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Da aplicabilidade do direito de arrependimento nos contratos eletrônicos de passagens aéreas

Resumo: O presente artigo tem por escopo analisar a aplicação do direito de arrependimento previsto no Código de Defesa do Consumidor às compras de passagens aéreas realizadas via ecommerce, isto é, aquelas que foram adquiridas pela internet ou por telefone. Sendo assim, o procedimento comparativo se faz necessário como metodologia a ser utilizada ao longo deste estudo, haja vista que se pretende realizar, de forma sucinta, um estudo comparativo entre as normas que versam a respeito do direito de arrependimento, levando em consideração especialmente as compras de passagens aéreas realizadas pelos referidos meios, bem como os métodos de abordagem dedutiva e bibliográfica, alicerçada na análise da doutrina, artigos e jurisprudências referentes ao caso. Igualmente, será abordado ao longo do presente estudo o aparente conflito entre a Resolução n. 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil e a o Código de Defesa do Consumidor, examinando o alcance do direito de arrependimento aplicado ao tema proposto e suas respectivas consequências, bem como abordar a boa-fé e o seu papel essencial no direito consumerista.

Palavras-chave: Direito do Consumidor. Direito de arrependimento. Comércio eletrônico. Passagens aéreas. Contrato.

Abstract: The purpose of this article is to analyze the application of the right of regret provided for in the Consumer Protection Code to the purchase of airline tickets made via e-commerce, that is, those that were purchased over the internet or by telephone. Therefore, the comparative procedure is necessary as a methodology to be used throughout this study, considering that it is intended to carry out, in a succinct way, a comparative study between the rules that deal with the right of regret, taking especially into account the purchases of airline tickets made by the aforementioned means, as well as the deductive and bibliographic approach methods, based on the analysis of the doctrine, articles and jurisprudence referring to the case. Likewise, the apparent conflict between Resolution no. 400/2016 of the National Civil Aviation Agency and the Consumer Protection Code, examining the scope of the right of regret applied to the proposed theme and its respective consequences, as well as addressing good faith and its essential role in consumer law.

Keywords: Consumer Law. Right of repentance. Electronic commerce. Airline tickets. Contract. 

1INTRODUÇÃO

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é um microssistema jurídico multidisciplinar, instituído por meio da Lei n. 8.078/1990, dotado de princípios e valores próprios, com o objetivo de regulamentar as relações de consumo, protegendo o consumidor, sendo este o mais vulnerável da relação em eventuais práticas abusivas e ilícitas cometidas no mercado.

Apesar de conter normas e regras gerais que regulam e disciplinam as relações de consumo, com o passar do tempo e o avanço das tecnologias, o mercado de consumo sofre uma grande e expressiva revolução, principalmente através da implementação da internet, permitindo que as transações negociais sejam feitas por este meio. Os empreendedores passaram a usar a internet como ferramenta de impulso para seus negócios, pois através dela é possível comercializar produtos fora dos estabelecimentos físicos, praticidade que tem atraído cada vez mais consumidores em busca do conforto e da economia das compras online.

Todavia, diante desse cenário de inúmeras possibilidades, o consumidor ainda é a parte mais vulnerável e hipossuficiente da relação de consumo e necessita da proteção contratual para que se evitem quaisquer danos, e que estes, caso ocorram, sejam reparados. Para isso, acima de tudo, é necessário que o fornecedor cumpra as normas e regras dispostas no CDC e demais leis que regem a relação de consumo.

Embora a internet seja uma ferramenta facilitadora nas relações de consumo, ela também traz uma falsa segurança, já que possibilita práticas abusivas por parte dos fornecedores, cada vez mais corriqueiras. Diante do desrespeito às normas consumeristas e a má prestação de serviço, o presente trabalho busca analisar os contratos realizados de forma online, especificamente aqueles que surgem através da compra de passagem aérea via e-commerce.

O direito de arrependimento, previsto no art. 49º do CDC, garante ao consumidor o direito facultativo de desistir da compra de produtos e serviços, sem ônus, no prazo de 7 dias quando a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, período que deve ser contado a partir da assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço. Este dispositivo gera constante conflito com a Resolução n. 400/2016 da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que estabelece prazo diferenciado ao direito de arrependimento.

