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A criminologia nos concursos públicos:

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Agenda 04/01/2021 às 17:30

Esse estudo avalia e aprofunda o conteúdo de 285 questões sobre criminologia aplicadas em concursos nacionais para diversos cargos do sistema de justiça-criminal entre 2013-2020.

INTRODUÇÃO

O objetivo geral desse estudo é conhecer o conteúdo de 285 questões de concurso público sobre Criminologia para os cargos de juiz, delegado de polícia civil, policial federal, promotor, defensor público, escrivão de polícia e perito, aplicadas entre 2013 e 2020 em diversos estados brasileiros (São Paulo, Ceará, Espírito Santo, Paraná, Pernambuco, Pará, Sergipe, Santa Catarina, etc.), elaboradas pelas entidades CESPE; VUNESPE; FUMARC; FAPEMS; UFPR; CONSULPLAN; FUNDATEC; INSTITUTO ACESSO; UEPA; MPE-SC; e FCC.

O objetivo específico é aprofundar e avaliar o grau de exigência epistemológica desse material usando um modelo próprio de análise do comportamento das ideias desenvolvidas nas questões de Criminologia.


2 METODOLOGIA

O primeiro grau de análise, “simplista”, deve reunir questões de criminologia avaliadas como ingênuas, tolas, sem valor científico e com zero grau de reflexão e de crítica do candidato. Essa categoria deve incluir questões sem nenhuma problematização, abstração e complexificação. As questões nessa modalidade podem focalizar apenas um aspecto da realidade, mas seguem a direção do seu objetivo ignorando dúvidas e críticas que existem ou podem existir no meio do caminho. O simplista radicaliza a simplicidade das ideias resultando essa atitude em algo desconectado de um sistema, além de ser totalmemte ausente o raciocínio problematizador e interativo com outros saberes.

O segundo grau de análise, “simples”, reúne as questões de concurso público que observam um determinado assunto que não é composto, múltiplo ou desdobrado em partes. Podem inclusive essas questões aprofundar o conhecimento a respeito de uma coisa específica, mas priorizam o pragmatismo e a imediatez do conhecimento. Nessa modalidade, o candidato deve pensar de maneira simples, quer dizer, tratar a coisa constituída por elementos homogêneos ou de mesma natureza elementar. Por exemplo: o ouro e o oxigênio em determinada explanação podem ser corpos simples. O pensar simples não é complicado; ou seja, é fácil; e até rudimentar, por exemplo: existem mecanismo simples; método simples, etc. Considera-se no dicionário que o simples é desprovido de afetação; ou seja, é natural, modesto, espontâneo: exemplo: Maria é uma mulher simples. Também significa sem malícia; aquilo que é singelo, puro ou sincero: simples como uma criança; que se deixa facilmente enganar; ingênuo. O termo simples se refere ao “único”; quando uma simples palavra basta. A simplicidade é a ausência de extravagâncias, ou exageros. Concretamente, as questões de concurso nessa modalidade deverão traduzir a complexidade do conhecimento numa linguagem direta e fácil de entender. Nesse caso, há um raciocínio especializado, unívoco, reduzido e monotemático (abordando um só tema ou uma só variável).

O terceiro grau de análise, “complexo”, reúne questões de concurso que exigem pensar vários objetos e variáveis ao mesmo tempo. Podem ser identificadas como complicadas. Conforme explica o dicionário, na complexidade os componentes funcionam entre si em numerosas relações de interdependência ou de subordinação, de apreensão muitas vezes difícil pelo intelecto, e apresentam diversos aspectos em suas interações dinâmicas e até dialéticas. Na complexidade o candidato encontra uma construção composta de numerosos elementos interligados que funcionam num todo dinâmico.


3 RESULTADOS OBTIDOS

A aplicação do método mostrou que existe um número baixo de questões com nenhuma contribuição intelectual, perguntando, por exemplo, quem escreveu a obra “O homem delinquente”, ou quem é o autor dos “Dos delitos e das penas”; ou então “ a qual escola pertence Lombroso, Ferri e Garofalo”, etc. Foram encontradas 16 questões dessa natureza.

Em outra direção, apareceu um número expressivo de questões que trataram de aspectos pontuais, o que exigiu do candidato conhecimento concentrado e especializado sobre determinadas teorias e classificações. Nesse sentido, foram encontradas 110 questões com perfil classificado na categoria “simples”.

Em quantidade bem maior que as demais categorias, surgiram 159 questões exigindo conhecimento simultâneo de vários fatores e teorias, além de apresentarem uma linguagem sofisticada, com maior grau de abstração, solicitando análise interdisciplinar e resolução crítica de problemas teórico-empíricos; algumas vezes, por exemplo, pedindo ao candidato compreensão de um caso concreto à luz das classificatórias de prevenção e vitimização; ou então relacionadas à teoria do Direito Penal combinadas com vários enunciados críticos e fatuais. Na categoria “complexidade” as questões exigiram do candidato um saber interdisciplinar, atualizado, dinâmico e crítico, confrontado o ideal com o real.  Também chamou a atenção a exigência teórica, metodológica e empírica, que em muitas questões objetivas pediu ao candidato capacidade epistemológica para entender o modo de produção do conhecimento positivista ou crítico (na vertente liberal e marxista).

ILUSTRAÇÃO 1. Classificação das questões dos concursos públicos

Total: 285 unidades


4 REFLEXÕES EPISTEMOLÓGICAS

As 285 questões de concurso público reconheceram que a Criminologia é uma ciência empírica; interdisciplinar; aplicada; realista; e dedicada ao conhecimento do “ser”; diferentemente do Direito Penal que se preocupa com o “dever-ser”. Também foi consensual entre as questões objetivas que a Criminologia é uma ciência autônoma e zetética em relação à Dogmática Penal.

A Criminologia produz conhecimento especializado sobre a criminalidade e utiliza métodos, técnicas, modelos e teorias organizados na forma de um programa científico de pesquisa, que pode ser positivista, crítico e pós-crítico. Entretanto, nenhuma questão dos concursos públicos fez referência à Criminologia Pós-crítica.  

Segundo Dias & Andrade (1997, p. 90) “na Criminologia existem questões e matérias que vão desde as investigações no domínio da fenomenologia, passando pela análise dos modelos de respostas das instâncias de controle e das consequências das reações formais ou informais, incluindo também a discussão do quadro de instituições penais vigentes, tanto no que concerne à sua legitimidade como no que respeita à sua eficácia”.

Penteado Filho (2012), por sua vez, considerou que o termo Criminologia é um nome genérico atribuído a um grupo de elementos estreitamente ligados, especificamente: 1- infração legal; 2- meios formais e informais utilizados para lidar com o crime e os atos desviantes; 3- natureza das posturas com que as vítimas dos crimes serão atendidas pela sociedade e agentes públicos; e 4- fatos desviantes da ordem vigente considerados problemáticos na visão do criminalista e da sociedade.

As questões dos concursos identificaram a Criminologia positivista-etiológica, desde Cesare Lombroso, no século XIX, quando o crime foi considerado um fato ontológico, um dado natural, ou defeito endógeno do indivíduo. Também há referência aos autores Garofalo e Ferri, que são os pioneiros da Escola Italiana da Criminologia positivista.

Nessa direção, as questões dos concursos públicos exigiram do candidato conhecimento mínimo a respeito da Criminologia etiológica e positivista. O candidato deveria saber que a pesquisa positivista procura conhecer a natureza do ser, especificamente, seus aspectos biológico, social e mental. Contribuem nessa direção a genética, a bioquímica, a endocrinologia, a psicofisiologia, a neurociência, e a psiquiatria.

Também a teoria marxista foi utilizada pelos concursos, caracterizada como Criminologia etiológica uma vez admitido o fato de que a estrutura econômica cria miséria e ambição do lucro e funciona assim como causa distante, ou pano de fundo, da criminalidade e especialmente dos crimes patrimoniais.

De acordo com Penteado Filho (2012, cap. 12), na Criminologia crítico-marxista que usa o método dialético (conforme sugere a obra de Roberto Lyra Filho, “Criminologia dialética”) “a realidade não é neutra, de modo que se vê todo o processo de estigmatizacão da população marginalizada, que se estende à classe trabalhadora, como alvo preferencial do sistema punitivo, e que visa criar um temor da criminalização e da prisão para manter a estabilidade da produção e da ordem social”.  Essa abordagem é chamada de Criminologia Radical, e hospeda o chamado “neorrealismo de esquerda” que “apregoa a reestruturação da sociedade, extinguindo o sistema de exploração econômica”.

No começo, ainda no século XIX, os positivistas pioneiros defenderam o dogma determinista, demonstrando que o criminoso estava sob influência de fatores sociais ou então naturais, podendo ser endógenos ou exógenos ao indivíduo.

Derrubava-se, portanto, a crença da Criminologia Clássica do século XVIII de que os indivíduos normais tinham sempre lucidez e livre arbítrio na prática do delito, pois na concepção diferente do positivismo todo ser humano estaria sob influência de diversos fatores, por exemplo, biológicos, físicos e sociais.

Sobre esse assunto as questões de concurso público utilizaram a obra de Cesare Bonasane, Marquês de Beccaria, “Dos delitos e das penas”, e focalizaram o mito da liberdade de escolha defendido pelos clássicos em oposição ao positivismo científico que afirmou que o sujeito sofre influências biológicas, físicas e sociais na prática do delito. Portanto, não goza de 100% de livre arbítrio.

Nas pesquisas comportamentais, a Criminologia Positivista procura “positivar” as suas descobertas científicas, estabelecendo-se causa e efeito entre os fenômenos observados e o máximo de objetividade no conhecimento produzido.

No Direito Positivo, essa abordagem busca positivar e tipificar a conduta criminosa. Na Política Criminal, de outra forma, a Criminologia Positivista tem como desafio propor novas leis e políticas criminais assentadas no princípio da defesa social, procurando “positivar” as relações sociais, ou seja, harmonizá-las, daí a utilização das chamadas teorias do Consenso, ao invés de “negativizar” a realidade, como fazem as teorias criminais do conflito.

Segundo Penteado Filho (2012, cap. 5), “as teorias de consenso entendem que os objetivos da sociedade são atingidos quando há o funcionamento perfeito de suas instituições, com os indivíduos convivendo e compartilhando as metas sociais comuns, concordando com as regras de convívio. Aqui os sistemas sociais dependem da voluntariedade de pessoas e instituições, que dividem os mesmos valores”. Já as teorias consensuais, segundo o mesmo autor, “partem dos seguintes postulados: toda sociedade é composta de elementos perenes, integrados, funcionais, estáveis, que se baseiam no consenso entre seus integrantes”.

Especificamente, as teorias do Consenso são utilizadas pela Criminologia tradicional ou positivista, com o objetivo de reforçar valores essenciais e comuns a todos os membros da coletividade. Nessa modalidade teórica, considera-se que o crime rejeita valores universais e ameaça consequentemente o equilíbrio e o funcionamento saudável do corpo social.

Na Criminologia Crítica, diferentemente, são aplicadas diversas teorias do conflito direcionadas ao labeling approach com ênfase nas rotulações negativas, ou estigmas, que geram exclusão e marginalização da vítima na sociedade. Nessa direção, o sociólogo americano Goffman, da Escola de Chicago, demonstrou que o estigma gera sentimentos ruins na pessoa que pode responder de várias maneiras, desde o isolamento até à prática de crimes hediondos. 

Na Escola de Chicago, encontram-se dois autores citados pelas questões: Goffman, autor do livro “Estigma” e do livro “Manicômios, prisões e conventos”; e Howard Becker que escreveu o livro “Outsider”.

A Criminologia Crítica enfatiza: 1- que a teoria explicativa geralmente é demarcada por saberes sanitaristas, psiquiátricos e psicológicos; 2- que tem feição essencialmente pró-institucional; 3- que reproduz a concepção patológica do crime; 4- que projeta a demonização do criminoso; e 5- que utiliza perspectivas causais-deterministas, não só individuais, mas também estruturais de ordem econômica e social (CARVALHO, 2010, p. 7). 

A Criminologia Crítica desenvolve o método processual-interacionista fundado na pergunta como certas condutas são criminalizadas? Ou então como alguns sujeitos se tornam criminosos?

Nessa perspectiva, se o crime e o criminoso são realidades sociais construídas pela interação social, o foco da pesquisa não é mais a pessoa individual do criminoso; mas sim o processo de criminalização de determinado sujeito.

Nessa modalidade epistemológica há inclusive a possibilidade de o Estado ser classificado como criminoso ao praticar crimes contra Humanidade além dos danos institucionais.

Segundo Salo de Carvalho (2013) a Criminologia Crítica, diferentemente do biopositivismo, reúne diversas abordagens em torno de um núcleo comum que é a rejeição ao modelo etiológico-positivista.

O modo de produção do conhecimento da Criminologia Crítica, segundo o mesmo autor citado, apresenta os seguintes procedimentos interpretativos:

  1. Reflexão crítica que refuta os modelos consensuais de sociedade, o postulado causal-determinista do delito, o caráter patológico do delinquente, o caráter científico do saber criminológico, a neutralidade do criminólogo e os critérios metodológicos de constatação da criminalidade tradicionais baseados nas estatísticas criminais e no ambiente carcerário. 
  2. Rejeição dos discursos de igualdade e de imparcialidade e do significado positivo atribuído à sanção penal (como se fosse pena útil).
  3. Demonstração do caráter seletivo do controle penal e as contradições existentes entre as funções reais exercidas pelo sistema penal e as funções declaradas pelo direito penal e pela Criminologia (discursos oficiais e científicos de legitimação).
  4. E contextualização dos dados, mostrando a relação de dependência entre o sistema político-econômico (questões de poder e relações de produção) com o sistema de controle social punitivo (CARVALHO, 2013).

Os criminologistas críticos descrevem o tratamento desigual dado pelo Poder Público a determinados segmentos, recorrendo com esse propósito aos conceitos de danos institucionais e violência institucional ou pública do Estado. A respeito desses dois conceitos, Salo de Carvalho (2010) lembrou que no contratualismo clássico “os Homens em troca de segurança, optaram por limitar sua liberdade, alienando certo domínio ao repositório comum denominado Estado”. Entretanto, os neocontratualistas, como Ferrajoli, concluem que “a história das penas é seguramente mais horrenda e infame para a humanidade que a própria história dos delitos”. Ou seja, o pacto social foi violado pelo próprio Estado. E como alternativa, os neocontratualistas propõem um novo pacto penal, reformista, geralmente concentrado no minimalismo, criando freios ao autoritarismo do Estado e constantes blindagens dos direitos fundamentais (CARVALHO, 2010, p. xxi-xxii).

Em outra modalidade epistemológica, na Criminologia Pós-crítica, que não foi mencionada nas questões de concursos, destaca-se uma preocupação com a vivência e a percepção das pessoas inseridas no mesmo sistema de justiça criminal.

Nessa perspectiva admite-se que cada cidadão pode ser espontaneamente um criminologista devendo assim a investigação confrontar o conhecimento tácito ou intuitivo das pessoas com a ordem vigente das instituições.

A pesquisa Pós-crítica faz uma inversão epistemológica em relação à Escola Crítica da Criminologia; nesse sentido, produz argumentos do particular para o geral, do micro para o macro, do indivíduo para o sistema.

É bastante utilizada a etnometodologia que mergulha no cotidiano da comunidade representado a abordagem cultural que contribui no entendimento do modo como cada sujeito interpreta ou percebe vivencialmente a criminalidade.  

Na abordagem Pós-crítica, existe, portanto, um outro modo de produção do conhecimento, nesse caso com a Criminologia fazendo “eleições parciais e sugerindo respostas limitadas aos problemas, abdicando de projetos metodológicos universais” (CARVALHO, 2010, p. 41).

Nesse quadro, tem valor o anarquismo epistemológico do autor Feyerabend considerando-se que “o eventual êxito da ciência não pode ser usado como argumento para tratar de maneira padronizada problemas ainda não resolvidos” (CARVALHO, 2010, p. 42).

O diagnóstico dos criminalistas pós-críticos acusa que a tradição da Criminologia (positivista, liberal e marxista) é padronizar e simplificar as especificidades do mesmo fenômeno criminal em tipos penais ou classes sociais.

