Como é do conhecimento geral, a Lei nº 9.711, de 20/11/1998, mediante alteração do art. 31 da Lei nº 8.212/91, instituiu a obrigatoriedade das empresas contratantes de serviços executados mediante cessão de mão-de-obra reter na fonte 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços, a título de antecipação da contribuição previdenciária devida mensalmente pela empresa cedente de mão-de-obra, prestadora do serviço.
Ficou assegurada a restituição na hipótese de não haver compensação integral dos valores retidos na fonte.
Dispõe, ainda, o § 5º do art. 33 da citada Lei nº 8.212/91 que:
‘O desconto de contribuição e de consignação legalmente autorizadas sempre se presume feito oportuna e regularmente pela empresa a isso obrigada, não lhe sendo lícito alegar omissão para se eximir do recolhimento, ficando diretamente responsável pela importância que deixou de receber ou arrecadou em desacordo com o disposto nesta Lei.’
A empresa contratante dos serviços que deixou de reter os 11%, quando devida a retenção, fica diretamente responsável pelo pagamento do tributo não retido e não recolhido. É o que diz o texto.
Contudo, essa responsabilização direta não tem amparo no art. 135 do CTN, que só permite a responsabilização pessoal de terceiro quanto a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato ou estatutos, o que não é o caso. E aqui é oportuno distinguir as costumeiras confusões feitas entre tributos resultantes de infração de lei e infração de lei consistente no não pagamento de tributo devido.
A matéria concernente à obrigação tributária está sob reserva de lei complementar (art. 146, III, b da CF) pelo que a lei ordinária não poderá contrariá-la, sob pena de inconstitucionalidade.
Exigência tributária com base no faturamento configura Cofins, e não contribuição previdenciária de competência impositiva do órgão securitário, incidente sobre a folha de remuneração. A base de cálculo é um dos aspectos do fato gerador. Logo, sua alteração implica modificação do fato gerador, que define a natureza jurídica específica de cada tributo (art. 4º do CTN). Assim, para validade dessa exigência impunha-se a formalidade da lei complementar em obediência ao disposto no § 4º do art. 195 da CF.
Essa matéria, entretanto, não será abordada neste estudo. Também não o será a questão da inconstitucionalidade da própria retenção, pois o Plenário do STF, por maioria de votos, já proclamou a sua constitucionalidade entendendo ser a retenção determinada mera antecipação daquilo que seria devido no final de cada mês, apesar da alteração da base de cálculo (RE nº 393.946-MG, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 1-4-2005, ATA nº 8/2005).
É difícil a reversão da decisão tomada, por maioria de votos, pelo Plenário da Corte Suprema. Assim, continuar sustentando a inconstitucionalidade do tributo a ser retido não traz qualquer benefício de ordem prática.
Contra a truculência legislativa, tolerada pelo Judiciário, o contribuinte há de buscar mecanismos alternativos de defesa de seus interesses, até mesmo por uma questão de sobrevivência.
Nesse sentido, procuraremos demonstrar, sem contestar a constitucionalidade da retenção em si, que essa retenção nem sempre é devida em razão do princípio da razoabilidade que está implícito no art. 37 da Constituição Federal e expressa na Constituição do Estado de São Paulo (art. 111). Segundo já escrevemos, ‘as leis e os respectivos suportes fáticos devem ser valorados de forma razoável, a fim de preservar sempre a finalidade perseguida pela ordem jurídica, afastando a aplicação de normas contrárias ao bom sendo ou daquelas que não guardam proporção entre a motivação e o fim perseguido. A razoabilidade está mais para o sentir do que para o definir’ [01].
Examinemos a questão da retenção dos 11% sob o prisma do princípio da razoabilidade de que falamos.
A falta dessa retenção na fonte torna a empresa contratante dos serviços pessoalmente responsável, nos termos do § 5º do art. 33 retrotranscrito.
Entretanto, essa disposição legal não pode ser interpretada literalmente. A expressão ‘diretamente responsável pela importância que deixou de receber ou arrecadou em desacordo’ só pode ser interpretada no sentido de responsabilidade pelo recolhimento da exata importância devida pelo contribuinte (sujeito passivo natural), no mês do faturamento pago. Do contrário, a retenção não seria uma antecipação da contribuição previdenciária devida, incidente sobre a folha de remuneração, mas um outro tipo de tributo.
Suponha-se que uma empresa cedente de mão-de-obra tenha uma folha de remuneração de baixo valor (limitado ao pagamento de pro labore), mas com elevado valor de faturamento mensal, ou então, que essa empresa já tenha créditos tributários excessivamente acumulados, por conta de inúmeras e sucessivas retenções no mês, sem possibilidade de compensação total com as contribuições previdenciárias mensais devidas.
Nessa hipótese, comprovada a situação fática, entendemos que pode a contratante de serviços deixar de efetuar a retenção.
Não seria razoável exigir a retenção para, ao depois, o órgão securitário ir fazendo, mensal e sucessivamente, a restituição do excesso não compensado, acrescida de juros e correção monetária. Seria exigir um sacrifício financeiro do contribuinte, de forma inútil e desnecessária contrariando os postulados do regime econômico, que se depreendem da leitura do art. 170 e incisos da Constituição de 1988.
E mais, se retido o tributo na situação retratada, o próprio contribuinte ficaria com crédito, sem possibilidade de compensação daquele valor retido, significando que aquela antecipação era indevida. Assim, como admitir que a contratante, que deixou de efetuar a retenção seja pessoalmente responsabilizada, para o fim de lhe ser exigido o pagamento daquele tributo não retido? Como sustentar que a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da obrigação tributária (art. 128 do CTN) seja tributada em intensidade maior que o contribuinte, sujeito passivo natural? Pode haver a figura do responsável tributário com obrigação de pagar tributo alheio, isto é, do contribuinte, se este nada teria a pagar? Se o responsável tributário substitui o sujeito passivo natural na obrigação tributária deste, parece lógico e razoável que aquele não possa ser responsabilizado pelo pagamento de tributo que não seria devido pelo contribuinte, sujeito passivo natural. Onde não existe obrigação tributária do contribuinte não pode haver subrrogação de obrigação tributária à terceira pessoa vinculada ao fato gerador, assim entendido como norma jurídica abstrata definindo a hipótese em que o tributo será devido.
Entendimentos entre a empresa contratante e a empresa contratada, cedente de mão-de-obra, nas hipóteses retromencionadas poderá resultar em benefício para ambas, sem prejudicar o fisco.
Eventual autuação da empresa contratante pelo fisco há de ser precedida do exame fisco-contábil da empresa contratada, para verificar se esta última estava na situação de devedora da contribuição previdenciária, ou, ao contrário, na situação de credora, por conta de outras retenções anteriormente efetuadas indevidamente. É o que resulta do exame do art. 142 do CTN que define a lançamento como procedimento administrativo vinculado, tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Notas
01
Cf. nosso Dicionário de direito público, 2. ed. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 301.