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Anotações sobre o recurso especial pela divergência jurisprudencial

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Agenda 27/07/2006 às 00:00

Sumário: 1. Introdução. 2. Fins do recurso especial pela divergência. 3. Acórdão recorrido e acórdão paradigma. 4. As súmulas 13 e 83 do STJ. 5. Recurso especial pela divergência e prequestionamento. 6. Comprovação da divergência. 7. Juízo de admissibilidade e juízo de mérito do recurso especial pela divergência. 8. Conclusão.


1. Introdução

A complexa estrutura do Poder Judiciário Nacional, que é dotada de diversos órgãos jurisdicionais [01] encarregados de aplicar o mesmo direito federal positivo às causas a eles submetidas, faz com que uma mesma lei seja interpretada de maneira diferente.

A ausência de um entendimento uniforme em torno da aplicação de uma mesma lei é causa de insegurança jurídica [02]. Como ensina o Ministro Athos Gusmão Carneiro [03], "a instabilidade na aplicação do direito é fator de indecisão, e conspira contra o progresso de uma comunidade". A exegese dada a uma lei por um órgão de jurisdição não deve ser diferente daquela dada por outro, tendo em vista que o sentido da lei é único, devendo, portanto, incidir de maneira unitária a casos semelhantes.

Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça – STJ exerce papel de grande importância quando unifica, por intermédio do recurso especial, entendimentos jurisprudenciais divergentes acerca de uma mesma lei (art. 105, III, "c", da Constituição Federal de 1988 – CF/88).

À vista do exposto, o presente estudo tem por finalidade analisar, sob a luz da mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça - STJ, os principais aspectos do recurso especial com amparo na alínea "c" do permissivo constitucional.


2. Fins do recurso especial pela divergência

Quando se interpõe um recurso de natureza extraordinária [04] deve a parte recorrente demonstrar a existência de uma questão federal controvertida, que é um dos pressupostos específicos de admissibilidade do recurso. No caso do recurso especial pela alínea "c", essa questão federal controvertida seria a existência de interpretações divergentes, dadas por tribunais diversos, acerca de um mesmo dispositivo de lei federal.

Sob essa ótica, é possível afirmar que a finalidade imediata do recurso especial pela divergência é a uniformização interpretativa acerca de um mesmo dispositivo de lei federal, tendo por escopo a preservação da ordem pública, no que diz respeito à manutenção da unidade do ordenamento jurídico, bem como a manutenção da segurança das relações jurídicas. Não se pode olvidar, destarte, que o recurso especial exerce função de cunho político, ao tornar único o sentido da lei.

A par da finalidade imediata acima mencionada, o recurso especial pela divergência também possui uma finalidade mediata. Este fim mediato gira em torno da preservação de interesses próprios do recorrente. Ora, como já mencionado, quando se interpõe o recurso especial pela divergência, deve a parte recorrente demonstrar a existência uma questão federal controvertida consistente na existência de divergência jurisprudencial acerca de um mesmo dispositivo legal, a fim de que tal divergência seja sanada pelo STJ. Porém, o recorrente, ao invocar a existência dessa questão federal controvertida, quer ver o seu direito subjetivo tutelado, mediante a não manutenção da interpretação constante do acórdão recorrido. Em outras palavras: mediante a interposição do recurso especial pela alínea "c" do permissivo constitucional, quer o recorrente, na verdade, ver o acórdão, contra si desfavorável, modificado e, para tanto, alega a existência de dissídio jurisprudencial acerca da matéria na qual sua causa está inserida.

Portanto, a finalidade imediata do recurso especial pela divergência é tornar única a interpretação a ser dada às leis federais infraconstitucionais. Da maneira mediata, visa tutelar interesses próprios dos litigantes, por meio da fixação da exegese que lhe seja mais conveniente.


3. Acórdão recorrido e acórdão paradigma

Há, nos recursos especiais fundados em dissídio jurisprudencial, a figura de dois acórdãos: o acórdão recorrido e o acórdão paradigma.

