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Criminal compliance:

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Agenda 24/12/2020 às 09:35

INTRODUÇÃO

O mundo atualmente é marcado pela globalização e enormes avanços tecnológicos que foram capazes de influenciar diretamente o mundo do crime, criando novas modalidades de atividades delitivas, bem como novas formas de praticá-las. As infrações penais tornaram-se mais complexas e passaram a violar não somente bens jurídicos individuais, mas de um número incalculável de vitimas, surgindo a macrocriminalidade, muito relacionada com o Direito Penal Econômico (BUSATO, 2018).

Nesse contexto, a prática do crime de lavagem de dinheiro adquiriu novas formas e complexidades. Em vista de afastar os recursos decorrentes de outras práticas criminosas de sua origem, muitos sujeitos e organizações criminosas passaram a realizar o branqueamento de capital em operações financeiras multiformes, dentro de grandes empresas detentoras de poderio dentro do Estado em que funcionam e até fora dele (BUSATO, 2018).

Com isso, o Estado passou a enfrentar uma enorme dificuldade de fiscalizar e investigar tais atividades delitivas, devido o enorme aparato tecnológico dentro dessas entidades privadas, bem como a rede complexa em que funcionam, que muitas vezes se subdivide em empresas menores e autônomas, tornando o capital lavado cada vez mais pulverizado e distante da origem ilícita, impedindo sua individualização para uma possível recuperação (BUSATO, 2018).

Nesse interim, o caráter punitivista do Direito Penal, que apenas analisava o ex post do delito, tornou-se insuficiente para o combate ao crime de reciclagem de valores, tornando-se necessárias medidas que se preocupassem com o ex ante da pratica criminosa dentro das grandes e poderosas empresas, como forma de fiscalizar e prevenir a lavagem de dinheiro.

Diante disso, o presente artigo busca reunir informações com o propósito de responder ao seguinte problema de pesquisa: De que maneira a aplicação do Criminal Compliance nas grandes empresas auxilia na prevenção da lavagem de dinheiro no Brasil?  

Acredita-se que, quando a Lei Antilavagem passa a prever uma obrigatoriedade de implementação do denominado Criminal Compliance para alguns setores específicos, visando uma autorregulação regulada, torna mais fácil a individualização do capital lavado, possibilitando sua recuperação, bem como garantente uma produção probatória ampliada, obtida através das investigações privadas, que podem ser utilizadas em futuros processos criminais.  

Ademais, supõe-se que, tendo em vista que esse programa visa à adoção de politicas de controle interno para o combate de práticas delitivas dentro das empresas, se efetivamente implantando, se torna meio para manter as entidades privadas em conformidade com a legislação penal vigente, reduzindo os riscos de lavagem de dinheiro nas atividades empresariais e, com isso, facilitando o controle penal do Estado nas entidades privadas.

Devido à dificuldade por parte do Estado em realizar o controle penal dos crimes de lavagem de dinheiro dentro de grandes e complexas empresas, assim como a necessidade das entidades privadas em realizarem suas atividades em conformidade com a legislação penal vigente, evitando ou, pelo menos, reduzindo as condenações penais, essa pesquisa se justifica através da analise de como o Criminal Compliance auxilia na prevenção dos crimes de lavagem de dinheiro dentro das empresas no Brasil.

O presente trabalho tem como objetivo geral demonstrar a forma com que a aplicação do Criminal Compliance nas grandes e poderosas empresas pode auxiliar na prevenção da lavagem de dinheiro no Brasil, tendo como beneficio uma ferramenta para evitar a condenação de empresas no âmbito penal e reduzir os ricos de práticas delitivas nas atividades empresariais, garantindo um maior controle penal do Estado dentro das complexas entidades privadas.

Para atingir o fim almejado, a presente pesquisa realizará uma breve analise da Lei de combate à Lavagem de Dinheiro, explicará no que consiste o Criminal Compliance e, por fim, apresentará de que forma tal programa auxilia na prevenção do crime de branqueamento de capital no Brasil.

O tema a ser estudado é de fundamental importância, tendo em vista que o crime de lavagem de dinheiro facilita o cometimento de outras infrações penais e, por conta disso, merece ser combatido de forma eficaz pelo Estado. Contudo, como por vezes a prática de branqueamento de capital ocorre em operações financeiras complexas de grandes empresas, o Estado tem demonstrado dificuldade realizar sozinho o controle penal dessa prática delitiva, sendo o Criminal Compliance meio eficaz para o poder público compartilhar com o particular essa responsabilidade para prevenir e combater a reciclagem de capital.

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A metodologia adotada é critico-dialética, com abordagem qualitativa, através do referencial teórico dos princípios constitucionais e processuais penais e da legislação pátria, seguindo pelo exame de conceitos realizado pelo estudo pormenorizado de livros e artigos publicados na literatura e no meio eletrônico, visto que se entende ser o melhor método para atingir os objetivos almejados pela pesquisa.


