"A conversa só é fecunda entre os espíritos dedicados a
consolidar a própria perplexidade"
Cioran Emil Cioran (Filósofo romeno)
Sumário: 1. Introdução. 2. A justiça do trabalho e as ações com simulação de conflito. 3. A ação para homologação de acordo extrajudicial: previsão legal e natureza 4. A ação para a homologação de acordo extrajudicial na justiça do trabalho. 5. Natureza da decisão homologatória e meio de impugnação no processo do trabalho. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1. Introdução.
Neste trabalho nos ocuparemos da adoção, em sede do Processo do Trabalho, de um procedimento para homologação de acordos extrajudiciais pelos quais os sujeitos das mais diversas relações de trabalho obtenham a chancela, por ato judicial, do acordo celebrado por eles em vista do negócio jurídico de direito material que mantiveram.
Os que operam o direito perante a Justiça do Trabalho sabem da preocupação, em especial dos empregadores, de que as quitações por eles obtidas de seus empregados sejam reconhecidas em juízo. É que há empregado que dá quitação de créditos trabalhistas fora da justiça, perante a Delegacia Regional do Trabalho - DRT, o Sindicato representativo dos trabalhadores ou mesmo sem assistência e, não obstante, vai à Justiça reclamar os créditos já quitados os quais, muitas vezes, têm de ser pagos novamente.
É precisamente esse regime de insegurança que determina que muitos empregadores, indevidamente, tomem a iniciativa de uma Reclamação Trabalhista simulada, a qual, em sendo constatada pelo juízo trabalhista, ocasiona a extinção do processo e, com alguma freqüência, desdobramentos na esfera penal e responsabilização dos advogados envolvidos perante a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB.
Somos despertados para a iniciativa deste escrito pela recente alteração promovida no CPC pela Lei n. 11.232/2005, de 26 de dezembro, que entre os títulos executivos judiciais relacionou "o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente", inciso V do art. 475-N, embora regra dispusesse sobre a homologação de acordo extrajudicial na Lei n. 9.099/95.
Consideramos, inicialmente, o fenômeno das ações simuladas na Justiça do Trabalho, suas razões e reações dos operadores do direito, em especial dos juízes de trabalho. Na seqüência analisamos as regras que tratam da homologação de acordo judicial indagando de sua natureza.
Concluímos indagando da aplicabilidade do instituto no Processo do Trabalho, quanto ao procedimento a ser observado, a postura do juiz frente à pretensão veiculada pelos interessados, sobre a natureza da decisão homologatória e quanto ao meio de eventual impugnação.
2. A justiça do trabalho e as ações com simulação de conflito.
A simulação de lides ou de conflitos para uma falsa composição pelo Poder Judiciário, quando não há, efetivamente, litígio entre os interessados, é um fenômeno relativamente comum no âmbito da Justiça do Trabalho (OLIVEIRA, 2005), ainda que contra ele se insurjam os juízes trabalhistas.
Duas são as razões comuns para tal procedimento: tentativa de obtenção da coisa julgada em torno da quitação passada pelo trabalhador, sem que a quitação correspondente revele violação de direitos do empregado; e a pretensão de violar direitos do trabalhador [01].
No primeiro caso, o empregador busca a garantia da coisa julgada em relação à quitação passada pelo trabalhador, sobretudo em vista da quitação obtida junto ao sindicato ou Delegacia Regional do Trabalho não dar garantia de que o Judiciário não seja mais tarde provocado pelo obreiro, inclusive para a obtenção de créditos já recebidos.
É de se ver, nesse contexto, que a jurisprudência, sensível à força do fenômeno e ao clamor de segurança dos empregadores, caminhou no sentido de atribuir à quitação passada pelo trabalhador ao empregador, perante o sindicato representativo dos obreiros, efeito de liberação geral de créditos eventualmente adimplidos pelo tomador dos serviços – Súmula 330 do Tribunal Superior do Trabalho –, justamente na tentativa de atribuir maior eficácia ao documento que vem a ser submetido ao Judiciário.
Veja-se, não obstante, que o efeito pretendido pelo c. TST com a edição da Súmula 330 não foi obtido, sobretudo porque a eficácia indicada no texto originário da súmula era por demais ampla [02], enquanto que o efeito restrito, que ora se consagra, não atende ao interesse de segurança dos empregadores.
