A conquista da redução de jornada de trabalho sem redução de salário é uma bandeira de luta sempre presente nas campanhas realizadas pela CUT, como forma de gerar mais empregos e melhorar as condições de vida da classe trabalhadora. Mas a vitória desta luta deve vir acompanhada da redução das horas extras. Do contrário, corre-se o sério risco da redução da jornada ser seguida do incremento do trabalho extraordinário.
Com este propósito a CUT lançou uma publicação intitulada "Hora extra: o que a CUT tem a dizer sobre isto" [01]. A obra, resultado do trabalho de diversas mãos, realiza uma ampla abordagem, explorando diversos aspectos, isto é, a questão da saúde, de gênero, do assédio moral, do lazer, da educação, da remuneração, do emprego, do tempo de trabalho, do ritmo de trabalho, dos acordos e convenções coletivas, a experiência internacional, dentre outros.
O estudo traz ainda uma pesquisa nacional realizada com trabalhadores de diversas categorias profissionais. Além disso, sugere uma alteração no artigo 59 da CLT para que a realização de jornada suplementar seja limitada quantitativamente. A proposta incentiva a negociação coletiva, na medida em que permite um controle mais eficaz da utilização das horas extras.
Em 1988, quando se aprovou a diminuição da jornada semanal de 48 para 44 horas, observou-se um aumento do número de trabalhadores que trabalhavam em regime de horas extras. Segundo dados do DIEESE, entre 1985 e 1988, a média de assalariado que trabalhavam acima da jornada constitucional na Grande São Paulo era de 20%. No ano de 2003, no entanto, este contingente passou para o alarmante índice de 44%. É evidente que em conseqüência disto, não se obteve o impacto esperado na geração de novos postos de trabalho.
Na recente pesquisa realizada pela CUT, sob a coordenação do DIEESE, abrangendo diversos ramos de atividade [02], 77,8% dos pesquisados afirmaram que fazem horas extras, ou seja, de cada 10 trabalhadores 8 realizam horas extras. Deste total, 25% fazem jornadas extraordinárias freqüentemente. Um outro dado interessante da pesquisa indica que 59,4% defendem que haja limite para a prática das horas extras. [03]
A atual legislação sobre horas suplementares, expressa no artigo 59 da CLT, permite a realização de até 2 horas extras diárias, mediante acordo com o empregado ou com o sindicato profissional. A proibição restringe-se ao trabalho em tempo parcial, bem como, a realização de horas extras em atividades insalubres, que também está condicionada à autorização do Ministério do Trabalho.
A exceção às regras acima descritas ocorre apenas quando há uma necessidade imperiosa, compreendendo as seguintes situações: por motivo de força maior ou causas acidentais; realização ou conclusão de serviços inadiáveis; realização ou conclusão de serviços cuja inexecução possa causar prejuízo manifesto. Nestas hipóteses, basta apenas a comunicação dos fatos ao Ministério do Trabalho. Todavia, a jornada suplementar, por motivo de força maior ou causas acidentais, está limitada a duas horas diárias, e desde que a jornada diária não exceda a 10 horas. Nos demais casos, a jornada diária poderá ser de até 12 horas diárias.
Cabe notar, no entanto, que a lei autoriza um exagerado número de horas extras. A permissão de 2 horas extras por dia significa, potencialmente, um volume de até 50 horas extras por mês, ou 552 horas extras por ano. Em outras palavras, pode-se realizar 27% a mais do volume da jornada normal de trabalho. Ressalte-se que na prática esse limite de 2 horas diárias nem sempre é respeitado, o que acarreta uma quantidade ainda maior de jornada suplementar.
O pagamento de adicional de 50% sobre o valor da hora normal, instituído pela Constituição Federal (art. 7º, XVI), também não tem sido eficaz ao combate do trabalho extraordinário. O mero incremento no adicional das horas extras também pode ter um efeito inverso ao pretendido: em virtude dos baixos salários, os empregados tenderiam a buscar a realização de horas extras.
Assim, se por um lado os empresários continuam realizando horas extras e repassando o seu custo para o produto, por outro, os trabalhadores, por causa dos baixos salários, consideram a hora extra uma oportunidade de aumentar o rendimento mensal. O inevitável acontece: aumentam-se as horas extras. Há ainda aqueles que temem perder o emprego como represália da empresa caso se neguem a trabalhar além da jornada.
