194], ao tecer comentários sobre o ato ilícito na responsabilidade extracontratual, menciona ser necessário a conjugação de alguns fatores para a caracterização daquele (ação, violação da ordem jurídica, a imputabilidade e a penetração na esfera de outrem) e, numa lição impar, descreve:

Desse modo, deve haver um comportamento do agente positivo (ação) ou negativo (omissão), que, desrespeitando a ordem jurídica, cause prejuízo a outrem, pela ofensa a bem ou a direito deste. Esse comportamento (comissivo ou omissivo) deve ser imputável à consciência do agente, por dolo (intenção) ou por culpa (negligência, imprudência, ou imperícia), contrariando, seja um dever geral do ordenamento jurídico (delito cível), seja uma obrigação em concreto (inexecução da obrigação ou de contrato).

Assim, o princípio gravitador da responsabilidade delitual é o da responsabilidade subjetiva [195], disciplina pelos artigos 186 a 188 e 927 a 954 do Código Civil, com exceção do parágrafo único do art. 927 que prevê hipótese de responsabilidade objetiva.

Pode-se vislumbrar a hipótese de responsabilidade extracontratual do profissional liberal quando ele realiza um serviço necessário, de emergência: é o caso do socorro imediato, atendimento a um desmaiado na rua [196], pronto atendimento jurídico [197], até mesmo quando ele desenvolve um trabalho beneficente.

De qualquer modo, a responsabilidade do profissional liberal, via de regra, terá como fato gerador um inadimplemento contratual.

Na responsabilidade contratual há um laço de direito (o contrato) unindo o autor da lesão e o prejudicado. E é da violação do contrato que a parte incorre em responsabilidade [198].

Não se pode entender, porém, que a obrigação contratual anteriormente assumida é que irá movimentar a responsabilidade quando do inadimplemento contratual [199]. O que irá movimentá-la é uma nova obrigação, que substituirá aquele preexistente. A obrigação que surgirá é a de reparar o prejuízo pela inexecução da obrigação antes assumida.

A responsabilidade contratual, cuja disciplina legal vem prevista nos artigos 389 a 395 do CC e 46 a 54 do CDC, também encontra fundamento na culpa ("lato sensu"), salvo quando houver expressa previsão legal em sentido contrário (art. 12 e 14 do CDC, v.g.).

Com efeito, é cediço que os profissionais liberais e seus clientes encontram-se ligados por um vínculo contratual [200], não havendo, contudo, uma forma rígida pela qual assumem direitos e obrigações [201]; pode ser por mandato, locação de serviços, contrato atípico ou mesmo um contrato de consumo.

De qualquer modo, em ambas situações (contratual ou aquiliana), a obrigação do profissional liberal em reparar o dano será apurada mediante a verificação de culpa, com apenas a diferença prática de que:

[...] sendo considerado extracontratual, caberia à vítima provar o dolo ou a culpa provocadora do dano, enquanto que, no caso de ser considerada contratual, em configurando-se situação específica a admitir a presunção de culpa e inversão do ônus da prova (como é comum acontecer nos contratos de resultado), o consumidor poderia, eventualmente, ter facilitada em muito sua tarefa ao demandar em juízo para obter a reparação. [202]

Não há assim uma diferença ontológica entre esses dois tipos de responsabilidade, sendo que, havendo culpa do profissional liberal, presumir-se-á do dever de indenizar.

3.3.2 Responsabilidade subjetiva e objetiva

Como mencionado alhures, a responsabilidade é dividida, quanto ao seu fato fundamento, em subjetiva ou objetiva.

Atualmente, é difícil concluir, qual espécie de responsabilidade que o Código Civil adotou: se a clássica teoria subjetiva, com base na culpa (art. 186 do CC) ou a objetiva, como a do art. 927, parágrafo único do CC e de algumas legislações extravagantes, dentre elas o Código de Defesa do Consumidor.

Na responsabilidade subjetiva ou teoria clássica (teoria da culpa ou subjetiva), é condição "sine qua non" a comprovação da culpa (dolo ou culpa "strictu sensu") para gerar a obrigação indenizatória.

Assim, só haverá responsabilidade do causador do dano se ele agiu com dolo ou culpa (negligência, imprudência ou imperícia). Nesse sentido, Aguiar Dias [203] invoca a lição de Von Ihering que resume essa teoria na seguinte frase: "sem culpa, nenhuma reparação".

Todavia, a responsabilidade subjetiva já se mostrava insuficiente e inadequada para solucionar todas as situações que viessem a surgir, principalmente no tocante ao ônus probatório, já que a prova da culpa do agente, por parte da vítima, tornou-se inviável e de difícil produção, o que deixava o lesado, muitas vezes, sem reparação.

Ora, incumbir a parte lesada de provar o que lhe está fora de alcance é o mesmo que negar-lhe qualquer reparação. Josserand, citado por Aguiar Dias [204], de forma brilhante descreve: "um direito só é efetivo quando a sua realização, a sua praticabilidade é assegurada; não ter direito, ou, tendo-o, ficar na responsabilidade de fazê-lo triunfar, são uma coisa só".

De modo a evitar uma não reparação do dano, veio a lume, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina nacional [205], o expediente da presunção de culpa (também conhecida como objetiva imprópria ou impura [206]). Na realidade, é mero reconhecimento da necessidade de se admitir o critério objetivo [207].

Nos episódios em que estiver presente a presunção de culpa (art. 936 do CC, v.g.), inverte-se o ônus probatório, devendo o lesado provar somente a ação ou omissão e do dano resultante da conduta do réu [208]. Não há necessidade de se demonstrar a culpa, tal como na subjetiva, já que esta é presumida; caso o réu não demonstre a existência de qualquer excludente será considerado culpado.

