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A comissão de alto nível.

História da Emenda Constitucional nº 1, de 1969

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A história da comissão de notáveis

"A partir de amanhã, estará reunida em Brasília uma pequena e singular assembléia constituinte. Seus membros têm o direito e o dever, desde que aceitaram a missão, de emitir opiniões, mas não terão direito a voto. Simplesmente a matéria não será submetida a votos. A decisão, no caso, pertence a uma só pessoa, o Presidente da República, que resolveu ouvir o conselho de seus mais eminentes colaboradores e correligionários, mas que, como chefe cioso, reservou para si o poder de decidir." (Castelo Branco, 1979)

À edição do AI 5 seguiu-se um período de repressão generalizada e, conseqüentemente, de hibernação da atividade política institucional. As crônicas diárias de Castello Branco pintam um retrato vívido do momento. Listas de cassações sucediam-se, enquanto, fechado o Congresso, Deputados e Senadores circulavam, entre Brasília e seus estados, sem saber que rumo tomar.

O MDB volta a discutir o significado de sua existência, enquanto a ARENA hesita em reunir-se, até para recompor sua direção, na ausência de um sinal favorável da Presidência. O ponto central do embate político passa a ser a reabertura do Congresso. Cada dia de recesso aproxima o País da temida solução argentina, um governo militar que simplesmente havia extinto Congresso Nacional e Supremo Tribunal.

Nesse tempo de incerteza, surge a primeira menção ao trabalho de reforma constitucional. Segundo Castelo Branco, em 25 de fevereiro, estariam em andamento estudos para adequar o Poder Legislativo à nova realidade das instituições. "Há a convicção de que o regime político brasileiro não sobreviverá nos moldes estabelecidos pela Constituição de 1967. A Carta indefesa esvaziou-se ...".

A partir daí, Castelo procura captar – e divulgá-los sob censura – os indícios do debate subterrâneo que se trava entre aqueles que, nas suas palavras, privilegiam o estado de direito e aqueles que dão mais importância aos direitos da revolução. O ponto de atrito básico era o momento da reabertura do Congresso. Este não havia sido fechado, mas posto em recesso, a solução à moda argentina havia sido postergada. Seria aberto na vigência das novas regras, ou seja, da reforma da Constituição.

No decorrer de março, a figura-chave do processo ainda é o ministro da Justiça, declaradamente contrário ao funcionamento "prematuro" do Congresso. Sabemos, na verdade, que a tarefa e encontrava, naquele momento com o Ministro da Justiça, Gama e Silva. Apenas diante de sua inércia, o encargo foi repassado ao Vice-Presidente, conforme relata Edison Lobão.

Na verdade, Gama e Silva não estava interessado em redigir a Constituição. Uma nova Carta, mesmo absorvendo parte das medidas dos Atos, definiria algum ordenamento, algum limite, no seu uso. Aparentemente, o Ministro da Justiça estava satisfeito com a situação de arbítrio absoluto que os atos possibilitavam.

Após algumas cobranças em vão, Costa e Silva irrita-se com o ministro e "durante a inauguração de uma obra importante no Guará, diz a ambos: A Constituição será feita agora pelo Dr. Pedro Aleixo." (Lobão, in Aleixo e Chagas, 1976)

Equilibrar-se entre duas correntes antagônicas, a da linha dura e a dos que defendiam o abrandamento da revolução, parece ter sido a tarefa que Costa e Silva se impôs, quando pediu a Pedro Aleixo, naquele momento, que colhesse subsídios para a reforma da Constituição de 24 de janeiro de 1967. Pretendia reabrir o Congresso, promover a reorganização partidária e o fim dos atos de exceção. O Vice-Presidente Pedro Aleixo, seu principal colaborador, dividia com ele a tarefa de conciliar as duas grandes tendências em que se alinhavam os que apoiavam o governo: a redemocratização e a manutenção dos princípios do movimento de março. A tarefa era delicada, uma vez que o clima entre os militares era de crescente insatisfação, diante dos rumos que a revolução ia tomando.

