1 – Explanação Introdutória
Como requisito prévio e imprescindível ao regular enfrentamento do tema proposto, tecerei algumas breves notas e reflexões sobre os fatores históricos que desencadearam a criação do Direito do Trabalho, a fim de aclarar as premissas ideológicas que embasaram a sua conformação clássica.
Ao agir assim, buscarei denunciar aquilo que enxergo como o "engodo juslaboral originário", para ao depois propor, sobretudo na questão ambiental, uma nova forma, mais democrática e libertária, de visualização da doutrina e da práxis trabalhista, arrimada nos valores republicanos fundamentais.
No final, baseado no que há de contemporâneo no direito processual, proporei algumas soluções, simples e factíveis, para a superação dos problemas detectados.
Antes de propriamente palmilhar o percurso estabelecido, registro as palavras de ANTÔNIO CARLOS WOLKMER, que carregam em si o gérmen da reflexão sobre o papel da ideologia na formação da (in)consciência humana:
"(...) O processo hermenêutico favorece a dissolução das ilusões da própria consciência, tornando possível que a "decodificação das práticas humanas comunicativas" correspondam à histórica tomada de posição em face "dos discursos ideológicos que se infiltram e se dissimulam em todo conhecimento".
Todo conhecimento humano é um conhecimento condicionado, pois os homens não só racionalmente pensam, como são movidos, em sua "visão de mundo", por preconceitos e pelos mais diversos tipos de interesses materiais e espirituais". (...)" [01]
2 – Direito do Trabalho: Construção Histórica e Conformação Ideológica
Diante dos estreitos limites do presente trabalho, abster-me-ei de tecer comentários em relação às fases embrionárias [02] de construção do justrabalhismo, a fim de centrar atenção, na medida do necessário - não mais -, no fenômeno da "Revolução Industrial Inglesa".
Minha opção se justifica no fato de que naquele momento histórico houve a introdução da máquina a vapor no processo produtivo, criando-se as bases para a existência de uma produção em grande escala e da criação de uma economia verdadeiramente de mercado, a demandar a contratação de um crescente contingente de trabalhadores colimando suprir a demanda cada vez maior de força-labor, o que promoveu a transformação do trabalho em emprego e desaguou na ocorrência uma série de conflitos coletivos de natureza reivindicatória, que serviram para a propulsão da criação do direito do trabalho, obviamente que dentro de determinados arranjos ideológicos, na essência ainda intactos nos dias atuais.
Foi nesse contexto que começaram a surgir as mazelas inerentes a um meio ambiente de trabalho desequilibrado, já que as fábricas, até então inexistentes, apareceram no mundo laboral como uma necessidade intrínseca do próprio processo produtivo emergente, mas organizadas de modo despreocupadamente precário do ponto de vista da preservação da integridade física e psicológica do trabalhador, nelas reinando a insalubridade, caracterizada pela falta de higiene, luz e ventilação, bem como pela ocorrência de ruído excessivo e de fuligem tóxica no ar rarefeito, onde era exigido, indiscriminadamente, o trabalho de homens, mulheres e crianças, em jornadas excessivamente longas, sem duração predeterminada, que se estendiam de sol-a-sol.
Dentro deste caldo social, emergiu uma nova consciência jurídica coletiva, na qual o proletariado, classe até então desconhecida, passou a se organizar para pugnar por melhores salários, diminuição de jornadas e proteção ao trabalho de menores e mulheres, o que fez premido pelo imperativo de autodefesa, haja vista que seus membros estavam expostos à ocorrência dos mais variados acidentes de trabalho, bem como ao aparecimento de uma série de doenças como asma, pneumonia e tuberculose, dentre outras.
Antevendo as proporções catastróficas que tal revolta poderia atingir, foi que as elites dirigentes, representadas principalmente pela Igreja Católica, se adiantaram aos fatos, para defender que o Estado deixasse de ser abstencionista e passasse a interferir diretamente nos conflitos trabalhistas, pela via da edição de legislação protetiva.