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Assim, por um critério interpretativo é possível atingir um efeito que seria próprio da teoria objetiva, sem, contudo, se afastar da teoria da culpa.

As hipóteses em que se admitirá a presunção de culpa podem estar tanto enunciadas em lei, como podem advir de construção jurisprudencial, partindo sempre de situações que tenham por base a verificação da culpa.

Pode-se dizer, portanto, que a aceitação da teoria da presunção de culpa foi o caminho encontrado para a implementação da teoria objetiva no nosso sistema de responsabilidade civil [209].

Inicialmente, de acordo com Carlos Roberto Gonçalves [210], a teoria do risco, que procura justificar a responsabilidade objetiva, teve destaque no início do século passado, juntamente com o desenvolvimento industrial e com os problemas decorrentes dos acidentes de trabalho.

A corrente objetiva já não exige a demonstração de culpa para a reparação do dano causado. Não há qualquer indagação se há ou não culpa do lesante; mesmo isento de culpa, atuando com toda diligência possível para evitar o dano, será ele obrigado a reparar qualquer prejuízo que a vítima tenha.

Referida corrente funda-se num princípio de equidade, a muito conhecido pelos romanos [211]: "ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incomoda". Ou seja, aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes; quem aufere os cômodos (lucros), deve suportar os incômodos (riscos).

Destarte, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo [212].

Outrossim, a responsabilidade somente será objetiva, ou sem culpa, quando houver expressa autorização legal. Na omissão do texto legal, a responsabilidade permanecerá subjetiva, regra geral do ordenamento jurídico pátrio [213].

Uma das hipóteses previstas no Código Civil de responsabilidade objetiva está prevista no parágrafo único do art. 927 que prevê:

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Grande foi a discricionariedade dado ao magistrado, pelo legislador, para definir o que seja uma atividade de risco. De qualquer modo, não é o caso, no momento, de se buscar uma definição para atividade de risco; caberá à jurisprudência e aos doutrinadores fazê-la.

Contudo, não se pode afastar do desiderato deste trabalho, que busca apurar a responsabilidade do profissional liberal.

De qualquer modo, há profissionais liberais que certamente exercem uma atividade de risco, como o médico que lida com a vida do paciente e o advogado, com o patrimônio e a liberdade de seus clientes.

Imagine um erro durante uma cirurgia ou a perda de um prazo pelo advogado [214]. Estariam eles, no caso acima, o médico e o advogado, enquadrados no parágrafo único do art. 927 do CC?

Ruy Rosado de Aguiar Júnior [215] entende que a exceção, ora comentada, atinge o empresário e o profissional liberal e, nesse ponto, contraria a regra do Código de Defesa do Consumidor, que exige, para a responsabilidade do profissional liberal, a demonstração da culpa.

Com feito, o Código Civil, embora seja lei posterior ao CDC, é norma geral, enquanto aquele é norma específica, versando em texto próprio sobre a responsabilidade dos profissionais liberais (art. 14, § 4º).

Nesse sentido, o § 2º do art. 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei 4.657 de 4 de setembro de 1942) prevê que a lei nova que estabeleça disposições gerais ou específicas a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

De mais a mais, o § 4º do art. 14 do CDC, não perderá a vigência por força do princípio da especialidade.

Não se aplica, pois, o parágrafo único do art. 927 do CC ao profissional liberal, que já possui tratamento específico no "Codex" consumerista.

Por fim, na seara do fato gerador da responsabilidade, há a denominada teoria do risco integral que é, segundo Sílvio de Salvo Venosa [216], "modalidade extremada que justifica o dever de indenizar até mesmo quando não existe nexo causal". Basta, nestes casos, o dano, não importando se este adveio com culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior.

A adoção de tal teoria é excepcional, como acontece nos casos de danos atômicos ou nucleares (art. 21, inc. XXIII, c da Constituição da República e Lei nº 6.453 de 17 de julho de 1977).

3.4 Pressupostos da responsabilidade civil

Conforme já mencionado, não há uma regra exata acerca da espécie de responsabilidade adotada pelo Código Civil; sem embargos, a subjetiva vem consagrada no art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ao ilícito."

Embora haja uma grande celeuma entre os juristas em relação aos pressupostos à caracterização da responsabilidade civil [217], é possível, a partir de uma análise hermenêutica do artigo supratranscrito extrair os seguintes elementos: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima [218].

Examinar-se-á agora cada um desses pressupostos, lembrando que a culpa estará presente somente nos casos de responsabilidade subjetiva.

3.4.1 Ação ou omissão

Com base no art. 186 do CC, pode-se dizer que o primeiro pressuposto da responsabilidade civil é a ação ou omissão. A responsabilidade poderá derivar tanto de ato próprio, de ato de terceiro, e ainda de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam.

Conforme escólio de Maria Helena Diniz [219], entende-se por ação todo

[...] ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.

O ato humano comissivo, ou simplesmente ação humana, nada mais é do que um agir, um fazer; é a realização de uma conduta positiva, de um comportamento ativo.

Por outro lado, a omissão consiste em um não agir, um não fazer, em uma conduta negativa. Surge porque alguém não realizou determinada ação [220]; deveria ter agido de determinada forma, mas não a faz.

Para que haja responsabilidade por omissão é mister a existência do dever jurídico de praticar determinado ato, ou seja, de não se omitir, além disso, é necessário demonstrar que com a prática de determinado ato o dano poderia ser evitado [221].