Carlos Chagas relata que o Presidente passava o tempo meditando. "Sozinho, há várias semanas buscava fórmula de conciliar as duas grandes paralelas de sua ação na Chefia do Governo: a redemocratização, na necessidade de abandonar o regime discricionário, e a não menos urgente premência de manter dinâmicos os princípios do movimento de março de 1964." (Chagas, 1979, p. 27)

A Coluna do Castelo, no Jornal do Brasil, sem acesso à totalidade dos fatos, continua a divulgar as gotas de informação que obtém em conversas com suas fontes. Em 21 de março aparece a primeira referência a uma Comissão encarregada dessa tarefa. Em 26 de março, Gama e Silva ainda assume que está a trabalhar na reforma. Em abril, os nomes dos integrantes começam a transparecer: fala-se em Miguel Reale e Cândido Mota Filho. No dia 15 de abril, é citada nominalmente a Comissão de Alto Nível. No dia 22 aparecem como membros Pedro Aleixo e Rondon Pacheco.

No dia 13 de maio já se tem a notícia do encargo dado a Pedro Aleixo. Castelo Branco noticia que a tarefa teria sido comunicada ao Vice–Presidente no decorrer da recepção oferecida ao Presidente do Uruguai, Pacheco Areco.

A partir de então, as informações e análises de Castelo Branco têm um eixo claro: o conflito entre Pedro Aleixo e Gama e Silva, que teria, inclusive, uma vez deslocado da tarefa, pleiteado a revisão do texto por uma Comissão de juristas, de notáveis, de alto nível. Na verdade, o conflito não era pessoal, mas opunha, na opinião do cronista, o chamado sentido da Revolução e o sentido das instituições.

No dia 22 de junho, após 38 dias de seu início, Pedro Aleixo teria concluído a primeira versão, depois de analisar diferentes sugestões, vindas de juristas, políticos, entidades de classe e outros colaboradores.

Antes do início dos trabalhos, o embate que viria a ocorrer era antecipado pelo jornalista. Desenhava-se um campo da normalidade democrática, representado por Pedro Aleixo e Rondon Pacheco, os dois integrantes da Comissão com experiência política, no Executivo e no Legislativo, e um campo da revolução, partidário da dilatação do período de exceção, representado pelos dois juristas sem experiência parlamentar, embora com experiência grande na redação dos Atos Institucionais: Gama e Silva e Carlos Medeiros. Themístocles Brandão Cavalcanti aparecia como integrante neutro nesse conflito, representante dos pontos de vista do Supremo Tribunal Federal.

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Os personagens: composição da Comissão de Alto Nível

Para bem compreender a discussão que se desenrolou nos quatro dias de reunião da Comissão, importa saber quem eram seus integrantes e, principalmente, suas credenciais para o convite que receberam.

Hélio Beltrão era na época o Ministro do Planejamento. Vinha de longa e exitosa carreira na burocracia governamental, iniciada no IAPI, em 1936. No Instituto, chegou a Presidente, mesmo que por alguns meses, dez anos depois. Passou pelo Conselho Nacional de Petróleo, pela PETROBRAS e pelo Instituto Brasileiro de Petróleo. Secretário do Interior e Planejamento do Estado da Guanabara, integra posteriormente o conselho administrativo do BNH. Foi o responsável pela elaboração do Decreto-Lei nº 200, de 1967, que estabeleceu normas sobre a organização da administração federal e diretrizes para a reforma administrativa.

Foi chamado a integrar a Comissão para opinar na matéria orçamentária e administrativa. Continuou no ministério até o fim do mandato da Junta Militar que assumiu o poder na doença do Presidente. Veio a ser, ainda, Ministro da Desburocratização e da Previdência Social, no governo Figueiredo, candidato a Presidente da República e Presidente da PETROBRAS.

Temístocles Brandão Cavalcanti iniciou sua vida política na oposição à República Velha. Defendeu, no decorrer da década de 1920, os militares revoltosos de 22 e 24. Aderiu à revolução de 1930, em cujo governo atuou no Tribunal Especial, posteriormente transformado em Junta de Sanções, órgão da justiça revolucionária criado para apurar irregularidades cometidas no governo anterior. Foi nomeado por Getúlio Vargas para integrar a Comissão Itamarati, encarregada de elaborar o projeto inicial da Constituição de 1934.

Após 1945, foi Procurador-geral da República, Consultor-geral e membro do Supremo Tribunal Federal. Em 1960, elegeu-se deputado constituinte pelo estado da Guanabara. Integrou a Comissão formada em 1966 para elaborar o primeiro projeto do que viria a ser a Constituição de 1967. Foi convidado a participar da Comissão de Alto Nível na condição de representante do Supremo Tribunal Federal.