1. UMA BREVE ANALISE DA LEI Nº 9.613, DE 3 DE MARÇO DE 1998

O crime de lavagem de dinheiro, também denominado branqueamento de capital ou reciclagem de valores, constitui um procedimento que tem por finalidade afastar e maquiar a fonte criminosa que gerou ativos ilícitos, como tráfico de seres humanos, jogo do bicho e prostituição. Para tanto, o dinheiro é separado da fonte por meio de dissimulação e passa a ser investido em práticas ou atividades licitas (CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020).

A expressão “lavar” o dinheiro tem origem nos Estados Unidos, em virtude de uma máfia que comprava maquinas de lavar roupas automáticas para espalhar pelo país redes de lavanderia cash only, o objetivo era dissimular a origem dos recursos provenientes dos crimes que cometiam (BOTTINI, 2016).

No Brasil, o sistema anti-lavagem teve inicio em 1991, com o Decreto 154, contudo, nessa época, a maior preocupação governamental era o combate de tráfico de drogas no país, estando o Decreto restrito a prevenir o branqueamento do recurso derivado do tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins (SAAD-DINIZ, 2013).  

Há de se entender que o crime de lavagem de dinheiro é de natureza parasitária, acessória ou de fusão. Desse modo, para que o crime de lavagem de dinheiro se consume, será necessário que um sujeito, que poderá ou não ser o mesmo que realizará o branqueamento do capital, consume, ou ao menos tente consumar, uma conduta típica e ilícita antecedente que gere riqueza - uma infração produtora - (CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020).

Por essa razão, com a finalidade de aumentar o rol de delitos produtores da lavagem de dinheiro para além do tráfico de drogas, foi editada, em 3 de março de 1998, a Lei nº 9.613, que estendeu o leque de crimes antecedentes para a prática de terrorismo e seu financiamento; de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extorsão mediante sequestro; bem como para crimes contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa ou praticado por particular contra a administração pública estrangeira (SAAD-DINIZ, 2013).

   Vale ressaltar que a supracitada lei também passou a disciplinar a criação da unidade de inteligência financeira ou COAF.

Em síntese, até 2012, para que o crime de lavagem de dinheiro se consumasse, era necessário que algum sujeito tivesse cometido como crime antecedente algum dos previstos expressamente na Lei nº 9.613 de 1998, ou seja, deveria ocorrer previamente um delito de catalogo.

No entanto, com a edição da Lei nº 12.683 de 2012, o rol de crimes catalogados foi retirado e substituído pela expressão “infração penal”, em vista de que, para que restasse consumado o crime de reciclagem de recursos, bastasse que tivesse ocorrido qualquer que seja a espécie de crime ou contravenção penal antecedente promotora de riqueza, podendo inclusive, ser outra lavagem de dinheiro (SAAD-DINIZ, 2013).

Em decorrência disso, entende-se o crime de lavagem de dinheiro na verdade não é um crime em si, pois, para que o Ministério Público denuncie o suspeito, é necessário que exista a indicação expressa da ocorrência de uma infração penal anterior e dos indícios suficientes da sua existência, ainda que seja desconhecido ou isento de pena o autor ou que tenha sido extinta, por qualquer outro meio, a punibilidade da infração (CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020).

Vale ressaltar que a configuração do crime de branqueamento de capital independe do processo e julgamento dos crimes ou contravenções produtores dos recursos ilícitos, tendo em vista que nem sempre será possível chegar aos autores ou até mesmo ao exato crime anterior (CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020).

Além disso, a legislação dispõe que, na hipótese de ficar demonstrado que o fato anterior não existiu ou, se existiu, não configurou infração penal, ou, se configurou infração, houveram circunstâncias que excluíram o delito, como exemplo uma excludente de ilicitude ou tipicidade, não restará configurado o crime de lavagem de dinheiro.

Contudo, há de se salientar que, no caso de restar comprovada somente excludente de culpabilidade ou/e punibilidade, não há o que se falar em afastar o delito de reciclagem de recursos (CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020). Logo, conclui-se que a infração antecedente promotora de recursos pode ser, por exemplo, um ato infracional cometido por um menor, ou um crime cometido por um sujeito que acabou falecendo e, mesmo assim, um terceiro poderá ser condenado pela prática de lavagem desse capital.

Ademais, destaca-se que, na hipótese da infração penal produtora ter ocorrido na modalidade tentada, se dela resultar recursos ilícitos, poderá restar configurado o crime da Lei de Lavagem de Dinheiro pela dissimulação desse capital.

No tocante ao sujeito ativo do delito, pode ser o autor, o coautor ou o participe do crime antecedente, bem como todos os sujeitos que concorram para a ocultação ou dissimulação do lucro proveniente da atividade delituosa (BRASIL, STJ).

