Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. A constitucionalidade do regime integral fechado; 3. Conclusão.
1. Considerações iniciais
Na realidade prática, a execução penal não tem alcançado os ideais anunciados no artigo 1º da LEP, não obstante a atuação bem intencionada da grande maioria dos operadores do Direito que militam na área específica. Já está provado que as disposições de sentenças criminais não têm sido efetivadas (e não são poucos ou excessos e os desvios na execução), e a prática executiva, de regra, também não tem proporcionado condições para a harmônica reintegração social do condenado e do internado.
A nova interpretação do STF, permitindo progressão de regime no cumprimento de pena decorrente de condenação pela prática de crime hediondo ou assemelhado, retira da pena privativa de liberdade o caráter eminentemente retributivo, revitalizando a finalidade ressocializadora. Necessário destacar, contudo, que, embora seja um passo considerável, isoladamente não alcançará o êxito pretendido.
Sem a existência de aparato administrativo eficaz, a tendência é o agravamento do quadro execucional e da segurança pública, e logo não faltarão aqueles que virão atribuir a culpa ao novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal frente à questão suscitada, esquecendo-se de olhar o "sistema de execução penal".
É preciso punir o transgressor pelo mal cometido, tanto quanto é imprescindível incutir, despertar ou revitalizar na pessoa do condenado valores positivos, úteis à comunhão social.
A Lei de Execução Penal adotou a teoria mista ou eclética, em que a natureza retributiva da pena não busca apenas a prevenção, mas também a humanização. Visa-se por meio da execução punir e humanizar. Ao contrário do que alguns já imaginaram, o ideal de tornar a pessoa do condenado "útil à comunhão social" não está impregnado de violações éticas.
Em se tratando de execução penal, é sempre necessário visualizarmos as diferenças que existem entre o ideal e o real. No plano do ideal, do desejado, a execução da pena com progressão de regimes, observadas as cautelas da lei, atende melhor aos interesses sociais mediatos, ainda que a pena decorra da prática de crimes considerados hediondos ou assemelhados. Nesses termos, é mais benéfico permitir a progressão.
Sabemos, por outro vértice, que, diante da realidade em que vivemos, e sob a ótica puramente retributiva, sempre mais palpitante na consciência social imediatista, a segregação do condenado por tempo mais alentado afasta, em tese, o perigo iminente. Tal forma de pensar, entretanto, não deve direcionar reflexões jurídicas, tampouco fundamentar decisões comprometidas com o objetivo de uma sociedade verdadeiramente justa.
2. A constitucionalidade do regime integral fechado
Atendendo ao disposto no art. 5º, XLIII, da
Constituição Federal, o Congresso Nacional elaborou a Lei n. 8.072, de 25 de
julho de 1990, que dispõe sobre os crimes hediondos e assemelhados. Referido
diploma legal sofreu reestruturação no ano de 1994, com a edição da Lei n.
8.930.
Vários doutrinadores passaram a sustentar que o regime
integral fechado choca-se frontalmente com o princípio constitucional da
individualização da pena, estabelecido no art. 5º, XLVI, da
Constituição Federal. Sustenta-se, ainda, que o regime integralmente fechado
também fere o princípio da humanização da pena e constitui tratamento cruel ao
condenado.
Outro argumento utilizado amiúde contra o regime integral
fechado assenta suas conclusões em interpretação jurídica conclusiva no sentido
de que o art. 7º do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, ratificado pelo Brasil, em 24-1-1992, revogou o art. 2º
da Lei n. 8.072/90.
Filiamo-nos ao entendimento contrário, apontando para a
constitucionalidade do regime integralmente fechado, que também não foi revogado
pelo art. 7º do Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos, ratificado pelo Brasil em 24 de novembro de 1992.
Com efeito, a individualização da pena se desenvolve em três
planos bem conhecidos e distintos. Inicialmente, temos a individualização
formal ou legal, levada a efeito pelo Poder Legislativo por ocasião da
elaboração da lei penal; temos a individualização judicial, do caso
concreto, que é praticada no âmbito do Poder Judiciário pelo "juiz do processo"
quando da prolação da sentença, e, por fim, temos a individualização da
execução, observados os parâmetros do art. 5º da Lei de
Execução Penal, a cargo do juízo das execuções criminais.
De tal sorte, o só fato de a lei estabelecer o regime integralmente fechado para as hipóteses que elenca não exclui nem aniquila o processo de individualização judicial.
3. Conclusão
Há uma imperiosa e constitucional necessidade de dispensar tratamento desigual aos desiguais, como decorrência do princípio da isonomia (art. 5º, caput, da CF).
Sob tal prisma, estou certo de que é necessário estabelecer prazo diferenciado para progressão de regime na execução de pena decorrente de condenação por crime hediondo ou assemelhado. Aliás, digno de nota que, em seu voto por ocasião da decisão proferida no dia 23 de fevereiro de 2006 no Plenário do STF, quando se reconheceu, por maioria, a inconstitucionalidade do regime integral fechado, o Min. Ayres Brito acenou para uma remanescente inconstitucionalidade do art. 112 da LEP, que "passou a tratar" igualmente os desiguais, na medida em que prevê requisito objetivo único para progressão de regime, sem qualquer distinção entre hediondos e não-hediondos.
A majoração da fração percentual de cumprimento da pena para satisfação do requisito objetivo, por si só não basta, notadamente em razão da modificação introduzida com a Lei 10.792/2003, que afastou a possibilidade de melhor aferição do requisito subjetivo quando da análise do pedido de progressão de regime, visto que desde então não subsiste a necessidade/possibilidade de realização de exames.
Em termos gerais, para uma melhor eficácia da Lei de Execução Penal só há uma solução, que é a mais óbvia: cumprir e fazer cumprir a Lei de Execução Penal.