Miguel Reale ingressa no cenário político brasileiro na década de 1930, como militante e dirigente da Ação Integralista Brasileira. No movimento, liderava a facção mais identificada com o regime português, em oposição a Gustavo Barroso, que tendia a aproximar o integralismo do nacional-socialismo alemão. Acompanha todo o itinerário integralista, até a tentativa frustrada de golpe, em 1937, seguida da ilegalidade e da repressão estadonovista.

Ingressa na USP em 1940 e, a partir de então, dedica-se predominantemente à vida acadêmica e intelectual, até o fim da década de 1950. Retorna à vida pública ao assumir, em 1962, a Secretaria de Justiça do governo Ademar de Barros. Nessa posição, participa da conspiração contra João Goulart, principalmente por meio de seus contatos com Cordeiro de Farias e Mourão Filho, este último antigo companheiro de integralismo.

Foi convidado a participar do grupo que examinou a reforma da Constituição, em 1969, na sua condição de constitucionalista de notório saber. Anos depois, veio a integrar a Comissão de Estudos Constitucionais, presidida por Afonso Arinos, em 1985, no momento seguinte de elaboração constitucional da história brasileira, que viria a culminar na Carta de 1988.

Carlos Medeiros construiu sólida carreira de advogado no serviço público. Na condição de chefe de gabinete de Francisco Campos, secretário de educação do Distrito Federal em 1937, datilografou o texto original da Constituição do Estado Novo. A partir de então, é nomeado para compor diversas comissões e assume a consultoria jurídica de vários órgãos da administração federal. Entre 1951 e 1954, é Consultor-geral da República.

Nos primeiros dias do movimento de 1964, seu nome é indicado a Costa e Silva para conferir fundamento legal às decisões dos novos governantes. Redige, então, o AI 1, em parceria com seu antigo chefe, Francisco Campos, a quem cabe o Preâmbulo. É nomeado, em 1965, Ministro do STF, numa das vagas abertas pelo AI 2.

Em 1966, é nomeado Ministro da Justiça. Nessa condição, dá a redação final ao projeto que havia sido elaborado pela Comissão de Notáveis convocada por Castelo Branco. Na sua versão, de acentuado viés autoritário, o texto simplesmente omitia o capítulo dos direitos e garantias individuais. Essa última redação é enviada pelo Presidente, após audiência do Conselho de Segurança Nacional, ao Congresso, transformado em Constituinte por obra do Ato Institucional nº 4, também da lavra de Carlos Medeiros. Redige também a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional.

Com a posse de Costa e Silva, Medeiros deixa o Ministério, no qual é sucedido por Gama e Silva. Participa da Comissão de 1969. Com a doença do Presidente Costa e Silva, é chamado, novamente, pela Junta Militar, para produzir o AI 12, que declara o impedimento do Presidente e altera a linha sucessória, alijando Pedro Aleixo da Presidência da República.

Rondon Pacheco ingressou na política ao filiar-se, por influência de Pedro Aleixo, em Minas Gerais, à UDN, quando de sua criação. Foi deputado estadual e federal, sendo vice-líder e líder de sua bancada. Apoiou o movimento de 64, ingressando na ARENA após o AI 2.

Assumiu a chefia do gabinete civil de Costa e Silva. Nessa função, elaborou o projeto que estabelecia a sublegenda nas eleições majoritárias. Atuou, no difícil ano de 1968, no sentido de estabelecer o diálogo do Congresso com o Executivo. Foi contrário à convocação extraordinária do Congresso para apreciação do pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves. No entanto, na crise, vota favoravelmente ao AI 5, declarando posteriormente, haver sugerido emenda estipulando prazo de um ano para sua vigência. Participa da Comissão de Alto Nível, encarregada de redigir projeto para a alteração da Constituição.

Após a crise advinda com a doença e impedimento de Costa e Silva, deixa a chefia do Gabinete Civil no governo Médici. Retoma seu mandato e assume a Presidência da Arena. Coordena o processo que irá levar à definição dos governadores em 1970, cabendo-lhe, por decisão do novo Presidente, o governo de seu Estado. Defendeu, em 1977, ao contrário de Gama e Silva, o fim dos Atos Institucionais. Elegeu-se novamente Deputado em 1982. No colégio eleitoral, em 1985, votou com a Frente Liberal, na chapa Tancredo Neves e José Sarney. Disputou, sem sucesso, a vaga de Senador nas eleições de 1986.