É importante trazer a baila que os tribunais entenderam que não há continuidade delitiva entre o crime antecedente e o crime de lavagem de dinheiro, visto que não são da mesma espécie. O que ocorre é o concurso material, devendo as penas ser cumuladas. Porém, vale ressaltar, que se há o crime de lavagem da lavagem de dinheiro, por serem crimes da mesma espécie, é possível se falar em continuidade delitiva (BRASIL, STJ).

Igualmente, cabe analisar as alterações provenientes da Lei 13.964 de 2019 na Lei de combate à Lavagem de Dinheiro. Anteriormente, a Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998 previa, no art. 4º-B, a possibilidade de suspensão, por meio de decisão judicial, da ordem de prisão preventiva e medidas assecuratórias de bem, direitos ou valores, em vista de garantir o sucesso da investigação, mas nada mencionava de forma expressa sobre a mesma possibilidade para as prisões em flagrante (CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020).

Por outro lado, com a entrada em vigor do pacote Anti-crime, foi incluído no art. 1º da Lei de Lavagem de Dinheiro o §6º, que passou a admitir, com a finalidade de tornar mais eficaz a elucidação dos crimes de reciclagem de recursos, a utilização da chamada ação controlada, também denominada de flagrante retardado, e a infiltração de agentes (CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020).

Do mesmo modo, é importante pontuar que, atualmente, a fim de tornar a investigação de branqueamento de capital mais eficiente, tem-se usado o modelo do FATF/GAFI, que divide o processo de lavagem em três etapas (NETO; CORDEIRO; PAES, 2019).

A primeira fase é denominada de placement, conversão, ocultação ou colação. Nesta fase, considera-se que a lavagem tem inicio com a captação dos recursos provenientes de uma determinada infração penal ou com a ocultação da origem ilícita desse ativo (NETO; CORDEIRO; PAES, 2019).

Essa ocultação pode ocorrer, por exemplo, por meio de depósitos em contas bancárias de uma pessoa jurídica em pequenas quantidades com o fim de pulverizar os valores, ou, em vista de reduzir a quantidade de cédulas, através da troca das de pequeno valor por outras de valores maiores, ou, ainda, com a utilização de um intermediário, como os doleiros.

A segunda fase, por conseguinte, é denominada de layering, dissimulação, controle, estratificação, cobertura, mascaramento ou escurecimento. Nesta fase, os criminosos têm como objetivo mascarar os recursos obtidos, buscando dilui-los em incalculáveis canais, através de transações e operações financeiras variadas, ocorridas dentro do país ou no exterior (NETO; CORDEIRO; PAES, 2019).

Como exemplo do layering, têm-se as transferências entre contas por meio dos paraísos fiscais, ou a compra de moedas e ações, de modo que, criando um portfólio de investimentos, é possível afastar cada vez mais aquele ativo ilícito da sua origem, criando embaraços às investigações.

Na terceira e última fase denominada de intergration, integração ou reinversão, os delinquentes irão investir o capital ilícito, que já foi lavado no sistema financeiro em bens móveis e imóveis, bem como em outros negócios lícitos (NETO; CORDEIRO; PAES, 2019), a exemplo, o investimento em franquias que seja difícil realizar o controle e a quantificação.

Todas essas três fases foram muito bem ilustradas pelo Banco do Brasil na imagem a seguir:

Figura 1: Mecanismos do processo de lavagem de dinheiro

Fonte: sítio eletrônico do Banco do Brasil.

Segundo a doutrina, essa última fase, não corresponde mais a lavagem de dinheiro propriamente dita, tendo em vista que o recurso já foi lavado, mas diz respeito à concretização do crime (CUNHA; PINTO; SOUZA, 2020).

Tendo em vista que a reciclagem de capital é um crime muito complexo, na prática se torna muito difícil separar e especificar todas as fases, na maioria das vezes elas acabam se misturando ou ocorrendo conjuntamente. Por isso, não podem ser consideradas como requisitos a serem cumpridos para a consumação da lavagem, mas somente como forma de facilitar a apuração do delito. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal, proferido no Habeas Corpus nº 80.816 (BRASIL, 2001).

Há de considerar que os delitos como tráfico, o roubo e o furto vão gerar recursos e esses, bem como as infrações produtoras, devem ser alvo de combate por parte do Estado. Logo, não basta que a legislação se preocupe somente em combater as infrações produtoras dos ativos, razão pela qual a edição da Lei Antilavagem no Brasil é de extrema relevância, pois visa garantir o combate da macrocriminalidade e evitar que o dinheiro obtido ilicitamente seja utilizado.

Sobre a autora
Juliana Oliveira Eiró do Nascimento

Advogada Mestranda em Direitos, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional Pesquisadora membro do GP Trabalho Decente Educadora certificada pelo Google - Nível 1

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Juliana Oliveira Eiró. Criminal compliance:: prevenção penal privada dos crimes de lavagem de dinheiro no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6385, 24 dez. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85869. Acesso em: 22 dez. 2024.

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