Nessa direção, a crítica abolicionista, das décadas de 1970 e 80, apontou a fixação da resposta penal através da “univocidade da sanção carcerária, independentemente da diversidade do ato praticado” (CARVALHO, 2010, p. 34).

Uma característica fundamental da Criminologia Pós-crítica é “anarquizar” as estruturas do Direito e da Sociedade. Esse procedimento procura mostrar a saturação das grandes narrativas penalógicas que representam um “discurso de alta abstração, cuja validação e demonstrabilidade empírica restou ausente” (CARVALHO, 2010, p. 31).

Nesse sentido são utilizados os seguintes aplicativos anárquicos no interior das instituições: 1- complexidade ou variabilidade no mesmo tipo penal; 2- diversidade cultural; e 3- vivências de grupos e pessoas.

Com esses aplicativos funcionando, o criminalista espera obter respostas institucionais condizentes com a variabilidade dos acontecimentos observados, podendo provocar, assim, a dissipação ou diluição das instituições conservadoras que acabam perdendo a sua legitimidade e eficácia; ou em situação menos grave, poderão reagir e se adaptar criticamente à realidade.

A “Criminologia cultural” é utilizada pela Criminologia Pós-crítica para dar um “choque de realidade” e “negar a Metafísica”. Mas é importante ressaltar que Criminologia cultural existe na obra “Crime e costume na sociedade selvagem” do antropólogo Malinowski, início do século vinte; depois na teoria da subcultura delinquente da Escola de Chicago que também enveredou por esse caminho antropológico, etc.

A ressalva é que “Criminologia cultural” não é Criminologia Pós-crítica; é na verdade um instrumento metodológico a serviço desse paradigma.

A diversidade cultural é aplicada pelo paradigma Pós-crítico como hipótese empírica de trabalho a ser lançada sobre as estruturas socioeconômica e penal. Seu impacto vai exigir respostas institucionais pluralistas ou revelar debilidades das instituições nesse sentido.

Com a aplicação auxiliar da Criminologia Cultural devem ser levantadas as seguintes questões: como reagem as instituições se o criminoso e a vítima são negros? E se a vítima for mulher? E se for de baixa renda, trabalhadora? Etc.

A Criminologia Pós-crítica reivindica a necessidade de as ciências criminais incorporarem em seu universo de análise a categoria complexidade, visando à construção de múltiplas respostas formais e informais.

Diferentemente da Criminologia Positivista e Crítica, “procura-se demonstrar que para problemas complexos é fundamental construir mecanismos complexos de análise, avessos às respostas binárias, unívocas e universais, bem como alheios à pretensão de verdade inerente à vontade do sistema que orienta os modelos científicos modernos” (CARVALHO, 2010, p. 34). A intenção com essa crítica é que o sistema esteja a serviço da vontade e da vivência de sujeitos reais, não fictícios e não padronizados.

De acordo com Salo de Carvalho, “a Criminologia como espaço de produção de saber sobre o crime e o controle social, necessita mergulhar nesta complexa experiência contemporânea de forma a sofisticar seus instrumentos de interpretação” (CARVALHO, 2020, p. 35).

Não são admitidas na Criminologia Pós-crítica verdades universais e metanarrativas do sistema sem passar pelo crivo: 1- da experiência; 2- do sentimento; 3- da percepção cultural; e 4- da vivência de pessoas e comunidades atuantes ou atendidas pelo sistema.

Outro aplicativo anárquico que dá um choque de realidade nas estruturas criminais é a filosofia agnóstica de Nietzsch. Conforme explicou Salo de Carvalho (2010, p. 65), “à postura trágica importa, portanto, não apenas ter presente os limites do agir (humano científico), mas o convívio e a interlocução com a alteridade que nos coloca crises; com o outro que desestabiliza; com a diferença radical que gera mal-estar”.

Com essa hipótese de trabalho filosófica:

O sentimento indigesto e a vertigem da ultrapassagem das fronteiras podem ser apresentados em dois questionamentos incisivos. [Primeira pergunta]: na literatura, no teatro, cinema, artes plásticas qual é a forma de representação do controle social punitivo e dos atores que nele operam? [Segunda pergunta]: a representação artística sobre as agências de punitividade e os seus operadores corresponde à autoimagem cultivada no sistema de justiça criminal?  (CARVALHO, 2010, p. 66).

Na teoria agnóstica apresentada por Salo de Carvalho:

A desconsideração do individual, de suas diferenças e das desigualdades de suas condutas e de suas reações, bem como dos motivos que as potencializam, sempre estiveram em prol de fórmulas universalizantes, característicos do pensamento metafísico dominante até o século passado. Após o apogeu, o esgotamento e a crítica da metafísica por Nietzsch, a temporalidade e, por conseguinte, a alteridade são variáveis que ingressam de forma radical nas análises filosóficas, não podendo ser desconsideradas pelas Criminologias contemporâneas (CARVALHO, 2010, p 193).

Emerge na perspectiva Pós-crítica uma Criminologia política ou pragmática por excelência, contrária às grandes narrativas metafísicas das ciências criminais que trouxeram duas consequências indesejáveis: 1- “essencialismos, sobretudo em relação ao sujeito que produz o crime; 2- e soluções universais ao problema do crime” (2010, p. 32).

Questiona-se na Criminologia Pós-crítica a necessidade de construção de “sistemas herméticos, isentos de contradições e lacunas como é o próprio pensamento dogmático penal, que acaba por reduzir a pluralidade dos problemas relativos à violação de normas criminalizadoras à unidade interpretativa (crime) e à exclusividade da resposta” (CARVALHO, 2010, p. 33).

A Criminologia Pós-crítica reage dizendo que “o sintoma do esgotamento da fórmula dogmática é percebido nas indagações nada atuais sobre quais critérios permitem conceber condutas tão significativamente díspares sob o mesmo rótulo (crime) e como se justifica a mesma resposta jurídica” (CARVALHO, 2010, p. 34).

Com essas considerações fica claro que Criminologia Pós-crítica procura:

Para os anarco-reformistas adeptos da Criminologia Pós-crítica “o campo de investigação estaria voltado ao estudo do crime e do funcionamento do sistema de justiça penal conectando-se à dogmática penal, com a finalidade de possibilitar chaves de interpretação das variáveis inerentes a cada espécie de conflito” (CARVALHO, 2010, p. 27). Na concepção reformista, admite-se que “a Criminologia atuaria no campo das investigações empíricas dos fatores de risco, da vulnerabilidade individual e social ao delito, e dos danos produzidos pela atuação das agências de punitividade, propiciando, por outro lado, mecanismos sofisticados, pois ancorados na realidade, de interpretação dogmática”. Na visão anarco-reformista do conhecimento pós-crítico pretende-se construir uma espécie de “anarquia positivada”, introduzindo nas estruturas do direito e do processo penal “a abertura da dogmática iniciando-se pela aproximação com a realidade da vida” (CARVALHO, 2010, p. 26). De outro lado, os anarco-revolucionários declaram que a “Criminologia Pós-crítica, na configuração do novo modelo integrado de ciência criminal, atuaria como problematizadora da dogmática e facilitadora de política criminal, apontando alternativas à redução dos danos causados pelas violências privadas (delito) e públicas (abusos de poderes penais)”; propondo então “alternativas que logicamente devem extrapolar o universo da exclusividade da resposta penal, visto necessário afirmar como meta a ruptura com o narcisismo penal, projetando sua abolição” (CARVALHO, 2010, p. 27; grifo nosso).

A utilização do paradigma pós-crítico no Brasil é bastante conhecida na área da Educação. Na Criminologia, particularmente, apresenta pouco conteúdo empírico.

Na área da Educação, exemplo que merece ser citado, Marden de Paula Ribeiro (2016) afirmou que as teorias Pós-críticas são derivadas do pós-modernismo e do pós-estruturalismo, e apresentam como meta consensual superar a concepção curricular habitual do paradigma Crítico (RIBEIRO, 2016, p. 287).

Analistas diversos na área da Educação reconhecem que o paradigma pós-moderno possui uma infinidade de apropriações intelectuais, mas há uma rejeição aos conceitos totalizantes e às estruturas sólidas, que são habituais no paradigma da Modernidade.

Nos dizeres de Lyotard a pós-modernidade seria a desconfiança, a recusa na crença das metanarrativas e no sujeito emancipado através de uma progressiva consolidação da razão. Estas grandes narrativas, são nada mais, nada menos, do que histórias que determinadas culturas contam sobre suas próprias crenças e práticas, no intuito de respaldá-las (RIBEIRO, 2016, p. 288).

Na filosofia pós-moderna os observadores notam que existe: 1- uma descrença em relação a uma consciência unitária, homogênea, centralizada; 2- uma rejeição da utopia; 3- uma forte preocupação com a linguagem e com a subjetividade; 4- uma visão realista do discurso saturado de poder; 5- uma exaltação às diferenças (RIBEIRO, 2016, p.289); e 6- uma supervalorização das conjunturas ou situações problemáticas.

Oportuno lembrar nesse momento que apenas 1 questão dos concursos públicos fez referência ao paradigma da modernidade. Nenhuma questão dos concursos usou o termo Pós-modernidade.

A filosofia pós-moderna que dá oxigênio à teoria Pós-crítica é cética sobre a verdade, a unidade e o progresso, e opõe-se ao elitismo na cultura, usando o relativismo cultural, o pluralismo, a descontinuidade e a heterogeneidade a fim de trazer um novo ângulo de observação da realidade. Nesse paradigma ganham evidência os estudos feministas, multiculturais, pós-coloniais, ecológicos, etc. (RIBEIRO, 2016). A observação do pesquisador pretende mostrar nesse sentido que os movimentos sociais buscam “anarquizar” estruturas gerais e instituições específicas.

As teorias Pós-críticas realizam substituições, rupturas e mudanças de prioridades em relação às pesquisas críticas. Suas produções intelectuais e invenções têm procurado revelar práticas educacionais, currículos e pedagogias que apontam para a abertura, a transgressão, a subversão, a multiplicação de sentidos e diferenças.

As teorias Pós-críticas priorizam a criação, o artefato, a produção, a inovação. Os sujeitos aparecem não como um tipo pré-constituído pelas teorias, mas como resultado de práticas, reivindicações, lutas, vivências, e de apropriações específicas do saber e do poder (cf. RIBEIRO, 2016).

Enquanto a teoria crítica exibe como troféu a racionalidade crítica, reflexiva, intelectual, iluminista, do pesquisador, do professor, ou do militante, a abordagem Pós-crítica exalta a vivência dos sujeitos ou agentes sociais dentro e fora das instituições.

A vivência é uma ferramenta usada para dar um choque de realidade nas estruturas vigentes. Ao privilegiar as vivências ao invés da racionalidade crítica e abstrata do observador, a estrutura curricular, por exemplo, está em todos os espaços sendo exercido em qualquer comunidade formal ou informal.

 Segundo a teoria Pós-crítica, a teoria Crítica é “defensora do paradigma cartesiano de sujeito”; “supõe uma concepção da sociedade como única e unificada”; além disso, verdade, poder e saber nesse mesmo paradigma são explicados tecnicamente ou racionalmente por meio de uma linguagem estruturalista ou institucionalista (RIBEIRO, 2016).

Todas as questões dos concursos admitiram pacificamente que a Criminologia produz conhecimento especializado sobre quatro objetos de estudo que são espontaneamente interligados (delito, delinquente, vítima e meios de controle social).  Esses quatro objetos formam um metaobjeto: a criminalidade.

O delito pode ser positivado e não positivado. Uma característica essencial do delito é causar danos à vítima e à Sociedade (acarretando prejuízos materiais, psicológicos, ambientais, culturais, biológicos, etc.).

O delito representa também uma fronteira criada artificialmente pelo Direito com o objetivo de separar a ordem do caos. Na realidade, é um alerta ou memória social com a função de fazer com que as pessoas evitem a fronteira que desemboca no caos, ou como diria Thomas Hobbes, no estado de natureza.

No Direito penal, o delito positivado ou crime é objeto de imputação ou de enquadramento acompanhando um conjunto de pré-requisitos definidos através de normas positivas que identificam, responsabilizam e punem o delinquente.

Tecnicamente, o crime pode ser classificado em doloso ou culposo; nesse último caso, surge por imperícia, imprudência ou omissão do sujeito; mas também existem situações intermediárias especialmente quando o crime é realizado por legítima defesa ou por estado de necessidade, o que no final poderá desqualificar o ato supostamente injusto.

O termo “crime” reúne um conglomerado histórico de elementos jurídicos, éticos, religiosos, além de estereótipos e outros coeficientes sociológicos (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 65).

Existem crimes contra a Humanidade (genocídio, escravidão, apartheid, estupro, tráfico de pessoas, autoritarismo político, racismo, eugenia, etc.) e contra o Estado e a Sociedade (rapto, sequestro, receptação, homicídio, estupro, infanticídio, aliciamento de menores, invasão de privacidade, feminicídio, crime contra a saúde pública, racismo, além dos crimes penais econômicos, ambientais, administrativos, etc.).

Tecnicamente, a caracterização da culpabilidade do criminoso leva em conta: 1- que o sujeito é capaz de responder pelos seus atos perante a Lei e também de controlar psicologicamente o que faz; 2- que ele tem responsabilidade penal; 3- que ele sabe o que é justo ou injusto; 4- que ele teria capacidade de tomar atitudes menos graves na execução do crime; e 5 - que ele possuía na ocasião do delito algum conhecimento ou informação acerca de outras alternativas que poderiam evitar a maldade praticada.

Em geral, “a integração da categoria injusto (objeto de imputação) com a categoria culpabilidade (fundamento de imputação) constitui o conceito de crime na moderna dogmática penal” (SANTOS, s.d., p.2).

Extrapolando os limites formais da abordagem jurídica, o criminólogo investiga aspectos substanciais do delito, destacando-se a violência e a agressividade.

De maneira simplista pode-se dizer que a agressão é um comportamento intenso e instintivo da pessoa que não desenvolve raciocínio, pensamento, ou abstração intelectual, enquanto a violência é um ato destrutivo intencional e planejado, podendo assumir a forma física e simbólica (ou psicológica). Entretanto, conforme ressaltou Nestor Penteado Filho (2012), agressão e violência aparecem como dois fenômenos indissociáveis na prática e acabam sendo usados por muitos estudiosos como sinônimos.

Considera-se que o criminoso ou delinquente é uma criatura histórica, real, complexa e enigmática. Na visão dos clássicos, por exemplo, o criminoso quebrou o pacto social; na abordagem biológica é um ser perigoso e portador de alguma anomalia, ou defeito; na interpretação marxista o trabalhador é vítima do sistema social ou então o criminoso burguês sofre transtorno mental de uma ambição irrefreável pela riqueza; na Criminologia da Escola Crítica, por sua vez, o criminoso é um indivíduo estigmatizado, etc.

Na relação com o delinquente, encontra-se a vítima, que pode ser uma pessoa, animal, sociedade, ou Natureza, ou seja, sofre os prejuízos do delito. A identificação da vítima permite não só conhecer as condições e os efeitos desencadeados pelo crime, mas também que se avalie os meios de assistência e de prevenção oferecidos até então pelo poder público.

A pesquisa especializada sobre a vítima chama-se Vitimologia. Essa subdisciplina procura conhecer a criminalidade real, efetiva, ou verdadeira, realizando coleta de dados que muitas vezes não são registrados nas instâncias oficiais e constituem a “cifra negra” da criminalidade.

Segundo a “Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para a Vítima de Delitos e Abuso de Poder”, da ONU:

Entendem-se por “vítimas” as pessoas que individual ou coletivamente tenham sofrido um prejuízo, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou mental, um sofrimento de ordem moral, uma perda material, ou um grave atentado aos seus direitos fundamentais, como consequência de atos ou de omissões violadores das leis penais em vigor num Estado membro, incluindo as que proíbem o abuso de poder.

Uma pessoa pode ser considerada como “vítima”, no quadro da presente Declaração, quer o autor seja ou não identificado, preso, processado ou declarado culpado, e quaisquer que sejam os laços de parentesco deste com a vítima.