Atualmente, há inúmeras decisões judiciais conflitantes envolvendo a aplicabilidade do direito de arrependimento às compras de passagens aéreas, quando realizadas através da internet, resultantes, pois, de interpretações distintas das normas supracitadas. Este assunto é de extrema importância, tendo em vista que a prática das relações de consumo online tendem a ser cada vez mais habituais na sociedade moderna.

Serão abordados, ao longo do presente artigo, aspectos gerais sobre a relação de consumo, em especial o direito do consumidor, as partes e objetos da relação consumerista. Também será analisado, em especial, o instituto do direito de arrependimento previsto no CDC e a Resolução n. 400/2016 da ANAC, sua abrangência e aplicabilidade. Posteriormente serão abordados os aspectos das relações de consumo nas compras de passagens aéreas e a aplicabilidade do direito de arrependimento e os conflitos inerentes ao tema, considerando as duas hipóteses, as peculiaridades do contrato e suas consequências.

2DA RELAÇÃO DE CONSUMO

A relação de consumo se dá através de um negócio jurídico celebrado segundo as normas do CDC. Apesar de não haver definição expressa da relação de consumo, neste dispositivo estão elencados os elementos que compõem a relação jurídica, quais sejam, o consumidor, o fornecedor e o produto ou serviço. Portanto, são características e requisitos para que haja a relação de consumo: um consumidor, um fornecedor e um produto fornecido ou serviço prestado por este, todos definidos nos arts. 2º e 3º do referido documento.

2.1Consumidor

O consumidor é um dos elementos objetivos da relação de consumo, assim como o fornecedor.  Ainda que todas compatíveis entre si, O CDC apresenta definições distintas sobre o que vem a ser esta parte da relação consumerista. Porém, o conceito padrão está disposto no caput do art. 2º, segundo o qual o sujeito consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire produto ou utiliza serviço como destinatário final, ou seja, que adquire o produto ou serviço para consumo próprio ou familiar.

Os demais conceitos estabelecidos pela Lei n. 8.078/1990 se referem aos chamados consumidores por equiparação, quais sejam, a coletividade de pessoas, estabelecida também no art. 2º; as vítimas de um acidente de consumo, descritas no art. 17º; e todas as pessoas expostas às práticas comerciais, previstas no art. 29º. Logo, não é necessário que o sujeito tenha adquirido o produto ou serviço. Isso por que aqueles que apenas o utilizaram, mesmo não tendo adquirido junto ao fornecedor, também são considerados consumidores.

No âmbito das relações de consumo online, aquelas efetivadas por meio da internet, o mesmo conceito se aplica. Entretanto, na compra e venda de passagens áreas em particular, o consumidor será tido como o passageiro (usuário); o fornecedor como as transportadoras áreas e, em alguns casos, as empresas intermediárias; e o produto ou serviço como as passagens aéreas na forma, por exemplo, de bilhetes eletrônicos ou e-tickets.

2.2Fornecedor

O conceito de fornecedor está disposto no art. 3º do CDC, e consiste em toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, pública ou privada, assim como os entes despersonalizados que colocam produto ou serviço no mercado de consumo com habitualidade. O termo é definido de forma ampla e genérica, não havendo distinção quanto à natureza da atividade exercida ou à personalidade jurídica.

Se faz necessário atentar para a característica da habitualidade, pois, aquele que fornece ou presta serviço de forma eventual não é considerado fornecedor. Ademais, todos aqueles considerados fornecedores serão responsabilizados solidariamente pelos danos e defeitos decorrentes dos produtos ou serviços oferecidos por eles, conforme dispõe o art. 12º da Lei n. 8.078/1990, a menos que provem o contrário. Dentro das relações consumeristas online, especificamente na comercialização de passagens aéreas via e-commerce, são tidos como fornecedoras as transportadoras áreas e as empresas intermediárias.

2.3Produto e serviço

De acordo com a redação do art. 3º do CDC,

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. 

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (BRASIL, 1990)

Sendo assim, pode ser considerado como produto qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial, sendo exemplificados os bens móveis como carros, motos e sofás; os imóveis como apartamentos, casas e terrenos; os bens materiais, denominados corpóreos, que tem existência física; além dos imateriais, aqueles que são incorpóreos, ou seja, abstratos que não possuem existência física, como por exemplo, direitos autorais, vida, crédito, etc.

