Sumario: Introdução. 1. Âmbito constitucional. 2. Do rol dos crimes Hediondos. 3. Dos crimes equiparados a hediondo. 4. Das Consequências legais Devido a Prática de Crimes Hediondos e Equiparados a Hediondos. 5. Considerações finais.
Introdução
No Código Penal (CP), há condutas criminosas que são mais graves que outras, por exemplo, traz delitos que são cometidos sem violência e sem grave ameaça, como o furto simples, art. 155, caput, CP, e também tipifica crimes que são praticados com violência ou grave ameaça, como o roubo simples, ex vi art. 157, caput, CP. Contudo, entre os crimes graves há os que são mais graves ainda. Há aqueles que espelham condutas horrendas, abjetas que são repudiadas com maior contundência pelo conjunto da sociedade.
Decerto, estas infrações penais em nosso ordenamento jurídico são denominadas de crimes hediondos.
- Âmbito Constitucional
Na ótica da Constitucional, nossa Carta Magna faz menção expressa, no Título dos “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, a existência deste tipo de crime repugnante.
Art. 5º (…)
XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (grifei)
- Do Rol de Crimes Hediondos
Na ótica do mandamento constitucional apresentado acima, o ordenamento jurídico optou pelo critério legal enumerativo de classificação de um crime como sendo hediondo, sendo a Lei 8072/90 a referência. A lei traz somente com a indicação dos tipos penais considerados hediondos, sem considerações normativas sobre eles. Portanto, há uma abordagem descritiva de quais são os tipos em nosso sistema legislativo penal que são de matriz hedionda.
Dessa forma, somente será hediondo o crime expressamente contido no rol trazido pela lei. Consequentemente, e por óbvio, não é possível estabelecer a hediondez de um crime por exegese (interpretação extensiva) ou por analogia. Por mais terrível que seja o crime, se ele não está na lista (numerus clausus) contida na lei, ele não será considerado hediondo para fins penais. Neste sentido, o rol de crimes hediondos trazidos na lei é taxativo. É a própria lei 8072/1990 que ordena expressamente:
Art. 1o São considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, consumados ou tentados:
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);
I-A – lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;
II - roubo:
III - extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);
IV - extorsão mediante seqüestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ lo, 2o e 3o);
V - estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);
VI - estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);
VII - epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o);
VII-B - falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1o, § 1o-A e § 1o-B;
VIII - favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º).
IX - furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum (art. 155, § 4º-A);
Parágrafo único. Consideram-se também hediondos, tentados ou consumados:
I - o crime de genocídio, previsto nos arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;
II - o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
III - o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
IV - o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
V - O crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado
É importante destacar o homicídio privilegiado-qualificado, ou seja, aquele homicídio que é qualificado, nos termos do §2º do art. 121, CP (meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum, bem como à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido) notadamente levando em conta a incidência de qualificadoras objetivas, como o meio e o modo, mas ao mesmo tempo é perpetrado pelas motivações contidas no §1º do art. 121, CP (motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção). Nestes casos, o crime não é considerado hediondo, pois há predomínio do motivo sobre o meio ou o modo de execução do homicídio.
- Dos crimes equiparados a hediondo
Conforme vimos no item anterior, além dos crimes hediondos propriamente ditos há também os crimes equiparados a hediondo. Estes não estão no fechado rol do art. 1º mencionado, mas a própria lei de crimes hediondos lhes dá tratamento penal como se hediondos eles fossem. Estes crimes estão elencados no art. 2º da lei, sendo:
Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
- Tortura – Lei 9455/97
- Tráfico de drogas – 11.434/06
- Terrorismo – 13.260/06
Contudo, é importante ressaltar que para o entendimento jurisprudencial do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o chamado tráfico de drogas privilegiado. A Corte entende em relação a esta espécie de tráfico de drogas, que as penas podem ser reduzidas, conforme o art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, que não deve ser considerado crime de natureza hedionda. A discussão e julgamento ocorreu no bojo do Habeas Corpus 118.533-MS de 23/6/2016, que foi deferido por maioria dos votos.
- Das Consequências Legais Devido a Prática de Crimes Hediondos e Equiparados a Hediondos
Ademais, a lei 8072/90 traz uma relação de consequências penais e processuais penais em relação aos agentes criminosos que pratiquem crimes hediondos ou equiparados a hediondos. Quem pratica estes tipos de crime não tem direito a Graça, Anistia, Fiança e Indulto (G-A-F-I). vejamos a seguir o GAFI:
- Graça – É concedida pelo Presidente da República através de decreto. Representa um perdão individual dirigido a um agente específico pela prática de determinado crime;
- Anistia – É concedida pelo Congresso Nacional por meio de Lei Federal ordinária. Representa perdão da prática de um crime. abrange todos os indivíduos que praticaram os crimes anistiado.