O termo “vítima” inclui também, conforme o caso, a família próxima ou as pessoas a cargo da vítima direta e as pessoas que tenham sofrido um prejuízo ao intervirem para prestar assistência às vítimas em situação de carência ou para impedir a vitimização (apud SOUZA, 2013).

Ao contrário do que se divulga tradicionalmente no Brasil, a Vitimologia não surgiu depois da Segunda Guerra Mundial, nem no início do século XX, mas no final do século XIX, com a obra do criminalista Garófalo que abordou o tema da reparação penal dos danos civis causados à vítima. Entretanto, nas questões dos concursos considera-se como pai da Vitimologia, na década de 1940, Mendelsohn.

Segundo Nestor Penteado Filho (2012), a vitimização pode ser primária, secundária e terciária.

A vitimização primária é aquela que se relaciona ao indivíduo atingido diretamente pela conduta criminosa de outro sujeito.

A vitimização secundária, por sua vez, é uma consequência das relações entre as vítimas primárias e o Estado que nesse caso discrimina e maltrata a vítima primária, causando-lhe sofrimentos e danos institucionais.

Finalmente, a vitimização terciária ocorre em diversos setores da sociedade onde a vítima é alvo de nova agressão e preconceito depois de tornar público o seu problema quando buscou ajuda, frustrante, no sistema de justiça criminal (PENTEADO FILHO, 2012, cap. 7.3).

Essa classificatória apareceu nas questões dos concursos públicos.

Além dessa classificação, Mendelsohn categorizou o grau de participação ou de provocação da vítima nos fatos delituosos. Em seu modelo, existem vítimas ideais (completamente inocentes); vítimas menos culpadas que os criminosos; vítimas tão culpadas quanto os criminosos (aborto consentido; eutanásia); d) vítimas mais culpadas que os criminosos (ou seja, vítimas por provocação que dão causa ao delito); e) e finalmente existem vítimas como únicas culpadas (vítimas agressoras, simuladas e imaginárias).

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Essa classificatória também foi utilizada nas questões dos concursos públicos.

Resumidamente, Mendelsohn descreveu três modalidades: a) vítima inocente, que não concorre de forma alguma para o injusto típico; b) vítima provocadora, que, voluntária ou imprudentemente, colabora com o ânimo criminoso do agente; c) e vítima agressora, simuladora ou imaginária, suposta ou pseudovítima, que acaba justificando a legítima defesa do seu agressor.

No estudo do “controle social” do delito, quarto objeto de estudo da Criminologia, ganham atenção as medidas institucionais e sociais trazendo sanções e reparos que visam domesticar o delinquente ou mesmo evitar o seu aparecimento no dia a dia.

Na discussão desse capítulo específico da Criminologia aparecem duas categorias básicas: o controle formal, envolvendo o uso dos aparelhos de Estado (Polícia, Ministério Público, Exército, Penitenciária, etc.) e o controle informal, compreendendo medidas sociais, culturais, religiosas, familiares, éticas, etc.

Na discussão política que faz parte desse quarto objeto de estudo, considera-se que o crime é um problema social; é um verdadeiro fenômeno comunitário que abrange quatro elementos constitutivos ou parâmetros que podem servir idealmente na produção de políticas criminais e legislações penais.

Segundo Shekaira (2014), os parâmetros ideias na produção legislativa seriam os seguintes:

  1. Incidência massiva na população (ou seja, não se espera tipificar como crime um fato que seja isolado ou estatisticamente insignificante);
  2. Incidência aflitiva do fato praticado (o crime deve causar dor à vítima e à comunidade);
  3. Persistência espaço-temporal do fato delituoso (é preciso que o delito ocorra reiteradamente por um período significativo no mesmo território);
  4. E finalmente, consenso inequívoco acerca da etiologia do crime e de suas técnicas de intervenção eficazes (nesse caso, a criminalização de condutas depende de uma análise minuciosa desses elementos e de sua repercussão na sociedade). 

A inter-relação dos quatro objetos de estudo da Criminologia (delito, delinquente, vítima e meios de controle social) desenvolve espontaneamente uma abordagem metodológica interdisciplinar do conhecimento que surge em decorrência do contato que o pesquisador tem livremente com os indivíduos, as normas, os fatos, os valores, as instituições, os discursos e a História da criminalidade.

O método de procedimento interdisciplinar da Criminologia é notório dentro e fora de diversas subdisciplinas.  

A Sociologia Criminal, por exemplo, procura conhecer os fatores que determinam ou estimulam a criminalidade no dia a dia. Nesse campo do conhecimento, figuram tradicionalmente duas classes de teorias: as do consenso, compreendendo classicamente as teorias da associação diferencial, da anomia e da subcultura delinquente. Em outro lado, encontram-se as teorias do conflito sob a rubrica labelling approach, amplamente usadas pela Escola Crítica (PENTEADO FILHO, 2012, cap. 5).

Outra subárea da Criminologia, a Psicologia criminal investiga a personalidade da pessoa e os fatores que possam influenciá-la, quer sejam de índole biológica e social (PENTEADO FILHO, 2012, cap. 5.1).

Ao lado da Psicologia, encontra-se a Psiquiatria criminal estudando transtornos da personalidade, doenças e retardos mentais, demências, esquizofrenias, e outros tipos de distúrbios de índole psicótica ou não.

Ampliando o estudo da mente humana, a Psicanálise criminal considera que o crime é produto da relação do Id com o Superego, dentro de um contexto criminógeno onde a sociedade moderna reprime desejos individuais e estimula sentimentos de ódio, vingança, competição e morte.

Por extensão, o crime seria uma resposta do id ao ambiente repressor e estressante representado internamente na alma humana pelo superego que exige da pessoa atitudes virtuosas e reconhecidas positivamente pela sociedade. Nessa direção, o crime seria uma válvula de escape, quando o ego do indivíduo perdeu o autocontrole do id irritado com a repressão e a discriminação social.

A Psicanálise criminal considera que existe uma criminalidade simbólica ou latente em cada um de nós que se projeta ou exterioriza secretamente através de sonhos, ficções e obras de arte (DIAS & ANDRADE, 1997, parte 1).

 Na psicanálise freudiana, por exemplo, desenvolve-se uma abordagem multicausal do crime, observando-se a relação entre id e Sociedade que deveriam ser mediados, segundo Freud, por uma política criminal baseada na filosofia erótica, do Deus Eros, que agrega as pessoas.

Ainda de acordo com a Psicanálise criminal freudiana existem dois comportamentos intrigantes: 1- o sentimento de culpa, muitas vezes criado pelo superego ou juiz imaginário que cada pessoa carrega dentro da sua mente; 2- e o complexo de castração devido aos desejos reprimidos que geram imensas frustrações no sujeito (DIAS & ANDRADE, 1997).

A Psicanálise Criminal considera que quando o indivíduo tem prazer em quebrar reiteradamente as normas sociais pode ser um sociopata. Em outro caso, quando o indivíduo se torna neurótico, perturbado mentalmente, e transforma as suas vivências em atos de maldade e de destruição do outro, torna-se um tipo sádico que obtém prazer com o sofrimento alheio, diagnosticado possivelmente como psicótico. Outras vezes, o indivíduo fica violento consigo próprio, tornando-se masoquista, obtendo prazer com o seu próprio sofrimento. Nesse caso, o complexo de vitimização é um bom exemplo.

A Biologia criminal, outra subárea da Criminologia, foi desenvolvida por Lombroso, no século XIX, em sua obra “O homem delinquente”, contendo análises morfológicas e fisionômicas do criminoso.

A explicação biológica de Lombroso naquele momento se baseou no conceito de atavismo, que seria uma herança maldita transmitida pelos “avós” ou antepassados do criminoso, visível pelo criminólogo na morfologia e fisionomia de certos indivíduos onde se destacavam, como exemplo, o crânio estreito, os pomos salientes do rosto do assassino, os olhos oblíquos, o nariz grande do estuprador, a fronte fugidia do ladrão, etc.

A partir da obra “O homem delinquente”, 1876, a Antropologia Biológica Criminal desenvolveu progressivamente estudos biotipológicos, endocrinológicos e psicopatológicos analisando os detalhes físicos dos criminosos, e sugeriu dessa forma a possibilidade de existirem pessoas pré-criminosos (ou seja, potenciais delinquentes) representados inclusive pelas prostitutas, crianças e dementes morais, e logo depois, por negros, ciganos, judeus, mestiços e por outros grupos considerados inferiores e inimigos sociais na visão das elites dominantes.

Antes de Lombroso, destacou-se Alphonse Bertillon, criminólogo, por volta de 1870, fundador do primeiro laboratório de identificação criminal baseada nas medidas do corpo humano, criando a antropometria judicial, conhecida como sistema Bertillon, um sistema de identificação adotado rapidamente em toda a Europa e nos Estados Unidos, e utilizado até 1970. Esse sistema de identificação humana consistia na medição das diferentes partes do corpo (SHEKAIRA, 2014).

Importante acrescentar que Bertillon foi lembrado nas questões de concurso público na seção “papiloscopia”.

Outra subárea da criminologia, a Ciência Política Criminal investiga como se dá a utilização do conhecimento científico pelos poderes públicos. De acordo com Shekaira (2014, p. 51), a Política Criminal se incumbe de transformar a experiência criminológica em opções e estratégias assumíveis pelo legislador e pelos poderes públicos.

Shekaira (2014) afirmou que o Direito Penal deve se encarregar de converter em proposições jurídicas, gerais e obrigatórias o saber criminológico. Entretanto, na opinião do mesmo autor, a Política Criminal, não deveria ser considerada uma ciência igual à Criminologia e ao Direito Penal, pois é uma disciplina sem métodos próprios e se caracteriza apenas como prática dos agentes públicos e dos poderes da União.

Porém, esse ponto de vista não é consensual, e muitos especialistas reconhecem a contribuição da Ciência Política Criminal desde o nascimento da Criminologia, seja no debate dos meios de controle social, ou na axiologia da pesquisa que nunca é neutra, ou então servindo produtivamente no estudo crítico e ideológico da prática maximalista, minimalista e abolicionista penal.

Outra subárea da Criminologia é a Economia Criminal (PENTEADO FILHO, 2012, cap. 2). Ela desenvolve o pressuposto de que o indivíduo é um ser livre, racional, capaz de pensar, de tomar decisões e de agir num cenário de incertezas. Nesse tipo de abordagem, quando alguém comete algum delito pressupõe-se que foi realizado um cálculo incluindo custos, benefícios e avaliação de riscos, de maneira análoga ao que faz o homem econômico de Adam Smith em suas escolhas racionais do mercado.

A Filosofia Criminal é outra subárea da Criminologia e contribui bastante na produção teórica, crítica e especulativa das ideias sobre a criminalidade. Na História da Filosofia Criminal destacou-se a “Criminologia Metafísica ou Clássica”, do filósofo Beccaria, no século XVIII, que inclusive foi determinante na emergência e consolidação do Direito Processual Moderno e do Garantismo penal. O filósofo Bentham, na mesma época que Beccaria, influenciou o pensamento criminológico com a ideia do Panótico, que seria uma arquitetura que tinha um centro ou cabine de vigilância no meio da paisagem interna do presídio, dotado de 360 graus de visão sobre as celas. Outros filósofos iluministas como Montesquieu, Voltaire e Rousseau não deixaram também de lado o problema da criminalidade, mas em menor profundidade.

Segundo Dias & Andrade (1997, p. 8):

Decisiva é a ideia do racionalismo ao serviço do hedonismo: o homem atua movido pela procura do prazer, pelo que as penas devem ser previstas de modo a anularem as gratificações ligadas à prática do crime. Em conexão com isto, sustentou Beccaria a necessidade de que as sanções criminais fossem certas e de aplicação imediata, ideias que a moderna psicologia [...] viria a retomar e que a atual investigação empírica sobre a efetividade da prevenção geral em absoluto confirma.

No século XX, Hannah Arendt publicou a obra intitulada “A violência”. O jurista brasileiro Roberto Lyra Filho também na área da Filosofia escreveu “Criminologia dialética”. Recentemente Giorgio Agamben publicou a obra “Estado de exceção”. Como exemplo, esses autores mostram a importância estrutural da Filosofia na realização das pesquisas criminológicas.

Ainda na área da Filosofia, Dias & Andrade (1997, p. 7) lembraram que Aristóteles, na obra “Política”, considerou o criminoso um inimigo da sociedade, e “que ele deveria ser castigado, tal qual se bate num animal bruto preso ao jugo”. Aristóteles também afirmou que a miséria seria a causa mais popular do crime expressando o sentimento de revolta individual.

Platão de outro modo “viu o crime como sintoma de uma doença”, cuja causa seria marcada por três fontes: 1- paixões (inveja, ciúme, ambição, cólera); 2- busca do prazer e 3- ignorância.

Platão acreditava que a pena era um remédio destinado a libertar o delinquente do mal que ele carregava, mas se não aceitasse o tratamento das penas deveria ser excluído da sociedade.

Essas informações filosóficas foram fielmente usadas em algumas questões dos concursos públicos.

Outra subárea importante na Criminologia, a História Criminal procura conhecer as transformações que delito, delinquentes, vítima e meios de controle social sofreram ao longo do tempo, ficando evidente assim os erros e acertos, os progressos e atrasos que serão avaliados pela visão de mundo do programa de pesquisa de cada pesquisador.

Uma obra emblemática da História Criminal é “Vigiar e Punir”, do pensador Michel Foucault, contendo abundante historiografia que mostra o surgimento do sistema prisional moderno e a sua rápida degeneração como “fábrica de monstros”, conforme expressão do século XIX na Imprensa europeia, registrada exaustivamente por Foucault.

Entretanto, Foucault não foi citado nas questões dos concursos públicos.

Na parte metodológica de qualquer programa de pesquisa em Criminologia é importante lembrar que além da interdisciplinaridade são adotados recursos técnico-científicos variados como, por exemplo, taxonomia, classificação, inventários, mapeamentos geográficos, censos, quantificação dos dados empíricos, análise do discurso, etc.

Em geral, a Criminologia enquanto ciência procura ordenar, separar, juntar, classificar, comparar, abstrair, observar, criticar, julgar, transformar, fazer previsões; tudo isso envolvendo os quatro objetos de estudo que formam o conjunto da criminalidade.

Existem dois métodos bastante utilizados: de procedimento e abordagem. De procedimento destacam-se a interdisciplinaridade e transdisciplinaridade, sendo que essa última modalidade se preocupa com a produção e aplicação de unidades híbridas que atravessam diversas disciplinas ao mesmo tempo.

Em relação ao método de abordagem, a Criminologia pode utilizar o método causalista, correlacionista, processualista, propositivo e integralista.

O método causalista busca descrever a causa (ou as causas) e seus efeitos. Atualmente, fala-se de causas distantes e próximas do delito (por exemplo, a falha nos vínculos afetivos familiares seria uma causa próxima enquanto o sistema capitalista pode ser a causa distante da delinquência juvenil, etc.).

Na Criminologia etiológica desenvolveu-se tradicionalmente uma relação linear entre causa e efeito, relacionando a variável preditiva (X) com a demonstrativa (efeito Y). Essas variáveis são conhecidas como variável independente (X) e variável dependente (Y) (WEATHERBURN, 2001).

Na abordagem multicausal, mais recentemente, considera-se que existem causas próximas e distantes do delito que variam na concepção de cada pesquisador. Por exemplo, uma das causas mais próximas de envolvimento no crime pode ser a associação do jovem com os colegas delinquentes. Ao mesmo tempo, a associação com delinquentes pode ser causada pelo fraco apego entre pais e filhos. Portanto, na abordagem pluricausal a associação com pares delinquentes poderia ser a causa próxima de envolvimento no crime enquanto o fraco apego entre pais e filhos, seria a causa distante. Diferentemente, na percepção de outros criminologistas os pais muitas vezes não conseguem desenvolver laços emocionais intensos com seus filhos quando eles (os pais) estão expostos ao estresse econômico. Nessa linha de raciocínio, a depender do juízo do pesquisador, o estresse econômico pode ser a causa distante de envolvimento dos filhos no crime, enquanto o fraco apego entre pais e filhos poderia ser a causa próxima do comportamento desviante (WEATHERBURN, 2001).

