Neste artigo, analisaremos os prós e os contras da concentração dos poderes arrecadatórios nas mãos da Super-Receita.
A Super-Receita surgiu com a Medida Provisória (MP) nº 258, de 21.07.2005, mas funcionou apenas por dois meses porque a MP não foi convertida em lei. Tecnicamente, a referida MP alterou a denominação da Secretaria da Receita Federal (SRF) para Receita Federal do Brasil (RFB) e transferiu para este órgão competências antes atribuídas à Secretaria da Receita Previdenciária (SRP), quais sejam: a fiscalização, arrecadação, administração e normatização do recolhimento das contribuições sociais para o financiamento da seguridade social (as "contribuições previdenciárias").
Como a MP não foi adotada, o Poder Executivo apresentou à Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 6.272/2005, cujas normas são praticamente idênticas às da MP. O PL foi aprovado na Câmara e, atualmente, tramita no Senado Federal sob o título de Projeto de Lei da Câmara nº 20/2006, do qual é relator o Senador Rodolpho Tourinho (PFL/BA).
Para analisarmos os aspectos positivos e negativos da unificação da arrecadação tributária e previdenciária, vale a pena recorrermos a experiências vivenciadas por outros países. Sobre esse assunto, há um interessante estudo patrocinado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) (disponível em www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2004/wp04237.pdf), efetuado com base na experiência da Suécia e de países do leste europeu. O estudo do FMI aponta os aspectos positivos dessa fusão, além de tratar dos procedimentos que devem ser observados por ocasião de sua implementação.
Os pesquisadores do FMI demonstraram que, em razão da existência de aspectos comuns relativos à arrecadação das contribuições previdenciárias e dos tributos, a unificação da administração tributária contribui para o aumento da arrecadação das contribuições previdenciárias e para a redução do custo global da atividade de arrecadação. Entre outras, podemos citar as seguintes similaridades: (a) a necessidade da identificação dos contribuintes e responsáveis tributários; (b) os sistemas para coleta de informações dos empregadores e trabalhadores; (c) a retenção de tributos na fonte pelos empregadores; (d) os sistemas para identificação dos débitos declarados e não pagos e da ausência de entrega de declarações e (e) a análise das informações constantes das declarações dos contribuintes.
Segundo o estudo do FMI, os fatores que levaram alguns países a unificar a arrecadação de tributos e contribuições previdenciárias foram as seguintes:
(i) o uso eficiente dos recursos, na medida em que o custo marginal relativo à ampliação das atividades do fisco federal para compreender a arrecadação das contribuições previdenciárias é inferior ao custo de manutenção de uma estrutura de arrecadação responsável tão somente pela administração das contribuições previdenciárias;
(ii) o ganho de eficiência resultante da especialização das atividades do órgão previdenciário;
(iii) o aumento da arrecadação das contribuições previdenciárias, em razão da concentração de tal atividade em um órgão com uma função eminentemente arrecadatória;
(iv) a redução dos custos da administração tributária, em razão da eliminação da duplicidade de funções relativas às áreas de processamento de informações, cobrança e fiscalização dos contribuintes;
(v) a redução dos custos incorridos pelos contribuintes para o cumprimento das obrigações principais e acessórias (leia-se: burocracia), relativas aos tributos e contribuições previdenciárias;
O estudo também aponta os pontos de atenção no processo de fusão do órgão responsável pela arrecadação das contribuições previdenciárias com a entidade responsável pela arrecadação dos tributos federais. São eles:
(i) modernização da administração tributária: a administração tributária deve ter a capacidade para receber a nova incumbência, o que demanda a existência de uma infra-estrutura adequada, assim como de funcionários devidamente treinados e conscientes dos objetivos e da relevância da unificação da arrecadação;
(ii) criação de uma força-tarefa conjunta: deve ser formado um grupo composto por representantes da administração tributária e da administração previdenciária para antecipar e propor soluções para os principais problemas que possam surgir com a unificação da arrecadação; e
(iii) harmonização da legislação: antes da fusão, deve ser analisada a compatibilidade da legislação aplicável aos tributos e às contribuições previdenciárias, assim como as regras dos respectivos processos administrativos;
Parte significativa dos pontos indicados no estudo do FMI não foi contemplada pelo Projeto de Lei que trata da Super-Receita, que prevê a imediata integração da SRP com a SRF sem que antes sejam avaliadas a compatibilidade das regras de arrecadação e administração dos tributos federais e das contribuições previdenciárias. O PL também não trata da modernização da administração tributária nem cria uma força-tarefa responsável por viabilizar uma integração eficiente, além de não prever nenhum mecanismo para harmonização das respectivas legislações.
Para que a emenda não saia pior do que o soneto, e para que os contribuintes não fiquem sujeitos a sofrer as conseqüências danosas de uma integração mal concatenada, é de suma importância que os pontos acima sejam levados em consideração no processo de unificação da arrecadação. Se isso for feito, a Super-Receita poderá representar um avanço em termos de justiça fiscal. Caso contrário, corremos o risco de um retrocesso. É importante, portanto, que se debata o assunto.