Tal comportamento, obviamente louvável sob certo aspecto, não deixa de dialeticamente possuir um outro lado nefasto, já que embora fosse hábil a gerar um mínimo de justiça social, acabava por proteger as colunas de sustentação da perversa estrutura econômico-social então surgida, carregando em si a idéia da concessão de pequenos favores em troca da inalterabilidade do status quo.
Aliás, deixando entrever a ambivalência da política de colaboração de classes que inspirava a atuação da igreja, pontificou o Papa Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum, que "não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital".
Foi dentro desta lógica conciliacionista, portanto, que foram editados os primeiros atos legislativos sobre a questão trabalhista na Inglaterra industrial.
Ainda que incorrendo no risco da simplificação, sempre perniciosa à construção de uma análise científica rigorosa, mas premido pelo pequeno espaço que disponho, posso dizer que tais atos, no que verdadeiramente importavam, ficaram circunscritos à diminuição de jornada, à proibição de labuta em horário noturno e à limitação do labor de mulheres e menores [03], sem portarem no seu bojo, dessarte, maiores preocupações com a eliminação das condições adversas de trabalho, no que foram secundados por toda a legislação posterior, inclusive aquela construída em escala mundial muito tempo depois, como a oriunda do chamado constitucionalismo social, já no início do século XX [04].
Esta opção legislativa é intuitiva quanto ao seu desiderato, trazendo consigo a matriz da criação de uma série de adicionais econômicos que ainda hoje perduram no direito do trabalho, inclusive na vigente Constituição Brasileira (horas extras; adicional noturno; insalubridade; periculosidade; penosidade...), como se a saúde do trabalhador fizesse parte do fetiche consumista do capitalismo, passível de ser comprada como simples mercadoria, sem que seja necessária a superação das mazelas ambientais que persistem no cotidiano laboral, em moldes surpreendentemente similares àqueles descritos no contexto da vetusta revolução industrial inglesa [05].
3 – O Engodo Juslaboral Originário
Embora o juslaboralismo tenha surgido a partir das lutas dos operários ingleses contra as condições de labuta a que estavam submetidos, se constata ainda hoje, passados mais de dois séculos, que paradoxalmente os trabalhadores convivem com as mais degradantes situações ambientais.
Para explicar esse dilema angustiante, será necessário desmistificar aquilo que denomino pelo epíteto de "engodo juslaboral originário", a fim de que sejam aclaradas as bases ideológicas que permearam a construção do direito do trabalho.
Como não poderia deixar de ser, o fato é que a "ciência juslaboral" [06], balizada pela lógica do capitalismo voraz a que serve, preferiu monetizar a saúde do trabalhador, como se a integridade física e espiritual do ser humano pudesse ser objeto de um contrato de compra e venda.
Afinal, tudo pode ser adquirido no mundo do capitalista. Inclusive a dignidade das pessoas...
Ademais, como o capitalismo dispõe, na perfeita expressão de MARX, de todo um "exército industrial de reserva" [07], o detentor do capital pode tranqüilamente tratar o trabalho humano como mera mercadoria descartável, passível de aquisição a baixíssimos salários, que servem de base de cálculo para o pagamento dos ínfimos adicionais hipocritamente criados para "proteger o trabalhador".
Como se não bastasse, as táticas de diluição contábil dos adicionais nos salários são extremamente simples e eficazes para a extração de mais-valia.
Se por exemplo um empregado for contratado para auferir o salário mensal de R$420,00 (quatrocentos e vinte reais), para trabalhar em um ambiente insalubre de grau médio, será muito simples para o empregador contabilizar no recibo de pagamento o mínimo de R$350,00 (trezentos e cinqüenta reais) pagos a título de salário de sentido estrito, mais o montante de R$70,00 (setenta reais) pretensamente adimplidos como o adicional de 20% da insalubridade.
Tudo dentro da lei!