Recorrido é o acórdão que ensejará a interposição do recurso especial, ou seja, a decisão prolatada por Tribunal de Justiça ou por Tribunal Regional Federal que, desfavorável à parte recorrente, será atacada por recurso especial.

Acórdão paradigma é aquele que, sendo preexistente ao acórdão recorrido, com ele divergirá. Para que o recurso especial com fundamento em divergência jurisprudencial seja admitido/conhecido [05], o acórdão recorrido deve divergir do(s) acórdão(s) apresentado(s) como paradigma(a). Este, inclusive, pode ser do próprio STJ [06]. O que não se admite é a utilização de acórdão oriundo do STJ como recorrido, tendo em vista que somente podem ser objeto de impugnação via recurso especial acórdãos prolatados por Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal.

Acórdãos do Supremo Tribunal Federal - STF, que tratem de matéria constitucional, não se prestam à função de acórdão paradigma, para fins de comprovação de dissídio pretoriano, pois a finalidade precípua do recurso especial, pela alínea "c", é uniformizar a interpretação em torno de legislação federal infraconstitucional [07].

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No que diz respeito aos Tribunais de Alçada, importante salientar que os mesmos foram extintos pela Emenda Constitucional 45/2004. Porém, seus acórdãos permanecem válidos, razão pela qual podem vir a ser utilizados como paradigmas.


4. As súmulas 13 e 83 do STJ

Estabelece a súmula 13, do STJ, que "a divergência entre julgados do mesmo tribunal não enseja especial". Caso haja divergência entre decisões do mesmo tribunal, cabível será a apresentação de algum remédio interno (como, por exemplo, o incidente de uniformização de jurisprudência), a fim de pacificar o entendimento interna corporis. A própria Carta Republicana faz previsão de que a divergência deve ocorrer entre tribunais diversos (art. 105, III, "c").

Importante esclarecer que a vedação prevista na súmula 13, do STJ, é no sentido de que julgados de um mesmo Tribunal não podem ser objeto de divergência, para fins de interposição de recurso especial. Tal vedação não alcança, entretanto, julgados de Tribunais de um mesmo Estado. Destarte, é perfeitamente possível que haja divergência entre Tribunal de Justiça e Tribunal de Alçada de um mesmo Estado.

Com isso, as decisões divergentes podem ser: entre tribunais de justiça; entre tribunal de justiça e tribunal regional federal; entre tribunal de justiça e tribunal de alçada (inclusive do mesmo Estado); entre tribunal regional federal e tribunal de alçada; entre tribunais regionais federais; entre tribunal de justiça ou tribunal regional federal e o STJ, lembrando que, neste caso, a decisão do STJ somente poderá servir de paradigma; entre tribunal de justiça ou tribunal regional federal e o STF, desde que acórdão paradigma do STF não trate de matéria constitucional, obviamente [08].

A súmula 83, por sua vez, assim dispõe: "Não se conhece de recurso especial pela divergência quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida". Dessa forma, caso a decisão de TJ ou de TRF, que será hostilizada por recurso especial, esteja de acordo com o entendimento já firmado pelo STJ [09], o recurso não será admitido/conhecido. Para ilustrar, cite-se o seguinte exemplo: o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT entende, no julgamento de um recurso de apelação, que a antecipação do valor residual garantido não descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda. Porém, há decisões (paradigmas) no âmbito do Tribunal de Justiça de Goiás - TJGO, entendendo que a referida antecipação descaracteriza o contrato de leasing para compra e venda. A parte que sucumbiu no julgamento do recurso de apelação pelo TJDFT interpõe recurso especial alegando divergência entre o acórdão (recorrido) do TJDFT e acórdãos (paradigmas) do TJGO. Nesse caso, o recurso manejado não será conhecido, pois a decisão recorrida se afina à jurisprudência firmada pelo STJ, no sentido de que a antecipação do valor residual garantido não descaracteriza o contrato de leasing (súmula 293 do STJ). Caso, porém, a decisão recorrida fosse oriunda do TJGO, o recurso especial seria admissível, vez que a jurisprudência do STJ firmou-se em sentido contrário à decisão recorrida.