Até o período dos governos militares, Gama e Silva seguiu carreira predominantemente acadêmica, com breve passagem pela política. Fez oposição ao Estado Novo e, após a redemocratização, militou nas campanhas eleitorais da UDN. Ingressou na USP, mediante concurso, em 1944. Dirigiu a faculdade de Direito e foi por duas vezes reitor da Universidade.

Conta Reale (1986-87) que, na hora do golpe, ninguém no governo de São Paulo conhecia Costa e Silva. Apresentou-se então, "com sua natural perspicácia", Gama e Silva, que declarou ser grande amigo do general, desde os tempos em que este residia em São Paulo e costumava ir a "sua casa, aos domingos, almoçar e jogar pif-paf".

Assumiu as pastas da Educação e da Justiça, a convite de Costa e Silva, no breve interregno Mazzili, em abril de 1964. Propôs, na crise de 1965, poderes ditatoriais totais para o Presidente Castelo Branco.Com a posse de Costa e Silva, em 1967, assume novamente o Ministério da Justiça, no qual viria a notabilizar–se por suas posições extremadas. Era considerado, com justiça, o representante civil dos setores militares mais duros.

Na crise do AI 5 preparou dois textos, um muito duro, extinguindo o Congresso e o Supremo e outro, menos radical, que terminou por prevalecer. Considerava o Ato a "institucionalização da revolução" (Chagas, 1979). Afirmou, posteriormente, ter redigido o documento em apenas quatro horas, num quarto de hotel, sem consultar livros ou códigos penais. Segundo Skidmore, "...sua verbosidade e pobreza de julgamento (...) constituíam constante problema para o governo".

Gama e Silva declarava-se liberal, mas não escondia sua prevenção contra o Congresso Nacional. Entendia ser necessário uma "ditadura de Cincinato" para limpar o terreno e fazer prosperar a democracia. Suas intenções, segundo Reale, eram boas, como aquelas "com que se lastreia o caminho do inferno", sendo inevitável, com elas, a "transferência para as calendas gregas do retorno à normalidade democrática".

Reale prossegue de forma ainda mais contundente e julga que uma circunstância fortuita, "um nariz de Cleópatra", deu projeção nacional a Gama e Silva e nos fez "passar pelas águas do AI 5, do qual foi um dos artífices principais".

No governo Médici, foi embaixador em Portugal. Em 1978, suas opiniões não haviam mudado: manifestou-se contrário à extinção do Ato, afirmando que nada tinha de antidemocrático e que constituía boa advertência aos candidatos à subversão.

Nascido em 1901, Pedro Aleixo inicia sua vida parlamentar ao ser eleito, com o maior número de votos, vereador por Belo Horizonte, em 1927. Candidato à reeleição, em 1929, liderou campanha vitoriosa pela introdução do voto secreto. Atuou em prol da revolução de 1930, na imprensa e em comícios.

Eleito constituinte em 1934, deputado federal em 1935, foi líder da maioria na Câmara. Nessa condição, teve que lidar com a prisão dos parlamentares vinculados à ANL, após a insurreição de 1935. O longo debate sobre a imunidade parlamentar encerrou-se em junho de 1936, com a aprovação da suspensão das imunidades dos aliancistas, uma vitória do governo e de sua liderança.

Em 1937 é eleito Presidente da Câmara. Em 10 de novembro daquele ano, ocorre o golpe de Vargas, que fecha o Congresso e inaugura o Estado Novo. Pedro Aleixo protesta e rompe com o governo. Participa, desde então, das atividades da oposição liberal. Está entre os organizadores do manifesto dos mineiros, em 1943; e, em 1945, preside a convenção que funda a UDN.

Em 1947 é eleito deputado estadual constituinte, e assume, no mesmo ano, a secretaria do interior do governo Milton Campos. É candidato a vice-governador na chapa da UDN, em 1950, derrotada por Juscelino.

Elege-se novamente deputado federal em 1958 e torna-se líder da UDN na Câmara. Na crise provocada pela renúncia de Jânio, Pedro Aleixo manifesta-se contrário à posse do vice e também contrário à emenda parlamentarista.

Participa ativamente da conspiração que resultou no golpe de 1964. Levou, com Bilac Pinto, o texto do AI 1 a Castelo Branco.