Mas a rigor, o trabalhador nada receberá para esvair sua saúde em um ambiente insalubre...
Vale dizer, portanto, que o fenômeno legislativo da monetização da saúde do trabalhador atende por completo a lógica capitalista, estando assim, como não poderia deixar de ser, em perfeita harmonia com as suas pilastras ideológicas básicas, já que o "pagamento" [08] dos adicionais, sempre mais barato e conveniente do que a tomada de medidas aptas à promoção do equilíbrio ambiental trabalhista, mascara a realidade de tal forma, a ponto dos empregados não questionarem o mal a que estão expostos.
Eis aí o que chamo de "engodo juslaboral originário", que nada mais é do que a opção ideológica das elites dirigentes em remeter para um segundo plano o estabelecimento de obrigações laborais de adequação ambiental, a fim de privilegiar indiscriminadamente o pagamento de adicionais econômicos que nada contribuem para a preservação da saúde dos trabalhadores, gerando no inconsciente destes uma falsa sensação de proteção.
4 – O "Engodo Juslaboral Originário" e seu Reflexo na Teoria e na Prática Processual
Como é curial, pelo menos num plano ideal – longe de ser verdadeiro -, o processo é concebido como um instrumento de efetivação do direito material.
Logo, na medida em que a legislação objetiva é construída a partir de premissas ideológicas que interessam às elites econômicas, não será difícil intuir que o direito adjetivo acaba por absorver os anseios da burguesia, reproduzindo e efetivando toda uma cadeia de dominação, cujo efeito final é a geração de um círculo vicioso de alienação e opressão.
Com efeito, se no âmbito do direito material do trabalho interessa ao capitalista que a legislação determinante do cumprimento de obrigações laborais de adequação ambiental passe despercebida, já que a farsa do pagamento de adicionais melhor convém ao atingimento do seu objetivo acumulatório, não será difícil concluir que a tutela processual condenatória será privilegiada em detrimento da mandamental.
Justamente por isso é que, ainda hoje, em manifesto desprezo ao escólio de Pontes de Miranda e mesmo das recentes reformas do processo civil, a doutrina processual trabalhista permanece renitentemente fiel ao postulado da teoria trinária de classificação das ações de conhecimento, como se a tese quinária fosse um estandarte meramente exótico, assim insuscetível de ser desfraldado, já que as tutelas mandamental e cognitiva executiva lato sensu não passariam de um certo delírio visionário.
Lamentavelmente, esta forma estrábica de visualização do processo trabalhista acaba por produzir efeitos danosos e duradouros na jurisprudência, já que a postulação em juízo, na maioria dos casos por ignorância – produto da ideologia dominante - e nos demais em função dos interesses econômicos de sindicatos pouco comprometidos com o bem-estar das categorias que representam, continua a privilegiar indiscriminadamente a tutela condenatória, permanecendo descrente para com as infindáveis e eficazes possibilidades mandamentais.
5 – Existem Caminhos Alternativos?
Na resposta da pergunta acima formulada, os conformados dirão que os caminhos alternativos não são necessários. Por sua vez, os céticos dirão que eles não existem. Acredito, entrementes, que nenhuma destas respostas seja satisfatória.
Creio que está posta para a vanguarda do pensamento justrabalhista uma tarefa impostergável. Mais do que nunca, este é o momento para que o jurista orgânico [09] passe a trabalhar pela construção de um novo campo hegemônico [10] no pensamento jurídico, que seja capaz de fazer uma releitura progressista do direito, embebida nos fundamentos constitucionais da República, principalmente os da cidadania plena, da dignidade da pessoa humana e da função social do trabalho (artigo 1º, II, III e IV da CRFB).
