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Aspectos tributários dos criptoativos no Brasil

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3.PROJETOS DE LEI E TRIBUTAÇÃO EM ANDAMENTO

O legislador pátrio determinou, segundo a Lei nº 5.172 de 25 de outubro de 1966, que para criação de normas tributárias é necessário que haja lei regulamentadora. Nesse sentido, há cinco projetos de lei em andamento, quais sejam: Projeto de Lei nº 2.303, de 2015 e o Projeto de Lei nº 2.060, de 2019, ambos da Câmara dos Deputados, e Projeto de Lei nº 3.825 e 3.949, ambos de 2019, e o PL nº 4207 de 2020, todos do Senado Federal.

O PL nº 2303, de 2015, visa à inclusão das moedas virtuais e programas de milhagem aéreas nas definição de “arranjos de pagamento”, subordinando- as ao Banco Central do Brasil. A definição se traz presente na Lei nº 12.865, de 2013, em seu artigo 6º:

Arranjo de pagamento é o conjunto de regras e procedimentos que disciplina a prestação de determinado serviço de pagamento ao público, aceito por mais de um recebedor, mediante acesso direto pelos usuários finais, pagadores e recebedores. Instituidor de arranjo de pagamento é a pessoa jurídica responsável pelo arranjo de pagamento e, quando for o caso, pelo uso da marca a ele associada. O conjunto de regras que disciplina o uso de instrumento de pagamento emitido por sociedade empresária destinado à aquisição de bens ou serviços por ela ofertados não se caracteriza como arranjo de pagamento.

Assim, caso caracterizadas como instituições prestadoras de serviços de pagamento, estariam sujeitas ao pagamento de tributos como Imposto de Renda (IR), de acordo com o Decreto nº 9.580, de 2018, Imposto sobre serviços de qualquer natureza de acordo (ISSQN), com a legislação municipal correspondente e com a Lei Complementar Nº 116 de 31 de julho de 2003, se assemelhada essa instituição de arranjos de pagamento com administradoras de crédito e débito o tributo será recolhido de acordo com o domicílio tributário do tomador.

O projeto traz ainda uma série de análises acerca da capacidade fiscalizatória e regulatória dos ativos, citando a possibilidade de utilização destes em atividades como lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. No momento encontra-se aguardando parecer do relator, Deputado Expedito Netto (PSD/RO), na Comissão Especial destinada ao projeto.

O Projeto de Lei nº 2.060, de 2019, do mesmo autor, Deputado Aureo Ribeiro (SOLIDARIEDADE/RJ), é tratado pelo mesmo como um aprimoramento do projeto anterior, havendo até mesmo o Requerimento nº 1746/2019, pelo Deputado Eduardo Cury (PSDB/SP), solicitando apensamento ao projeto anterior e tramitação conjunta, todavia, não houve parecer da MESA da Câmara dos Deputados até o presente momento.

Este novo projeto trata elementos da tecnologia Blockchain, subdivide os criptoativos em Criptomoedas e Tokens Virtuais, e altera a legislação pertinente ao combate nas relações comerciais, visando ao combate às pirâmides financeiras, lavagem de dinheiro, corrupção e financiamento ao terrorismo.

A primeira categoria trata das criptomoedas utilizadas inicialmente como formas de pagamento ou transferência de ativo, como Bitcoin, Ripple, Litecoin, Ethereum, dentre outras. As empresas, ou Exchanges, estariam sujeitas ao proposto inicialmente com o projeto de lei 2.303/2015, e enquadrariam como Arranjos de Pagamento, submetendo-se a Lei nº 12.865 de 2013.

A segunda categoria é diferenciada pela destinação e forma de utilização da tecnologia, definindo-as como Tokens Virtuais que conferem ao seu usuário acesso ao sistema de registro que originou o determinado token, em uma determinada plataforma, portanto, não podendo caracteriza-las ao disposto no conceito de valor mobiliário definido no art. 2° da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.

Nesse caso, a Exchange sujeitar-se-á à tributação do Imposto sobre Serviço (ISS), seguindo o disposto da legislação municipal, Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e as contribuições de seguridade social.