5. Recurso especial pela divergência e prequestionamento

Nem mesmo o recurso especial interposto com fulcro na alínea "c" não prescinde de prequestionamento [10], ou seja, o prequestionamento deve estar presente inclusive nos recursos fundados em divergência. O prequestionamento, nesses casos, consiste na manifestação, pela instância a quo, sobre a matéria objeto de divergência. Isso vale tanto para a decisão recorrida, quanto para a decisão paradigma. Assim, se o acórdão recorrido apreciou a matéria dita divergente, mas o acórdão paradigma não se manifestou sobre a matéria objeto da divergência, não houve o necessário prequestionamento. A exigência do prequestionamento, nesses casos, é necessária inclusive para se verificar a similitude fática entre os acórdãos recorrido e paradigma.


6. Comprovação da Divergência

Questão de suma importância, no caso de interposição de recurso especial pela alínea "c", diz respeito à comprovação da divergência. Muitos recursos especiais deixam de ser conhecidos, ou até mesmo admitidos na origem, devido à ausência de comprovação da divergência nos moldes legais e regimentais. Portanto, é perfeitamente possível dizer que a comprovação da divergência, como manda a lei e o Regimento Interno do STJ – RISTJ é requisito específico de admissibilidade do recurso especial fundado na alínea "c".

O parágrafo único do art. 541 do CPC e os §§ 1º, 2º e 3º do art. 255 do RISTJ traçam o modo pelo qual se comprova a divergência jurisprudencial.

Assim dispõe o parágrafo único do art. 541 do CPC:

" Art. 541 (omissis).

Parágrafo único. Quando o recurso fundar-se em dissídio jurisprudencial, o recorrente fará a prova da divergência mediante certidão, cópia autenticada ou pela citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, em que tiver sido publicada a decisão divergente, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados."

Os §§ 1°, 2° e 3° do art. 255 do RISTJ trazem os seguintes enunciados:

"Art. 255 (omissis).

§ 1°. A comprovação da divergência, nos casos de recursos fundados na alínea c do inciso III do art. 105 da Constituição, será feita:

a) por certidões ou cópias autenticadas dos acórdãos apontados divergentes, permitida a declaração de autenticidade do próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal;

b) pela citação de repositório oficial, autorizado ou credenciado, em que os mesmos se achem publicados.

§ 2°. Em qualquer caso, o recorrente deverá transcrever os trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.

§ 3°. São repositórios oficiais de jurisprudência, para o fim do §1°, b, deste artigo, a Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça e a Revista do Tribunal Federal de Recursos, e, autorizados ou credenciados, os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único deste Regimento."

Primeiramente, devem ser juntadas as certidões ou as cópias autenticadas dos acórdãos divergentes. As cópias dos acordados divergentes devem ser juntadas na íntegra, ou seja, em seu inteiro teor, sob pena de não conhecimento do recurso. Neste caso específico, é permitida a declaração de autenticidade dos acórdãos pelo próprio advogado, sob sua responsabilidade pessoal. Tal permissão facilita a vida dos causídicos, tendo em vista a desnecessidade de se dirigir ao Tribunal respectivo a fim de autenticar os acórdãos divergentes (recorrido e paradigma). É possível, inclusive, imprimir o inteiro teor do acórdão no site do respectivo tribunal e, logo em seguida, autenticá-lo pelos próprios punhos. No caso do STJ, os acórdãos que constarem na Revista Eletrônica de Jurisprudência dispensam a autenticação, pois já são digitalmente certificados. Porém, aqueles publicados em data anterior à instituição da Revista Eletrônica [11] necessitam de autenticação, o que pode ser feito pelo próprio advogado.