Trata-se de inverter a lógica estruturante do direito do trabalho, a fim de que as obrigações de fazer, principalmente aquelas de caráter preventivo, que determinam a adequação ambiental trabalhista, visando a preservação da saúde dos empregados, passem a ser vistas como prioritárias em relação àquelas repressivas, que em última instância, como já visto, destinam à saúde da classe trabalhadora o tratamento de mercadoria, se limitando, quando muito, a indenizar infimamente o operário que venha a se tornar vítima de um acidente ou de uma doença profissional, depois de um longo, tormentoso e tumultuado processo, onde lhe pesa o ônus de provar a culpa do empregador, como se esta não fosse eloqüente na maioria dos casos ou não existissem as modalidades de responsabilização objetiva.
Para isso, contudo, os juristas do mundo do trabalho deverão detectar, dentro do complexo mosaico constitucional, as ferramentas disponíveis para o cumprimento satisfatório desta tarefa histórica.
Além dos fundamentos republicanos já nominados - cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa -, é preciso se ter em mente que são objetivos centrais da República a construção de uma sociedade, livre justa e solidária, capaz de erradicar a pobreza e a marginalização (artigo 3º I e III da CRFB).
Demais disso, embora na dicção constitucional o direito de propriedade seja classificado como fundamental, também é certo que ele não chega a ser absoluto, haja vista que limitado pela obrigação de atendimento da sua função social (artigo 5º, XXII e XXIII da CRFB), somente alcançável, no caso da propriedade rural, v.g., quando utilizada dentro de parâmetros úteis à preservação do meio ambiente, atendendo a um padrão exploratório que favoreça ao bem-estar dos trabalhadores (artigo 186, II e IV da CRFB).
Por outra vertente, não custa sublinhar que se situam dentre os princípios gerais da atividade econômica o atendimento da função social da propriedade, a defesa do meio ambiente e a busca do pleno emprego (artigo 170, III, VI e VIII da CRFB).
É de se pontuar, enfim, que embora a Magna Carta arrole no seu bojo uma série de adicionais econômicos, também elenca, como direito fundamental dos trabalhadores, o imperativo de construção de uma política de redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (artigo 7º, XXII, da CRFB), estabelecendo, ainda, que mais do que proteger o cidadão das lesões jurídicas, interessa ao Poder Judiciário repelir as ameaças de direito (artigo 5º, XXXV, da CRFB), para atuar não só repressivamente, mas também em perspectiva inibitória.
Como visto, portanto, a Constituição brasileira oferece uma série de transístores capazes de adequadamente promover a defesa da saúde e da integridade física dos trabalhadores, trazendo-os ao albergue de um patamar civilizatório jurídico mais adequado, onde a prevenção seja uma prioridade e a repressão uma segunda possibilidade, passível de ser utilizada somente depois que todas as medidas inibitórias se mostrarem ineficazes.
Está assim posta a "utopia possível" [11] do novo bloco cultural a ser construído, que é a de fazer com que os preceitos constitucionais fundamentais deixem de ser vistos como simples normas programáticas, a fim de que possam concretamente influenciar uma nova consciência jurídico-trabalhista.
6 – A Tutela Processual Mandamental e o Equilíbrio Ambiental Trabalhista
Sem olvidar a importância de mecanismos extrajudiciais, tais como a fiscalização por parte da Delegacia Regional do Trabalho e a atuação do Ministério Público do Trabalho por meio de inquérito civil público ou na pactuação de termos de ajuste de conduta, desejo agora discorrer sobre a importância da tutela processual mandamental como fator de promoção do equilíbrio ambiental trabalhista, dentro de uma ótica que favoreça a construção de uma nova hegemonia, libertária e humanista, no pensamento jurídico juslaboral.
Antes de tudo, cumpre-me esclarecer o que se deve entender por tutela processual mandamental, diferenciando-a com rigor da condenatória.