Esse dever jurídico de agir pode resultar tanto da lei, caso do condutor que deve prestar socorro à vítima em caso de acidente (art. 176, inc. I da Lei nº 9.503 de 23 de setembro de 1997) quanto de relação contratual, que ocorre com maior freqüência; é o caso do advogado contratado que não interpõe recurso no prazo legal, quando deve fazê-lo.

Outrossim, o ato humano deve ter como característica a voluntariedade, ser controlável e dominável pela vontade do homem. Destarte, qualquer dano causado por forças da natureza, bem como os praticados em estado de inconsciência [222] ou sob coação absoluta [223] serão excluídos do âmbito da responsabilidade civil; não acontece o mesmo em relação aos danos ocasionados por uma criança ou demente.

De mais a mais, cabe lembrar ainda que não haverá responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica [224].

3.4.2 Culpa

É princípio de ordem pública o que obriga o autor do ato ilícito a se responsabilizar pelo prejuízo que causou, forte no art. 186 do Código Civil. Mas para que seja caracterizado realmente o dever de indenizar, responsabilizando-se o agente, é preciso que ele tenha agido com culpa. Sem ela, em regra, não haverá qualquer responsabilidade.

Segundo Aguiar Dias [225], é difícil fazer um conceito de culpa e que muitos mestres negam a fazê-lo. Mesmo assim, o grande jurista francês René Savatier, citado por Maria Helena Diniz [226], a define como a "inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar".

No mesmo sentido, De Plácido e Silva [227], menciona que deve se entender a culpa como uma falta cometida contra um dever, por ação ou omissão, procedida de ignorância ou negligência.

Assim deve o agente praticar atos com a maior diligência possível, prevendo o mal e evitando o perigo, devendo pautar seu comportamento ao do "homo medius" [228] ou ao "bonus pater famílias" dos romanos. Agindo de modo contrário, poderá estar sujeito a indenizar a quem causou prejuízo.

Como já explanado inicialmente, não basta o agente ter cometido o ato ilícito, deve ele também ter agido com culpa para gerar a obrigação de indenizar. Assim, toda vez que o agente, pessoalmente, atua de modo a merecer censura ou reprovação do direito, estará agindo com culpa [229].

Maria Helena Diniz completa [230]: "o comportamento do agente será reprovado ou censurado quando, ante as circunstâncias concretas do caso, se entende que ele poderia ou deveria ter agido de modo diferente".

Aduz Carlos Roberto Gonçalves [231] ainda que, para a aferição da culpa, além do elemento relativo ao comportamento do agente (comparando ao "homo medius"), deve se ter em mente a previsibilidade do evento. Isso porque, se o evento for imprevisível, não há de se cogitar em culpa.

A análise da culpa poderá ser feita tanto à luz da responsabilidade aquiliana quanto da contratual, com a diferença de que, nesta, a culpa surge de modo mais definido, claro, visto existir uma obrigação preexistente que foi descumprida [232].

A conduta culposa pode exteriorizar-se em sentido amplo e em sentido estrito. A primeira compreende o dolo; a segunda abrange apenas a imprudência, negligência e a imperícia. Vejamos.

Inicialmente, Aguiar Dias [233], visando distinguir o dolo da culpa, traça um paralelo entre estes e o delito e o quase-delito dos romanos. Segundo consta, o delito seria a violação intencional da norma de conduta, ao passo que o quase delito "é o fato pelo qual a pessoa capaz de ofender, operando sem malícia, mas com negligência não escusável, em relação ao direito alheio, comete infração prejudicial a outrem".

Pois bem, o principal atributo do dolo é a intenção. O agente irá agir de forma consciente e com vontade dirigida a um fim ou resultado, sempre ilícito e desconforme com o Direito [234]. É, segundo Rui Stoco [235], uma "ofensa a um dever preexistente de forma consciente e desejada".

Nesses casos, em que o agente age com dolo, não há necessidade de perquirir se ele realmente queria causar o mal; basta proceder consciente de que seu comportamento poderia ser lesivo [236].

Já em relação à culpa em sentido estrito, mister se faz, primeiramente, transcrever, "ipsis litteris", a lição do eminente Rui Stoco [237]:

"A culpa em sentido estrito traduz o comportamento equivocado da pessoa, despida da intenção de lesar ou de violar direito, mas da qual se poderia exigir comportamento diverso, posto que erro inescusável ou sem justificativa plausível e evitável para o "homo medius".

Com efeito, a negligência, do latim "negligentia", de "negligere" (desprezar, desatender, não cuidar), caracteriza-se pela falta de atenção, de cuidado, ou de precaução na realização de certos atos, derivando resultados maus ou prejudicados, que não adviriam se fossem realizados com mais atenção e com a devida precaução [238]. Assim, o agente não age quando deveria e não observa regras pautadas no bom senso, que recomendam cuidado, atenção e zelo [239].

A imprudência, do latim "imprudentia", resulta da imprevisão do agente em relação às conseqüências de seu ato ou ação, quando devia e podia prevê-las [240]. O agente age sem as cautelas necessárias; age açodado, precipitado, apressado; age, pois, com pequena consideração aos bens alheios [241].

Por fim, a imperícia, do latim "imperitia", de "imperitus" (ignorante, inábil, inexperiente) consiste na falta de prática ou de conhecimentos que se deveria ter para o exercício de uma profissão ou arte qualquer [242]. É o erro próprio dos profissionais ou técnicos, como no caso do médico, que por falta de conhecimento técnico, erra no diagnóstico ou retira um órgão do paciente desnecessariamente [243]; do advogado que interpõe recurso diferente do previsto na legislação e que vem a prejudicar seu cliente; do veterinário que ministra medicamento errado a ser aplicado nas reses de seu cliente.

De qualquer forma, seja por dolo ou por culpa em sentido estrito haverá obrigação de reparar o prejuízo.