Após o AI 2, é um dos fundadores da ARENA. É nomeado Ministro da Educação em 1966. Pouco depois, é indicado como Vice–Presidente na chapa encabeçada pelo marechal Costa e Silva.

Antes de assumir o mandato, coordenou os trabalhos constituintes do Congresso, em dezembro de 66 e janeiro de 67, como Presidente da comissão mista encarregada de apreciar o projeto de Constituição. A Constituição é aprovada em janeiro de 67, com alguma emendas introduzidas pelos parlamentares.

Foi o único voto contrário na reunião que decidiu o AI 5.

Em maio de 69, é designado por Costa e Silva para coordenar os trabalhos da reforma constitucional. Após as reuniões da Comissão, entrega ao Presidente o texto, em 26 de agosto do mesmo ano.

Com a doença de Costa e Silva é impedido de assumir a Presidência. Não assume, segundo Chagas (1979), porque daria seguimento às intenções de Costa e Silva: fazer valer a nova Constituição e reabrir o Congresso. Tarefas difíceis mas possíveis sob o comando de Costa e Silva, inviáveis, segundo os ministros militares, com Pedro Aleixo na Presidência. Havia, além disso, a desconfiança militar em razão de seu posicionamento contrário ao AI 5. Para ele o ato institucionalizava a ditadura, não a revolução. Representou o resquício liberal de um regime que se endurecia cada vez mais.

Após o impedimento de sua posse, desliga-se da ARENA e dedica-se à construção de um terceiro partido: o Partido Democrático Republicano.

O marechal Costa e Silva teve participação na agitação militar que perdurou por toda a década de 1920. A partir da revolução de 1930, no entanto, construiu uma carreira marcada pelo profissionalismo, só retornando à atividade política às vésperas do movimento militar de 1964.

Mesmo sua participação nesse movimento é controversa. Em algumas versões, como a de Portella (1979), seu nome aparece com relevo. Para outros, não foi conspirador de primeira hora, tendo aderido nos dias anteriores à eclosão da revolta. Reale (1986-87), por exemplo, conta que seu nome era desconhecido dos participantes civis, que tinham em Castello Branco sua principal referência. D´´Aguiar (1999) confirma essa versão, contando que apenas após o comício da Central Costa e Silva interroga o coronel Portella, seu subordinado, sobre a existência da conspiração. Portella confirma a movimentação e informa que falta ainda um comandante. Costa e Silva, então, declara sua disposição em assumir o comando.

Reale refere-se ainda a um acordo que teria estipulado que o comando caberia ao general mais antigo presente na guarnição do Rio de Janeiro. A manobra teria excluído Cordeiro de Farias, que se encontrava em São Paulo, e aberto o caminho para Costa e Silva.

No entanto, conforme o verbete que lhe é dedicado no Dicionário Histórico-Bibliográfico Brasileiro, Costa e Silva passou a manter contatos com os golpistas em 1962, após sua remoção do comando do IV Exército para a chefia do Departamento Geral de Pessoal do Exército, em outubro de 1962. Teria, inclusive, assumido a tarefa de aproximar, em fevereiro de 64, o governador de São Paulo, Ademar de Barros, do general Amauri Kruel, comandante do II Exército.

Assumiu, em 1° de abril, o comando do Exército e da revolução, este em conjunto com o almirante Rademaker e o brigadeiro Correia de Melo. Integra, portanto, núcleo real de poder durante a Presidência de Mazzilli, até 15 de março de 1964. Nomeia, de imediato, Gama e Silva, como ministro da Justiça e da Educação.

No dia 9 de abril, o comando da revolução divulga o Ato Institucional, redigido por Carlos Medeiros e Francisco Campos, que previa a eleição indireta do Presidente dois dias depois e estabelecia os poderes necessários à consecução dos expurgos que se seguiriam.

Reale transcreve diálogo havido entre ele e Costa e Silva, no qual o general lhe teria relatado seu encontro com Francisco Campos, por ocasião da redação da justificação do AI 1. Ao ver o conhecido Chico Ciência redigir tudo "de um jato", o general teria dito: "este é dos meus!".

No gabinete de Castello Branco, ocupa o Ministério da Guerra. Desempenha papel de relevo na cassação de Juscelino e passa a ser visto com simpatia pelos setores mais radicais da oficialidade. Na crise de 1965, sustentou Castello Branco, ameaçado de deposição, chegando a discursar na Vila Militar, conclamando os insatisfeitos a respeitarem as determinações do Presidente.