Para o desvencilhar desta etapa, valho-me da lição de LUIZ GUILHERME MARINONI e SÉRGIO CRUZ ARENHART, tratando especificamente do instituto da sentença:
"A sentença que ordena não é declaratória, constitutiva ou condenatória. Como já foi demonstrado no item anterior, alguém poderia, no máximo, confundi-la com a sentença condenatória. Frise-se, no entanto, que a sentença condenatória parte do pressuposto de que o juiz não pode interferir na esfera jurídica do indivíduo, e assim ordenar para constrangê-lo a cumprir a sentença, justamente pela razão de que foi elaborada à luz de valores que não admitiam esta atividade, quando se pensava na tutela de direitos que podiam ser convertidos em pecúnia.
Se a sentença condenatória difere da declaratória por abrir oportunidade à execução forçada, a sentença mandamental delas se distancia por tutelar o direito do autor forçando o réu a adimplir a ordem do juiz. Na sentença mandamental há ordem, ou seja, imperium, e existe também coerção da vontade do réu; tais elementos não estão presentes no conceito de sentença condenatória, compreendida como sentença correlacionada com a execução forçada." [12] (destaques meus)
Pois sim. Se na sentença mandamental há imperium suficiente para que o magistrado interfira na esfera jurídica do indivíduo, compelindo-o por meio da imposição de astreintes e outros ao cumprimento específico de obrigações de fazer estabelecidas no seu interior (artigo 461, § 5º do CPC), parece-me suficientemente claro que a tutela desta natureza será o locus privilegiado da mudança de mentalidade que proponho, já que por via dela os empregadores serão judicialmente obrigados a tomarem as medidas de caráter preventivo hábeis a transformar em realidade o direito fundamental ao equilíbrio ambiental trabalhista.
Abordando a importância da tutela inibitória para a consagração dos direitos humanos, colho mais uma vez as palavras de LUIZ GUILHERME MARINONI:
"(...) Uma Constituição que se baseia na "dignidade da pessoa humana" (art. 1º, III) e garante a inviolabilidade dos direitos de personalidade (art. 5º, X) e o direito de acesso à justiça diante de "ameaça de direito" (art. 5º, XXXV), exige a estruturação de uma tutela jurisdicional capaz de garantir de forma adequada e efetiva a inviolabilidade dos direitos não patrimoniais.
O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva – garantido pelo art. 5º, XXXV, da CF – obviamente corresponde, no direito não patrimonial, ao direito a uma tutela capaz de impedir a violação do direito. A ação inibitória, portanto, é absolutamente indispensável em um ordenamento que se funda na "dignidade da pessoa humana" e que se empenha em realmente garantir – e não apenas proclamar – a inviolabilidade dos direitos da personalidade.
Isso quer dizer que, se a propriedade pode ser protegida por meio de procedimentos especiais capazes de propiciar tutela preventiva, não há como negar igual formato aos direitos da personalidade, sob pena de desconsideração dos próprios valores constitucionais." [13] (destaque meu)
Como se não bastasse, esta modalidade de tutela carrega em si uma inovação altamente útil para a proteção concreta dos direitos perseguidos em juízo, mas que lamentavelmente tem sido pouco notada pelos magistrados, que são os seus destinatários diretos.
Trata-se da superação do vetusto princípio da adstrição da sentença ao pedido (artigos 128 e 460 do CPC), já que diante dos pleitos de natureza mandamental, o juiz pode atualmente outorgar à parte a "tutela específica" ou "o seu resultado prático equivalente" (artigo 461, caput, do CPC). Para ilustração do afirmado, transcrevo mais um excerto da obra do Professor MARINONI:
"Uma das grandes inovações dos arts. 84 do CDC e 461 do CPC está na possibilidade de o juiz poder se desvincular do pedido, podendo conceder a tutela solicitada ou um resultado prático equivalente, e, ainda, aplicar a medida executiva que lhe parecer necessária e idônea para a prestação da efetiva tutela jurisdicional.
Tal possibilidade vem expressa nos referidos artigos e decorre da tomada de consciência de que a efetiva tutela dos direitos depende da elasticidade do poder do juiz, eliminando a sua necessidade de adstrição ao pedido.
