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Liberdade de expressão e o discurso de ódio nas redes sociais.

Entre a liberdade de expressão e a não discriminação

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Agenda 24/11/2020 às 12:33

4. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Como estudado nos tópicos anteriormente o discurso do ódio em manifestações com caráter discriminatório, visando ferir a igualdade por meio de incitamentos a práticas de discriminação, atos violentos a direitos de outra pessoa.

Essa terminologia é utilizada em todo o país para trazer caráter de abrangência a manifestações de ódio referente a discursos neonazistas, antissemita, islamofóbico.

Inicialmente, diversos foram os julgados em que o Supremo Tribunal Federal trouxe a discussão à tona. Inicialmente, o caso mais conhecido é o Ellwanger de grande repercussão quando se trata da liberdade de expressão.

No mencionado caso “Ellwanger”, o Supremo Tribunal Federal discutiu a liberdade de expressão juntamente com seu alcance por meio de uma publicação que trazia traços antissemitas, com referência ao racismo e ódio ao povo judaico. Nesse sentido, segue o Habeas Corpus 82424 in verbis:

HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA.

1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros "fazendo apologia de ideias preconceituosas e discriminatórias" contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII).

2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa.

3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pelos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais.

4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista.

5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País.

6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, "negrofobia", "islamafobia" e o anti-semitismo.

7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática.

8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma.

9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgredem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo.

10. A edição e publicação de obras escritas veiculando ideiasanti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas consequências históricas dos atos em que se baseiam.

11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso.

12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as consequências gravosas que o acompanham.

13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o "direito à incitação ao racismo", dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. "Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento". No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admite. Ordem denegada (BRASIL, 2003).

O caso em tela é um dos mais conhecidos no âmbito dos tribunais superiores quando se trata da liberdade de expressão versus o discurso do ódio. Apesar de ser antigo, representa fortemente a liberdade de expressão e observado que todos tem autonomia de pensamento.

É preciso declarar que a autonomia do pensamento do indivíduo é uma forma de prevenir a tirania, que surge da necessidade de sempre adotar ideias politicamente corretas. As pessoas não têm obrigação de pensar da mesma maneira.

O princípio básico da liberdade de expressão não reflete o “direito de incitar o racismo” porque os direitos individuais não podem constituir garantia para atos ilícitos como o crime de defesa da honra. Existem princípios universais de dignidade humana e igualdade jurídica que devem prevalecer.

Noutro passo, cuida-se de um caso recente, agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo ajuizado contra Facebook Serviços Online do Brasil LTDA, contra a decisão que indeferiu o pedido liminar formulado na ação cautelar nº 0310736-82.2015.8.24.0018.

Segundo o requerente, foi alvo de postagens difamatórias e difamatórias na rede social Facebook. Oportunidade na qual as pessoas utilizam essa situação para colocar em ação práticas que exacerbaram a desonestidade e conseguirem "montagem" na capa de uma famosa revista.

Além disso, afirmou que a imagem em questão é um método malicioso, cujo único propósito é atacar sua imagem e honra objetiva, que vai além da restrição de formas simples de expressar pensamentos. Portanto, deve forçar o enredo agravante a excluir imediatamente o conteúdo difamatório postado por ele. O autor da postagem e todos os usuários que a compartilharam também forneceram o protocolo da Internet - o IP utilizado e o conteúdo da conversa vinculado à linha telefônica do responsável pela divulgação.

Agravo de instrumento. Ação cautelar. Liminar indeferida. Pleito de retirada de publicação suspostamente ofensiva em rede social na internet, fornecimento de IP (internet protocolo) e teor de conversas em aplicativo de mensagens. Insurgência do autor. Plausibilidade de direito e receio de dano irreparável ou de difícil reparação não demonstrado. Colisão de direitos fundamentais. Liberdade de expressão versus proteção à imagem e à honra. Preceitos que não são absolutos. Juízo de ponderação no caso concreto. Prevalência da livre manifestação de opinião. Agravante que é engajado no cenário político e ocupa cargo público. Recurso desprovido.

I – A garantia à livre expressão e manifestação de pensamento – assim como todos os outros direitos fundamentais – não possui caráter absoluto, sendo-lhes impostos certos limites morais, de forma que não sejam protegidas manifestações que impliquem na ilicitude penal, tais como os chamados discursos do ódio (STF, HC n. 82.424, rel. p/ o acórdão Min. Maurício Corrêa, j. em 17.09.2003).

II – Tratando-se, entretanto, de mera expressão de pensamento – ainda que com conteúdo potencialmente ofensivo –, deve ser garantida a liberdade de opinião, priorizando-se outras formas de compensação, tais como o direito de resposta ou o pagamento de indenização compatível.

III – O agente político do Estado, em razão de sua inata função e em face da pluralidade do amálgama social, tem que possuir tolerância à opinião contrária razoável, sob pena de, baseado em sua íntima querência, transformar o Estado Democrático em Ditatorial, onde por certo estará, nesse cenário, imune às críticas desfavoráveis.

A Câmara Especial Regional de Chapecó decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado nesta data, o Exmo. Des. João Batista Góes Ulysséa, presidente com voto, e a Exma. Des. Hildemar Meneguzzi de Carvalho, como revisora. Chapecó, 14 de março de 2016. Luiz Antônio Zanini Fornerolli (Agravo de Instrumento nº 2015.069967-6, Agravado: Facebook Serviços Online do Brasil Ltda, SANTA CATARINA,2016).

