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A dignidade da pessoa humana e o crime de racismo.

Uma visão casuística de hermenêutica constitucional com base em Robert Alexy

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Agenda 02/07/2006 às 00:00

5. Da Hermenêutica Constitucional de Alexy aplicada ao caso e analise

            Afastada a questão específica de tratar-se ou não o povo judeu de uma raça, para critérios de sanção criminal, passa-se à analise do choque de princípios ocorrido no caso.

            Primeiramente se faz necessário conceituar hermenêutica:

            A interpretação do Direito é a operação intelectiva por meio da qual a partir da linguagem vertida em disposições (enunciados) com força normativa o operador do Direito chega a determinado e específico conteúdo.

            Posto isso, e considerando que a proposta deste artigo é a hermenêutica constitucional de Alexy para a solução do caso proposto, passa-se a aplicá-la.

            Como visto, Alexy propõe que a norma jurídica se divide em regras e princípios. Havendo antinomia entre regras, uma delas fatalmente será retirada do ordenamento jurídico por incompatibilidade.

            Mas no que diz respeito aos princípios, quando estes se encontram em colisão, o que ocorre nos chamados hard cases, não há a exclusão do princípio do ordenamento, mas apenas o seu afastamento no caso concreto, ou sua restrição, buscando com base na ponderação, o caminho mais adequado à solução do problema apresentado.

            No caso em estudo, inegável a colisão entre dois princípios constitucionais, a dizer, o princípio da dignidade da pessoa humana, já colocado anteriormente no rol dos direitos fundamentais, e o princípio da liberdade de opinião, que passa-se a analisar.

            Trata-se da liberdade de o indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha; quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se crê verdadeiro.

            E para Pinto Ferreira:

            […] o Estado democrático defende o conteúdo essencial da manifestação da liberdade, que é assegurado tanto sob o aspecto positivo, ou seja, proteção da exteriorização da opinião, como sob o aspecto negativo, referente à proibição de censura.

            Deste modo, é um direito fundamental, garantido pela Constituição, a liberdade de pensamento e opinião.

            Porém, como já aferido anteriormente, e considerando a ponderação apregoada por Alexy, tem-se que os princípios Constitucionais não são absolutos, tendo em vista a possibilidade de ocorrerem colisões, como no caso em estudo realmente ocorreu.

            Pode-se ver esta utilização da ponderação, expressa pelo princípio da proporcionalidade, em excerto do voto do Ministro Gilmar Mendes, que transcreve-se:

            Assim, a colisão de direitos fundamentais há de ser solvida caso a caso, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade. Foi o que fiz no caso concreto, para concluir que, na hipótese dos autos, prevalece a posição do Estado no sentido de defender os fundamentos da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e do pluralismo políticos (art. 1º, V, CF), o princípio do repúdio ao terrorismo ao racismo que rege o Brasil nas suas relações internacionais (art. 4º, VIII) e a norma constitucional que estabelece ser o racismo um crime imprescritível (art. 5º, XLII).

            E do voto do Ministro Nelson Jobim se extrai:

            A questão, portanto, é esta: as opiniões que pretendem produzir o ódio racial contra judeus, contra negros, contra homossexuais, devem, ou não, ser tratadas de forma diferente daquelas opiniões que causam ordinariamente a ofensa ou a raiva? Por óbvio, o ódio racial causa lesão ao objetivo de uma política de igualdade, que é uma política democrática. A igualdade, portanto, é precondição para a democracia e o objetivo da liberdade de opinião. As opiniões consubstanciadas no preconceito e no ódio racial não visam contribuir para nenhum debate inerente à deliberações democráticas para o qual surge a liberdade de opinião. Não visam contribuir para nenhuma deliberação, não comunicam idéias que possam instruir o compromisso que preside a deliberação democrática. Os crimes de ódio não têm a intenção de transmitir ou receber comunicação alguma para qualquer tipo de deliberação, O objetivo seguramente é outro. Não está na base o compromisso do deliberar democrático. Quer, isto sim, impor condutas antiigualitárias de extermínio, de ódio e de linchamento; desconhecer o lócus da liberdade de expressão e seu objetivo no processo democrático leva ao desastre; a miopia do fundamentalismo histórico conduz ao absurdo. A liberdade de opinião na democracia é instrumental ao debate e à formação da vontade da maioria com respeito à minoria. A Constituição não legitima a tolerância com aqueles que querem a produção de condutas contrárias ao princípio da igualdade.

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            Ainda interessante destacar o voto do Ministro Marco Aurélio de Mello:

            A par de outros enfoques já apreciados nos votos dos ministros que me antecederam, o caso denota um profundo, complexo e delicado problema de Direito Constitucional, e daí paradigmático deste julgamento: estamos diante de um problema de o tom eficácia de direitos fundamentais e da melhor prática de ponderação dos valores, o que, por óbvio, força este Tribunal, guardião da Constituição, a enfrentar a questão da forma como se espera de uma Suprema Corte. Refiro-me ao intricado problema da colisão entre os princípios da liberdade de expressão e da proteção à dignidade do povo judeu. Há de definir-se se a melhor ponderação dos valores em jogo conduz à limitação da liberdade de expressão pela alegada prática de um discurso preconceituoso atentatório à dignidade de uma comunidade de pessoas ou se, ao contrário, deve prevalecer tal liberdade. Essa é a verdadeira questão constitucional que o caso revela.