Assim, os empregadores ávidos por obtenção da eficácia de indiscutibilidade da quitação que vier a lhes ser passada pelos seus ex-empregados tomam a iniciativa de ações trabalhistas simuladas, para as quais se prestam os trabalhadores carecedores do recebimento das importâncias que lhe são devidas, ainda que não estejam em conflito com o empregador.
Nesse primeiro caso, consideramos a hipótese de a intenção do empregador ser apenas de obter a garantia da coisa julgada. Ou seja, ele paga, em razão do acordo celebrado na Justiça, os direitos trabalhistas relacionados na inicial com as quantias realmente devidas. Essa não é a situação mais comum nas ações simuladas, todavia.
Na outra hipótese, os empregadores constrangem os seus empregados a aceitar a simulação do litígio com o fim também de violar direitos trabalhistas. A petição inicial do trabalhador, nesse caso, cobra do empregador todos os direitos passíveis de violação durante a vigência e por ocasião da dissolução do contrato de trabalho e a quantia recebida, em vista do acordo celebrado, não corresponde a todos os direitos cobrados.
Os juízes trabalhistas não consideram diferentemente as situações, via de regra. É que os órgãos da Justiça do Trabalho, na verdade, se incomodam com a utilização da estrutura judicial para atuação meramente homologatória de rescisão contratual, em substituição dos sindicatos e da DRT.
Como corolário da rejeição de tal prática, os juízes trabalhistas quando a identificam, e não são poucos os casos na vida real, promovem a sua repressão mediante a extinção do processo sem resolução do mérito e, não raramente, noticiam o fato ao Ministério Público do Trabalho e a Ordem dos Advogados do Brasil, nesse último caso em razão do envolvimento de algum advogado na simulação.
Entendemos que as situações de simulação devem ser tratadas de modo diverso quanto às decisões que devam ser tomadas pelo juiz, posto que as simulações são fundadas em pressupostos motivacionais diversos. Em outras palavras, o juiz deve distinguir, no caso concreto, o empregador que pretende pagar o que deve na Justiça daquele que pretende, sem pagar o que deve, obter quitação contra direitos do trabalhador.
Efetivamente, não é de se desprezar que o anseio de segurança jurídica, que só resta proporcionada pela coisa julgada, explica plenamente a pretensão de atuação meramente homologatória da parte do órgão jurisdicional [03], ainda que não justifique essa atuação meramente homologatória por meio de simulação.
A prática forense nos revela que muitos trabalhadores vão à Justiça apresentar pedido em torno de direitos que foram regularmente quitados em situações cuja quitação não permite dúvida razoável. Instruídos por maus advogados e na expectativa de que o empregador seja revel, reclamam o que já receberam.
Ainda que não fosse a prática lesiva descrita supra, a segurança jurídica proporcionada pela coisa julgada justificaria a pretensão da atuação do juízo em atuação estritamente homologatória [04]. A atividade jurisdicional embora seja eminentemente para a composição de conflitos a ela não se restringe. A legislação estatui procedimentos de jurisdição voluntária, a qual é definida como a atuação do Estado-juiz na administração de interesses privados (SANTOS, 1995, p. 78-79).
3. A ação para homologação de acordo extrajudicial: previsão legal e natureza.
A primeira regra que tratou expressamente da homologação judicial de acordo extrajudicial foi a do art. 57 da Lei n. 9.099/95. Essa lei dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências.
A norma mencionada tem a peculiaridade de se divorciar da principal finalidade do diploma legal, qual seja o de tratar dos juizados especiais, o que nos remete, inicialmente, à interpretação de que a intenção do legislador não foi a de restringir tal procedimento à esfera dos juizados especiais. Vejamos a redação do art. 57 da Lei n. 9.099/95:
O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial.
A norma registra, inicialmente, que não há qualquer restrição quanto à natureza ou valor do acordo extrajudicial passível de homologação judicial. A natureza do acordo, no nosso entender, deve ser consideração em torno do ato ou fato jurídico que determine a sua celebração.
A ausência de restrição nos conduz, destarte, a que relações jurídicas que sofrem forte regulamentação estatal, como as relativas à família e ao trabalho, também podem ter ajuste extrajudicial passível de homologação judicial.