Um método auxiliar da metodologia causal-determinista é o modelo probabilístico-multilinear. Nessa modalidade do conhecimento: 

[...] as variáveis ou fatores criminógenos não operam em termos de linearidade, mas de interação: tanto de interação recíproca como de interação com o que suspostamente representaria o seu objeto, isto é, os próprios autores do crime (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 157).

O modelo probabilístico foi popularizado na Criminologia com a “árvore”, do autor Cohen, onde aparecem alternativas sucessivas que o criminoso poderia se deparar e reagir, variavelmente, ao longo das simulações. Nesse modelo, “o propósito inicial do sujeito para empreender uma determinada conduta desviante, formulado num dado contexto situacional e motivacional, está sujeito a inúmeros desvios” (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 157).

Os modelos probabilísticos-multifatoriais são relativistas, especulativos, hipotéticos, ou possibilistas, e apresentam grande margem de incerteza a respeito do que efetivamente vai acontecer. Em outra direção, o procedimento causalista-multifatorial descreve empiricamente a manifestação real dos fatores de risco disponibilizados pelo modelo probabilístico.

Os fatores de risco são unidades virtuais, abstratas, portadoras de chances ou probabilidades de levar o indivíduo ao delito. Eles são úteis na produção de políticas preventivas ao crime. A maioria das pesquisas que indicam a eficácia da prevenção ao crime tende a enfatizar a importância de se abordar especificamente os fatores que induzem o risco da delinquência. Nesse sentido, a Organização Mundial de Saúde e o Conselho Econômico e Social das Nações Unidas chegaram à mesma conclusão (MONCHALIN, 2009). No geral, verifica-se que os projetos políticos eficazes enfrentam “fatores de risco” e procuram desenvolver “fatores de proteção” (MONCHALIN, 2009).

A redução de risco é cada vez mais presente na Criminologia desde os anos de 1990. A prevenção baseada na noção de risco foi importada dos procedimentos da Saúde Pública e da Medicina.

 Originalmente, no modelo médico fumar ou comer gordura em excesso são identificados como fatores de risco e as medidas preventivas devem trazer a redução de efeitos potencialmente indesejados, por exemplo, doença cardíaca (MONCHALIN, 2009).

 Os fatores de proteção contribuem para: 1- neutralizar os fatores de risco; 2- diminuir a vulnerabilidade à agressão ou vitimização; e 3- aumentar a resiliência duradoura das pessoas (MONCHALIN, 2009).  

Na Criminologia, a prevenção ao crime busca reduzir o impacto de fatores associados à agressão ou vitimização. Considera-se nesse sentido que práticas parentais ruins durante a infância predispõem os indivíduos ao risco maior de praticarem agressões ou de sofrerem vitimização (MONCHALIN, 2009).

O procedimento probabilístico-multifatorial não produz conhecimento exato, como fazem os casualistas que simplificam e reduzem algumas variáveis do Mundo em duas categorias básicas: causa e efeito. Entretanto, mesmo sendo simplistas e reducionistas “nada parece contrariar decisivamente a legitimidade e as vantagens do recurso às teorias etiológico-explicativas em Criminologia” (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 159).

De outra forma, o método correlacionista através da Estatística mostra que dois ou mais variáveis se manifestam simultaneamente na questão criminal (por exemplo, uso de drogas associado com a delinquência juvenil).

Por sua vez, o método processualista ou institucionalista procura conhecer interação ou dialética das relações sociais, ou seja, o acontecimento, o processo de rotulação ou de criminalização recebido por determinado indivíduo na comunidade.

Outro método, o propositivo, sugere políticas e medidas institucionais com o engajamento do pesquisador.

Finalmente, o método integrativo pretende juntar todos os métodos anteriores, mas dificilmente consegue essa proeza tendo em vista a rivalidade e antipatia entre os praticantes da Escola Crítica e os Positivistas, ou então entre institucionalistas e biologistas.

No método integrativo é importante romper a simplificação do conhecimento, e rejeitar “toda a teoria unitária, toda a síntese totalizadora, todo o sistema racionalizador/ordenador” (MORIN, 1977, p. 25). Por extensão, é necessário acabar com a fechadura do conhecimento programático e construir novos “ciclos virtuosos, que se tornem reflexivos e geradores de um pensamento complexo” (MORIN, 1977, p. 22).

 De acordo com Morin (1977, p. 24), é preciso reorganizar o nosso sistema mental “para reaprender a aprender” (MORIN, 1977, p.24). Com essa filosofia da complexidade, novas organizações do saber dependem diretamente de interações; e para que elas ocorram com sucesso é preciso que haja encontros e instabilidades através da agitação e turbulência das ideias.

Aplicando a epistemologia integrativa, a Criminologia não estuda fragmentos dispersos entre a Biologia, Física, História, Literatura, ou a Sociologia, porque sua meta é reunificar o saber, sintetizando diferentes abordagens na busca da transdisciplinaridade (RIVERO, 2016, p. 72). Essa filosofia da Ciência condena a hiperespecialização do conhecimento (RIVERO, 2016).

Na axiologia ou sistema de crenças do programa de pesquisa da Criminologia é preciso reconhecer também o papel das ideologias orientando o nascimento e destino do conhecimento científico. Dias & Andrade (1997, p. 110) lembram a esse respeito que “a investigação pressupõe opções prévias no plano da política criminal; outras vezes, são determinadas exigências de política criminal que produzem a criminologia correspondente.

No entendimento dos mesmos autores:

Não será correto reduzir a criminologia à categoria de ciência empírica, pois a política criminal terá a medida e a força que lhe advém da concreta constelação axiológica de que recebe o impulso para agir e da fonte onde radica a legitimidade do poder que exprime. É a partir do que é a criminologia que avançam juízos de dever-ser; e é a partir do que deve ser que a política criminal se propõe a transformar o que é (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 113). 

Observação importante é que esses dois autores afirmaram que a Criminologia não é somente uma ciência empírica, mas também ideológica. Entretanto, nenhuma questão dos concursos foi tão crítica assim a ponto de admitir a importância das ideologias na produção do conhecimento.

O que predominou nos concursos é a ideia absoluta de que a Criminologia é uma ciência empírica, entretanto, para o bem da verdade, toda ciência é parcialmente empírica porque precisa ter aplicação e base de dados; mas ao mesmo tempo, é parcialmente teórica, abstrata; algumas vezes é Metafísica propondo especulações em cima de especulações, etc.; além disso, toda ciência é parcialmente ideológica.

É preciso, portanto, ter uma compreensão da complexidade do assunto, o que faltou nas questões dos concursos públicos.

De acordo com Dias & Andrade (1997, p. 5), as relações entre a Criminologia e a ideologia não tem apenas um sentido, pois a ideologia sofre a influência das concepções criminológicas. Nesse sentido, o positivismo quis reagir sobre o delinquente. Em outra direção, a criminologia radical contesta o sistema social, etc.

Conforme explicaram os mesmos autores portugueses, superados os pressupostos que legitimaram o modelo médico, isto é, a crença de que o crime tem natureza de sintoma de uma doença subjacente, esse mesmo modelo ainda continua a inspirar grandemente as representações dos cidadãos no senso comum e os programas políticos atuais.

Na História da Criminologia funcionam as seguintes ideologias políticas: Positivismo, Anarquismo, Marxismo e Liberalismo.

Entre os pioneiros positivistas, Garofalo ao escrever o livro intitulado “Criminologia”, em 1885, enfatizou metodologicamente a causa psico-moral do crime. Esse pioneiro afirmou que o caráter da pessoa pode ser bom ou ruim, mas esse dado natural será conhecido apenas com o passar do tempo com a biografia de cada um.

Segundo Garofalo, a reincidência penal seria o marcador científico utilizado na época para saber se o indivíduo era dono de um mal caráter, pois sendo preso duas ou mais vezes no sistema carcerário, ficava demonstrada objetivamente a doença moral do indivíduo com a falta de dois sentimentos saudáveis da raça humana: 1- a piedade, que significa respeito à dignidade e à integridade das outras pessoas; nesse caso, o psicopata é impiedoso, mata, humilha, tortura, etc.; e além disso, 2- a probidade, que significa respeito ao patrimônio alheio e às normas jurídicas, o que não acontece entre os sociopatas que violam com prazer a ordem jurídica e os bons costumes da sociedade.

De acordo com Lombroso, a cólera é um sentimento elementar no ser humano, que deve ser dirigida ou controlada, mas não se deve imaginar ou esperar que ela seja extirpada em definitivo da vida da pessoa.

Os casos registrados por Lombroso mostram a frequência e a precocidade do senso da vingança nos meninos.

Crianças de 7 meses costumam arranhar a ama de leite quando ela procura retirar a teta.

O criminoso da época de nome Lafarge estrangulava frangos desde criança com grande prazer.

Dumbey aos 7 anos era ladrão.

O assaltante B, com 9 anos, já era ladrão e estuprador.

Cartouche aos 11 anos era ladrão.

Crocco aos 3 anos divertia-se em depenar aves vivas.

Lombroso conheceu também um menino hidrocefálico, de desenvolvimento e entendimento tardio, que se irritava à mais leve advertência até a idade de 6 anos. Se pudesse golpear aquele que o tinha irritado, certamente ficaria tranquilo; se não podia golpear ninguém, continuava a gritar. O menino mordia as mãos, “ato que eu o vi repetir, quando não podia vingar-se da ameaça feita a ele”. Às vezes reagia muitas horas após a súbita irritação e sempre procurava golpear outros no ponto em que fora atingido ou ameaçado. Era violentíssimo, sobretudo se acreditasse ser punido.

Sobre o comportamento agressivo das crianças, Lombroso (2010, p. 62) citou Fénélon que escreveu a seguinte proposição: “Nos meninos o ciúme é mais violento do que se imagina e há muitos que emagrecem insensivelmente ao sentir-se menos acariciados do que outros”.

De acordo com Lombroso, a criança é semelhante ao delinquente; pois ela carrega tendência natural ao crime, independentemente das condições sociais. Outro caráter que torna semelhante o menino ao delinquente é a preguiça intelectual, o que não exclui a atividade pelo prazer e pelo jogo.

Em geral, os meninos mais ignorantes não admitem jamais serem repreendidos, geralmente pelos mestres, pela incapacidade.

Em conversa com os presidiários, Lombroso ficou sabendo também que muitos deles se embriagavam desde a infância e na frente dos genitores. A paixão pelo jogo é uma nota característica da vida infantil, notou Lombroso. Todos os amores anômalos e monstruosos, como quase todas as tendências criminosas, têm princípio na primeira idade, segundo a sua avaliação.

Concluindo a descrição do comportamento infantil, Lombroso (2010, op. 71) afirmou que: do conhecimento dos fatos descritos e narrados, tem-se a natural explicação de como a demência moral se originou só por falta de todo freio nos excessos desde a infância, cujos maus hábitos não interrompidos pela educação, seria como uma continuação. Sendo a demência moral e as tendências criminosas unidas indissoluvelmente, explica-se porque quase todos os grandes delinquentes tiveram que manifestar suas medonhas tendências desde a primeira infância.

A axiologia ou sistema de crenças do programa de pesquisa lombrosiano desenvolveu uma visão positivista em relação ao poder da ciência causalista, acreditando que para evitar que a criança se tornasse criminosa ela deveria receber rígida educação dos pais, por se tratar de um monstrinho manifesto.

A educação, a moral, a religião e a sociedade são meios que ajudariam a frear a criminalidade. Entretanto, em muitos casos observados o atavismo superava os limites sociais; em outros casos, a educação falhava mesmo que fosse aplicada rigorosa e agressiva técnica de controle comportamental.

A explicação para Lombroso era uma só: existem vários tipos de criminosos (habituais, passionais, natos, loucos, epiléticos), porém, no criminoso nato existe um determinismo biológico absoluto que já vem pré-moldado no corpo e no sangue da pessoa que por essa razão jamais será corrigido, restando como solução evitar que essa espécie se reproduza e continue viva, por isso torna-se recomendável a eugenia, a castração ou a pena de morte nos casos específicos do criminoso nato.

Do ponto de vista teórico, o programa de pesquisa lombrosiano se fundamentou no evolucionismo de Darwin, de onde se extraiu intuitivamente a ocorrência de resquícios de primitivismo em certas famílias da espécie humana. O evolucionismo serviu para Lombroso fundamentar a ideia de que existem grupos biológicos inferiores e outros superiores.

A sua teoria se baseou também em Hobbes, admitindo o estágio de selvageria próprio do estado de natureza que deve ser reprimido a todos custo pela civilização do Leviatã.

A respeito das teorias usadas por Lombroso, os analistas Myriam Raquel Mitjavila & Priscilla Gomes Mathes (2012, p. 1380), notaram que teve grande importância a teoria da degeneração.

O crítico Foucault percebeu que a noção de degeneração será elemento teórico chave da medicalização do anormal. Na perspectiva foucaultiana, o degenerado passa a ser o anormal medicalizado.

Lombroso criou assim uma teoria própria, a do Atavismo, que se reporta à herança ruim dos antepassados da família ou avós do criminoso nato, que é uma criatura identificada pelo seu evidente biotipo craniano e fisionomia feia e anormal.

Usando essa teoria, Lombroso chamou atenção para o fato de que a primeira causa da difusão do uso da tatuagem é o atavismo (ou hereditariedade). Esse costume seria uma espécie de “atavismo histórico”, onde a tatuagem seria um dos caracteres especiais do homem primitivo e do homem em estado de selvageria. A facilidade de usar tatuagem no corpo tem a ver com o fato de que os criminosos natos são “grosseiros” ou insensíveis.

A preferência dos delinquentes por uma operação tão dolorosa e frequentemente longa e perigosa como a da tatuagem e a grande frequência neles de traumas, “levaram-me a suspeitar que haja neles uma sensibilidade à dor mais abafada do que a das pessoas comuns. É o que acontece também entre os alienados (LOMBROSO, 2010, p.47).

Interrogando os vigilantes e médicos carcerários, Lombroso conseguiu catalogar alguns casos de verdadeira analgesia (ou insensibilidade à dor) mas na maioria eram delinquentes alienados ou quase loucos.

Um velho ladrão, por exemplo, deixou-se aplicar um ferro quente no escroto, sem dar um pio, e depois perguntou se estava terminada a operação, como se não se tratasse dele.

Um ladrão condenado já treze vezes recusava-se a trabalhar sob o pretexto de dores na perna direita; o médico lhe disse que haveria necessidade de amputá-la e colocar uma de madeira, com a concordância dele. “Algum tempo depois, o enfermeiro da prisão descobriu que ele tinha realmente séria lesão na perna, mas era à esquerda. Evidentemente era um imbecil, que depois foi internado num manicômio” (LOMBROSO, 2010, p.48).

Nas grutas pré-históricas e nos sepulcros do antigo Egito apareciam os estiletes que servem ainda aos selvagens modernos para tatuar-se.

Os escoceses desenhavam, com espetos, estranhas figuras no corpo.

Os soldados romanos ostentavam no braço direito o nome do imperador e a data do engajamento no exército.

Em geral, assim escreveu Lombroso (2010, p. 43), “não há, penso, selvagem que não seja mais ou menos tatuado”. Por exemplo:

  1. Os pariáguas pintam o rosto de azul nos dias de festa e desenham triângulos, arabescos nas faces.
  2. Os povos negros distinguem-se, de tribo a tribo, especialmente os bambaras, fazendo cortes horizontais ou verticais no rosto, no peito e nos braços.
  3. Os bornus da África central distinguem-se por vinte cortes de cada lado do rosto; seis em cada braço, quatro no peito, etc.

Uma segunda demonstração empírica do atavismo, seria a configuração de uma linguagem pobre no dia a dia do presídio, típica de homens selvagens que se multiplicavam - infelizmente para Lombroso - no meio da florescente civilização europeia. Os presidiários adotavam como os selvagens, frequentemente a onomatopeia, o automatismo, a personificação dos objetos abstratos.