A última categoria, entende o autor se tratar:

Unidades virtuais representativas de bens, serviços ou direitos, criptografados mediante a combinação de chaves públicas e privadas de assinatura por meio digital, registrados em sistema público ou privado e descentralizado de registro, digitalmente transferíveis, que não seja ou representem moeda de curso legal no Brasil ou em qualquer outro país;

Nesse caso, aplica-se a tributação dos mesmos impostos aplicáveis à categoria acima. Além disso, a ambas categorias aplicam-se as tributações pertencentes às relações de trabalho, bem como as relativas as atividades secundárias e particularizadas de cada empresa.

Já no Senado Federal, tanto o Projeto de Lei nº 3.825/2019, de autoria do Senador Flávio Arns (REDE/PR), quanto o Projeto de Lei nº 3.949/2019, de autoria do Senador Styvenson Valentim (PODEMOS/RN), tratam da regulamentação do mercado de criptoativos ou criptomoedas, definindo conceitos, diretrizes, como a determinação que o Banco Central do Brasil seja o órgão supervisor, fiscalizador e licenciador do mercado no país.

Dispõe, ainda, sobre medidas de combate à lavagem de dinheiro e outras práticas ilícitas, e penalidades aplicadas à gestão fraudulenta ou temerária de Exchanges de criptoativos.

O Projeto de Lei nº 3.825/2019 traz ainda, em seu artigo 9º, inciso II, a determinação que a Exchange deve:

“Manter em ativos de liquidez imediata o equivalente aos valores em Reais aportados pelos clientes em contas de movimentação sob sua responsabilidade, ainda não investidos em criptoativos, ou resgatados e ainda não retirados pelos clientes;”

Ora, os legisladores determinam que haja lastro financeiro às operações financeiras virtuais, como forma de proteção ao investidor, citando como justificativa as sabidas operações policiais acerca de fraudes financeiras e atividades ilícitas.

Ainda no Legislativo Federal, há o Projeto de Lei nº 4207, de 2020, de autoria da Senadora Soraya Thronicke (PSL/MS), o qual dispõe sobre a intermediação, custódia, distribuição, liquidação, transação, emissão ou gestão dos ativos financeiros, dissertando sobre crimes relacionados ao uso fraudulento dos ativos virtuais, prevendo ainda aumento de pena para o crime de “pirâmide financeira”.

A senadora prevê, ainda, a criação do Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente (CNPEP), com a finalidade de auxiliar as instituições financeiras a executar políticas de avaliação de risco de crédito e de prevenção à lavagem de dinheiro.

Por fim, há, no âmbito estadual, o Projeto de Lei nº 834, de 2019, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que visa a alteração da Lei nº 10.705, de 2000, e acrescenta a sujeição dos criptoativos ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), seja por sucessão legitima ou testamentária, seja por doação.

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4.TRIBUTAÇÃO DE CRIPTOATIVOS PELO MUNDO

Diante dos inúmeros debates, projetos, opiniões, estudos, e propostas quanto à tributação de criptoativos no Brasil (REVOREDO,2018), é possível verificar o quão embrionário é o tema no cenário nacional. Fato é, estes ativos são uma realidade. Milhares, ou milhões de transações, são realizadas diuturnamente, e o Brasil está inserido nesta complexa e intrincada rede de operações.

O tema é sensível e os legisladores precisam levar em consideração a tênue linha existente entre a regulamentação, o livre mercado, e a segurança jurídica e financeira. Desta forma, verifica-se que é possível inovar, reinventar, e criar novos parâmetros a serem considerados quando se fala na regulamentação e possível tributação de moedas virtuais, contudo, analisar modelos já existentes no exterior é, no mínimo, uma escolha inteligente, atuando como fonte normativa e poupando esforços em muitos aspectos.

De antemão, verifica-se que os governos ao longo do mundo (HUANG, 2019) podem e estão adotando 3 (três) linhas de ação genéricas em relação aos criptoativos em seus respectivos territórios, que, posteriormente, irão se desdobrar em modelos únicos em cada país. Desta forma, as lideranças governamentais podem incentivar, mesmo que regulamentando, a utilização do ecossistema virtual em que estão inseridos os criptoativos.

No sentido oposto, alguns países enxergam a modalidade como um perigo, e buscam de todas as formas, dificultar, combater, e até proibir a utilização de ativos desta natureza em seus respectivos territórios, e por fim, tem- se os países que, ao menos por hora, se mostram inertes ao tema.