A culpa ainda é classificada, quanto à sua gradação, em grave (ou lata), leve e levíssima. Destarte, prevalecendo o critério da culpa "in abstracto", o órgão judicante irá aferir o comportamento do agente pelo padrão admitido, de um homem médio, normal [244].

Tal distinção passou a ser fundamental em razão do parágrafo único do art. 944 do Código Civil, que estabeleceu que se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente a indenização [245]. Ou seja, a distinção entre culpa grave, leve e levíssima é critério decisivo para apurar o "quantum" indenizatório [246].

Será considerada grave quando o comportamento do agente se afastar bastante daquele esperado do homem mediano; seu comportamento é tido como se ele buscasse realmente o resultado. É tão imprópria ao comum dos homens, que se costuma dizer que a culpa grave ao dolo se equipara [247].

Porém há que se fazer uma ressalva. Em que pese grande parte da doutrina afirmar essa equiparação, não deve ela prevalecer, porquanto na culpa grave não se constata o elemento volitivo, ou seja, a vontade de praticar o ato, o que caracteriza o dolo.

Deve também ser incluída na culpa grave a chamada culpa consciente, quando o agente assume o risco de que o evento danoso e previsível não ocorrerá [248], bastante comum nos casos de acidente automobilístico.

A culpa leve ocorre quando a lesão de direito puder ser evitado com atenção ordinária, ou adoção de diligências próprias de um "bonus pater famílias" [249]. São situações nas quais dificilmente o homem comum transgrediria o dever de conduta [250].

Já a culpa levíssima ocorre somente quando a falta puder ser evitado com atenção extraordinária, que somente uma pessoa atenta, perita ou com conhecimento específico para o caso concreto poderia ter [251]. De qualquer modo, a culpa, mesmo que levíssima, obriga a indenizar: "in lege Aquila et levissima culpa venit".

Ponto bastante interessante trazido por Maria Helena Diniz diz respeito a anuência da vítima. Quando isso se der, ou seja, se o prejudicado consente na lesão a seu próprio direito, não haverá ilicitude na conduta do lesante, e o dano não será indenizável [252]. No entanto, esse consentimento deve ser livre, isento de qualquer vício e que emane de pessoa capaz. A anuência da vítima é, pois, causa de imputabilidade, capaz de elidir a culpa do agente. Traz ainda o seguinte exemplo:

"Se um indivíduo gravemente infermo consente, estando devidamente esclarecido, em tomar um novo remédio em experimentação,mas cujos efeitos não são conhecidos, para conseguir sua cura, o médico não responderá civilmente pelas conseqüências, visto ser sua obrigação de meio, e ante o fato de ter agido com ética e de ter seguido, com empenho, as regras técnicas de sua profissão".

É mister, por fim, ressaltar que não há responsabilidade sem culpa, salvo disposição legal em sentido contrário, caso em que haverá responsabilidade objetiva.

3.4.3 Nexo causal

Na seara da responsabilidade, não basta que o agente tenha cometido um erro de conduta; também, não basta que a vítima tenha sofrido um dano. É essencialmente necessário que a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima tenham uma ligação entre si, ou seja, é preciso um nexo causal.

Com efeito, o nexo causal "é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado [253]" e está expressa no verbo ‘causar’ do art. 186 do CC.

Destarte, não havendo nexo causal, não surgirá a obrigação de indenizar, pois o comportamento do agente não deu causa ao dano experimentado pela vítima.

Rui Stoco [254], ao tratar do nexo causal, traz a lume, a feliz expressão de Demogue: "é preciso esteja certo que, sem este fato, o dano não teria acontecido. Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria".

Assim, por exemplo, se o contador solicita a seu cliente que lhe entregue os documentos para a realização da declaração anual de imposto de renda, mas este não o faz no período em que lhe foi solicitado e recebe multa do Fisco em razão de sua declaração ter sido entregue fora do tempo previsto, não poderá culpar seu contador pela multa imposta, já que o dano (multa) não ocorreu em virtude da ação do contador (atraso na entrega da declaração).

Outrossim, quando determinada ação for apurada à luz da teoria do risco (ou responsabilidade objetiva), o nexo causal já é suficiente para atribuição de responsabilidade, já que não há que se perquirir sobre a culpa do agente [255].

No mais, pode ser que ocorram duas ou mais causas que ligam o dano à ação ou omissão, são as chamadas concausas, que podem ser sucessivas ou simultâneas. Em relação a estas, não há muita dificuldade, pois o dano é atribuído a várias pessoas e estas são solidariamente responsáveis (art. 942, parágrafo único do CC). É o caso de dois arquitetos que, conjuntamente, elaboram de forma equívoca projeto para construção de determinado prédio.

O problema maior é quando se trata das concausas sucessivas. Imagine a seguinte situação trazida por Agostinho Alvim [256]: suponha-se que certo doente não tenha sido operado de acordo com as regras de assepsia, complicando seu estado de saúde. Com isso, chama-se outro médico, que ao ministrar tratamento indicado, seja contraproducente, fazendo com que o doente venha a falecer. A morte, supõe pluralidade de causas, a saber, a operação menos infeliz, em desacordo com os preceitos da arte, e a imperícia do médico chamado para corrigir o primeiro erro.

No caso acima há a atuação de dois médicos; mas qual deles será responsável pela morte do doente?

Para a solução de tal celeuma, surgiram três teorias, a saber: teoria da equivalência das condições ou da equivalência dos antecedentes, teoria da causalidade adequada e teoria dos danos diretos e imediatos.