No que respeita ao conteúdo do ajuste, deverá, indubitavelmente, passar pelo crivo do juiz ao qual se proponha a homologação. A regra dispõe no sentido de que o acordo extrajudicial "poderá" ser homologado, ou seja, não se impõe ao juízo a homologação. Poderá ser homologado em tendo objeto que não afronte o Direito.
Complementando a interpretação ao dispositivo, nessa parte, expressamos nosso entendimento no sentido da necessidade de que o Ministério Público intervenha naqueles casos em que interviria em se tratando de jurisdição contenciosa.
A expressão "juízo competente", por sua vez, confirma dois aspectos: que a norma não tem aplicação restrita aos juizados especiais; e que dentre os juízos competentes estão implicitamente considerados, pela referência a "de qualquer natureza", os que tratam de matérias que sofrem severa intervenção estatal.
Da norma se extrai, ainda, que não há necessidade da edição de termo de conciliação na Justiça. A peça trazida ao magistrado, pela qual se requeira a sua atuação em juízo de homologação, deverá indicar as cláusulas ajustadas, e ela mesma ser a base da decisão homologatória.
A regra, prevê, por fim, que a sentença homologatória é título executivo judicial. A norma, nesse sentido, acresceu título aos relacionados no art. 584 do CPC. Observe-se, quanto a esse aspecto, que a Lei n. 11.232/05, que alterou o sistema de execução da sentença condenatória de quantia certa contra devedor solvente, previu expressamente a sentença homologatória de acordo extrajudicial como título judicial no inciso V do art. 475-N.
No que respeita à natureza da homologação do acordo extrajudicial pelo juízo competente, temos que se trata de atuação do Estado-juiz em jurisdição voluntária.
É de jurisdição voluntária em razão dos proponentes não estarem em litígio, ou seja, pretenderem objetivo comum que é, no caso, a chancela judicial de acordo extrajudicial. Entendemos, todavia, que a homologação em muitos casos da jurisdição civil comum deve ser promovida em audiência na qual estejam presentes os litigantes por seus representantes ou pessoalmente, a depender do conteúdo do ajuste.
4. A ação para a homologação de acordo extrajudicial na justiça do trabalho.
O Processo do Trabalho tem sua disciplina na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT -, principalmente, e encontra no processo comum sua fonte subsidiária, conforme o art. 769.
Consoante a corrente interpretação do art. 769 da CLT, a aplicação de regras do processo comum ao Processo do Trabalho é mais que aplicação do Código de Processo Civil, posto que a esse não se reduz o "processo comum". Assim, normas processuais dos mais diferentes diplomas podem ser aplicadas no Processo do Trabalho desde que presentes as exigências de omissão da CLT e compatibilidade da regra com o processo especial (LAURINO, 1995, p. 313-319).
Assim, é forçoso concluir que perfeitamente aplicável ao Processo do Trabalho a regra do art. 57 da Lei n. 9.099/95, na medida em que esse processo não tem disciplina da matéria e por ser a homologação de acordo extrajudicial compatível com o princípio da conciliação dos litigantes, o qual, no dizer de Isis de Almeida (1997, p. 49-61) é o mais peculiar dos princípios do Processo do Trabalho.
No que respeita à adoção da homologação de acordo extrajudicial na Justiça do Trabalho, vislumbramos que ela servirá ao fim de proporcionar aos interessados a segurança que a homologação judicial proporciona, ou seja, a impossibilidade de questionamento do ajuste e do possível pagamento, como regra.
Veja-se, por oportuno, que essa possibilidade de homologação terá o condão de acabar com as ações simuladas, em especial naquelas hipóteses em que a simulação não é com o objetivo de violar direitos do trabalhador.
Reconhecemos, como já destacado, a resistência dos juízes trabalhistas a uma atuação meramente homologatória de dissolução contratual. Tenha-se, todavia, que a homologação de acordo extrajudicial entre empregadores e trabalhadores [05] não será exclusivamente em torno da dissolução do contrato de trabalho. É possível sua adoção para a definição de inúmeras controvérsias, inclusive as surgidas em plena execução do contrato de trabalho.
Nesse quadrante, é oportuno destacar que a atuação em tal nível restabelecerá a plenitude da Justiça do Trabalho, cuja tentativa de esvaziamento restou evidente com a criação das Comissões de Conciliação Prévia – Lei n. 9.958/2000.