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Nos termos do art. 5º, inciso IV, da Constituição da república Federativa do Brasil (1988) a expressão do pensamento é livre e o anonimato é proibido. Esta garantia de liberdade de expressão protege qualquer assunto ou qualquer opinião, crença, comentário, avaliação ou julgamento de qualquer pessoa, pelo menos desde que não conflite com outros direitos fundamentais ou com os valores estipulados na Constituição (BRASIL,1988).

Isso porque, conforme já destacado no caso em tela, pelo Supremo Tribunal Federal, é um direito fundamental a liberdade de expressão, contida no rol de direitos de primeira geração, acobertando, portanto, a proteção de e exposição de fatos e históricas, bem como a crítica, conforme ensina o Ministro Marco Aurélio, no Habeas Corpusnº 83.125, em 16.09.2003, ao julgar o agravo de instrumento em comento.

Além disso, o atual regime democrático efetivo requer a liberdade de expressão, tendo em mente a ideia de um autogoverno universal, o que se reflete no fato de que todos os cidadãos podem participar na formação da vontade coletiva com uma voz positiva. Portanto, é imprescindível que todas as pessoas tenham o direito de obter informações e opiniões diferentes, a fim de formar suas próprias crenças, para que possam expressar as conclusões a que chegaram.

Claro, que não se pode esquecer que a garantia da liberdade de expressão e expressão ideológica e todos os outros direitos básicos não é de natureza absoluta e sujeita a certas restrições morais, o que implica que as expressões ilegais não são protegidas, como o chamado discurso de ódio, conforme o Supremo Tribunal Federal dispôs no Habeas Corpus nº 82.424, Ministro Maurício Corrêa em 17.09.2003.

Voltando a atenção para o caso agora analisado, restou entendido que o demandante é uma figura pública que desempenha uma série de deveres e funções públicas, razão pela qual não se pode esperar que esteja livre de críticas ou dúvidas.

Além disso, não há como presumir que tal publicação possa convencer as pessoas com conhecimento gerais de que é uma publicação original. Em outras palavras, esse fato não é suficiente para suscitar a necessária condenação, pois, em princípio, o conflito entre os direitos agora opostos deve reconhecer o primado da expressão de opiniões. Assim, a liberdade de expressão ficou mantida e o discurso do ódio afastado.

Por fim, outro julgamento que trouxe bastante discussões se trata de um Recurso Inominado, que vem buscar indenização por danos morais, visto que segundo consta nos autos a liberdade de expressão ultrapassou os limites impostos, gerando constrangimento para a parte requerente.

Recurso Inominado. Ação de indenização por danos morais. Publicação em rede social de placa de motocicleta do autor e narrativa de corte de energia elétrica promovida por ele (a serviço da COPEL) que ensejou discursos de ódio e gerou medo no autor por ter sido identificado na publicação. Dano moral configurado. Situação que extrapolou o mero aborrecimento. Autor que estava somente executando seu trabalho. Exposição em rede social que ultrapassou a liberdade de expressão. Quantum indenizatório fixado em valor irrisório que comporta majoração por R$2000,00 (dois mil reais). Sentença parcialmente reformada. Recurso conhecido e provido (PARANÁ, 2019).

As provas mostraram que o requerente se encontrava numa posição incômoda e inconveniente. Embora a demandada alegasse que a fatura havia sido paga e a falta de energia elétrica era inadequada, a atitude adotada pela demandada não foi a forma adequada para expressar divergências quanto à prestação de serviços. Como o autor era público, e como o autor utilizava a motocicleta como ferramenta de trabalho, a divulgação da licença da motocicleta repercutiu, as ações da ré pareceram desproporcionais e inadequadas

O reclamante provou em sua contestação à defesa que a queda de energia começou às 15h56 do dia 23 de outubro de 2018 e terminou às 16h. Portanto, pode-se observar que de acordo com os documentos recolhidos pelo réu, o pagamento do réu foi feito após o início da queda de energia. De acordo com os documentos recolhidos pelo réu, a fatura foi paga às 16h31, às 16h39. O valor da fatura paga é de R$ 174,05.

Portanto, o queixoso estava correto ao solicitar que o réu fosse condenado e compensasse suas perdas mentais. Desta forma, existe, neste caso, a assunção de responsabilidade civil e prova a existência do fato (abuso) e os prejuízos sofridos pelo autor em razão do ato.

Na verdade, o discurso de ódio é um elemento da vida cotidiana e da sociedade porque aparece como ferramenta de comunicação, com raízes históricas. No entanto, com o advento da tecnologia, principalmente a Internet, a disseminação de preconceitos e ideias passou por novas mudanças proporcionando um ódio generalizado em todo o país.

Na verdade, o que está acontecendo é um conflito de direitos fundamentais, porque, Liberdade de expressão e proteção da dignidade humana estão previstas na Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Portanto, no caso concreto caberá o julgador decidir o peso da liberdade de expressão e se há a presença do discurso do ódio, observado o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

Sobre os autores
Breno Gomes Martins

Estudante Acadêmico de Direito do Centro Universitário UNA. Trabalho de Conclusão de Curso.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II -Monografia ou Artigo, do Curso de Direito, do Centro Universitário UNA, como parte da exigência para obtenção do título de bacharel em Direito. Professora Orientadora: Mestra Bárbara Helen Abreu Valadares

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