A primeira delas, teoria da equivalência das condições ou da equivalência dos antecedentes, é tida como inadequada e sua adoção poderia levar a absurdos [257]. Isso porque, para os adeptos dessa teoria, toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano é considerada uma causa [258]. Desse modo, poder-se-á considerar causador do dano quem quer que se tenha inserido na linha causal, permitindo-se uma regressão quase infinita [259].

Assim, em conformidade com o exemplo dado, ambos os médicos seriam responsáveis.

A segunda, teoria da causalidade adequada, somente considera causadora do dano a condição apta a produzi-lo [260]. Diferentemente da primeira teoria, nem todas as condições serão consideradas causas, sendo que, apenas a mais apropriada a produzir o evento danoso, de acordo com a experiência comum, será tida como causa [261].

Desse modo, de acordo com exemplo citado, o segundo médico somente será responsável se, seu ato, for causa adequada para produzir o efeito (morte).

Já a teoria dos danos diretos e imediatos é tido como meio termo entre as outras duas e é a adotada pelo nosso Código Civil, de acordo com o art. 403 [262]. Como o próprio nome já diz, essa teoria requer que, entre a ação ou omissão e o dano, haja uma relação de causa e efeito direta e imediata [263]. Assim, no mesmo diapasão, Agostinho Alvim [264], ao mencionar que a escola que melhor explica essa teoria é a que se reporta à necessariedade da causa, completa: "é indenizável todo dano que se filia a uma causa, ainda que remota, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução".

Em relação ao exemplo, se o doente morrer em razão da imperícia do segundo médico, este será o responsável.

De mais a mais, cabe ainda ressaltar que, via de regra, conforme teoria "retro", os danos indiretos ou remotos não são passíveis de indenização, pois deixam de ser efeito necessário pelo aparecimento de concausas [265]. Na verdade, não se indenizam esperanças desfeitas, nem danos potenciais, eventuais, supostos ou abstratos [266].

Por fim, é essencial provar, de forma inquestionável, que certo evento é causa de determinado dano. Prova esta de difícil comprovação, ainda mais quando se tratar da responsabilidade dos profissionais liberais [267], já que muitas vezes, para comprovação do nexo causal, é preciso da atuação de colegas de profissão que podem acabar sendo influenciados pelo corporativismo existente.

3.4.4 Dano

Por fim, elemento essencial para a caracterização da responsabilidade do profissional liberal é a existência de um dano. Sem ele não haverá o que indenizar; logo, não haverá qualquer responsabilidade. Desse modo, mesmo que haja a violação de um dever jurídico, por dolo ou culpa, nenhuma indenização será devida se não houve qualquer prejuízo [268]. É também o que se extrai do art. 944, "caput", do Código Civil.

O vocábulo dano deriva do latim "damnum", significando, genericamente, qualquer mal ou ofensa que uma pessoa causa a outra [268]. Assim, em sentido amplo, deve ser entendido como toda e qualquer lesão a um bem jurídico [269]; já em sentido estrito, entende Agostinho Alvim [270], que dano é a lesão ao patrimônio, sendo este o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro.

Num conceito mais moderno, englobando tanto os danos materiais quanto morais, Maria Helena Diniz [271], baseada em conceito de Lucio Bove, define o dano como sendo uma "lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral."

De qualquer forma, sempre que houver um dano e estiverem presentes os demais requisitos para a responsabilização do agente, deverá este reparar o prejuízo que causou à vítima, seja o dano patrimonial ou moral, individual, coletivo e/ou difuso (art. 6º, VI do CDC). Aguiar Dias [272], ao se referir a necessidade da reparação do dano prescreve:

É uma forma de restabelecer esse equilíbrio em cuja conservação se interessa essencialmente uma civilização avançada ‘que receia decadência’. É também o modo de satisfazer, para cada membro da sociedade, sua aspiração de segurança, comprometida e ameaçada pela vida moderna.

Ocorrido efetivamente o dano, este deverá ser indenizado/ressarcido de forma integral à vítima e poderá ser realizado de dois modos. Primeiramente, sempre que possível, deve-se fazer uma reparação específica, consistente em fazer com que as coisas voltem ao estado que teriam se não houvesse ocorrido o dano [273], ou seja, ao "statu quo ante". Contudo, caso isso não seja possível, como na maioria dos casos, opta-se por uma compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária [274] (reparação por equivalência).

O montante a ser pago a título de reparação será conforme a extensão do dano, podendo o magistrado reduzi-la, eqüitativamente, se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano (art. 944 do CC). Além do grau de culpa e da proporcionalidade, podem ainda ser considerados critérios para apurar o "quantum" indenizatório o nível sócio-econômico da vítima e o porte econômico do agente ofensor [275].

Deveras, deve-se impedir que a vítima desfrute de uma situação econômica melhor do que aquela em que se encontrava anteriormente ao ato delituoso [276]. Assim, Rui Stoco [277] salienta que "no nosso sistema jurídico a indenização do dano deve obedecer à glosa ‘lucratus non sit’, de modo que a reparação do dano não pode converter-se em fonte de enriquecimento da vítima".

Outrossim, cabe lembrar ainda que a indenização somente será devida se o dano for atual e certo, ou seja, o dano deve existir e estar fundado num fato preciso e não sobre hipóteses [278]. Portanto, somente o dano que preencher os requisitos de certeza e atualidade é que serão passíveis de ressarcimento, afastando-se, pois, em princípio, qualquer reparação de dano meramente hipotético [279] ou eventual.