Por sua vez, serviço é um conceito que abrange qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, incluindo aquelas de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, exceto as decorrentes de relações de caráter trabalhista e os serviços gratuitos. Os serviços gratuitos, somente serão excluídos caso forem puramente ou inteiramente gratuitos. Havendo remuneração mesmo que indireta – caso dos serviços aparentemente gratuitos – se faz necessária a incidência das regras previstas no CDC.

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2.4Boa-fé objetiva e subjetiva

Entre os princípios gerais e norteadores do CDC está aquele que trata da boa-fé, dividida em subjetiva e objetiva. A primeira se refere a crenças individuais, conhecimentos e desconhecimentos, convicções internas. Consiste basicamente no desconhecimento de situações adversas, como por exemplo, comprar algo de quem não é o legitimo dono sem ter conhecimento desse fato. Por sua vez, a boa-fé objetiva trata de fatos sólidos na conduta das partes, que devem agir com honestidade, correspondendo a confiança depositada pela outra parte.

O princípio da boa-fé tem o objetivo de impor às partes, durante a execução dos contratos, uma atuação pautada nos deveres da honestidade, lealdade e informação, conforme estabelece o art.422º do Código Civil (Lei n. 10.406/2002) e o art. 4º do CDC. Para Rizzatto Nunes,

[...] a boa-fé subjetiva admite sua oposta: a má-fé subjetiva. Vale dizer, é possível verificar-se determinadas situações em que a pessoa age de modo subjetivamente mal intencionada, exatamente visando iludir a outra parte que, com ela, se relaciona. Fala-se, assim, em má-fé no sentido subjetivo ou o dolo de violar o direito da outra pessoa envolvida.

[...] Mas com a boa-fé objetiva é diferente: ela independe de constatação ou apuração do aspecto subjetivo (ignorância ou intenção), vez que erigida à verdadeira fórmula de conduta é capaz de, por si só, apontar o caminho para solução da pendência. A boa-fé objetiva funciona, então, como um modelo, um standard, que não depende de forma alguma da verificação da má-fé subjetiva dos contratantes. (NUNES, 2011)

Portanto, deve-se observar o princípio da boa-fé antes, durante e depois de qualquer negócio. Assim sendo, e partindo do pressuposto que a relação entre as partes seguiu dentro de um parâmetro de equilíbrio, é possível dizer que foi estabelecida uma relação econômica saudável do contrato, o que configura uma relação jurídica harmoniosa.

3INSTITUTO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO

As relações de consumo estão presentes no cotidiano e fazem parte da realidade de cada um. Porém, na maioria das vezes, ao adquirir um produto o consumidor não busca se informar sobre os direitos e deveres que estão envolvidos naquela determinada compra. Essas informações são básicas e essenciais para que se evitem eventuais prejuízos a ambas as partes.

Um dos principais direitos que está por trás da relação de consumo é o direito de arrependimento. Por ser algo automático e a maioria das pessoas exercerem esse direito nas mais variadas relações de consumo, criou-se um conceito generalizado e falho do direito de arrependimento, atribuindo-o a situações em que devem ser consideradas certas particularidades.

O direito de arrependimento tem diversas variações e não pode ser aplicado em todos os casos. Também conhecido como prazo de reflexão, confere ao consumidor, ou àquele legalmente equiparado, a faculdade de “desistir” do contrato firmado com o fornecedor e voltar atrás na vontade exprimida no momento da celebração da relação jurídica.

O fundamento desse direito se baseia na ideia de que, ao adquirir um produto ou serviço fora do estabelecimento comercial, o consumidor ficaria mais vulnerável diante da relação de consumo firmada com o fornecedor. No direito de arrependimento, o contrato de compra e venda é perfeito e acabado, tendo todos os seus efeitos produzidos a partir da sua celebração, ou seja, até que o consumidor decida exercer o direito de arrependimento, o contrato está consumado.

Sérgio Cavalieri Filho descreve o direito de arrependimento como “um direito potestativo do consumidor, que pode ser manifestado sem qualquer justificativa, ao qual o fornecedor está submisso” (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 160). Portanto, a natureza jurídica do direito de arrependimento é um direito formativo extintivo traduzido do direito potestativo, que pode ser exercido por ato unilateral do titular, ou seja, corresponde não a um dever, mas a um estado de sujeição da parte que declara sua vontade unilateral ao interessado.