Pode ser feita a comprovação, ainda, pela citação do repositório de jurisprudência em que os mesmos se achem publicados. O próprio RISTJ já elenca quais são os repositórios oficiais: Revista Trimestral de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a Revista do Superior Tribunal de Justiça [12] e a Revista do Tribunal Federal de Recursos. Se o acórdão paradigma for do STJ, dispensa-se a citação do repositório onde foi publicado [13]. São repositórios autorizados ou credenciados os habilitados na forma do art. 134 e seu parágrafo único do RISTJ [14].

Por fim, convém dizer que o Diário da Justiça da União – DJU não é repositório de jurisprudência oficial, autorizado ou credenciado, conforme reiteradamente se tem decidido [15], salvo se houver publicado o inteiro teor do acórdão [16].

Deve o recorrente, em qualquer caso, transcrever trechos dos acórdãos que configurem o dissídio, mencionando as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados. Não basta a simples transcrição das ementas [17]. Deve o recorrente cotejar, de forma analítica, os acórdãos divergentes, a fim de que seja demonstrada a similitude fática dos casos confrontados. Caso não seja comprovada essa semelhança, o recurso não será conhecido [18]. Ora, seria de todo absurdo, sob o ponto de vista lógico, admitir divergência jurisprudencial entre casos que não guardam, entre si, a mínima relação de semelhança.

Porém, a Corte Especial do STJ já firmou orientação no sentido de que, em caso de dissídio notório, as exigências formais, em relação à comprovação da divergência, podem ser mitigadas [19].

A comprovação da divergência nas estritas prescrições legais e regimentais é, sem sombra de dúvida, o maior óbice à admissão e ao conhecimento do recurso especial pela divergência. Os julgadores, por menor que seja a falha, deixarão de conhecer do recurso, e a jurisprudência do STJ ratifica tal assertiva.


7. Juízo de admissibilidade e juízo mérito do recurso especial pela divergência

O juízo de admissibilidade do recurso especial será exercido, provisoriamente, pelo Tribunal que proferiu a decisão recorrida, ocasião em que serão analisados todos os pressupostos de admissibilidade recursal, gerais e específicos. A decisão do Tribunal a quo, que admite o recurso, não vincula o STJ quando do exercício do juízo de admissibilidade definitivo, sendo, perfeitamente possível que o recurso não seja conhecido, no STJ, embora admitido na origem.

Caso o Tribunal a quo não admita o recurso, por entender ausente algum ou alguns do pressupostos gerais ou específicos de admissibilidade, caberá agravo, para o STJ, no prazo de 10 (dez) dias, com fundamento no art. 544 do CPC [20].

Sendo o recurso especial admitido pela instância a quo ou destrancado por força de agravo provido, será remetido ao STJ, via postal, ocasião em que se fará nova análise de admissibilidade, a fim de que o recurso seja conhecido ou não. O reconhecimento ou não da divergência diz respeito, ainda, à admissibilidade do recurso, e não ao seu mérito.

Porém, uma vez reconhecida a divergência e presentes os demais pressupostos recursais, o mérito recursal será analisado. O mérito do recurso especial interposto com fundamento na alínea "c" está relacionado à análise da divergência entre os acórdãos recorridos e paradigmas, análise esta cujo fim é unificar os entendimentos divergentes. Assim, será dado provimento ao recurso caso, reconhecida a divergência, o tribunal fixe o entendimento constante no acórdão paradigma; será negado provimento ao recurso, porém, quando o tribunal fixar a tese constante no acórdão recorrido. Dando ou negando provimento ao recurso, o mérito foi analisado, tendo em vista que os entendimentos divergentes restaram unificados.

Sobre o autor
Roberto da Silva Freitas

Juiz de Direito Substituto do TJDFT

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Roberto Silva. Anotações sobre o recurso especial pela divergência jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1121, 27 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8682. Acesso em: 23 dez. 2024.

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