Para iniciar um breve, porém objetivo, giro pelo mundo, no que tange à tributação dos criptoativos, é preciso inicialmente estabelecer qual seria a natureza jurídica da criptomoeda aos olhos do legislador brasileiro. Em tese, é provável que para a formulação da norma, dar-se-á continuidade ao entendimento da Receita Federal Brasileira de que as criptomoedas são entendidas como sendo um ativo financeiro, não como moeda; desta forma, o recolhimento de impostos ocorreria com base nas normas incidentes sobre bens e investimentos

Para exemplificar o questionamento acima, tem-se dois grandes países que adotaram entendimentos distintos quanto à natureza jurídica do ativo, e, que, por sua vez, influenciam de maneira indireta as decisões que serão tomadas em nações que, assim como o Brasil, ainda estão no processo formação de opinião quanto ao assunto.

Alemanha (TOLOTTI, 2018) adotou a interpretação de que a natureza jurídica das criptomoedas se assemelha à de uma moeda estrangeira (diferente do euro), funcionando como moeda privada, ou mecanismo diverso de pagamento entre particulares, não sendo diretamente controlado pelo estado, de modo que, inicialmente, a tributação ocorreria diretamente sobre as operações financeiras, o que de fato não veio a ocorrer, uma vez que o Ministério das Finanças do país reconheceu os criptoativos como um meio legítimo de pagamentos, estabelecendo que nestas operações, não haveriam taxações.

Essa interpretação decorre do fato de que, na prática, criptomoedas estavam sendo utilizadas como forma alternativa de pagamento em contratos imediatos. Assim, naquele país, é possível ir a uma padaria, comer um lanche qualquer, e pagar em Bitcoin, por exemplo, sem ter que pagar, para tanto, impostos na operação.

Com base nesse entendimento, é possível considerar que, para fins fiscais, é possível transformar criptoativos em moedas controladas pelo Estado, e vice-versa, sendo esta operação considerada uma oferta de serviço, onde um possível intermediário não seria tributado. Assim, operações de mineração (criação de criptoativos por meio de máquinas) por serem consideradas de caráter voluntário, e operações de câmbio por particulares, não seriam tributados, já uma Exchange (conceito já abordado neste artigo) seria passível de tributação.

O modelo ali adotado tem atraído a atenção de investidores no mundo todo, afinal, quanto menor é a interferência estatal, maior a liberdade econômica, tudo isso de maneira regulamentada pelo próprio estado, proporciona a segurança jurídica adequada e o cenário ideal para novos investimentos.

No extremo oposto, temos o entendimento dos Estados Unidos (interpretação semelhante é adotada na Inglaterra), que considera os criptoativos como um bem, ou seja, sujeito à incidência do Imposto de Renda. Neste caso, em uma operação simples de compra e venda, por exemplo, seria possível a incidência de impostos de ganho de capital, devendo os proprietários de ativos dessa natureza, informarem seus ganhos e perdas nas respectivas declarações, mantendo atualizado o registro de suas operações e gastos com criptoativos.

As tratativas a respeito são tão antagônicas que, recentemente, a Receita Federal americana (STEVENS, 2020) enviou cartas aos contribuintes/investidores contento orientações para retificações nas declarações, pois, supostamente, muitas não estariam corretamente preenchidas, e que tal fato poderia acarretar responsabilização civil e criminal.

O Japão, por sua vez, país de origem do criador da maior criptomoeda do mundo (Bitcoin) e sede de algumas das principais exchanges do globo, é um dos países mais avançados quando se fala em legislação de criptoativos, tendo em vista que possui uma regulamentação consolidada sobre o tema, tendo estabelecido, em 2017, o Marco de Serviços de Pagamento (COMO, 2019), sendo essa a principal legislação sobre o assunto, que estabelece, além de outros requisitos, que, para uma empresa trabalhar com moedas virtuais, esta deve possuir um representante residente no Japão, manter um escritório no país, ser cadastrada em departamento financeiro local, fazer entrega anual dos registros de transações ao órgão responsável pela fiscalização, bem como, as exchanges devem identificar seus clientes, checando suas identidades, registros transacionais, e informar qualquer suspeita às autoridades competentes.