Carlos Roberto Gonçalves [280] menciona ainda que se admite, vez preenchidos os requisitos da certeza do dano, a indenização do chamado dano em ricochete (ou dano reflexo), que configura quando uma pessoa sofre o reflexo de um dano causado a outrem [281]. É o caso, por exemplo, da ex-mulher que, em razão da separação, recebe pensão do ex-marido para sustentar-se e que, em razão de erro médico, este vem a falecer; assim, não poderá mais receber a pensão, o que, de fato, lhe causou um prejuízo certo, passível de indenização. Nesse sentido também já se manifestou a jurisprudência [282].

De regra, como já analisado, não se indenizam danos hipotéticos. Desse modo, o advogado que deixa de recorrer ou de ingressar com determinada medida judicial pode ser responsabilizado pelo perda de um direito eventual de seu cliente? De acordo com Sílvio de Salvo Venosa [283]"há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento". Assim, tal qual os lucros cessantes e os danos emergentes, a perda da chance deve ser indenizada; nesse sentido já se manifestou o Tribunal de Justiça do Paraná [284].

Dentre os danos ocasionados pelos profissionais liberais, os que mais se destacam são aqueles de natureza estética, ocorridos principalmente em atividades médico-odontológicas e em cirurgias estéticas; sem embargos, é constante os dos danos decorrentes de anestesias, uso inadequado de aparelhos e erros de diagnósticos. Também é bastante comum os danos gerados na área jurídica, mormente em relação aos advogados que não zelam pelo patrimônio de seu cliente, dão conselhos indevidos ou sem o conhecimento técnico adequado e até mesmo os que perdem demandas judiciais por inércia [285].

Com efeito, toda vez em se for apurar o "quantum" indenizatório, em relação a qualquer bem lesado, como a vida, a saúde, a integridade física e psíquica, decorrente dos serviços de profissionais liberais, deverá se buscar auxílio no Código Civil (arts. 948 a 950 e 953), na Constituição da República (art. 5º, X) e em todo o sistema do CDC, especialmente nos arts. 4º e 6º, I e VI [286].

Em qualquer caso, deve-se ter um profundo senso de justiça para que, de uma lado, o profissional liberal fornecedor com suas naturais limitações, e do outro, o consumidor prejudicado, não padeça injustificadamente com a solução encontrada [287].

Pois bem, visto isso, cabe agora, analisar os danos patrimoniais ou materiais, os danos morais e estéticos.

3.4.4.1 Dano material ou patrimonial

O dano patrimonial, ou material, envolve, como é óbvio, a noção de patrimônio, devendo este ser entendido como um conjunto de direitos e deveres economicamente apreciáveis (ativo e passivo, crédito e débito, haveres e dívidas) de uma pessoa, os quais integram o campo específico do direito das obrigações, dos direitos reais e dos direitos patrimoniais de família [288].

Deveras, qualquer dano que atingir, de algum modo, o patrimônio da vítima e que seja suscetível de apreciação econômica, será considerado patrimonial. Desse modo, baseando-se em conceito de Antunes Varela, Maria Helena Diniz [289] doutrina:

"o dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável."

O valor do dano material experimentado pela vítima mede-se pelo valor atual de seu patrimônio com aquele que ela teria caso não houvesse a lesão ou dano [290] e, sempre que possível, a obrigação ressarcitória deverá restabelecer a situação anterior ao fato lesivo. De qualquer forma, não obstante ao relatado, aplica-se também aos profissionais liberais o previsto nos arts. 948 a 951 do CC.

Outrossim, conforme arts. 402 e 403 do Código Civil [291], o dano sofrido pela vítima, ou melhor, as ‘perdas e danos’, compreendem o dano emergente e os lucros cessantes, de modo a cobrir todo o dano experimentado.

O dano emergente é aquilo que efetivamente se perdeu; é o efetivo prejuízo. É a diminuição patrimonial sofrida pela vítima; representa, pois, a diferença entre o patrimônio que a vítima tinha antes do ato ilícito e o que passou a ter depois [292]. Nesses casos, o lesante poderá restaurar o bem danificado ou pagar o valor das obras necessárias a essa reparação [293].

Assim, em casos de inabilidade profissional, de imperícia (médicos, advogados, dentistas, engenheiros, etc.), a indenização deve cobrir os prejuízos efetivamente sofridos e as despesas decorrentes da contratação de outro profissional para a reparação do erro cometido.

Já os lucros cessantes correspondem ao que a vítima deixou de ganhar em razão do dano sofrido. Com efeito, para haver indenização, não basta mera possibilidade de ganho, também não é indispensável a absoluta certeza. Deve sim existir uma probabilidade objetiva que resulte do curso normal das coisas e das circunstâncias do caso concreto [294].

Em suma e diferenciando os danos emergentes dos lucros cessantes, ensina Antunes Varela, citado por Maria Helena Diniz [295], que o primeiro consiste no prejuízo causado em direitos já existentes na titularidade da vítima por ocasião do evento lesivo, enquanto o segundo abrange os danos alusivos a direitos ainda não pertencentes ao lesado a essa data.

Portanto, qualquer dano que incidir no patrimônio da vítima, causando-lhe despesas que não teria caso dano não houvesse, será considerado patrimonial; caso assim não seja, o dano será extra-patrimonial.

3.4.4.2 Dano moral ou extra-patrimonial

Mesmo já admitido antes do advento da Constituição da República, em 1988 - malgrado houvesse aqueles que sustentavam sua irreparabilidade [296] -, a reparação dos danos morais foi erigida á clausula pétrea, forte no art. 5º, X. Assim disciplinou o legislador constituinte originário que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

No entanto, o rol de direitos previstos no art. 5º, X, como a intimidade, a honra, a vida privada, não pode ser considerado como "numerus clausus", ou seja, não são somente esses os direitos cuja violação sujeita o agente a reparar [297]. Será totalmente lícito à jurisprudência e à lei ordinária editar outros casos em que poderá ocorrer a reparação por danos morais [298].