Lombroso acreditou que o homem estúpido, privado de senso moral e abandonado às perversas inclinações naturais, que forma uma nova língua, é pouco diferente do homem selvagem, que faz os primeiros esforços na sociedade. Nas línguas primitivas abundam as onomatopeias: os nomes de animais são expressos no jargão do mesmo modo, embora figurado (LOMBROSO, 2010, p. 181).

Na dimensão prática ou utilitarista do programa de pesquisa lombrosiano, as perguntas problematizadoras foram as seguintes: quem é o homem delinquente? Onde ele vive? Em que condições ele se manifesta? Como se defender dessa criatura?

A resposta inicial sobre quem é o criminoso nato decorre do diagnóstico obtido sobre o perfil biológico e comportamental dos presidiários (e aqui encontra-se uma debilidade sociológica do autor que nunca questionou a seletividade do sistema prisional que prendia preferencialmente pobres e mestiços).

Ao formalizar o biotipo do criminoso nato, Lombroso passou a defender a ideia da periculosidade natural, demonstrando que existem pré-criminosos; ou seja, pessoas visivelmente dotadas de características cranianas e faciais que a qualquer momento poderiam cometer crimes hediondos.

Curiosamente, nesse momento histórico enquanto o criminoso na Criminologia Clássica era um abjeto de estudo (ou seja, um ser imoral, repugnante, baixo; ignóbil; dotado de pouco valor, não prestava; era sem-vergonha e cara de pau); na Criminologia científica o criminoso passou a ser um objeto de estudo, ou seja, virou uma valiosa fonte de conhecimento que circulou nos palácios acadêmicos e nos projetos editoriais modernos como livros, catálogos, teses e revistas especializadas.

Para enfrentar a criminalidade concretamente Lombroso sugeriu uma política positivista, maximalista, penalista, intervencionista, fundamentada no paradigma da defesa social.

Em seu modelo, o criminoso nato apresentava as seguintes características:

  1. Mandíbulas volumosas.
  2. Assimetria facial.
  3. Orelhas desiguais.
  4. Falta de barba nos homens.
  5. Fisionomia viril nas mulheres.
  6. Ângulo facial baixo.

A respeito dos estupradores, Lombroso sistematizou os seguintes caracteres:

  1. Têm lábios grossos
  2. Cabelos abundantes e negros
  3. Olhos brilhantes
  4. Voz rouca
  5. Alento vivaz
  6. São frequentemente semi-impotentes e semi-alienados.
  7. Possuem genitália atrofiada ou hipertrofiada
  8. Apresentam crânio anômalo
  9. São dotados muitas vezes de cretinice e de raquitismo.

Sobre os ladrões, Lombroso elencou outras características:

  1. São apaixonados por cores berrantes: amarelo, vermelho, azul, por berloques, correntes, e até por brincos
  2. São os mais ignorantes da espécie delinquente
  3. São quase sempre assustados e temerosos de serem pegos de surpresa
  4. Aproveitam toda ocasião para mudar o discurso
  5. Fazem-se amigos e confidentes ao primeiro que encontram e conversem na gíria, como dignos colegas
  6. Acreditam nos sonhos, nos presságios, e nos dias nefastos
  7. Não raras vezes demonstram amores românticos, mas preferem sempre as prostitutas, que são naturais aliadas
  8. Apresentam alto grau de insensibilidade pelas dores próprias o que explica como alguns delinquentes possam ter cometido atos que parecem ser de extraordinária coragem

Finalmente, o contexto histórico projetado pelo programa de pesquisa lombrosiano é pós-metafísico, e assim procura desmascarar o mito de que o indivíduo teria liberdade de escolha para realizar ou não o ato criminoso.

Ao contrário da Criminologia metafísica ou clássica até então dominante, o modelo determinista do médico Lombroso defendeu a tese de que a pessoa já vem pré-moldada pela hereditariedade dos pais e pela Natureza independentemente da sua história de vida futura. Com essa novidade introduzida na Criminologia, as ideias científicas de Lombroso seduziram os modernistas que desenvolveram novos horizontes a partir da abordagem etiológica.

No caso de menores criminosos, especialistas da época passaram a defender a internação em casas de correção; porém, em se tratando de casos mais graves, os adeptos da teoria lombrosiana defenderam o trabalho social ou mesmo a participação dos menores em atividades militares das guerras internacionais, onde os menores poderiam usar a sua agressividade e instinto de morte contra os inimigos da pátria.

Contra os criminosos natos, por sua vez, foram propostas medidas modernas, como castração, remédios, profilaxias diversas e eugenia, procurando acima de tudo evitar que os portadores do biotipo lombrosiano não se casassem, sendo a melhor solução mesmo a pena de morte como forma de extermínio dessa espécie nociva à Civilização.

Entre os resultados acadêmicos gerados pelo programa lombrosiano não se pode negar o fato de que ele criou, inconscientemente, a principal obra de estigmatização do preso, onde ele mesmo criou “cientificamente” o biotipo do criminoso nato.

Outra contribuição interessante do programa de pesquisa lombrosiano é que ele destacou a importância de religar a Biologia com a Sociologia, a Moral e a Política, com o objetivo de frear a criminalidade em geral, mas não exatamente envolvendo o caso do criminoso nato para o qual não havia alternativa a não ser a pena de morte ou prisão perpétua devido ao determinismo biológico presente nesse tipo de Homem desde o seu nascimento.

Ferri, outro pioneiro positivista, em 1905 escreveu a obra “Sociologia Criminal”, e afirmou que a criminalidade evolutiva (relacionada com o comportamento antissocial) e a criminalidade atávica (relacionada com crimes desumanos por herança biológica) cresciam estatisticamente por uma causa exógena (ambiente social imperfeito) e também por uma causa endógena (devido à personalidade fraca ou perversa do indivíduo).

Ferri enfatizou que os responsáveis pelo fracasso civilizatório do criminoso não eram nem a Natureza, nem a Sociedade e nem os indivíduos, isoladamente, mas a inter-relação entre eles, constituindo uma abordagem ousada para época, através de um olhar transdisciplinar ou bio-fisio-social, que reconhecia que o crime era uma patologia individual e social ao mesmo tempo.

Ferri acreditava que a Sociedade precisava ser higienizada, fazendo os criminosos cumprirem suas penas afastados dos centros urbanos, em colônias agrícolas e industriais, onde aprenderiam a ser pessoas normais, aptas a voltar para a sociedade.

Influenciado pelo modelo higienista da época o médico Nina Rodrigues no final do século XIX avaliou igualmente como Ferri que os africanos e os mestiços no Brasil cometiam crimes sanguinários e assaltos frequentes, conforme registravam os boletins policiais e a imprensa da época; e a causa desse fenômeno era segundo ele a Sociedade desorganizada, pois a mesma não criou oportunidades e mecanismos de inclusão dos negros e mestiços no projeto civilizatório branco de olho azul. Como solução, Nina Rodrigues propôs a adoção de sistemas prisionais diferentes para brancos, negros, índios e mestiços, adaptados às particularidades geográficas e históricas de cada região onde existiam, segundo a sua avaliação, diferentes graus de contatos com a civilização brasileira desde o período colonial.

Ferri propôs em sua obra exatamente o seguinte: criar medidas preventivas e repressivas para cada tipo antropológico!

No paradigma positivista, em geral, a capacidade explicativa será bem-sucedida se houver um objeto com natureza universal, não sujeito ao relativismo espaço-temporal, e que seja além disso suscetível de estudo objetivo e neutro.

De acordo com Baratta (2002), a concepção positivista da ciência como estudo das causas “batizou a Criminologia”; entretanto, mesmo com a novidade teórica da Escola de Chicago, de natureza fenomenológica e hermenêutica, depois de 1930, a orientação patológica e clínica da questão criminal continuou forte na Criminologia, na Mídia e espantosamente é popular na opinião do cidadão comum, atualmente.

A Criminologia Liberal, de outra maneira, procura “racionalizar” ou “eficientizar” instituições e comportamentos. Essa Criminologia surgiu com Beccaria, na Itália; Bentham, na Inglaterra; e Feuerbach, na Alemanha.

Os liberais do século XVIII defenderam um novo sistema criminal com a divisão de poderes, a vigilância do autoritarismo e a inclusão de princípios humanistas no Direito Penal, procurando superar a justiça de gabinete, o processo inquisitorialista, a prática da tortura, etc., tendo como preocupação primordial salvaguardar os direitos do imputado por meio da atuação de um juiz obediente à Lei, que julgaria o processo de modo impessoal.

Na década de 1930, o salto qualitativo da Criminologia Liberal aconteceu com as teorias do Conflito desenvolvidas pela Escola de Chicago, especialmente agrupadas no termo labelling approach, rejeitando o idealismo penal, e desenvolvendo uma postura realista e cética sobre o sistema punitivo e a suposta isonomia penal.

Os pioneiros da Escola de Chicago contestaram o dogma da isonomia e em seu lugar enfatizaram que existe uma flagrante irregularidade no exercício do poder associada ao contexto de desigualdades econômicas e penais.

Os sociólogos liberais do labelling approach, Escola de Chicago, passaram a investigar a formação da identidade desviante, surgindo em suas análises o “desvio secundário” com a utilização da etiqueta “criminoso” e “doente mental”.

Nessa abordagem considerou-se que eram comuns as práticas seletivas e discriminatórias do sistema de justiça criminal, e esse fato na visão de mundo liberal-americana traduziria o ambiente pluralista e democrático onde existem grupos de interesses competindo e controlando instituições públicas.

Especificamente, a Criminologia Liberal desenvolve três modos de produção do conhecimento: institucionalista; individualista; e garantista. 

Inicialmente, a Criminologia institucionalista não se preocupa com a causa do crime, mas com as condições em que ele ocorre, por isso, o desafio é criar desestímulos ao avanço da criminalidade e distribuir incentivos positivos que induzam o sujeito a respeitar a ordem instituída; nesse sentido, são oferecidas novas oportunidades de participação do indivíduo na Sociedade e no Mercado, são implementadas políticas preventivas e educativas entre os jovens, e são reforçados os vínculos sociais e o sentimento de pertença.

Além disso, a Criminologia administrativa ou institucionalista procura não só manipular o ambiente, mas também “influenciar a decisão do potencial criminoso, analisando oportunidades que facilitam a ação dos delinquentes e os riscos envolvidos na prática dos crimes” (DASSAN; GIL; FONSECA, 2016).

Ao contrário do modelo positivista, os criminalistas liberais desprezam a ideia de que o crime tem causa. Também os liberais refutam a crença de que o Estado é o único agente provedor de paz e ordem, pois consideram que Sociedade Civil, Indivíduos e Mercados podem colaborar significativamente no combate à criminalidade.

A Criminologia institucional-administrativa procura também diminuir a criminalidade aplicando teorias econômicas que classificam “o criminoso [como] consumidor hedonista racional, oportunista, sensível às motivações situacionais e relativamente livre de controles internos ou externos” (DASSAN; GIL; FONSECA, 2016).

Entendem os liberais que o crime faz parte do cotidiano das pessoas, sendo um fato inevitável da vida com o qual é necessário saber conviver, e consequentemente, avaliar e administrar, a exemplo do que se faz com os acidentes e as regras de trânsito. Por esse viés teórico, “o crime não é mais um problema patológico de certos indivíduos ou de grupos sociais desajustados, passando a ser encarado como um evento normal que acontece no curso ordinário da vida em sociedade” (DASSAN; GIL; FONSECA, 2016).

O fundamento teórico da Criminologia institucionalista tem como pilar o neobehaviorismo de Skinner. Essa psicologia institucionalista pretende criar uma nova cultura, planejada, racional, visando equilibrar liberdade individual com obediência às normas jurídicas; nesse sentido, são apresentados modelos jurídicos mais permissivos, descentralizados e eficientes, onde o indivíduo obtém mais responsabilidade sobre a sua vida pessoal e social.

Produtos como anarquia positivada, parcerias público-privadas, gestão racional do presídio, participação do cidadão comum na política de segurança pública com porte de arma autorizado a fim de que ele mesmo possa combater livremente a criminalidade; são alguns exemplos descentralizadores, individualistas, e eficientistas da Criminologia Liberal.

Em geral, na Criminologia Liberal o enfrentamento da criminalidade é guiado pelo princípio da eficiência, esperando prover a máxima segurança com o mínimo de recursos dispendidos.

A expectativa é agir antes que o crime ocorra. Especificamente, as políticas neoliberais se especializam no gerenciamento de riscos, e desenvolvem uma lógica atuarial, criando perfis de potenciais delinquentes e de pessoas vulneráveis à violência; ao mesmo tempo, oferecem incentivos positivos, agradáveis, e negativos, amargos, que devem reduzir as oportunidades propícias ao crime e ao desvio social (DASSAN; GIL; FONSECA, 2016).

A Criminologia liberal-individualista, por sua vez, repete a teoria clássica de Stuart Mill. A tese fundamental desse pioneiro do Liberalismo é garantir o máximo de liberdade com o mínimo de intrusão do poder público.

Na teoria liberal, o indivíduo tem direito fundamental de fazer suas escolhas contando idealmente com informações e advertências públicas do Estado a respeito dos efeitos deletérios e indesejáveis que poderão incidir sobre si e a Sociedade a partir das suas escolhas. Nesse sentido, a pessoa poderia tomar veneno, exercendo o direito absoluto de escolha, mas sabendo de antemão que o produto causaria a sua morte. Algo semelhante acontece no Brasil com a advertência nas embalagens de cigarro, onde se lê: “Fumar é prejudicial à saúde! ”. Nesse caso, o cidadão compra o produto se quiser e o Estado não censura, nem obriga ninguém a agir dessa ou daquela maneira.

Na Criminologia liberal-individualista a prevenção é “responsabilidade do indivíduo e das organizações privadas, que devem internalizar culturas e práticas suscetíveis de reduzir a ocorrência de crimes”. Entretanto, os críticos não liberais advertem que essa política descentralizadora é “contra um dos pilares das sociedades modernas, qual seja, o dever do Estado de garantir a segurança e a ordem dentro de seu território” (DASSAN; GIL; FONSECA, 2016).

Na Criminologia liberal-garantista, por outro lado, há preocupação com a racionalidade e a eficiência das instituições com o objetivo de proteger direitos humanos. Essa Criminologia começa suas atividades desconfiando dos aparatos punitivos, devido ao abuso frequente praticado pelos agentes públicos no exercício do poder. “Significa ter presente que a constituição do poder repressivo penal é fundada no inquisitorialismo em maior ou menor intensidade” (CARVALHO, 2010, p. 23).

A teoria do garantismo penal, segundo Salo de Carvalho, “apesar de ser marcada pelo ideário iluminista e pela pretensão universalista [...], apresenta no contexto global de violações aos direitos humanos interessante mecanismo de fomento à minimização dos poderes punitivos” (CARVALHO, 2010, p. 127). Entretanto, o mesmo autor reconheceu, infelizmente, que “o modelo garantista não consegue ultrapassar os limites do normativismo e a ilusão do bom poder punitivo” (CARVALHO, 2010, p. 131).

Na Criminologia Marxista, em outra direção ideológica, a meta é “conscientizar” os oprimidos a respeito de sua real situação no sistema capitalista, criando nesse sentido uma consciência de classe que será megacoletivista, padronizante e revolucionária. Uma característica essencial da Criminologia Marxista é sua abordagem etiológica que descreve o Capitalismo como causa dos crimes (AKERS & SELLERS, 2013). 

Entende-se na Criminologia Marxista que os crimes cometidos pelo proletariado são delitos compreensíveis ou aceitáveis em alguns casos porque representam estratégias de sobrevivênca ou de resistência à dominação da classe dominante burguesa.

Os marxistas acreditam que “o Capitalismo tornaria os homens mais individualistas e mais propensos à prática do crime”. Os militantes avaliam também que o Capitalismo é um “sistema virado para a obtenção do lucro e a competição, [é] propício ao exacerbamento do egoísmo, e [é] hostil ao florescimento dos sentimentos de altruísmo e solidariedade” (DIAS & ANDRADE,1997, p. 27).