Na Coréia do Sul (ibidem) as transações envolvendo os criptoativos são realizadas por meio de transações bancárias, e seguem regras definidas pelo governo sul coreano, dentre as quais se destacam: a obrigatoriedade de os usuários de moedas digitais terem contratos com bancos locais; a competência das instituições bancárias em analisar e fornecer a cibersegurança e o controle dos fundos de cada cliente; a necessidade de se ter contas abertas nos mesmos bancos que as exchanges, para facilitar a troca de criptoativos; a proibição de transações por meio de moedas digitais por parte de estrangeiros; e a necessidade de que as empresas repassem às autoridades competentes, atividades com suspeitas de ilegalidade e lavagem de dinheiro.

Local que merece especial destaque é Hong Kong (ibidem), uma vez que, inicialmente, era conhecido por ser uma região atrativa para investimentos na área dos criptoativos, tendo, no entanto, deixado de ser um local com boas oportunidades, em virtude de proibições impostas pelo governo local. O órgão responsável pela fiscalização financeira de Hong Kong passou a proibir a comercialização de criptomoedas por exchanges que possuíssem qualquer relação com o país, sendo estas consideradas como títulos que não possuem permissão para circulação.

Em se tratando de Europa, mais especificamente os países membros da União Europeia (JONES,2020), a maioria destes seguem as resoluções do Parlamento Europeu quando o assunto são criptomoedas, sendo o 4° Diretivo Contra a Lavagem de Dinheiro (EUROPEAN,2020) uma das principais normas utilizadas, sugerindo o instrumento normativo que os fornecedores de carteiras virtuais apliquem medidas de detecção e prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo. Ademais, um país do bloco também está em estágio avançado na elaboração de normas pertinentes ao assunto: em Portugal (SINGER, 2020), são isentas de qualquer tributação, as negociações individuais de criptomoeda, incidindo-se os impostos, apenas em negociações de caráter profissional, ou seja, operações em que o próprio ativo criptomoeda é a atividade profissional.

Países que também adotam uma postura semelhante, no sentido de que se tem uma maior liberdade econômica, são: Singapura, Malta, Suíça e Lituânia (MORAES,2020).

Ao analisar as normas que vigoram nas nações anteriormente citadas e utilizadas como exemplo, verifica-se um ponto que é comum a todas as legislações: a preocupação com a fiscalização no sentido de se evitar a lavagem de dinheiro, o financiamento ao terrorismo e outras atividades de caráter ilícito.

Isso ocorre pois os criptoativos, em virtude da sua falta de controle estatal/governamental, inexistência de fronteiras, e facilidade de se utilizar do anonimato nas operações, mostra-se extremamente eficiente em dificultar e ocultar a movimentação de valores oriundos de ilícitos, ou com finalidade de financiar estes, o que deixa evidente, mais uma vez, que os benefícios oferecidos pela evolução da tecnologia virtual/blockchain oferecem inúmeras possibilidades, inclusive à pessoas mal intencionadas, demonstrando a necessidade de uma regulamentação ao menos com o intuito de impedir/dificultar e barrar a prática de atividades criminosas pelo mundo, o que também não deve ser utilizado como argumento para impossibilitar o usufruto dos criptoativos por parte da população mundial, desde que o ditame legal de suas respectivas nações sejam obedecidos.

O fato é que, de maneira geral, com a exceção de alguns países da Europa e da Ásia, grande parte dos países não possuem leis tributárias específicas para criptomoedas, o que os obriga a ajustarem suas normas internas para interpretar e determinar como ocorrerá a tributação destes ativos.

É importante destacar que as criptomoedas, por não serem controladas por governos/estados, possuem um dinamismo próprio, e estão sendo utilizadas como reserva de valor no mundo todo. O destaque especial vai para os países onde a inflação (SILVÉRIO,2020) encontra-se demasiadamente alta, e onde o cenário econômico passa por dificuldades, uma vez que a moeda local perde, cada vez mais, o seu valor e poder de compra, o que gera insegurança, e incentivos a meios alternativos de transações financeiras.

Ademais, locais que se encontram em situação de crise, por questões fiscais, logísticas, e até físicas, o envio de recursos por meio de criptoativos tem se mostrado cada vez mais eficiente, isso por que as transações ocorrem de maneira praticamente instantânea, em uma moeda universal, e que pode ser acessada de qualquer lugar do globo, bastando para tanto, o acesso a uma rede, que pode ser feita por meio de um simples celular.