Além do mais, o próprio Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VI) e o Código Civil (art. 186), trouxeram texto expresso no sentido da possibilidade da reparação dos danos morais. Assim, é pacífico o entendimento que os danos morais devem ser indenizados.

Com efeito, há danos que ocorrem cujo conteúdo não é dinheiro, nem uma coisa comercialmente redutível a dinheiro ou suscetível de apreciação pecuniária. Esse dano é uma dor, uma emoção, uma mágoa, uma tristeza, um sofrimento, angústia, humilhação, ou melhor, uma sensação dolorosa experimentada pela vítima [299] e que, na maior parte das vezes, resulta da violação a um direito da personalidade (vida, integridade física, honra, liberdade, etc.). Trata-se, pois, de um dano extra-patrimonial, ou seja, de um dano moral.

Wilson Melo da Silva, um sua obra clássica [300], define de maneira clara o que são danos morais:

Danos morais são lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoal natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição ao patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.

D’outra feita, Yussef Said Cahali [301], em brilhante lição, que merece ser transcrita ipsis litteris et verbis, leciona:

Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes à sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral.

Entre os profissionais liberais, podemos citar com exemplos de danos morais ocorridos em razão de sua atuação os seguintes: o médico quando informa a seu paciente que está acometido de doença grave, mas na verdade não está (erro de diagnóstico); o comprador de um imóvel que, após vários anos de sacrifício, consegue adquiri-lo, porém vê referido imóvel desabar por erro do engenheiro; o cirurgião plástico que realiza cirurgia estética embelezadora, mas que obtém resultados negativos, diferentemente do pretendido por seu cliente; o advogado que propõe ação somente após o decurso do prazo de prescrição [302].

Outrossim, não será qualquer fato que ensejará a reparação por danos morais. Há situações que, apesar de serem incômodas e causarem desprazeres, devem ser suportadas na sociedade em que vivemos (ex.: porta detectora de metais em bancos, revista em bagagens). Assim, somente será passível de indenização a agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige [303].

Nesse sentido, Sérgio Cavalieri, citado por Carlos Roberto Gonçalves [304], menciona:

[...] só se deve reputar como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até mesmo no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, aponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

De qualquer forma, a reparação do dano moral não visa reparar a dor, a mágoa, o sofrimento ou angústia, a humilhação, sofrida pela pessoa; isso até mesmo porque o direito não pode reparar qualquer desses estados ou sentimentos e por não poderem ser avaliados economicamente. Esses estados, nada mais são do que a conseqüência do dano [305]. A indenização será considerada apenas um lenitivo que atenue, em parte, as conseqüências do prejuízo sofrido, melhorando, de certo modo, o futuro do ofendido.

Desse modo, extrai-se que a reparação pecuniária do dano moral possui dois objetivos [306]. O primeiro é compensar a vítima pelo dano sofrido, servindo a indenização como lenitivo, um consolo para atenuar o sofrimento havido. O segundo, como uma punição ao causador do dano, ou seja, uma sanção que servirá de desestímulo para que não se pratique atos lesivos à personalidade de outrem [307].

No mais, lembra bem Caio Mário da Silva Pereira [308] que para se aceitar a reparação do dano moral é preciso estar ciente que são ressarcíveis bens jurídicos sem valor estimável financeiramente em si mesmos, simplesmente por serem ofendidos pelo comportamento antijurídico do agente.

Pois bem, conforme já ponderava José de Aguiar Dias [309], o maior dificuldade no dano moral é o fato de não se ter um critério para estabelecer o "quantum" da indenização, não encontrando qualquer correspondência no critério valorativo patrimonial. Isso, por vezes, fez que com surgissem indenizações milionárias, exageradas e inaceitáveis, a ponto de comprometer a própria dignidade do instituto. Então como fixar o valor da indenização?

"Ab initio", deve-se ter em mente que a reparação pecuniária do dano moral não irá refazer o patrimônio, muito menos fazer com que se volte ao "statu quo ante". O que se buscará é apenas dar ao lesado uma compensação que lhe é devida, amenizando seu sofrimento.

Assim, para fixar o valor da indenização do dano moral, o órgão judicante, ao analisar o caso "sub judice", deve sempre se pautar em critérios eqüitativos e justos, utilizando-se sempre do bom senso e da moderação, além de verificar os elementos probatórios amealhados e sem afastar-se dos objetivos da reparação pecuniária do dano moral.

Maria Helena Diniz [310] traz ainda vários critérios ou parâmetros para o arbitramento do dano moral, dentre os quais pode-se destacar os seguintes: evitar indenizações simbólicas e enriquecimentos sem causa; verificar a repercussão pública do fato; quais os benefícios obtidos pelo lesante com a prática do ilícito; a intensidade do dolo ou o grau de culpa do lesante; análise da pessoa do lesado, considerando a intensidade de seu sofrimento, seus princípios religiosos, sua posição social ou política, sua condição profissional e seu grau de educação e cultura.

Não obstante a ampla discricionariedade do magistrado para fixar o "quantum" indenizatório nas ações por danos morais, a Lei nº 5.250 de 9 de fevereiro de 1967, Lei de Imprensa, traz em seu bojo, especificamente em seus artigos 51 e 52, valores máximos pré-determinados para fixação de danos derivados da responsabilidade civil do jornalista profissional. No entanto, o STJ já se manifestou através da Súmula nº 281 no sentido de que a indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa.

Por fim, vale ainda tecer breve comentário sobre o dano moral na responsabilidade contratual, típica dos profissionais liberais.