Assim, no caso de ação inibitória destinada a impedir a prática ou a repetição do ilícito (comissivo ou omissivo), ou mesmo a continuação de um agir ilícito, o juiz tem o poder de conceder o que foi pedido pelo autor, ou algo que, vindo em sua substituição, seja efetivo e proporcional, considerando-se os direitos do autor e do réu.
Por outro lado, o juiz pode determinar medida executiva diversa da requerida, seja a ação inibitória ou de remoção do ilícito. O seu poder, nesse caso, novamente deverá atender à regra da proporcionalidade." [14]
Exemplificando tudo o que foi dito atrás, é lícito dizer que se um sindicato ou o Ministério Público do Trabalho requerer em ação civil pública, que o réu instale um filtro na fábrica, capaz de melhorar a qualidade do ar a que os trabalhadores estão submetidos, o magistrado poderá, a fim de implementar maior celeridade à solução do caso, onde o que está em jogo é a própria saúde dos empregados, ordenar que um terceiro [15] instale de imediato o aludido filtro, por óbvio que às expensas do réu, podendo ainda, em casos extremos, interditar o estabelecimento pelo tempo necessário à reparação determinada, obviamente que sem desobrigar o empregador do pagamento de salários.
E nem se pondere, em sentido contrário, que o exemplo anterior poderia causar desemprego, sob o argumento de que em retaliação à decisão, o empregador poderia dispensar todos os empregados beneficiados.
Decididamente não.
Primeiramente pelo fato da ação possuir natureza coletiva, com a legitimidade ativa pertencendo ao MPT ou ao sindicato, fato que, per se, impede a exposição desnecessária dos empregados individualmente considerados.
Demais disso, a dispensa coletiva por certo custaria caro ao empregador, causando-lhe inomináveis tormentos, já que além dos enormes custos daí advindos, a produção ficaria parada por um período ainda maior do que o determinado no decreto de interdição, em virtude do tempo demandado para a contratação e o treinamento dos novos empregados, sem que a infantil "atitude retaliatória" lhe exima de promover as adequações ambientais ordenadas na decisão judicial.
Tudo isso não bastasse, há de se frisar que como alhures examinado, o magistrado possui à sua disposição as mais notáveis ferramentas para garantir a eficácia da sua decisão, na medida em que o § 5º do artigo 461 do CPC estabelece "que para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, "tais como" a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com a requisição de força policial."
Ao se valer da expressão "tais como" no seu interior, o preceptivo examinado deixa claro que as medidas elencadas não são exaustivas, nele existindo, dessarte, uma cláusula aberta com suficiente dimensão para que o juiz possa, na defesa dos valores constitucionais fundamentais - como aquele inserto no inciso I do artigo 7º da CRFB, que garante aos trabalhadores a existência de uma relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária -, até mesmo criar uma garantia de emprego por determinado período, durante o qual o empregador somente poderá dispensar seus empregados a partir da efetiva comprovação da existência de uma causa justa, fundada em motivos econômicos, técnicos ou disciplinares.
No caso, é de se redargüir, desde já, qualquer objeção lastreada em pretensa ofensa ao princípio da reserva legal, fundada no argumento de que as garantias de emprego somente podem ser instituídas por lei complementar (art. 7°, I, da CRFB).
Ocorre que, na hipótese, o juiz não legislará, haja vista que a partir do permissivo do § 5º do artigo 461 do CPC estará tão-somente outorgando eficácia à decisão exarada em um caso concreto, sem criar, assim, uma regra com generalidade, abstração e impessoalidade suficientes para ser considerada como fonte do direito.
Mudando um pouco de enfoque, não custa destacar, antes de encerrar o presente tópico, que todas essas observações, desenvolvidas a partir daquilo que o juiz poderia deliberar em sentença, são igualmente válidas para o contexto da antecipação de tutela, seja ela de urgência ou de evidência, tudo nos termos do § 3º do artigo 461 do CPC, a dizer que "sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia (..)".