Por outro lado, embora a atividade jurisdicional seja marcantemente para a solução de conflitos de interesses, é de se atentar para a previsão legal em torno dos procedimentos de jurisdição voluntária, quando, como já observamos, os proponentes do procedimento não estão em litígio e perante a Justiça se processa apenas a administração de interesses privados (MONTENEGRO FILHO, 2005, p. 77-80).
Considere-se, igualmente, que a natureza da relação travada entre empregador e trabalhador, marcada fortemente pela intervenção estatal reguladora, também não é obstáculo a que se reconheça no Judiciário Trabalhista uma instância homologatória de acordos extrajudiciais em matéria de trabalho. A regra do art. 57 da Lei n. 9.099/95, que entendemos de perfeita aplicação no Processo do Trabalho, diz da atuação homologatória para acordos de "qualquer natureza".
Tenha-se, ainda, que as questões em torno do trabalho não podem ser tidas, em princípio, como mais relevantes que as que versam sobre a família e, indiscutivelmente, essas sempre puderam ser objeto de deliberação extrajudicial e homologação pelo juízo competente.
É preciso referir, de qualquer sorte, que a vocação dos órgãos da Justiça, e, de um modo especial, da Justiça do Trabalho é para a atuação conciliadora dos que estão em conflito.
Ora, se reconhecemos que há uma vocação nesse sentido, inclusive a nos impor a tentativa de conciliação das partes, por que não reconhecermos aos envolvidos numa dada relação jurídica o direito de terem um acordo extrajudicial homologado pela Justiça?
De qualquer sorte, o conteúdo do acordo extrajudicial que se pretende ver homologado passará pelo crivo do juiz do trabalho a que for proposta a pretensão, ao qual é recomendável a audição dos interessados.
Por outro lado, o juiz não terá de homologar, por óbvio, acordos que violem o Direito, entendendo-se como tal as regras que são postas à observação necessária de todos indistintamente. Assim, não seria possível, para exemplificar, a homologação de um acordo extrajudicial que previsse o pagamento de um salário menor que o mínimo legal em dada relação contratual de emprego.
Não seria ofensiva do Direito, todavia, um acordo em razão da controvérsia sobre a existência do direito individual, quando, por exemplo, os fatos em torno da constituição dele são duvidosos ou ameaçados por outros fatos impeditivos, extintivos ou modificativos. Noutras palavras, a atuação em juízo de homologação dar-se-á nos mesmos moldes em que se dá, na atualidade, a homologação de acordos em decorrência de Reclamação Trabalhista.
No que respeita à intervenção do Ministério Público do Trabalho na ação para homologação de acordo extrajudicial perante a Justiça do Trabalho, consideramos que se dará nas mesmas condições em que se dá ordinariamente, ou seja, para assistir menor de 18 anos não assistido pelo responsável legal - art. 793 da CLT [06].
Quanto à necessidade de que os interessados sejam assistidos por advogado, consideramos que a peça pela qual se pretende a homologação de acordo extrajudicial pode ser subscrita pelos próprios interessados, aplicando-se ao caso o art. 791, bem assim por um único advogado que tenha recebido procuração de ambos ou advogados escolhidos por cada um deles.
A ação de homologação deverá ser autuada como de rito especial, independentemente do valor eventualmente envolvido. Assim, não se enquadrará em quaisquer dos ritos inicialmente previstos para o Processo do Trabalho, sumaríssimo ou ordinário, que consideram, em especial, o valor da causa.
É de se considerar, nesse ponto, que os ritos ordinário e sumaríssimo divergem, principalmente, em função da necessidade de solução do caso em tempo específico, da quantidade de testemunhas que podem ser ouvidas e da forma de tramitação de eventual recurso. Na ação para homologação de acordo extrajudicial não deve haver tempo no qual a questão deve ser apreciada, não há necessidade de oitiva de testemunhas e muito dificilmente haverá recurso contra a decisão que vier a ser proferida.
A decisão de homologação, por outro lado, pode e deve ser por referência ao ajustado entre os interessados na peça provocadora da atuação jurisdicional. Em outras palavras, não é necessária a edição de termo de conciliação, conforme, aliás, refere o art. 57 da Lei n. 9.099/95.
Por fim, e para concluir este tópico, dizemos da força executiva da sentença homologatória. Ela se constitui título executivo judicial e, caso alguma das obrigações previstas no ajuste não seja adimplida, permitirá a execução para a satisfação da obrigação correspondente.