3.1Direito de arrependimento no CDC

O CDC tem por objetivo estabelecer e manter a harmonia das relações consumeristas de modo geral, priorizando sempre o consumidor, que, conforme mencionado anteriormente, é a parte hipossuficiente da relação. No caso em comento, o direito de arrependimento, segundo Raul Vallejos, “surge como uma peculiaridade da negociação virtual” (VALLEJOS, 2017),que busca resguardar o consumidor de possíveis propagandas enganosas, bem como de informações indeterminadas sobre produtos e, conforme supramencionado, das compras realizadas virtualmente. Conforme redação do CDC,

Art. 49º. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados. (BRASIL, 1990)

Portanto, o direito de arrependimento é o prazo de 7 dias concedido ao consumidor para que ele verifique se é seu desejo ficar ou não com o produto adquirido, para que certifique se o produto está ou não de acordo com as especificações informadas pelo fornecedor ou, se assim desejar, desista da compra sem qualquer motivo. O consumidor não tem obrigação de esclarecer o motivo da sua desistência, caso não seja de seu interesse informá-lo.

Ao exercer o direito de arrependimento, a lei assegura ao consumidor a devolução da quantia eventualmente paga, corrigida monetariamente. Contudo, o fornecer não goza do mesmo benefício, já que as despesas com frete, postagem e outros encargos não lhe são restituídos, em virtude da teoria do risco do negócio.

Segundo o art. 49º do CDC, o direito de arrependimento se aplica apenas às relações celebradas fora do estabelecimento comercial, ou seja, fora do estabelecimento físico. Portanto, se faz necessário discernir uma relação de consumo virtual, a fim de que seja a ela aplicada a legislação adequada.

3.2Direito de arrependimento no contrato eletrônico

A internet faz parte da vida de um número cada vez maior de pessoas, devido à facilidade e comodidade que traz ao dia-a-dia, o que desperta o interesse de juristas estudiosos destes reflexos nas relações sociais e jurídicas, até novas questões que decorrentes diretamente desta inovação tecnológica, como o contrato eletrônico, por exemplo. Segundo Fábio Ulhôa Coelho (2012), tal modalidade contratual surgiu de forma revolucionária, fazendo com que uma troca de dados instantânea por intermédio da internet se torne um meio de representação das vontades, por mais distantes que estejam entre si.

Portanto, de acordo com Cunha “contrato é o acordo de vontades, celebrado ou executado por via eletrônica, que visa constituir, modificar, conservar ou extinguir direitos, obrigando os respectivos acordantes.” (CUNHA, 2002, p. 68). Se tratando de um contrato em que as partes acordam virtualmente sobre o objeto contratual, este se torna passível do direito de arrependimento elencado no art. 49º do CDC, que se aplica apenas às relações celebradas fora do estabelecimento comercial, caso dos contratos eletrônicos ou virtuais.

4DA APLICAÇÃO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO NAS COMPRAS DE PASSAGENS DE TRANSPORTE AÉREO VIA INTERNET 

O CDC apresenta, no art. 49º, norma que concede ao consumidor o direito de se arrepender nos contratos firmados fora do estabelecimento físico comercial, ou seja, sempre que o consumidor adquirir um produto ou serviço, independentemente da forma que foi adquirido, desde que seja fora do estabelecimento comercial, cabe o exercício do direito de arrependimento, que pode ser reivindicado em até 7 dias contados da data do recebimento do produto ou assinatura do contrato.

Apesar da lei não especificar se se tratam de dias úteis ou corridos, o Programa de Proteção e Defesa do Consumidor (PROCON) sustenta a ideia de que sejam considerados dias corridos. Já os valores eventualmente pagos a qualquer título, durante o prazo de reflexão, deverão ser devolvidos monetariamente atualizados de imediato. Conforme orientação do órgão, ao exercer o direito de arrependimento é importante que o consumidor formalize a decisão como forma de resguardo dos próprios direitos. 

O exercício do direito de arrependimento é incondicionado, pois depende exclusivamente da manifestação de vontade do consumidor, não sendo exigidas quaisquer justificativas que o levaram a se arrepender. O art. 49º do CDC abrange todas contratações efetivadas por telefone, internet, correspondência ou qualquer outro meio eletrônico. Portanto conclui-se que também se aplica às compras de passagens aéreas via internet.