- Fiança – É uma espécie de medida cautelar (diversa da prisão) concedida pelo Delegado de Polícia (na fase do Inquérito policial e em face da pratica de crimes punidos com pena base de até 4 anos) e pelo Juiz. É uma forma de acautelar (caução) a persecução criminal financeiramente para que o indiciado ou réu responda em liberdade.
- Indulto – É concedido pelo Presidente da República através de Decreto. Representa um perdão coletivo dirigido a um conjunto de agentes criminosos pela prática de determinados crimes.
Ademais, a lei 8072/1990 também impôs consequências relativas à execução das penas que ascendem da condenação pela prática destes crimes.
Portanto, lei determinou que os condenados a estes têm suas penas cumpridas inicialmente em regime fechado. Contudo, o Pleno do STF, no julgamento do HC 111.840-ES em 14/06/2012 declarou, incidentalmente, a inconstitucionalidade da obrigatoriedade do regime inicialmente fechado devido à violação da cláusula de reserva jurisdicional, pois, somente o Juiz competente para processar e julgar pode estabelecer em sede de sentença penal condenatória fundamentada o regime inicial de pena de um réu condenado.
Por todavia, o STF concedeu a Súmula Vinculante 26 que versa sobre a inconstitucionalidade da previsão legal de individualização da execução penal pelo legislador. O entendimento é que cabe ao Juiz competente da Execução Penal determinar à luz do caso concreto (requisitos legais, circunstâncias objetivas e subjetivas) como se dará a execução da pena do réu condenado (cláusula de reserva jurisdicional). A Súmula Vinculante 26 tem o seguinte entendimento consolidado:
“Para efeito de progressão de regime no cumprimento de pena por crime hediondo, ou equiparado, o juízo da execução observará a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 8.072, de 25-7-1990, sem prejuízo de avaliar se o condenado preenche, ou não, os requisitos objetivos e subjetivos do benefício, podendo determinar, para tal fim, de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.
- Considerações finais
A lei de crimes hediondos ainda trata de outras questões em seus dispositivos que é importante ressaltar:
- Em regra geral, a lei ordena, de forma dispensável, que em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade. O Juiz criminal competente é quem decide sempre de forma fundamentada sobre a liberdade ou encarceramento do indiciado ou réu levando em conta circunstâncias de fato e de direito, bem como requisitos e pressupostos legais, como, por exemplo os contidos nos art. 312 e 313 do CPP.
- A lei de crimes hediondos estabeleceu um prazo diferenciado para Prisão Temporária, nos termos da Lei 7960/1989, no que se refere a indiciados que são investigados pela prática de crimes hediondos e equiparados a hediondos. Nestes casos, a Prisão Temporária (espécie de prisão cautelar, ao lado das outras duas modalidades de prisão provisória do nosso ordenamento jurídico: a Prisão em Flagrante e a Prisão Preventiva) terá o prazo de 05 dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade, conforme prevê o art. 2º da lei 7.960/89.
- A União manterá estabelecimentos penais, de segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais ponha em risco a ordem ou incolumidade pública.
- A lei modificou as penas do crime de associação criminosa (que antes tinha o nomen de “quadrilha ou bando”) previsto no art. 288, CP para 3 a 6 anos de reclusão, quando se tratar de crimes hediondos ou equiparados a hediondos.
- Por fim, a lei previu a possibilidade de Colaboração Premiada no contexto da Associação Criminosa na medida em que o participante e o associado promove a delação à autoridade, possibilitando seu desmantelamento. Como benefício o Colaborador poderá ter a pena reduzida de ⅓ (um terço) a ⅔ (dois terços).
REFERENCIAS:
Capez, Fernando - Curso de Direito Penal - Legislação penal Especial - Vol. 4. 15ª Ed, Saraiva Jur - https://amzn.to/32wxHA9
Capez, Fernando, curso de Direito Penal, parte especial. Ed. 13º, Saraiva - https://amzn.to/38PJwEO
Bittencourt, Cezar Roberto - Tratado de Direito Penal, Vol. 2, Pt. Esp., 21ª Ed. 2021 - https://amzn.to/3agd27p
Masson, Cleber, Direito Penal, parte especial. Ed. 14º, Metodo - https://amzn.to/30QbITT