Infelizmente, a Criminologia Marxista aplicada nos países capitalistas não criticou a Criminologia Marxista em vigor na União Soviética, nos anos 70 e 80 do século passado. Se tivesse criticado, colocaria em xeque as suas verdades ideológicas, uma vez que os mesmos horrores cometidos no sistema da justiça criminal do capitalismo aconteciam no socialismo. De fato, nos países ocidentais-capitalistas, os marxistas e os simpatizantes ideológicos desse modelo fizeram a Escola Crítica prosperar a partir da década de 1970; porém, nos países socialistas esse modo de produção do conhecimento desenvolveu uma trajetória intelectual oposta, ou seja, anticrítica. 

A Criminologia Marxista a partir dos anos de 1970, na versão do autor italiano Alessandro Baratta, foi progressivamente utilizada por pesquisadores inconformados com o sistema dominante, sobretudo nos países latino-americanos.

Impressiona a Criminologia desse autor pois além de criticar o Positivismo e o Liberalismo, criticou também o próprio Marxismo.

Segundo Baratta (2002, p. 207), a vitória do sistema socialista resultaria na superação do Direito Penal burguês; entretanto, ele advertiu que:

[...] substituir o direito penal por qualquer coisa melhor somente poderá acontecer quando substituirmos a nossa sociedade por uma sociedade melhor, mas não devemos perder de vista que uma política criminal alternativa e a luta ideológica e cultural que a acompanha devem desenvolver-se com vistas à transição para uma sociedade que não tenha necessidade do direito penal burguês, e devem realizar, no entanto, na fase de transição, todas as conquistas possíveis para a reapropriação, por parte da sociedade, de um poder alienado, para o desenvolvimento de formas alternativas de autogestão da sociedade, também no campo do desvio.

O idealismo de esquerda do autor postula que:

Em uma sociedade livre e igualitária; e é longo o desenvolvimento que leva a ela; não só se substitui uma gestão autoritária por uma gestão social do controle do desvio, mas é o próprio conceito de desvio que perde, progressivamente, a sua conotação estigmatizante, e recupera funções e significados mais diferenciados e não exclusivamente negativos (BARATTA, 2002, p. 207).

No idealismo de esquerda do autor:

A sociedade igualitária é aquela que deixa o máximo de liberdade à expressão do diverso, porque a diversidade é precisamente o que é garantido pela igualdade, isto é, a expressão mais ampla da individualidade de cada homem, portanto, que consente a maior contribuição criativa e crítica de cada homem à edificação e à riqueza comum de uma sociedade de  “livres produtores”, na qual os homens nã0 são disciplinados como portadores de papéis, mas respeitados como portadores de capacidades e de necessidades positivas. [...] Marx expressou a definitiva superação do direito desigual, em uma sociedade de iguais, em uma fórmula que queremos relembrar aqui: “de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades” (BARATTA, 2002, p. 208).

Baratta reconheceu que a Criminologia Liberal fez revoluções teóricas no século XVIII, contrapondo-se ao Positivismo e Autoritarismo, e depois a partir de 1930 na Escola de Chicago.

Apesar desse reconhecimento histórico, Baratta enfatizou que a Criminologia Liberal nunca foi capaz de iluminar a raiz da criminalidade. Em sua avaliação ideológica, as teorias liberais apresentam crítica rasante sobre a realidade capitalista. 

Baratta inferiorizou a Criminologia Liberal, rotulando-a de ciência idealista, pois acredita no ideal de uma sociedade justa, fraterna, democrática, humana e equilibrada, mantendo as desigualdades econômicas. Nesse sentido, Baratta exaltou os instrumentos conceituais e hipóteses teóricas de Marx & Engels. Entretanto, ressaltou que a utilização do marxismo deve ser livre do dogmatismo.

Para Baratta, o marxismo é um edifício teórico aberto, e que como qualquer outro, pode e deve ser continuamente controlado mediante a experiência e o confronto crítico; sem preconceitos com os argumentos e os resultados provenientes de outros enfoques teóricos.

Aprofundando seu pensamento, Baratta afirmou que não basta só criticar a realidade; é preciso operacionalizar mudanças culturais, ficando evidente assim o realismo de esquerda da Criminologia, apontando nesse sentido estratégias pedagógicas; propondo meios alternativos à política institucional dominante; e incentivando a opinião pública a rever os estereótipos criminais, além das definições, teorias e práticas penais correntes na sociedade contemporânea.

Semelhantemente ao que pensam os marxistas gramscianos, considerou Baratta que a opinião pública é vulnerável à ideologia burguesa, experimentando vícios e valores alienantes que legitimam o sistema penal, e perpetuam no dia a dia o mito da igualdade penal e o mito da defesa social.

Segundo Baratta, é na opinião pública que se desenvolvem processos de projeção da culpa e do mal e também se realizam as funções simbólicas da pena, analisadas pelas teorias psicanalíticas da sociedade punitiva. Nessa perspectiva, a intenção é reverter as relações de hegemonia cultural através da crítica ideológica, envolvendo racionalidade teórica e educação libertadora.

O resultado da pesquisa crítica deve produzir uma política alternativa de solução de conflitos, confrontando a dogmática penal vigente. Nesse processo, é necessário promover um debate libertador em massa, especialmente com a participação da classe operária (BARATTA, 2002, p. 204-205).

Em outra direção ideológica, a Criminologia Anarquista procura “anarquizar” o sistema de justiça criminal e a própria Criminologia. No dicionário, “anarquizar” representa uma variedade de ações que transgridem a ordem autocrática na direção de uma nova ordem policrática.

“Anarquizar” quer dizer também: tornar anárquico; desconstruir; desarranjar a ordem costumeira; tirar as partes de um conjunto, dando fim ao que existia; destruir; causar perturbação; revolver; agitar; transtornar; pluralizar, descentralizar, autonomizar, etc.

As pesquisas anarquistas criticam severamente a irracionalidade, a imoralidade e a desumanidade do sistema prisional. Nessa direção, encontram-se diversas proposições contra o Estado de Direito e a falta de liberdade dos indivíduos e das comunidades civis em relação às estruturas vigentes.

O abolicionismo penal é um movimento claramente anarquista. Defende a construção de uma sociedade coesa, e onde são desnecessárias as sanções penais.

Os abolicionistas afirmam que o conhecimento é alcançado principalmente em contextos precisos nos quais surgem situações problemáticas, e cabe aos agentes envolvidos “consertar” essas situações estimulando a capacidade restaurativa das comunidades locais com a participação direta dos agressores e vítimas na busca da justiça (RUGGERIO, 2015).

A solução ideal em alguns casos é a anarquia moral, o autogoverno das partes, e não um novo sistema estatal, repressivo, formalista, autocrático ou rígido. A ideologia dos anarco-revolucionários defende grau zero de intervenção estatal na vida das pessoas e maior poder às comunidades e indivíduos.

Segundo o abolicionista “Hulsman, “o sistema penal é especificamente concebido para fazer o mal” (CARVALHO, 2010, p. 142). Para o mesmo crítico, “chamar um fato de crime significa se limitar ao estilo punitivo [...]. Para mim não existem nem crimes nem delitos, mas apenas situações problemáticas” (HULSMAN, apud CARVALHO, 2010, p. 143). Por sua vez, o abolicionista Mathiesen considerou que “as prisões funcionam como formas institucionais e sociais desumanas” (CARVALHO, 2010, p. 140).

Em geral, “o movimento abolicionista [...] fornece importantes elementos ao debate sobre a contração do sistema penal/carcerário, apresentando propostas concretas que visualizam desde a sua eliminação até à construção de alternativas aos regimes punitivos de apartação” (CARVALHO, 2010, p. 137).

.Nos programas de pesquisa da Criminologia são necessárias também as teorias que podem ser biológicas, psicológicas e sociológicas.

As teorias biológicas destacam os fatores de risco e os defeitos na estrutura cerebral do indivíduo; as anomalias genéticas; a má nutrição; a poluição ambiental; os desequilíbrios hormonais, etc. A teoria morfológico-constitucional enfatizou, por exemplo, que existem correlações entre caracteres físicos e tendências psíquicas na direção do delito. Uma teoria genética propagada no final do século XX defendeu a hipótese de que existe um Y a mais no par de cromossomos dos homicidas, constituindo uma anomalia associada ao comportamento violento (sendo que o par de cromossomos normal é XY no homem, e XX na mulher). A teoria da hereditariedade baseada em pesquisas de gêmeos idênticos e fraternos utilizou, por sua vez, a hipótese de que existem correlações entre disposições hereditárias e comportamento humano. Os adeptos dessa teoria procuram ainda demonstrar que o comportamento violento entre gêmeos idênticos é uma característica concordante entre eles. Sendo, inversamente, o mesmo tipo de comportamento entre gêmeos fraternos com tendência a ser discordante.

Nas teorias sociológicas, em outra direção, os fatores de risco podem ser a desintegração familiar, a pobreza, o desemprego, o racismo, a erosão dos valores sociais, a anomia, a propaganda da violência, a participação em subculturas delinquentes, a evasão escolar, o uso de drogas, a ambição capitalista, a inoperância das normas repressivas, etc. “Nas teorias sociais etiológicas incluem-se as teorias ecológicas (ou da desorganização social), as teorias da subcultura delinquente, e as teorias da anomia (ou da estrutura de oportunidade)”(DIAS & ANDRADE, 1997, p. 166).

Já nas teorias psicológicas, psicanalíticas e psiquiátricas os fatores de risco podem ser o descontrole emocional do indivíduo, o ego massacrado pelas instituições e pelas experiências traumáticas, os transtornos mentais, as carências emocionais, a má adaptação social, a agressividade, os recalques, as doenças nervosas, o estigma, o assédio moral, etc. São usadas teorias diversas, como do autocontrole pessoal; dos vínculos familiares; do sentimento de pertencimento; e da aprendizagem social que descreve, por exemplo, como uma pessoa aprende a ser delinquente na comunidade. Uma questão importante na teoria psicológica é saber por que certas pessoas praticam crimes, e outras pessoas nas mesmas condições não realizam o mesmo ato?

Em geral, as teorias psicológicas desenvolvem a premissa de que as pessoas têm desejo de cometer atos criminosos e desviantes, porém, algumas conseguem reprimir esse desejo por influência de vários fatores que assimilaram ou aprenderam na convivência dentro e fora da família.

Contribui nesse momento a classificatória da prevenção do crime: primária, secundária e terciária (PENTEADO FILHO, 2012, CAP. 10).

A primária ataca a raiz do conflito (educação, emprego, moradia, segurança etc.); aqui desponta a inelutável necessidade de o Estado, de forma célere, implantar os direitos sociais progressiva e universalmente, atribuindo a fatores exógenos a etiologia delitiva; a prevenção primária liga-se à garantia de educação, saúde, trabalho, segurança e qualidade de vida do povo, instrumentos preventivos de médio e longo prazo.

A secundária destina-se a setores da sociedade que podem vir a padecer do problema criminal e não ao indivíduo, manifestando-se a curto e médio prazo de maneira seletiva, ligando-se à ação policial, programas de apoio, controle das comunicações etc.

A terciária voltada ao recluso, visando sua recuperação e evitando a reincidência (sistema prisional); realiza-se por meio de medidas socioeducativas, como a laborterapia, a liberdade assistida, a prestação de serviços comunitários etc.).

Em relação às questões dos concursos públicos as teorias solicitadas foram as seguintes:

1.Teorias dos conflitos e do consenso

De um lado, as teorias do conflito fazem questão de sublinhar a desigualdade penal dentro da estrutura social e das instituições públicas. De outro lado, as teorias de consenso entendem que os objetivos da sociedade são atingidos quando há o funcionamento perfeito de suas instituições, com os indivíduos convivendo e compartilhando metas sociais comuns, concordando com as regras de convívio. O ideal é que as pessoas e as instituições compartilhem os mesmos valores. Entretanto, surgem pessoas desviantes e anormais que no primeiro momento aparecem conflitando com a ordem universal, mas depois serão alvo de intensa crítica e repreensão do pesquisador positivista que usa as teorias do consenso para enfrentar a desordem criminosa.

As teorias consensuais afirmam que a sociedade é composta de elementos perenes, integrados, funcionais, estáveis, e que se baseiam necessariamente no consenso ou integração entre seus integrantes.

Já as teorias de conflito argumentam que a harmonia social decorre da força e da coerção de um grupo sobre outro. Nesse caso, não existe voluntariedade entre os personagens para a pacificação social, pois a ordem é decorrente da imposição da força.

Os postulados das teorias de conflito acusam que as sociedades são sujeitas a mudanças contínuas, de modo que todo elemento crítico coopera para sua dissolução. Haveria nessa direção luta de classes ou então pluralismo competitivo de grupos organizados no poder.

2.Teoria do enraizamento ou do vínculo social

Produzida por Travis Hirschi, essa teoria apresenta como tese central que os atos delinquentes tenderão a ocorrer quando se enfraquece ou rompe o vínculo do indivíduo com a sociedade. Trata-se, portanto, de uma teoria psico-sociológica, pois avalia o sentimento de pertencimento social e o trauma sofrido pela pessoa.

Nessa direção, aparecem aspectos significativos para discussão: 1- apego; 2- empenho; 3- envolvimento; e 4- crença. Considera-se que esses aspectos comportamentais são dilacerados e separados quando faltam normas e valores sociais que deveriam ser interiorizados nos processos de socialização diversos.

O apego “é o elemento emocional do vínculo social. Consiste na ligação afetiva de apego, simpatia, empatia e atração do indivíduo com o outro convencional”.

O empenho tem a ver com o envolvimento e as gratificações recebidas. Dessa forma “viver em sociedade é gratificante, pelos bens que proporciona e pela ambição que legitima. Quando mais o indivíduo investir (tempo, recursos, energia) em carreiras convencionais, e quanto mais expressivas forem as gratificações realizadas ou esperadas, menos interessante surgirá a solução delinquente”.

O envolvimento “representa a média das energias e do tempo dispendidos em carreiras convencionais. Sendo as energias e o tempo bens escassos, o seu consumo em atividades legais reduz as oportunidades delinquentes”.

Por último, a crença “significa a validação moral das normas convencionais e o grau de respeito que merecem por parte dos indivíduos” (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 226-27).

3.Teoria da anomia

Durkheim, originalmente, classificou o crime como normal na sociedade desde que não atinja índices de enfermidade mórbida que comprometem o organismo social.

Segundo Durkheim, é normal ou natural a ocorrência de algum crime porque a sociedade não é perfeita no processo de socialização das pessoas. Dessa forma, a existência de crimes e criminosos serve oportunamente para a sociedade reconhecer que ele está falhando em alguns setores e que precisa atuar rapidamente.

“O problema que se coloca à teoria da anomia é o de descobrir as tensões socialmente estruturadas que induzem a procura de soluções desviantes. Trata- assim de indagar como é que o sistema produz o crime e o produz como resultado normal – esperado e funcional - do seu próprio funcionamento” (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 314).

Na releitura da teoria da anomia apresentada por Robert Merton, década de 1950, a conclusão é que: “os Estados Unidos realizam de forma arquetípica a defasagem entre uma estrutura cultural ideologicamente igualitária; com efeito, é uma sociedade que se revê na mitologia das trajetórias meteoríticas que vão da copa de um restaurante à Casa Branca; e uma estrutura social reconhecidamente desigualitária” (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 324).

Diante desse quadro, Merton acreditou que a defasagem entre os tipos ideais de sucesso e riqueza perante à realidade criam atritos, desapegos sociais e condições favoráveis à emergência da criminalidade, através da frustração social e anomia, ou então, ausência de valores comuns.

O resultado extremo dessa situação anômica com a rebelião do indivíduo “implica a rejeição dos objetivos culturais e dos meios institucionais acompanhada da procura de uma nova realidade social, com novos valores e novos critérios de sucesso, bem como novos esquemas de correspondência entre o esforço e o mérito, por um lado, e as recompensas, por outro” (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 328).

4.Teoria da reação social

Nessa teoria existe o modelo dissuasório, restaurador e ressocializador (PENTEADO FILHO, 2012, cap. 10).

