Perspectiva de união de fiscos. Super-receita
Pretende-se a fusão das secretarias da receita federal e da receita previdenciária, inseridas, respectivamente, no ministério da fazenda e no ministério da previdência. Argumenta-se, em defesa da iniciativa, com os ganhos de eficiência que adviriam da reunião das estruturas, principalmente por conta do compartilhamento de informações.
O argumento principal, acima referido superficialmente, é um pouco sofístico. A reunião dos fiscos, no formato proposto inicialmente na MP 258/05 e atualmente em projeto de lei tramitando, não reduziria quadros efetivos, nem comissionados. Haveria, no que tange a pessoal, uma fusão do que hoje já existe, reunindo-se o pessoal de fiscalização e de apoio administrativo e somando-se os cargos em comissão existentes. Sob tal perspectiva, não se vêem reduções de despesas no horizonte.
Quanto ao aspecto do compartilhamento de informações, trata-se de objetivo atingível por outras maneiras, uma vez que os sistemas são todos informatizados e pode-se obter a integração deles, realmente muito útil. Seria conveniente que se utilizassem os mesmos sistemas, tanto na receita federal, como na receita previdenciária. A medida não impõe, necessariamente, união de fiscos.
Há um inconveniente que deu mostras de ser relevante, no período em que vigorou a medida provisória 258,05, que veio a caducar por falta de deliberação e conversão no congresso nacional. Trata-se das inúmeras dúvidas operacionais resultantes da união de atribuições. Não pretendo descer à abordagem de exemplos casuísticos, mas convém apontar alguns.
As contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças trabalhistas, que significam valores consideráveis, demandam acompanhamento de elevadíssimo número de ações. Tal atribuição passou à PGFN com resultados indesejáveis, na medida em que se viram casos de não execução de valores inferiores a R$ 10.000,00, segundo normativo utilizado no âmbito daquela procuradoria.
Ocorre que se trabalha com valores pequenos, na execução decorrente de sentenças trabalhistas, estando a relevância no enorme volume de ações. Faz-se uma atuação de varejo, nesse particular campo, não se revelando minimamente razoáveis os parâmetros adotados pela PGFN para as execuções fiscais. Ficou claro que a continuidade do serviço demandava os conhecimentos específicos acumulados com a experiência da PGF.
A emissão de certidões negativas de débitos para contribuintes que sofrem cobrança executiva fiscal, em que se demandam pareceres da procuradoria atuante na execução, apresentou também inconvenientes. Subitamente, viu-se a PGFN na iminência de ter que se manifestar sobre assunto desconhecido. Editaram-se normas administrativas apresadamente, no intuito de disciplinar a matéria.
As dificuldades dos tipos acima relatados significaram perda de tempo e, eventualmente, subtração de direitos para os contribuintes, por um lado, e perda de arrecadação, por outro. Implicaram, também, portas abertas para impugnações, porque a ambiguidade legislativa favorece sobremaneira a atividade de questionamento jurídico da cobrança de tributos. Certamente, tais inconvenientes não se harmonizam com o interesse público norteador da administração e podem ser evitados.
Algumas conclusões
O caráter vinculado é marcante e caracterizador das contribuições previdenciárias. É a nota peculiar que permite afastá-la de outras espécies tributárias. Têm previsão constitucional rigorosa e submetem-se às normas gerais do CTN, no que apresentam de modelos genéricos para a obrigação tributária.
A consecução da união dos fiscos deve merecer cuidado no estabelecimento de normas de transição, principalmente para determinar precisamente as atribuições dos diversos órgãos, atendendo-se às possibilidades técnicas, materiais e de conhecimento específico do serviço.
A lei estabelecedora da chamada super-receita deve dedicar atenção á sistemática do repasse do produto arrecadado com as contribuições previdenciárias para o INSS, seu destinatário. O assunto é delicado, principalmente quando se considera o histórico de desvios de finalidade com recursos tributários advindos de espécies vinculadas a certas finalidades.
É possível antever na união dos fiscos um passo antes da adoção de medidas visando à desoneração tributária da folha de pagamentos das empresas. Será tarefa árdua fazê-lo sem abrir mão de receitas destinadas ao custeio de um sistema já deficitário. O intuito pode revelar um planejamento de compressão da previdência social, no sentido de torná-la mais aproximada de amplos programas de assistencialismo não contributivo.
Convém, por fim, que se lance mais amplamente a discussão do assunto e que o legislador mostre-se cuidadoso no manejo dos conceitos e da técnica jurídica, para evitarem-se atritos, multiplicidade de interpretações decorrentes de ambiguidades ou defeitos de redação, elisão fiscal e supressão socialmente indesejável de direitos.