Apesar de já existirem julgamentos [311] entendendo não ser possível a indenização por danos morais por descumprimento contratual, não é esse o entendimento que vem prevalecendo na doutrina e jurisprudência [312].

Toda relação negocial nasce para ser cumprida e, com isso, se cria de alguma forma, uma expectativa psicológica. Assim, não se pode negar que o inadimplemento contratual possa, ao menos em princípio, gerar sentimentos angustiantes ou sensíveis à parte inocente [313] suscetíveis de indenização [314].

É certo porém, que o descumprimento ou inobservância de certas cláusulas contratuais por uma das partes, gera, em princípio, mero dissabor ao qual todos estão sujeitos [315]. Nesses casos não há que se falar em indenização por dano moral, assim como nos casos em que for pactuada cláusula penal, pois nela já há uma pré-fixação das perdas e danos [316].

Desse modo, é possível pleitear tanto indenizações materiais quanto morais quando do inadimplemento contratual, ressalvadas as hipóteses em que o descumprimento contratual tenha gerado meros dissabores.

No mais, as indenizações por danos materiais e morais, sejam oriundas da responsabilidade contratual ou extracontratual, poderão ser cumuladas desde que sejam provenientes do mesmo fato (Súmula nº 37 do STJ).

3.4.4.3 Dano estético

Uma outra espécie de dano - se é assim que se pode dizer - que pode resultar da atuação dos profissionais liberais, mas restrita àqueles que atuam na área de saúde (cirurgiões plásticos, dentistas, farmacêuticos), é o dano estético. Tal dano, por participar tanto de aspectos do dano moral e do patrimonial, dá ensejo a várias discussões acerca de sua natureza.

De qualquer modo, antes de mais nada, é mister conceituar referido dano. Em escólio bastante autorizado de Wilson de Melo Silva [317], o dano estético na seara cível, além de compreender o aleijão, de ser entendido como:

[...] qualquer deformidade ou deformação outra, ainda que mínima e que implique, sob qualquer aspecto, num ‘afeamento’ da vítima ou que possa vir a se constituir para ela numa simples lesão ‘desgastante’, como o diria Lopes Vieira ou em permanente [318] motivo de exposição ao ridículo ou de inferiorizantes complexos.

Primeiramente, há quem entenda que o dano estético se distingue do dano moral, ou seja, são bens distintos, e que, em tese, poderiam ser pleiteados cumulativamente, em qualquer caso. Nesse sentido, Rodolfo Valença Hernandes [319], em brilhante lição, leciona que o dano estético "está voltado para fora, vulnera o corpo, atinge desfigura a silhueta, a beleza e a plástica, corresponde ao patrimônio da aparência". Já o dano moral, entende ele, ser intrínseco, "está voltado para dentro, afeta os sentimentos, macera a alma, penetra os domínios da emoção, incorpora-se ao psiquismo, integra a essência do ser: constitui o acervo da consciência".

Malgrado o entendimento retro, o que se buscará indenizar, quando da ocorrência do dano estético, é a tristeza, o vexame, a dor, a humilhação, o desgosto, o constrangimento, ou seja, o dano moral decorrente da deformidade física [320]. Assim, não se trata, na verdade, de uma terceira espécie de dano, visto ser o dano estético apenas um aspecto do dano moral.

Nesse sentido, uníssonos, Maria Helena Diniz [321], Rui Stoco [322], Sílvio de Salvo Venosa [323] e também a jurisprudência [324], entendem ser o dano estético um aspecto, uma espécie, uma modalidade do dano moral.

Mesmo assim, adverte José de Aguiar Dias [325] que devido as evoluções e progressos que vêm ocorrendo no campo da cirurgia plástica, o dano estético vai, progressivamente, transformando-se em dano patrimonial. Assim, uma vez restaurado o dano estético, desaparece a razão para vítima ser indenizada a esse título, cabendo-lhe, tão somente, a reparação correspondente a reparação estética.

Outrossim, casos há em que o dano estético acaba provocando um prejuízo patrimonial, como, por exemplo, incapacitando a vítima para o trabalho ou fazendo com que ela desembolse nova quantia para realizar nova cirurgia estética. Nesses casos, é admissível cumular o pedido de indenização por dano material com a de dano estético (ou moral).

O problema surge quando da hipótese de cumulação de danos estéticos com danos morais. Via de regra não se deve admitir, vez indenizado o dano estético, a indenização por dano moral, pois este estaria implícito naquele, o que, caso ocorresse, caracterizaria um verdadeiro "bis in idem", ou seja, estaria se indenizando um mesmo fato duas vezes [326].

No IX Encontro dos Tribunais de Alçada do Brasil [327], foi aprovada, por unanimidade, conclusão nesse sentido: "O dano moral e o dano estético não se cumulam, porque ou o dano estético importa em dano material ou está compreendida no dano moral".

No entanto, é assente a jurisprudência [328] do STJ no sentido de ser possível a cumulação de danos estéticos com os danos morais em relação ao mesmo fato, desde que ambos possuam fundamentos distintos, ou melhor, sejam concedidos a títulos diferentes [329].

No mais, corroborando ainda mais o fato do dano estético ser modalidade de dano moral, o Projeto de Lei n.º 6.960/02, acrescentando os §§ 2º e 3º ao art. 950 do Código Civil, procurará disciplinar o dano estético.

Sobre o autor
Luís Fernando Barbosa Pasquini

advogado em Araçatuba (SP), especializando em Direito Processual pela UniToledo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASQUINI, Luís Fernando Barbosa. O profissional liberal e sua responsabilidade civil na prestação de serviços. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1095, 1 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8574. Acesso em: 5 nov. 2024.

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