Por meio da Lei n. 11.182/2005, a ANAC foi criada para regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária no Brasil. A entidade tem natureza jurídica de agência reguladora, ou seja, é uma autarquia federal especial, dotada de prerrogativas próprias, com poder de polícia, e caracterizada por sua desvinculação em relação ao poder público e também aos particulares. Assim sendo, detêm autonomia e independência administrativa e financeira, não respeita subordinação hierárquica e conta com mandato fixo de seus dirigentes.

De acordo com o entendimento da Agência, o art. 49º do CDC não compreende o comércio eletrônico, em especial as compras de passagens aéreas. Fato é que a política do direito de arrependimento varia entre as empresas de aviação aérea civil brasileiras, já que cada uma tem contrato, tarifa e cláusulas particulares.

A possibilidade de desistência dentro das primeiras 24 horas após a compra, ou dentro do dia-calendário, ou seja, até as 23horas e 59 minutos do dia em que foi realizada a compra, já era prática comum, entre algumas empresas aéreas, como a Gol Linhas Aéreas e a antiga TAM. Contudo, em março de 2017 entrou em vigor a Resolução n. 400/2016 da ANAC, que dispõe sobre as novas Condições Gerais de Transporte Aéreo (CGTA).

A resolução traz uma série de orientações para o cumprimento dos direitos e obrigações das empresas responsáveis pelo transporte aéreo de passageiros, assim como daqueles que contratam o serviço por elas prestado. Dentre as inovações, o documento prevê a expressa possibilidade de o consumidor desistir da compra de passagens aéreas, sem custo, desde que o faça no prazo de até 24horas a contar do recebimento do seu comprovante.

Ademais, a redação impõe o requisito de que o consumidor pode desistir desde que a compra tenha sido realizada com antecedência mínima de 7dias a partir da data de embarque.

Art. 11º. O usuário poderá desistir da passagem aérea adquirida, sem qualquer ônus, desde que o faça no prazo de até 24 (vinte e quatro) horas, a contar do recebimento do seu comprovante.

Parágrafo único. A regra descrita no caput deste artigo somente se aplica às compras feitas com antecedência igual ou superior a 7 (sete) dias em relação à data de embarque. (BRASIL, 2016)

Em linhas gerais, o prazo de reflexão determinado no art. 49º do CDC foi reduzido para 24 horas, com a condição de que a passagem tenha sido adquirida no mínimo 7 dias antes do vôo, condicionante inexistente CDC.

A discussão acerca de qual entendimento deve ser adotado ainda é pertinente, apesar de existir decisões em ambos os sentidos, tendo em vista que Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não manifestou a esse respeito. Nos tribunais de segunda instância e nos colégios recursais, por sua vez, o entendimento majoritário é no sentido de que o art. 49º do CDC se aplica às compras de passagens aéreas pela internet.

DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO NACIONAL.

                                                   COMPRA      DA      PASSAGEM      POR     INTERNET.      DIREITO     DE

ARREPENDIMENTO. RESTITUIÇÃO DO VALOR. 1 - Na forma do art. 46 da Lei 9.099/1995, a ementa serve de acórdão. Recurso próprio, regular e tempestivo. Pretensão indenizatória por danos materiais e morais em razão da cobrança de multa após o pedido de cancelamento da compra de passagem aérea realizada pela internet. Recurso inominado da parte ré visando a improcedência do pedido, sob o argumento de que não houve pratica de conduta ilícita. 2 - Transporte aéreo. Compra da passagem por internet. Pedido de cancelamento. O autor comprou três passagens de ida e volta do Rio de Janeiro para Brasília, no valor de 6.000 milhas cada trecho, totalizando 36.000 milhas. Contudo, sua família reside em Brasília e o comprador inverteu as cidades. Por isso, solicitou o cancelamento no dia 18 de fevereiro de 2018 e, neste momento, foi debitado de sua conta o valor de R$ 1.140,00 (ID n. 5853786 - Pág. 2). 3 - Direito de arrependimento. Restituição do valor. A faculdade de desistir das compras fora do estabelecimento do fornecedor, prevista no art. 49 do CDC, aplica-se aos contratos de transporte aéreo concluídos por meio da internet. Ademais, o exercício do direito de arrependimento, por constituir faculdade do consumidor não o sujeita a aplicação de multa. Precedentes na 1ª. Turma (20080111250468ACJ, Relator: WILDE MARIA SILVA JUSTINIANO RIBEIRO, 1ª Turma Recursal). A compra foi realizada em 11/02/2018 e o pedido de cancelamento da compra ocorreu em 18/02/2018 (ID n. 5853784 e 5853786). Assim, considerando que o pedido de cancelamento ocorreu dentro do prazo estabelecido no art. 49 do CDC, cabível a restituição do valor debitado. Sentença que se confirma por seus próprios fundamentos. 4 - Recurso conhecido, mas não provido. Custas processuais pelo recorrente vencido. Sem honorários advocatícios ante a ausência de contrarrazões.

