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O cultivo de maconha para fins medicinais e o direito brasileiro:

autorizações judiciais para o cultivo com base nos direitos fundamentais

Agenda 08/05/2021 às 16:25

O que deve fazer o cidadão que precisa cultivar maconha para fins medicinais?

A composição química da Cannabis sativa é muito complexa, visto que contém mais de quatrocentas substâncias químicas diferentes e um total de 66 canabinoides.

Entre as substâncias destacam-se o tethaidrocanabidiol (THC) e Canabidiol (CBD), duas substâncias que são liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.

A Cannabis tem se mostrado eficaz no tratamento de dezenas de doenças e transtornos de saúde. O motivo desta vasta aplicação se deve ao fato de que os canabinoides presentes nas plantas ativam o nosso sistema endocanabinoide, presente no corpo humano e de todos os demais mamíferos[1].

Entre as doenças tratadas com esta matéria prima podem ser listadas: Aids; Alzheimer; Anorexia; Ansiedade; Artrite; Câncer; Dependência Química; Depressão; Diabetes; Dor de Cabeça, Enxaqueca e Outras Dores; Insônia; Lesões Musculares; e Parkinson.

Desde 2014, o Conselho Federal de Medicina autoriza a prescrição de remédios com canabidiol. No ano seguinte, a Anvisa retirou a proibição do uso de canabidiol e, em 2016, autorizou remédios com THC[2].

Em 2017 foi publicada a Resolução da diretoria colegiada RDC Nº 156, de 5 de maio de 2017, liberando a planta Cannabis Sativa L. como planta medicinal. E, a partir de 2020, a venda de produtos com cannabis em farmácias passou a ser autorizada.

Contudo, mesmo com o aval da ANVISA, ainda não existe legislação que autorize o plantio para a produção de remédios.

O que obriga as pessoas que precisam de remédio com aquela matéria prima a importação do produto, deixando-o mais caro para os que precisam, até porque o plantio sem autorização ainda é tipificado no crime entabulado no §1º art. 28 da lei nº 11.343/2006.

Em função da inércia do poder público em regulamentar o plantio deste espécime, o poder judiciário acaba tendo que apreciar esta matéria e vem autorizando em alguns casos o cultivo da cannabis com objetivo de trazer alívio e melhora de moribundos.

Em São Paulo, a Justiça concedeu um habeas corpus coletivo proibindo a prisão de associados da Cultive – Associação de Cannabis e Saúde pelo plantio da erva[3]. Com isso, os integrantes da associação podem fazer o plantio, produzir o medicamento e fornecer mudas para pessoas autorizadas pela Justiça.

A Associação Brasileira de Apoio Cannabis e Esperança também conseguiu tal salvo conduto e hoje possui campos de cultivo em João Pessoa e Campina Grande, na Paraíba[4].

A autorização para o plantio da Cannabis Sativa baseia-se nos princípios constitucionais da vida, da saúde, da igualdade e dignidade humana.

Se congrega no direito de toda pessoa de existir com um mínimo de dignidade e condição material, visto que por vezes o uso da cannabis é o único caminho para pessoas viverem o resto da vida com dignidade. Também livrando o Estado de gastos, pois esse teria que custear a importação do remédio.

Logo, a autorização do plantio aplica-se somente para as pessoas que precisam da planta para o seu tratamento de saúde. Abarca as pessoas que possuem doenças relacionadas no início do artigo ou qualquer outra doença que o único ou melhor tratamento for com a cannabis, indicado pelo médico especialista.

Para pleitear o salvo conduto para o plantio de maconha de uso medicinal perante o Judiciário, a primeira medida que o interessado deve buscar é a prescrição e laudo médico atestando a necessidade de medicamento a base de cannabis.

O interessado ainda deve ter autorização da ANVISA para importação de medicamento a base de cannabis e prova que não tem capacidade financeira para adquirir o medicamento.

Outros elementos de prova que podem ajudar nesta empreitada seria o interessado ou responsável fazer curso de cultivo e extração de óleo e relatórios médicos de que outros remédios não foram capazes de reduzir a comorbidade.

Com estes elementos, o interessado terá condições mínimas de fazer o pedido de plantio perante o Poder Judiciário.

Contudo, por diversas razões, entre elas culturais, não há um consenso jurisprudencial no deferimento de salvo conduto para o plantio de maconha com fins medicinais. Há discussão no judiciário, inclusive, do recurso cabível para ser requerido autorização do plantio.

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Em recente decisão da 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, decidiu-se que o Habeas Corpus não seria o recurso cabível para requerer o salvo contudo para o plantio de cannabis para fins medicinais pois, segundo os Ministros:

“a autorização buscada pela recorrente depende de análise de critérios técnicos que não cabem ao juízo criminal, especialmente em sede de habeas corpus. Essa incumbência está a cargo da própria Agência Nacional de Vigilância Sanitária que, diante das peculiaridades do caso concreto, poderá autorizar ou não o cultivo e colheita de plantas das quais se possam extrair as substâncias necessárias para a produção artesanal dos medicamentos”[5]

Com isso, é necessário que a pessoa que precise cultivar maconha para fins medicinais busque advogado com experiência no assunto. Assim como é necessário que entenda que esta é uma luta para contrariar décadas de preconceito e discriminação, que demandará muita paciência e resiliência, principalmente enquanto este tema não é devidamente regulamentado pelo Poder Público e seja necessária a intervenção judicial. 


[1] https://www.cannabisesaude.com.br/lista-30-doencas-e-tratamentos-possiveis-com-cannabis-medicinal/

[2] https://www.camara.leg.br/noticias/689107-relator-apresenta-parecer-favoravel-a-proposta-que-regulamenta-plantio-de-maconha-para-fins-medicinais/

[3] https://cultive.org.br/

[4] https://www.canalrural.com.br/noticias/plantio-maconha-medicinal/

[5] RHC 123.402/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 23/03/2021, DJe 29/03/2021

Sobre o autor
Atila Cunha de Oliveira

Advogado militante deste 2011, pós graduado pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP em Direito Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Atila Cunha. O cultivo de maconha para fins medicinais e o direito brasileiro:: autorizações judiciais para o cultivo com base nos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6520, 8 mai. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90414. Acesso em: 24 nov. 2024.

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