Diante deste quadro e, considerando que tramitam atualmente no Congresso Nacional vários projetos de emenda constitucional (PEC) dispondo sobre a redução de jornada que, espera-se, sejam levados à votação brevemente, a CUT defende que a nova legislação fixe os seguintes totais máximos de horas extras:
- 2 horas extras por dia;
- 30 horas extras por mês;
- 110 horas extras por semestre.
Destarte, por dia a jornada suplementar estaria limitada a 27% sobre a jornada normal de trabalho; por mês, a 16% e; por semestre, a 10%. Com efeito, a limitação nos parâmetros acima significa uma queda dos atuais 27% para 10% sobre o volume de horas extras anual. Assim, quanto mais tempo a empresa utilizar-se do regime de jornada suplementar, menor quantidade de horas extras terá à sua disposição.
Essas horas extras deverão ser remuneradas com adicional de no mínimo 75% superior à hora normal. Ainda assim, as horas extras nos domingos, feriados e dias já compensados somente seriam admitidas mediante acordo coletivo, com remuneração superior em no mínimo 100%.
A legislação também deve prever que somente nos casos de incremento de produção não habituais e inadiáveis, e mediante negociação coletiva com a entidade sindical, o limite acima estabelecido poderá ser ultrapassado. Com isto, as entidades sindicais passam a ter um controle na realização de horas extras, sempre que a empresa pretendesse aumentar o volume de jornada para além dos patamares descritos. O acordo, nestes casos, deverá prever adicional sobre a jornada suplementar de no mínimo 100%, como também, a negociação coletiva estará obrigada a estabelecer cláusula de contratação de novos empregados, caso a situação perdura por mais de três meses sucessivos.
Por fim, a lei deve proibir a realização de horas extras de empregados contratados sob regime de tempo parcial; aposentados; trabalhadores que apresentem restrições físicas ou psíquicas comprovadas; mulheres gestantes e lactantes.
A proposta sugere que todas as alterações sejam realizadas no artigo 59 da CLT, com supressão de alguns dispositivos e acréscimos de outros.
Um projeto como este, contudo, deve ser amplamente debatido com outros segmentos da sociedade, como o Legislativo, o Ministério do Trabalho, Ministério da Justiça, TST, ANAMATRA, OAB, outras centrais sindicais e representações patronais. Somente com um diálogo franco e aberto com a sociedade é que teremos condições de construir um projeto de lei a ser levado para o Congresso Nacional.
Não se deve olvidar da importância da fiscalização do Ministério do Trabalho para que a disposição legal seja aplicada. É notório que muitas empresas realizam jornadas suplementares obrigando os trabalhadores ao controle à parte destas jornadas, os conhecidos "cartão por fora". Um projeto como este estaria fadado ao insucesso se estas mazelas não forem combatidas.
Não menos importante é o acompanhamento das entidades sindicais para que a empresa respeite a disposição legal. Pelo projeto, os sindicatos poderão ingressar com ações na qualidade de substituto processual, se for o caso, para obrigar o cumprimento da lei. Essas ações poderiam, inclusive, consistir em uma obrigação de fazer, qual seja, a negociação prévia das horas extras.
A elaboração de um projeto consensual poderá beneficiar tanto os trabalhadores quanto os empresários e a sociedade em geral. A extenuante jornada prejudica diretamente a saúde e a qualidade de vida dos trabalhadores e aumenta o custo da atividade empresarial, com o aumento de adicionais, queda da produtividade, aumento de acidentes de trabalho e processos trabalhistas. A sociedade no final é quem paga a conta, com a queda no nível de emprego, concessões de benefícios previdenciários e aumento do custo da saúde pública.
A proposta acima é apenas um pontapé para a iniciarmos a discussão sobre o grave problema das horas extras e a CUT não irá furtar-se ao debate e aos desafios produzidos pelo tema.
Notas
01Secretaria de Política Sindical da CUT. Hora extra: o que a CUT tem a dizer sobre isto. São Paulo: CUT Brasil, 2006.
02 Ramos: comércio e serviços, metalúrgicos, químicos, transporte e vestuário.
03 Deste percentual, 26,8% desejam que seja mantida a legislação atual e 22,6% gostariam que a jornada extraordinário fosse mais limitada. Saliente-se que 13,7% dos trabalhadores pesquisados querem a proibição das horas extras e um percentual significativo, 13,1%, não responderam a questão da proposta.