O modelo dissuasório (direito penal clássico) aplica repressão por meio da punição ao agente criminoso, mostrando a todos que o crime não compensa e gera castigo. Aplica-se a pena castigo aos imputáveis e semi-imputáveis, pois aos inimputáveis se dispensa tratamento psiquiátrico.

No modelo ressocializador a política e o direito intervêm na vida e na pessoa do infrator, não apenas lhe aplicando uma punição, mas também lhe possibilitando a reinserção social. Aqui a participação da sociedade é relevante para a ressocialização do infrator, prevenindo a ocorrência de estigmas.

No modelo restaurador (integrador) voltado para a “justiça restaurativa”, os agentes públicos buscam restabelecer, da melhor maneira possível, o status quo ante, visando a reeducação do infrator, a assistência à vítima e o controle social afetado pelo crime. A restauração acontece com a reparação do dano causado.

5.Teoria ecológica

Segundo Penteado Filho (2012, cap. 5) há dois conceitos básicos para que se possa entender a ecologia criminal e seu efeito criminógeno: a ideia de “desorganização social” e a identificação de “áreas de criminalidade” (que seguem uma gradient tendency). Nessa teoria, “o crescimento desordenado das cidades faz desaparecer o controle social informal; as pessoas vão se tornando anônimas, de modo que a família, a igreja, o trabalho, os clubes de serviço social etc. não dão mais conta de impedir os atos antissociais”. Ainda de acordo com Penteado Filho, “as principais propostas da ecologia criminal visando o combate à criminalidade são: alteração efetiva da situação socioeconômica das crianças; amplos programas comunitários para tratamento e prevenção; planejamento estratégico por áreas definidas; programas comunitários de recreação e lazer, como ruas de esportes, escotismo, artesanato, excursões etc.; reurbanização dos bairros pobres, com melhoria da estética e do padrão das casas”.

6.Teoria da defesa social

Na concepção de Enrico Ferri, em sua obra “Sociologia Criminal”, século XIX, a defesa social deveria ser um princípio preponderante na Justiça a tal ponto que a decisão prevista pelo Código Penal seria submetida ao poder do utilitarismo social. Concretamente, propôs Ferri, não se podia livrar um condenado simplesmente porque cumpriu a cronologia da pena. O que deveria ser feito nesse caso era um exame sistemático no presídio, ao longo do tempo, acompanhando o quadro mental e social do preso a fim de permitir ou não a sua liberdade condicional ou definitiva. É nesse ponto que Ferri faz questão de dizer que a Criminologia produz conhecimento autônomo em relação ao Direito Penal.

Seguindo os passos de Ferri, encontra-se na década de 1945 uma nova orientação dentro do Direito Penal, estabelecida pelo movimento “Defesa social”, iniciado por Filippo Gramatica, na Itálica, 1945, criando o Centro Internacional de Defesa Social. Basicamente, esse movimento manteve a importância repressiva do Direito Penal, mas propôs ações preventivas, educativas e curativas, para o estabelecimento de medidas relacionadas com a antissocialidade subjetiva” (ZAFFARONI & OLIVEIRA, 2010, p. 375).

Segundo Baratta (2002, p. 42) existem vários princípios na ideologia da Defesa Social.

a) Princípio de legitimidade. O Estado, como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio de instâncias oficiais de controle social (legislação, polícia, magistratura, instituições penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condenação do comportamento desviante individual e à reafirmação dos valores e das normas sociais.

b) Princípio do bem e do mal. O delito é um dano para a sociedade. O delinquente é um elemento inativo e disfuncional do sistema social. O desvio criminal é, pois, o mal; a sociedade constituída, o bem.

c) Princípio de culpabilidade. O delito é expressão de uma atitude interior reprovável, porque contrária aos valores e às normas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo legislador.

d) Princípio da finalidade ou da prevenção. A pena não tem, ou não tem somente, a função de retribuir, mas a de prevenir o crime. Como sanção abstratamente prevista pela lei, tem a função de criar uma justa e adequada contra motivação ao comportamento criminoso. Como sanção concreta, exerce a função de ressocializar o delinquente.

e) Princípio de igualdade. A criminalidade é violação da lei .1 penal e, como tal, é o comportamento de uma minoria desviante. A lei penal é igual para todos. A reação penal se aplica de modo igual aos autores de delitos.

f)e do delito natural. O núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais das nações civilizadas representa ofensa de interesses fundamentais, de condições essenciais à existência de toda sociedade. Os interesses protegidos pelo direito penal são interesses comuns a todos os cidadãos. Apenas uma pequena parte dos delitos representa violação de determinados arranjos políticos e econômicos, e é punida em função da consolidação destes (delitos artificiais).

7.Teoria neoretribucionista

De acordo com Penteado Filho (2012, cap. 5) uma vertente diferenciada dessa teoria mais ampla surge nos Estados Unidos, com a denominação lei e ordem ou tolerância zero (zero tolerance), decorrente da teoria das “janelas quebradas”, inspirada pela escola de Chicago, dando um caráter “sagrado” aos espaços públicos. Alguns a denominam realismo de direita ou neorretribucionismo.

Essa teoria considera que o exemplo inicial de uma janela quebrada atrai vândalos que dão continuidade à depredação do mesmo patrimônio inicialmente lesado.

Essa teoria foi publicada na revista The Atlantic Monthly pelos autores James Wilson e George Kelling, denominada Teoria das Janelas Quebradas (Broken Windows Theory). Essa teoria adverte que “caso se quebre uma janela de um prédio e ela não seja imediatamente consertada, os transeuntes pensarão que não existe autoridade responsável pela conservação da ordem naquela localidade. Logo todas as outras janelas serão quebradas”. 

De acordo com Penteado Filho, o resultado da aplicação da broken windows theory “fez a redução satisfatória da criminalidade em Nova York, que antigamente era conhecida como a capital do Crime”.  Mas se de um lado, a tolerância zero fez Nova Iorque ficar mais segura, por outro lado “houve encarceramento em massa dos menos favorecidos (prostitutas, mendigos, sem-teto etc.”. Lembrou Penteado Filho que a política da tolerência zero analisava apenas a conduta, e não a situação social da pessoa que praticava o delito.

8.Teoria da pena

De acordo com Nestor Penteado Filho (2012, cap.10) a pena é uma espécie de retribuição, com a privação de bens jurídicos imposta ao delinquente em razão do ilícito cometido.

O estudo da pena inclui três grandes correntes.

Existem as teorias absolutas (Kant, Hegel) que entendem que a pena é um imperativo de justiça; dessa forma, deve ser punido o indivíduo que praticou delito.

Existem também as teorias relativas que ensejam um fim utilitário para a punição, sustentando que o crime não é causa da pena, mas a ocasião para que seja aplicada que se baseia diretamente na necessidade social, buscando prevenção geral (com a intimidação de todos) e a prevenção particular (impedindo o réu de praticar novos crimes; por isso precisa intimidá-lo e corrigi-lo).

Existem finalmente as teorias mistas que conjugam as duas primeiras, sustentando o caráter retributivo da pena, mas acrescentam a este os fins de reeducação do criminoso e intimidação.

Penteado Filho (2012, cap., 10) acrescentou que a prevenção geral da pena pode ser estudada sob dois ângulos: negativo e positivo. “Pela prevenção geral negativa (prevenção por intimidação), a pena aplicada ao autor do delito reflete na comunidade, levando os demais membros do grupo social, ao observar a condenação, a repensar antes da prática delituosa. A prevenção geral positiva ou integradora, por sua vez, direciona-se a atingir a consciência geral, incutindo a necessidade de respeito aos valores mais importantes da comunidade e, por conseguinte, à ordem jurídica”.

Na Penalogia considera-se tradicionalmente que a função de prevenção especial da pena apresenta duas dimensões simultâneas, pelas quais o Estado espera evitar, idealmente, crimes futuros do condenado:

1 - Existe a dimensão negativa de neutralização do condenado, consistente na incapacitação para praticar novos crimes durante a execução da pena, produzida pelo confinamento do condenado dentro dos muros da prisão. Na verdade, a dimensão negativa da prevenção especial constitui a forma de existência real da função de retribuição penal; 

2- Existe também a dimensão positiva de correção do condenado, mediante o trabalho conjunto de psicólogos, sociólogos, assistentes sociais e outros funcionários da chamada ortopedia moral do estabelecimento penitenciário, que dominou os últimos dois séculos de execução do projeto técnico-corretivo da prisão, mas que são na visão dos críticos dois séculos de fracasso e de reproposição reiterada do mesmo projeto fracassado (SANTOS, s.d., p. 5). 

Na visão da Penalogia crítica a dimensão negativa de intimidação penal traz as seguintes reflexões:

1º) a função de intimidar para desestimular não possui critério limitador da pena – assim, a lógica de quanto maior a intimidação, maior o desestímulo tende a instalar um estado de terrorismo penal, como mostram os crimes hediondos.

2º) A grandeza da punição exemplar de indivíduos reais para desestimular indetermináveis criminosos potenciais constitui violação da dignidade humana (SANTOS, s.d., p. 5).

No discurso otimista da Penalogia positivista, de outro lado, a estabilização das expectativas normativas parece atribuir ao Direito Penal a tarefa de satisfazer os instintos mais primitivos do ser humano: assim, a punição de crimes aumentaria supostamente, a fidelidade jurídica porque satisfaz impulsos punitivos da população; e ao contrário, a não punição dos crimes reduziria a fidelidade jurídica porque frustra os impulsos punitivos da população (SANTOS, s.d., p. 6).

Contraditando o discurso otimista da Penalogia positivista, os criminologistas da Escola Crítica declaram que o sistema punitivo é reflexo da luta de classes e da competição entre grupos visando à hegemonia do poder, e por essa razão não existe igualdade na execução da pena, o que seria na visão dos críticos um mito da dogmática jurídica.

Especificamente, os penalistas crítico-marxistas afirmam que a retribuição equivalente do crime pela pena existe como retribuição desigual nas sociedades capitalistas, como indica a dupla seletividade do sistema penal:

1 - No sistema legal, há proteção penal seletiva de interesses e necessidades das classes sociais hegemônicas.

2 - No sistema de justiça criminal, a repressão penal seletiva das classes sociais subalternas (realizada conforme indicadores sociais negativos de marginalização, desemprego, pobreza etc.) gera estereótipos, preconceitos, idiossincrasias e outras deformações ideológicas dos agentes de controle social (as chamadas meta-regras), decidindo sobre a criminalização concreta de oprimidos sociais (SANTOS, s.d., p. 6).

Ainda na visão dos penalistas críticos, em geral, o fracasso das funções declaradas da prisão refere-se ao projeto fictício e desumano de correção do condenado, como demonstram todas as pesquisas empíricas dos últimos duzentos anos. Como resultado indesejável da prisão, a Criminologia Crítica nota que quanto maior é a pena, maior será a chance de reincidência criminal.  Além disso, a prisão constitui um submundo, uma subcultura de delinquentes, onde o criminoso sofre deformações emocionais e aumenta o grau de agressividade sobre o sistema e os adversários do cárcere (SANTOS, s.d., p. 6). 

Segundo os penalistas da Escola Crítica o êxito das funções reais da prisão consiste muito mais em garantir as desigualdades sociais da sociedade capitalista do que rehumanizar o apenado. Nessa perspectiva, para os criminologistas críticos o presídio é uma vitrine exibicionista do poder de uma classe dominante sobre outra classe oprimida (SANTOS, s.d., p. 6).

9.Teoria da associação diferencial

Desenvolvida por Sutherland, essa teoria considera que a criminalidade é resultado do envolvimento do indivíduo em comportamentos inadequados que são compartilhados na convivência diária em grupos específicos e marginais. Nessa teoria, o indivíduo comete crime se acreditar que o delito vai trazer reconhecimento e prestígio no grupo que é do seu interesse pessoal. De acordo com Penteado Filho (2012, cap. 5) “Sutherland não propôs a associação entre criminosos e não criminosos, mas sim entre definições favoráveis ou desfavoráveis ao delito”. Nesse contexto, lembrou Penteado Filho, “a associação diferencial é um processo de apreensão de comportamentos desviantes, que requer conhecimento e habilidade para se locupletar das ações desviantes. Isso é aprendido e promovido por gangues urbanas, grupos empresariais, aquelas despertadas para a prática de furtos e arruaças, e estes, para a prática de sonegações e fraudes comerciais”.

10.Teoria do colarinho branco

A teoria liberal do “Colarinho branco” (White-collar) destaca que a pobreza nem sempre é a causa dos crimes, pois o delito é praticado também por empresários, burocratas e pessoas cultas. Nessa teoria:

A característica essencial do crime é ser um comportamento proibido pelo Estado como um dano ao Estado, e contra o qual o Estado reage ou pode reagir pelo menos em última instância com uma pena”; porém, com a identificação do crime de “colarinho branco” com efeito, só um conceito de crime assente no elemento da danosidade social tornaria possível entender o campo da Criminologia às práticas ilegais e ou imorais do mundo do grande negócio. Práticas que apesar de sua frequência e da dimensão e seriedade dos danos que provocam e dos riscos que potencializam, não costumam ser objeto do processo nem das reações criminais. Poderia atribuir-se este privilégio razões como o poder dos delinquentes de colarinho branco, a desorganização social das vítimas, etc. Mas deveria também imputar-se ao fato de a consciência coletiva não representar tais práticas como criminosas (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 76).

Segundo Penteado Filho (2012, cap. 5), a teoria do colarinho branco (onde se encaixa hoje o conceito de cifra dourada, referentes aos números desconhecidos oficialmente sobre os crimes dos poderosos da Política e do Mercado) se caracteriza como exemplo de uma teoria de consenso, desenvolvida pelo sociólogo americano Edwin Sutherland (1883-1950), inspirado em Gabriel Tarde. De acordo com Penteado Filho “cunhou-se no final da década de 1930 a expressão white-collar crimes (crimes de colarinho branco) para designar os autores de crimes específicos, que se diferenciavam dos criminosos comuns”. De acordo com essa teoria, “o comportamento do criminoso é aprendido, nunca herdado, criado ou desenvolvido [isoladamente] pelo sujeito ativo”.

11.Teoria da subcultura delinquente

O especialista Cohen argumentou que a comunidade de delinquentes padroniza o comportamento e a identidade de seus membros. Com essa teoria configura-se o fato de que “a subcultura emerge a partir de uma situação coletiva de frustração ou de conflito no interior de uma dada cultura e com padrões normativos opostos ao da cultura dominante” (DIAS & ANDRADE, 1997, p. 291).

Segundo Penteado Filho (2012, cap. 5), “a teoria da subcultura delinquente é tida como teoria de consenso, criada pelo sociólogo Albert Cohen (Delinquent boys, 1955). Essa teoria, originalmente, “identificou as gangues de jovens delinquentes, em que o garoto passa a aceitar os valores daquele grupo, admitindo-os para si mesmo, mais que os valores sociais dominantes”.

Três ideias básicas sustentam a subcultura: 1) o caráter pluralista e atomizado da ordem social; 2) a cobertura normativa da conduta desviada; 3) as semelhanças estruturais, na gênese, dos comportamentos regulares e irregulares”.

Além das teorias, toda e qualquer pesquisa em Criminologia apresenta conteúdo prático, geralmente uma agenda de trabalho com temas emergentes do cotidiano. Três modelos político-institucionais concorrentes desde o século XIX também fazem parte dessa agenda de trabalho: maximalismo, minimalismo e abolicionismo penal.  Na agenda de trabalho da Criminologia Penteado Filho (2012, cap. 15) acrescenta que existem meios de controle social formais e informais. “Num primeiro plano tem-se o controle social informal, que se reflete nos órgãos da sociedade civil: família, escola, ciclo profissional, opinião pública, clubes de serviço, igrejas etc. De outro lado, destaca-se o controle social formal, representado pelas instâncias políticas do Estado, isto é, a Polícia (1ª seleção), o Ministério Público (2ª seleção), a Justiça (3ª seleção), as Forças Armadas, a Administração Penitenciária, etc”.