                                                  (DISTRITO      FEDERAL,      RI       0707518-41.2018.8.07.0020/DF0707518-

41.2018.8.07.0020, 2018)

São poucas as decisões em que o CDC não é aplicado. Vejamos um exemplo:

Compra de passagem aérea pela internet. Direito de arrependimento. Informação sobre a política de preços. 1 - Assiste ao consumidor o direito de arrependimento, no prazo de sete dias, a contar da assinatura do contrato ou do recebimento do produto ou serviço sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial (art. 49, CDC). 2 – Essa proteção não ampara a compra de passagem aérea pela internet, por se tratar de contrato de transporte, regulamentado por normas especiais, sobretudo porque todas as informações referentes ao serviço são disponibilizadas ao consumidor, em especial, a política de preços relativa à passagem que será adquirida, que prevê regras para cancelamento e reembolso de valores pagos em caso de desistência. 3 – Embargos infringentes não providos.

(DISTRITO FEDERAL, EIC 20120110360896, 2014)

Existe, portanto, uma antinomia entre o art. 49º do CDC e a Resolução n. 400/2016 da ANAC. A partir disso, a questão a ser discutida é: qual norma deveria ter aplicação nas compras de passagens aéreas pela internet?

O CDC é uma lei principiológica, instituído por meio de um princípio constitucional previsto no art. 5º da Constituição da República, segundo o qual “o

Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (BRASIL, 1988). Portanto, é um documento que se sobrepõe hierarquicamente às outras leis federais. É uma lei de ordem pública e possui interesse social, devendo ser aplicado, de ofício, pelo magistrado, de forma que toda a legislação que venha a regular as relações de consumo devem se enquadrar aos preceitos ali estabelecidos. Portanto, alcança todas as relações contratuais e extracontratuais consumeristas, inclusive aquelas reguladas por normas específicas, como é o caso do transporte aéreo. 

A sobreposição do CDC, juntamente com o critério hierárquico, proporciona o entendimento de que este documento abrange também as compras de passagens aéreas pela internet. Isso porque o art. 11º da Resolução n. 400/2016 trata de forma genérica a aquisição de passagens aéreas, diferentemente do art. 49º do CDC, que trata de forma específica as compras realizadas fora do estabelecimento comercial.  Ou seja, o consumidor tem o prazo de 7 dias para exercer o direito de arrependimento, sem custas, da passagem aérea, contando do ato da compra se for adquirida fora do estabelecimento comercial, em conformidade ao art. 49º do CDC. Caso a compra seja realizada no estabelecimento comercial físico da companhia aérea, aplicar-se-á o art. 11º da Resolução n. 400/2016 da ANAC.

Entretanto, se for reconhecida a boa intenção da ANAC, não se pode afirmar que a solução observada pelo CDC para esse tipo de contrato, em especial, seja a adequada. As particularidades do serviço e contrato de transporte aéreo requerem uma regulamentação específica do direito de arrependimento, desde que em conformidade ao princípio da harmonização elencado no art. 4º do CDC.

O direito de arrependimento previsto no CDC, de 7 dias a partir da data da compra, é incompatível, por exemplo, na hipótese em que a aquisição da passagem ou o direito de arrependimento foi realizado com um dia de antecedência da data marcada para a viagem, pois ao aplicar a regra protetiva do consumidor prevista no art. 49º do CDC, estaria conferindo a ele vantagem desproporcional.

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:   

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; [...]  (BRASIL, 1990)

Vale ressaltar que o Projeto de Lei n. 281/2012 tem por escopo realizar algumas alterações no CDC, sobretudo art. 49º, trazendo uma regra específica para as compras de passagens aéreas. De acordo com a referida proposta, 

Art. 49º-A. Sem prejuízo do direito de rescisão do contrato de transporte aéreo antes de iniciada a viagem, nos termos do art. 740, § 3º, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), o exercício do direito de arrependimento do consumidor de passagens aéreas poderá ter seu prazo diferenciado, em virtude das peculiaridades do contrato, por norma fundamentada das agências reguladoras.