Apóia a prorrogação do mandato de Castello Branco e, em janeiro de 1966, assume sua candidatura a Presidente. Em maio, seu nome foi homologado, juntamente com o de seu Vice, Pedro Aleixo, pela Convenção da ARENA. Foram eleitos em 3 de outubro e tomaram posse em 15 de março de 1967.

Na reunião do Conselho de Segurança Nacional, que decidiu pela edição do AI 5, Costa e Silva estimulou Pedro Aleixo a manifestar sua posição contrária ao Ato e requisitou a fita com a gravação da reunião, para que as palavras do Vice-Presidente fossem novamente ouvidas. Decidiu, finalmente, de acordo com a maioria, pelo sua aprovação.

Após as reuniões da Comissão, em julho de 1969, de posse da versão final do projeto de Emenda, Costa e Silva decidiu enfrentar a oposição militar, manifestada por seus ministros em reunião do dia 26, apresentar a reforma da Constituição em 2 de setembro e convocar o Congresso para 7 de setembro. No dia 27 de agosto, no entanto, sofreu o primeiro ataque da doença que provocaria sua incapacidade e morte.

No dia 31 de agosto, os ministros militares anunciam o AI 12, declarando o impedimento do Presidente e alijando Pedro Aleixo da sucessão. Costa e Silva falece em 17 de dezembro do mesmo ano.

A composição da Comissão e o histórico de seus participantes deixa transparecer o conflito que se afirmou ao longo dos trabalhos. Era clara a oposição entre os projetos liberal e autoritário nas fileiras do regime, personificados, principalmente, por Pedro Aleixo e Gama e Silva. Era igualmente claro que a composição possível entre as duas vertentes tomaria forma nas decisões do Presidente Costa e Silva, árbitro e único detentor do poder de voto.

O breve perfil dos notáveis revela igualmente sua participação recorrente, de forma direta ou indireta, em todos os momentos da história constitucional brasileira no século XX. A Carta de 1934 viu Themístocles Brandão Cavalcanti participar da Comissão que elaborou o projeto e contou com a colaboração de Pedro Aleixo na Assembléia Constituinte. Adroaldo Mesquita da Costa, tio do Presidente Costa e Silva, também era Deputado constituinte.

Em 1937, Pedro Aleixo era Presidente da Câmara e, portanto, foi atingido pelo golpe que instituiu o Estado Novo. Carlos Medeiros trabalhava com Francisco Campos e coube-lhe datilografar os originais da "Polaca".

Em 1946, tanto Pedro Aleixo quanto Rondon Pacheco participam da elaboração da Constituição do Estado de Minas Gerais. Adroaldo Mesquita da Costa é, mais uma vez, constituinte.

Em 1964, momento de ruptura da ordem constitucional, na medida em que o Ato Institucional cria a base para um novo ordenamento, Medeiros redige o texto a pedido de Costa e Silva e Pedro Aleixo o leva, com Bilac Pinto, ao conhecimento de Castelo Branco.

Em 1967, Themístocles Brandão Cavalcanti participa, novamente, da Comissão que elabora o primeiro projeto. Medeiros responde pela forma final. Pedro Aleixo, na condição de Presidente da comissão mista, encabeça o processo de alterações promovido no Legislativo, opondo-se à perspectiva autoritária de Medeiros.

Em 1969, todos estão reunidos na Comissão de Alto Nível.

No processo de construção da Carta de 1988, Miguel Reale participou da Comissão de Estudos Constitucionais, presidida por Afonso Arinos. Rondon Pacheco prestou sua colaboração ao desencadeamento do processo constituinte, ao votar na chapa Tancredo Neves e José Sarney, no colégio eleitoral, em 1985.

Sobre os autores
Caetano Ernesto Pereira de Araújo

consultor legislativo do Senado Federal

Eliane Cruxên Barros de Almeida Maciel

consultora legislativa do Senado Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira; MACIEL, Eliane Cruxên Barros Almeida. A comissão de alto nível.: História da Emenda Constitucional nº 1, de 1969. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1137, 12 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8779. Acesso em: 18 mai. 2024.

Mais informações

Texto originalmente publicado no site da Consultoria Jurídica do Senado (<a href="http://www.senado.gov.br/conleg/">http://www.senado.gov.br/conleg/</a>).

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