A respeito da agenda de trabalho da Criminologia Dias & Andrade (1997, p. 398) informaram que já no século XIX surgiram alguns analistas reconhecendo uma tensão permanente entre a neocriminalização e a descriminalização. Naquela época diversos autores europeus já denunciavam a hipertrofia do Direito Penal e defenderam a sua contenção, ou seja, o minimalismo das penas.

A despenalização pretende, de outra forma, reduzir em maior ou menor grau a intensidade das sanções criminais. Nesse discurso não existe uma campanha pró-extinção do Direito Positivo em geral, uma vez que a preocupação é racionalizar e descentralizar os instrumentos punitivos, mas sempre no campo da legalidade.

No discurso digamos “moderado” da despenalização, a ideia mestra será substituir a pena de prisão por penas não detentivas e domiciliares na fase da execução penal.

Entretanto, no discurso “radical” da despenalização, diferentemente, as agressões humanas deverão ser deslocadas para outras esferas do Direito não penal (por exemplo, Direito Civil, Administrativo ou Ambientalista).

O discurso da despenalização se aproxima do minimalismo penal, pois: “o emprego da sanção deve ser reduzido ao máximo e sempre que possível, evitado, sem que a ausência de reação ao delito signifique desprestigio para o Direito Penal” (ZAFFARONI & OLIVEIRA, 2010, p. 472). Para os mesmos autores citados, “se não houver para os crimes chocantes, que causam dor e aflição, uma resposta apropriada, corre-se o risco da volta ao direito da própria mão ou da lei do linchamento sem as rédeas do julgamento legal (ZAFFARONI & OLIVEIRA, 2010, p. 473).

Entre a descriminalização e a despenalização aparece o discurso radical do desencarceramento que rejeita a prisão terapêutica e a prisão eficiente. “Devemos ser conscientes de que o único debate verdadeiramente superador da prisão é aquele que se situa na fase de criação do direito, tirando da Lei a possibilidade de seguir castigando com privação de liberdade” (BEIRAS, 2019, p. 73).

Esse discurso recomenda progressivamente: 1- a imposição de sanções que não sejam privativas de liberdade; 2- a redução da prisão preventiva; 3- a expansão das oportunidades de acesso às medidas alternativas; 4- o incremento das possibilidades de contatos entre reclusos; e 5- a adoção de regimes o mais possível abertos (BEIRAS, 2019, p. 180).

O discurso da alternatividade, em outra direção, procura evitar a intervenção do Direito, penal ou não penal, priorizando estratégias culturais, esportivas, negociais, socioeducativas, lúdicas, restaurativas e pacificadoras que supostamente poderiam resolver litígios em curto, médio e longo prazo, mas longe das soluções formalistas e burocráticas. A alternatividade se identifica muitas vezes com o discurso abolicionista ao propor o fim do cárcere e do Direito Penal.

O discurso neocriminalista, bem diferente dos anteriores, recomenda a criação de novos tipos penais, dando voz ao maximalismo penal que é favorável à penalização crescente de atos considerados indesejáveis pelo sistema político-legal.

O maximalismo desenvolve a máxima intervenção do Direito pois acredita que a repressão é o melhor caminho para se educar as pessoas.

Os adeptos desse discurso entendem que os comportamentos desviantes, independentemente do grau de importância a eles atribuído pela sociedade, merecem o juízo de censura a ser levado a efeito com rigor e austeridade pelo discurso penalista (GRECO, 2009).

Na Penalogia aparece gradualmente o maximalismo penal que defende a lei e a ordem, a defesa social, sendo favorável à penalização crescente dos atos considerados indesejáveis pelo sistema dominante.

O minimalismo, de outra forma, defende a descriminalização e despenalização no sistema vigente. Considera importante redimensionar a intervenção do Direito Penal no dia a dia.

O abolicionismo, por sua vez, defende a extinção do Direito penal e do sistema prisional por entender que não resolvem o problema da criminalidade.

Segundo o jurista Greco, na teoria maximalista os adeptos defendem o Direito Penal máximo e entendem que todos os comportamentos desviantes, independentemente do grau de importância que a eles atribuídos, merecem o juízo de censura a ser levado a efeito pelo rigor e pela austeridade do discurso penalista (Greco, 2009).

O maximalismo penal desenvolve a crença da máxima intervenção do Direito Penal na vida das pessoas, até mesmo nas infrações de leve grau ofensivo, pois se acredita que a repressão é o melhor caminho para se educar as pessoas.

Sobre esse aspecto, Greco (op. cit.) avaliou que “não se educa a sociedade por intermédio do Direito Penal.

O raciocínio do Direito Penal máximo nos conduz, obrigatoriamente, à sua falta de credibilidade. Indo mais além, Greco considerou que “quanto mais [tipos de] infrações penais [existirem], menores serão as possiblidades de serem efetivamente punidas as condutas infratoras...”.

Greco observou que a problemática do excesso de tipificações penais tem como consequência um aumento da insegurança social, pelo fato de que o Estado não apresenta condições de uma repressão tão eficaz como promete e que possa alcançar todos os tipos delituosos nas minúcias do cotidiano, ficando assim muitos desses tipos penais impunes, por motivos operacionais, o que desperta na sociedade o efeito colateral da sensação de que o Estado é fraco e incompetente.

De maneira concisa, o slogan maximalista Lei e Ordem projeta o imaginário de que o Direito Penal deve ter como objeto de atuação todo e qualquer bem social, independentemente do seu valor. Nessa perspectiva, o Direito Penal deve cumprir um papel eminentemente educador e repressivo não permitindo que as condutas socialmente intoleráveis, por menor que sejam, deixem de ser reprimidas.

 Rejeitando a visão maximalista, de outro lado a teoria abolicionista despreza a criação da Lei Penal que impõe ou proíbe comportamentos banais ou com baixa gravidade social, e questiona o excesso de incriminação de condutas que não estariam realmente prejudicando a ordem social.

Os abolicionistas defendem a ideia de que muitos tipos e conflitos penais, definidos por critérios políticos, e que são solucionados no âmbito do Direito Penal, poderiam ser resolvidos sem grandes problemas por outros ramos do ordenamento jurídico, como Direito Civil e Direito Administrativo.

Na visão do abolicionismo penal, haveria uma diminuição das condenações criminais, e como consequência disso, haveria maior preservação da dignidade da pessoa humana.

O jurista Greco (2009, p. 10) avaliou nesse sentido que “a prisão, para os abolicionistas, é um instrumento completamente irracional, que não pode ser aplicado sem que se ofenda a dignidade da pessoa humana”.

Os abolicionistas denunciam que o Direito Penal não é o instrumento ideal e absoluto para levar a efeito o juízo de reprovabilidade sob os comportamentos desviados em muitos temas do cotidiano.

Entendem os abolicionistas que o Direito Penal não é um instrumento humano digno para levar a efeito o juízo de reprovabilidade sobre comportamentos desviantes.

De acordo com Mathiesen, o sistema prisional é irracional e desumano, pois não recupera o apenado tendo em vista a sua lógica excludente, totalitarista, burocrática e destruidora do ego. “A Criminologia e a Sociologia demonstram que o objetivo de melhora do detento é irreal, sendo constatável o efeito contrário, ou seja, a destruição da personalidade do detento (CARVALHO, 2010, p. 140). Mathiesen na década de 1970 “fomentou a criação da Organização Norueguesa Anti-Carcerária [...] cujo escopo foi centralizado na abolição do cárcere, negando inclusive, quaisquer propostas substitutivas (penas alternativas), dado o temor de que estas se poderiam transformar facilmente em novas estruturas carcerárias” (CARVALHO, 2010, p. 139). No diagnóstico desse mesmo analista da Noruega a maioria dos apenados, nos anos 70, cometeu crimes contra a propriedade ou por tráfico e uso de drogas. E como solução, ele recomendou duas medidas: 1- realização de políticas sociais que auxiliassem pessoas vulneráveis a não entrar no mundo da criminalidade; e 2- descriminalização das drogas. Segundo esse mesmo crítico, a guerra não deveria ser contra o crime, mas contra a pobreza.

Na questão da descriminalização das drogas, Mathiesen afirmou que essa medida naturalizaria o mercado ilegal e reduziria drasticamente a quantidade de crimes. Ele considerou, além disso, que ao invés de aumentar o grau de punição sobre o criminoso, o melhor caminho seria ampliar o grau de apoio à vítima conforme a gravidade da transgressão sofrida (CARVALHO, 2010, p. 141). Entre as medidas de apoio, propôs: compensação financeira do Estado à vítima; sistema de seguro simplificado; apoio econômico em caso de luto; abrigos protetivos e centros protetivos (CARVALHO, 2010, p. 141). Em suma: o pensamento radical desse crítico enfatiza que o sistema carcerário produz violência e degradação dos valores culturais.

Outro abolicionista, Nils Christie considerou, igualmente, que o sistema penal existe para impor sofrimento e dor ao apenado, funcionando como castigo cruel merecido pelo criminoso. Contra essa mentalidade, Christie propôs meios alternativos de punição, não penais, e não carcerários. Mas advertiu que não se pode trocar o sistema carcerário por algum centro de cura ou tratamento médico, pois “os centros de tratamento do delinquente são similares, quando não, idênticos aos cárceres comuns”. Em sua avaliação, “a ideologia do tratamento levou [os delinquentes] ao castigo escondido, à imposição secreta da dor, ao fazer crer que oferecia cura ou terapia” (CARVALHO, 2010, p. 141).

Concretamente, Christie propôs a instituição de novas “formas de justiça participativa e comunitária”, valorizando a restauração dos danos sofridos e a participação da vítima e do agressor, frente a frente, na resolução compartilhada do conflito e dos danos. Como saída, recomendou “a reincorporação da vítima, colocando-se em igualdade de posição com o autor do fato para buscar condições de negociar a compensação do dano sofrido” (CARVALHO, 2010, p. 142).

Hulsman, outro abolicionista, repetiu a tese de que a justiça penal é incontrolável, distribuidora de sofrimento desnecessário e materialmente desigual, [além disso], expropriadora dos direitos dos envolvidos no conflito, principalmente das vítimas. Ele avaliou que: “o sistema penal é especificamente concebido para fazer o mal” (CARVALHO, 2010, p. 143).

O abolicionismo desse autor não defende a gradual abolição da coerção criminal, mas a extinção total do sistema de justiça penal, “substituindo-o pelo mecanismo informal e flexível das justiças civil e administrativa” (CARVALHO, 2010, p. 144). Consequentemente, Hulsman imaginou o abandono definitivo do conceito “crime” dando passagem a uma nova linguagem que seria usada após a extinção do Direito Penal.  Em vez de crime, criminoso, autor, criminalidade, política criminal, seriam usados termos como atos lamentáveis; comportamentos indesejáveis; pessoas diretamente implicadas; situações-problemas; etc. Sua visão é libertadora e desalienante; confia nos equilíbrios naturais; e desconfia de todas as estruturas autoritárias e infantilizantes. O recurso eventual às instâncias conciliatórias formais persiste, assim, no espírito de Hulsman, como excepcional (DIAS &ANDRADE, 1997, p.400-01).

O minimalismo, de outro modo, tem várias preocupações interdependentes: racionalizar, minimizar, otimizar, e humanizar a aplicação da Lei. De forma intermediária ao maximalismo e ao abolicionismo (nem excesso, nem carência de Lei Penal), o minimalismo jurídico propõe garantir as garantias penais já conquistadas em favor do cidadão de forma a evitar excessos; mas admite adaptar ao sistema penal e prisional alternativas que procurem aliviar a austeridade do sistema vigente.

A teoria do Direito Penal Mínimo, considerada pelo jurista Greco (2009, p. 24) como “equilibrada”, traz um discurso jurídico coerente com a realidade social e com a verdadeira finalidade do Direito Penal, que em sua opinião seria a “proteção tão somente dos bens necessários e vitais ao convívio em sociedade. Aqueles bens que, em decorrência de sua importância, não poderão ser somente protegidos pelo demais ramos do ordenamento jurídico”. 

O raciocínio do Direito Penal Mínimo implica a adoção de vários princípios que servirão de orientação ao legislador tanto na criação quanto na revogação dos tipos penais, devendo servir de guia aos aplicadores da Lei Penal a fim de que se produza uma correta interpretação jurídica que evite os excessos do poder estatal negativamente sobre a dignidade da pessoa humana (GRECO, 2009, p. 24).

Concretamente, essas três penalogias e políticas criminais têm se manifestado com ajuda de diferentes teóricas científicas. Na teoria biológica, por exemplo, existe, uma política criminal de guerra contra o crime, declarando o criminoso como pessoa perigosa, inimiga da nação que deveria receber tratamentos médicos e psicológicos obrigatórios, ficando assim impedido de conviver com as pessoas ditas normais. 

Além da política repressiva, maximalista, excludente, e autoritária, as teorias biológicas tradicionalmente ao longo da HistóriaistHistória inspiraram a produção de políticas preventivas no campo da saúde pública, pretendendo atacar o mal pela raiz, tratando não só o criminoso, mas também os pré-criminosos indicados pelos exames genéticos, endocrinológicos, neurocerebrais e psiquiátricos, além de propor-se o uso obrigatório de medicamentos, de terapias e de fiscalização especial.

Na Sociologia criminal, por sua vez, as teorias do labeling approach defendem a descriminalização; a não intervenção excessiva do Direito penal e do Poder Judiciário; e as medidas socioeducativas ou alternativas punitivas não penais, preservando-se o devido processo penal com suas garantias dos direitos fundamentais, ficando patente a afinidade com o minimalismo penal.

Considera-se ainda nas teorias do labeling approach que as pessoas precisam ter oportunidades sociais para se desenvolverem e mostrarem seus talentos; que devem ser tratadas com dignidade; e que seus valores pessoais precisam incluir autoconfiança, tolerância, respeito à diversidade e otimismo perante as dificuldades da vida.

Nas teorias psicológicas, da mesma forma, propõe-se geralmente uma política pública integradora da pessoa, inclusive evitando que surjam recalques; rótulos, e frustrações entre os indivíduos. Ganham evidência as medidas socioeducativas dentro e fora das instituições de segurança pública.

Na teoria psicanalítica, encontra-se também uma política criminal cujo alvo é o equilíbrio e a valorização do ego do criminoso. Defende-se dentro dessa teoria um novo Direito Penal e Processual que busque restaurar a personalidade do criminoso. Concretamente, a política penal nessa teoria deve priorizar medidas terapêuticas, atribuindo mais poder aos psicanalistas, e menos poder aos juízes e agentes prisionais. Teóricos mais radicais no passado defenderam, inclusive, o abolicionismo penal, alegando que o crime é um sintoma de doença mental, devendo prevalecer o tratamento terapêutico, com as medidas sócio psicanalíticas, usando uma filosofia institucional humanista e libertadora da alma. O abolicionismo penal nessa teoria valorizava a progressiva medicalização do presídio, com o objetivo de restaurar ou produzir autocontrole no ego do apenado.

É importante acrescentar que atualmente, as teorias psicológicas defendem novas formas de cooperação com a intenção de evitar ou inibir a criminalidade. As teorias psicológicas buscam criar ou reforçar vínculos sociais através de uma política preventiva, com a distribuição de novos estímulos integradores do indivíduo na comunidade.

As pesquisas na área da Criminologia também se preocupam em delimitar o tempo histórico e o espaço social da criminalidade. São observados fatores como renda, classe, raça, gênero, que diferenciam as pessoas e representam fontes potenciais de conflito. Temas como misoginia, racismo, homofobismo, xenofobismo estão na ordem do dia.

Dias & Andrade (1997) incluíram também o poder discricionário dos agentes públicos ligados ao sistema de justiça criminal, caracterizando o ambiente institucional como discriminatório e seletivo.

Como exemplo, Dias & Andrade notaram que os policiais normalmente usam estereótipos para localizar suspeitos e elegem subjetivamente os tipos sociais que deverão ser preferencialmente abordados nas ruas.

Sobre o autor
Heraldo Elias Montarroyos

Professor de Criminologia; associado 4, da FADIR - UNIFESSPA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONTARROYOS, Heraldo Elias. A criminologia nos concursos públicos:: Reflexões e avaliações epistemológicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6396, 4 jan. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/87540. Acesso em: 24 nov. 2024.

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