Parágrafo único. A regulamentação prevista no caput deverá ser realizada no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias após a entrada em vigor desta Lei. (SARNEY, 2012)

A adição do art. 49º-A, pretendida pelo referido projeto de lei parece ser adequada, levando em consideração o constante desenvolvimento das relações sociais em meio virtual. Entretanto, não se mostra pertinente a delegação da regulamentação do direito de arrependimento para as agências reguladoras, haja vista que sendo a referida delegação, legítima, mais apropriado seria se o próprio CDC trouxesse em seu texto a regra especial, gerando mais segurança jurídica e evitando que outras agências reguladoras se sentissem motivadas a regulamentar de forma especial o direito de arrependimento em outros tipos de serviços.

5CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo foram abordados aspectos gerais da relação de consumo, tais como o direito do consumidor, as partes e objetos da relação consumerista, e, em especial, o instituto do direito de arrependimento no CDC, assim como e a Resolução n. 400/2016 da ANAC, sua abrangência e aplicabilidade, bem como os aspectos das relações de consumo nas compras aéreas, e a aplicabilidade do direito de arrependimento, averiguando os conflitos inerentes ao tema.

O principal aspecto abordado tratou do constante conflito entre o art. 49º do

CDC e a Resolução n. 400/2016 da ANAC, já que ambos versam sobre o instituto do arrependimento, sobretudo nos contratos eletrônicos de passagens aéreas. O primeiro confere ao consumidor o direito facultativo de desistir da compra de produtos e serviços, sem ônus, dentro do prazo de 7dias, quando esta contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, a contar da assinatura do contrato ou do ato de recebimento do produto ou serviço. Por sua vez, o segundo dispositivo estabelece prazo diferenciado ao exercício do direito de arrependimento nas compras de passagens aéreas, sendo de 24 horas a contar do recebimento do seu comprovante, desde que tenha sido feita com antecedência igual ou superior a 7 dias em relação à data de embarque.

O CDC, criado em 1990 com o objetivo de garantir, resguardar e defender os direitos do consumidor, conforme assegurado no art. 170º da Constituição da República, entende o consumidor como parte vulnerável e hipossuficiente nas relações consumeristas. Apesar desta preocupação ser verdadeira, o avanço da tecnologia e o consequente crescimento das vendas fora dos estabelecimentos comerciais físicos, como aquelas feitas pela internet, faz com que a vulnerabilidade e a hipossuficiência não sejam mais presumidas e generalizadas.

Assim como os contratos tradicionais, os eletrônicos também devem seguir os regimentos do Código Civil, com relação ao agente, objeto e a forma. Na relação consumerista deve haver harmonia entre os interesses das partes, com a boa-fé objetiva e subjetiva em conjunto, que devem ser observadas tanto pelos fornecedores quanto consumidores.

As compras realizadas fora do estabelecimento comercial, à época da criação do CDC, consistiam em compras através de catálogo, telefone e “porta em porta”. Essas modalidades faziam do consumidor um alvo vulnerável do fornecedor, que com marketing agressivo, o instigava a adquirir produtos por impulso. Daí a necessidade de proteção pelo CDC. Todavia, com o avanço da tecnologia, as compras passaram a ser realizadas por comércio eletrônico, ou seja, fora do estabelecimento comercial, o que pode acabar se tornando uma relação de consumo desigual e desequilibrada.

A realidade é que a legislação brasileira, em atenção a consumerista, não acompanha a constante evolução tecnológica, priorizando a criação de normas jurídicas genéricas e omissas, ao invés de caminhar lado a lado com o constante desenvolvimento das relações virtuais. Assim, há uma urgente necessidade de o CDC conter uma regra especial para as compras de passagens aéreas feitas por meios não presenciais, com vistas a gerar mais segurança jurídica e evitar que outras agências reguladoras se sintam motivadas a regulamentar de forma especial o direito de arrependimento.

REFERÊNCIAS

ALVES, Gabryel da Silva. O direito de arrependimento e sua (in)aplicabilidade nas compras de passagens aéreas pela internet. Monografia (Bacharel em Direito). Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), Santa Catarina, Criciúma, 2018.

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Sobre as autoras
Adrielli Thaina Themistocles Viana

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Una (Aimorés)

Informações sobre o texto

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