É possível verificar exemplos da situação acima mencionada em países bem próximos ao Brasil. É o caso da Venezuela (TOLOTTI,2019), que, segundo o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), enfrenta uma inflação de mais 1.000.000 % ao ano, desemprego crescente, e falta até mesmo de papel moeda. Neste cenário, mesmo com a alta volatilidade, o Bitcoin tem se mostrado como uma forma eficiente de proteção contra a inflação e a cada vez maior desvalorização da moeda local.

Mais ao sul, verifica-se um comportamento semelhante também na Argentina, uma vez que a moeda local (Peso Argentino) passa também por um processo de desvalorização, e a economia, tem encontrado dificuldades em controlar a inflação. Isso acabou por gerar um efeito interessante no país, com uma procura cada vez maior por criptoativos, em especial o Bitcoin, ativo virtual que passou a ser vendido localmente por um preço bem acima do valor de mercado, a famosa “lei da oferta e procura”. As medidas restritivas do novo governo argentino, que limitou a compra de moedas estrangeiras a apenas duzentos dólares por mês, contra os dez mil dólares anteriormente autorizados, aumentaram ainda mais a corrida pela captação de Bitcoin, uma vez que, ao menos por hora, não haviam restrições governamentais para compra de ativos desta natureza.

No mediterrâneo, o Líbano é outro exemplo de países que, estando em situação de crise, estão recorrendo aos criptoativos, tendo em vista que, em virtude das guerras, protestos e demais problemas sociais, vários bancos encontram-se fechados, o que dificulta o acesso da população a ativos financeiros, e, consequentemente, os leva a optar por alternativas que não necessitem de um intermediário como bancos, levando-os diretamente ao mundo das criptomoedas.

Ainda no cenário internacional, é importante analisar as opiniões e os pareceres emitidos por organizações que possuem grande relevância e influência, tal como o Fundo Monetário Internacional - FMI. Em abril de 2018, a organização emitiu um relatório denominado “Global Financial and Stability Report” (CRIPTOMOEDAS,2019), onde destaca 4 (quatro) riscos dos criptoativos para a economia global, sendo estes: o risco da integração de criptoativos em produtos financeiros, ou seja, com a maior oferta de ativos financeiros associados às cripto, os investidores tradicionais poderiam optar pelo ativo digital com o intuito de diversificar suas carteiras, o que aumentaria o risco da transmissão de choques e crises; o risco para o modelo de negócio dos bancos, uma vez que a possível migração para a utilização de criptoativos poderia reduzir, de maneira significativa, o papel dos bancos em serviços como pagamentos, empréstimos, além da falta de uma estrutura intrincada de segurança em criptoativos como as que existem ao redor dos sistemas bancários; risco da transmissão de crise, que pode ser traduzido como a dificuldade de se verificar a transparência nas operações, e o acelerado desenvolvimento do mercado de cripto, vez que este enfrentará diferentes regulamentações pelo globo, o expõe à riscos que não possuem fronteiras; e, mais uma vez, o risco da lavagem de dinheiro e terrorismo, já amplamente abordado neste artigo.

Apesar de levantar os riscos e possibilidades, no mesmo documento, o FMI destaca que, de maneira imediata, os criptoativos não representam uma ameaça às economias globais, tendo em vista a sua ainda pequena participação frente ao montante de operações financeiras tradicionais. Contudo, os cripto possuem potencial de, em um pequeno espaço de tempo, ampliarem os riscos anteriormente citados, merecendo permanente atenção e vigilância por parte de governos e organizações internacionais.

O G20 (SOUZA, 2020), grupo formado pelas principais potências econômicas globais (19 países + União Europeia), que juntos somam mais de 90% do Produto Interno Bruto global, criou, em 2009, o Financial Stability Board, organização cuja finalidade é fazer analises e recomendações sobre o sistema financeiro global, e que em 2018, emitiu um relatório17 sobre os cripto ativos, in verbis:

“The FSB’s initial assessment is that crypto-assets do not pose risks to global financial stability at this time. This is in part because they are small relative to the financial system. Even at their recent peak,theircombinedglobal market value was less than 1% of global GDP.In comparison, just prior to the global financial crisis, the notional value of credit default swaps was 100% of global GDP.Their small size, and the fact that they arenot substitutesfor currency and with very limited use for real economy and financial transactions, has meant thelinkages to the rest of the financialsystem are limited.(Relatório do Financial Stability Board 2018)