            E prossegue:

            O princípio da liberdade de expressão, como os demais princípios que compõem o sistema dos direitos fundamentais não possui caráter absoluto. Ao contrário, encontra limites nos demais direitos fundamentais, o que pode ensejar uma colisão de princípios. Esta matéria é de extrema importância no direito constitucional e precisa ser analisada com muito cuidado. Contempla os mais variados aspectos, que devem ser estudados caso a caso mas, como afirma Robert Alexy têm um ponto em comum: todas as colisões somente podem ser superadas se algum tipo de restrição ou de sacrifício forem impostos a um ou aos dois lados. Enquanto o conflito de regras resolve-se na dimensão da validade, com esteio em critérios como "especialidade" — lei especial derroga geral —, "hierarquia" — lei superior revoga inferior — ou "anterioridade" — lei posterior revoga anterior —‘ o choque de princípios encontra solução na dimensão do valor, a partir do critério da "ponderação", que possibilita um meio—termo entre a vinculação e a flexibilidade dos direitos. que, no dizer do professor Paulo Bonavides, "As regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere se exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores fundamentais, governam a Constituição, o regímen, a ordem jurídica. Não são apenas leis, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência.’

            Deve-se, neste ponto, grifar que o Ministro Marco Aurélio votou pela procedência do habeas corpus, para reconhecer a prescrição, ante a inexistência do crime de racismo, considerando que na colisão dos dois princípios acima debatidos, deveria-se ter em prevalência o direito de opinião, não tendo lhe parecido haver dano à dignidade da pessoa humana do povo judeu.


6. Conclusão

            É importante grifar que o habeas corpus aqui analisado, em julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, foi indeferido por maioria de votos, tendo três ministros votados pela sua procedência.

            O estudo deste caso é importante, uma vez que nele é possível ver sendo utilizada a hermenêutica constitucional proposta por Alexy quando da ocorrência de conflito entre princípios, tanto no sentido da prevalência da dignidade da pessoa humana, quanto por outro lado, pela prevalência do direito de opinião.

            Por fim, no que diz respeito ao mérito do julgado, entendendo-se, como julgado pelo Supremo Tribunal Federal, ter realmente ocorrido o crime de racismo por parte do paciente do habeas corpus, considerado então imprescritível, e conduzido o princípio da dignidade da pessoa humana, neste caso, a uma posição superior do que a do direito de opinião, não retirando deste, entretanto, a sua importância constitucional.


7. Referências

            ALEXY. Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.

            BOHN, Claudia Fernanda Rivera. A teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. In DOBROWOLSKI, Sílvio. A constituição no mundo globalizado. Florianópolis: Diploma Legal: 2000.

            BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2001.

            CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. reimp., Coimbra: Almedina, 1998.

            CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2 ed. rev. e ampl., Curitiba: Juruá, 2003.

            FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1989.

            MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004.

            PECES-BARBAS, Gregório. Problemas generales. In Curso de Derechos Fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III, 1995.

            SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3 ed. rev., atual. e ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

            SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.

            TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2 ed. ver. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2003.


Notas

            2

PECES-BARBAS, Gregório. Problemas generales. In Curso de Derechos Fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III, 1995. p. 21.

            3

PECES-BARBAS, Gregório. Problemas generales. In Curso de Derechos Fundamentales: teoría general. Madrid: Universidad Carlos III, 1995. p. 36-37.

            4

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3 ed. rev., atual. e ampl., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 33-34.

            5

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 11 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2001.

            6

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.

            7

CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2 ed. rev. e ampl., Curitiba: Juruá, 2003.

            8

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 178.

            9

PECES-BARBAS, Gregório. Derechos fundamentales: teoría general. 2 ed. Madrid: Biblioteca Universitaria, 1976. p. 80.

            10

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 105.

            11

LUÑO, Perez. apud TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2 ed. ver. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2003. p. 406.

            12

MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2004. p. 52.

            13

ALEXY. Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 87.

            14

ALEXY. Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 86.

            15

BOHN, Claudia Fernanda Rivera. A teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. In DOBROWOLSKI, Sílvio. A constituição no mundo globalizado. Florianópolis: Diploma Legal: 2000. p. 140-141.

            16

BOHN, Claudia Fernanda Rivera. A teoria dos direitos fundamentais de Robert Alexy. In DOBROWOLSKI, Sílvio. A constituição no mundo globalizado. Florianópolis: Diploma Legal: 2000. p. 141.

            17

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 3 ed. reimp., Coimbra: Almedina, 1998. p. 1087-1088.

            18

Na expressão muito utilizado pelo jurista inglês Ronald Dworkin.

            19

STF, HC 82.424-2, Pleno, maioria, Rel. Min. Moreira Alves, j. 17.9.2003.

            20

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 224.

            21

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 224.

            22

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2 ed. ver. e ampl., São Paulo: Saraiva, 2003. p. 73.

            23

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 241.

            24

FERREIRA, Pinto. Comentários à constituição brasileira. v. 1. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 68.
Sobre o autor
Ricardo Emilio Zart

advogado em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZART, Ricardo Emilio. A dignidade da pessoa humana e o crime de racismo.: Uma visão casuística de hermenêutica constitucional com base em Robert Alexy. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1096, 2 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8591. Acesso em: 23 dez. 2024.

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