“A avaliação inicial do FSB é que cripto-ativos não representam riscos para a estabilidade financeira global neste momento. Isso ocorre em parte porque eles são pequenos em relação ao sistema financeiro. Mesmo em seu pico recente, seu valor de mercado global combinado era inferior a 1% do PIB global. Em comparação, pouco antes da crise financeira global, o valor nocional dos credit default swaps era de 100% do PIB global. Seu pequeno tamanho e o fato de não serem substitutos da moeda e com uso muito limitado para a economia real e as transações financeiras significam que as ligações com o resto do sistema financeiro são limitadas. (Relatório do Conselho de Estabilidade Financeira 2018)”

Ao analisar a tradução do texto acima mencionado, verifica-se que o relatório emitido pela organização do G20 em pouco se diferencia das conclusões emitidas pelo Fundo Monetário Internacional, de modo que, atualmente, apesar dos valores absurdamente grandes de movimentações diárias, em um contexto geral, quando comparada à movimentação financeira do mercado tradicional, as criptomoedas ainda estão inseridas em uma fatia pequena face ao mercado como um todo.

Todavia, não se pode ignorar o crescimento exponencial diário destes ativos, especialmente em um mundo cada vez mais globalizado, onde a demanda por facilidades e por menos burocracia por parte dos usuários é cada vez maior, o que nos leva a crer que, em curto espaço de tempo, é provável que os riscos ora apontados possam se concretizar, o que obriga os grandes bancos e governos a se posicionarem sobre o assunto.

Por outro lado, no momento em que este artigo está sendo escrito, o mundo vive um cenário completamente peculiar. A Pandemia da Covid 19 traz à tona temas importantes, e que, invariavelmente, afetam o mundo dos criptoativos. Os prejuízos somados decorrentes da Pandemia são incalculáveis, diversos pacotes econômicos foram implementados para reduzir os efeitos causados pela Covid 19 nas economias de diversos países.

Desta forma, governos precisarão, em caráter de urgência, obter novas fontes de receita para custear os pacotes econômicos e programas sociais implementados em seus respectivos países, e está em pauta, é claro, a tributação de criptoativos como uma destas fontes. A sede por novos recursos deve acelerar os trabalhos de debates e conversações em todo o mundo, de modo a proporcionar o acesso cada vez mais rápido dos governos a esta enorme “mina” de dinheiro, com potencial para financiar e custear grandes atos e programas governamentais.

Esta dedução pode ser inferida ao analisar a evolução tecnológica decorrente da necessidade de isolamento social imposta pela pandemia, uma vez que serviços que antes eram oferecidos por meios presenciais, como os serviços oferecidos por agências bancárias por exemplo, passaram a ser, obrigatoriamente, oferecidos e realizados por meios digitais, o que consequentemente, forçou a rápida evolução dos serviços já oferecidos por meios digitais. Desta forma, a digitalização de produtos e serviços que naturalmente previa-se que ocorreria no espaço de anos ou décadas, ocorreu e continua a acontecer em velocidades antes não imaginadas.

No cenário imposto pela Pandemia enfrentada em 2020, a situação mundial demonstrou ainda mais a importância das transações financeiras e dos criptoativos no século XXI, uma vez que cédulas são, comprovadamente, um vetor de transmissão do novo Corona Vírus, transformando a utilização de meios eletrônicos em meios mais seguros também no âmbito da saúde das pessoas, e não apenas no campo financeiro e fiscal, fator este que, em conjunto com necessidade de obtenção de novas fontes de receita, deve acelerar a digitalização de transações financeiras e, consequentemente, a de criptoativos.

Sobre os autores
Flávia Martins Farias Nunes

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal, UDF Especialista em Gestão Pública e Direito Administrativo pelo Instituto de Magistrados do Distrito Federal, IMAG

Matheus Rodrigues Lobo Monteiro

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal, UDF

Pedro Henrique Duarte Medeiros de Brito

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal, UDF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Flávia Martins Farias; MONTEIRO, Matheus Rodrigues Lobo et al. Aspectos tributários dos criptoativos no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6470, 19 mar. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/89117. Acesso em: 22 nov. 2024.

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