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A causa de pedir aberta nas ações diretas de inconstitucionalidade

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Agenda 20/10/2006 às 00:00

4. A CAUSA DE PEDIR NAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE

4.1. Considerações iniciais

Analisadas as principais características dos institutos da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da causa petendi, resta agora desenvolver o tópico nuclear do presente estudo, qual seja, a causa de pedir nas ações diretas de inconstitucionalidade.

A lei 9.868, de 27 de novembro de 1999, que disciplinou o processo objetivo da ação direta de inconstitucionalidade, dispôs em seu art. 3º, que a petição deverá indicar "o dispositivo da lei ou do ato normativo impugnado e os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações".

Vê-se, portanto, que não basta a simples formulação do pedido ou a alegação genérica de inconstitucionalidade. A admissão da inicial pressupõe fundamentação concernente aos motivos pelos quais se pretende a procedência do pedido formulado. [28]

Neste ponto, o aludido diploma legal não trouxe maiores novidades ao tema, pois o Código de Processo Civil de 1973 já dispunha, em seu artigo 282, III, sobre a obrigatoriedade de as petições iniciais indicarem os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido. Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já vinha firmando entendimento nesse sentido desde o ano de 1991, quando deixou de conhecer da ADI 259-7 / DF, em virtude da ausência de fundamentação específica.

O curioso é que, apesar de exigir-se que a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade indique pontualmente os fundamentos do pedido (causa petendi), sob pena de ser declarada inepta, o Supremo Tribunal Federal não tem sua atividade cognitiva limitada aos argumentos invocados pelo legitimado ativo. É dizer, ainda que a petição inicial apresente fundamento constitucional irrelevante ou até mesmo equivocado, a Corte não estará impossibilitada de examinar a inconstitucionalidade argüida com base em outros fundamentos.

Quanto a isso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que o âmbito de cognoscibilidade da questão constitucional não se adstringe aos fundamentos invocados pelo requerente. Significa dizer que oPretório Excelso não está vinculado à causa de pedir, podendo declarar a inconstitucionalidade com fundamento diverso daquele apontado pelo autor. Por esta razão, a fundamentação dada pelo legitimado ativo pode ser desconsiderada e suprida por outra encontrada pelo órgão julgador. [29] Presume-se, então, que, ao apreciar a constitucionalidade de determinada norma, o Supremo Tribunal assim procede em face de toda a Constituição. [30]

Isso ocorre porque os processos objetivos de controle de constitucionalidade têm por fim a depuração do ordenamento jurídico, isto é, a defesa da ordem constitucional, razão pela qual se subtrai das partes a faculdade processual de fixar os limites da demanda. Em outras palavras, o Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição, e não apenas dos preceitos que o autor da ação reputa violados. [31]

A essa peculiaridade inerente ao controle concentrado de constitucionalidade, dá-se o nome de causa de pedir aberta, ou princípio da abertura da causa de pedir.

No tocante a esse aspecto, observa-se que o processo objetivo em questão diverge das demais modalidades processuais, pois, nestes casos, conforme se viu anteriormente, é vedado ao juiz afastar-se da causa de pedir invocada pelo requerente.

Esse entendimento encontra-se bem delineado no voto do Relator da ADI MC 1358, Min. SYDNEY SANCHES, que se transcreve a seguir:

(...) Como é sabido, na ação direta de inconstitucionalidade, cujo processo é objetivo, sem partes propriamente ditas, o Supremo Tribunal Federal, no cumprimento de sua missão política de guardião da Lei Maior da República, não está cerceado por limites meramente processuais, como os relacionados com a "causa petendi", que se observam, em princípio, na solução de lides "inter partes" e no exercício do dever de prestar jurisdição.

Assim, os fundamentos da inicial, que, em princípio, no processo jurisdicional, integram a "causa petendi", podem ser desconsiderados na ação direta de inconstitucionalidade, e, em seu lugar, adotado outros, segundo o entendimento da Corte.

Quanto a isso, é pacífica sua jurisprudência. [32]

É relevante salientar que, muito embora não esteja vinculado aos fundamentos aduzidos pelo requente, o Supremo Tribunal Federal está adstrito ao exame daqueles dispositivos expressamente impugnados na ação. [33] Quer dizer: em matéria de controle concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal fica condicionado ao pedido, mas não à causa de pedir.

A partir de uma análise perfunctória do assunto, poder-se-ia pensar que a abertura da causa petendi tornaria irrelevante e, até mesmo desnecessária, a fundamentação da petição inicial. De fato, se o Supremo pode declarar a inconstitucionalidade de uma norma sob qualquer argumento que considerar pertinente, por que se demandar do legitimado ativo que indique pontualmente os fundamentos jurídicos do pedido?

Nas palavras do Ministro MAURÍCIO CORREIA, relator da ADI 1775/RJ, tal exigência se deve à sobrecarga de trabalho do Supremo Tribunal Federal, observe-se:

(...) Não me parece recomendável nem tampouco admissível que esta Corte, a despeito de sua sobrecarga de atribuições, este plenário, com pauta congestionada, tenha que se debruçar sobre cada uma das disposições, enfrentando-as uma a uma, pelo simples fato de haver a parte manifestado intenção impugnatória do tipo abstrato e genérico. Ademais, é regra comezinha de processo que a petição inicial indicará o fato e os fundamentos jurídicos do pedido com suas especificações (CPC, art. 282, III e IV), o que não ocorreu na espécie. [34]

O Ministro PAULO BROSSARD, em voto proferido na ADI 259-7/DF, sustentou que a fundamentação da ação direta de inconstitucionalidade é um múnus dos legitimados ativos, pois estes têm o dever de colaborar com o Supremo Tribunal Federal na defesa da integridade constitucional, senão vejamos:

(...) Quando a Constituição dá a determinadas entidades legitimação para ajuíza-las, não dá gratuitamente, não é apenas para homenagear esta ou aquela autoridade, esta ou aquela entidade, é para que estas entidades possam prestar verdadeiro serviço público; é um múnus que essas entidades estão qualificadas a exercer, no sentido da defesa da integridade constitucional, da sanidade jurídica da Nação através desse processo excepcional de extraordinária grandeza e importância, que é a ação direta de inconstitucionalidade. [35]

Segundo JULIANO TAVEIRA BERNARDES, "a exigência de fundamentação visa a assegurar certo cuidado no processo de questionamento de atos normativos que gozam de presunção de constitucionalidade". [36]

Nesse mesmo sentido, VITALINO CANAS assevera que a exigência de fundamentação do pedido pode conduzir a reflexão suficiente para convencer o próprio legitimado ativo da impertinência da inconstitucionalidade que se preparava para suscitar. [37]

Evidenciada a imprescindibilidade dos fundamentos jurídicos do pedido nas ações direta de inconstitucionalidade, cumpre agora sistematizar as implicações processuais decorrentes da causa petendi aberta no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade.

4.2. O princípio da abertura da causa petendi e os postulados iura novit curia e narra mihi factum, dabo tibi ius

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Os princípios denominados iura novit curia [38] e narra mihi factum, dabo tibi ius [39]concedem ampla liberdade ao juiz, para aplicar as normas que reputar adequadas aos fatos deduzidos na causa. [40] Isso quer dizer que, dentro dos contornos fáticos do processo, poderá o julgador decidir de acordo com a norma jurídica que entender aplicável ao caso concreto, independentemente de prévia invocação pelos litigantes. Nesse aspecto, "o juiz pode ‘no campo do puro direito’ suprir as partes". [41] Logo, de acordo com esses princípios, não é permitido ao juiz decidir com fundamento em fatos não alegados.

De acordo com a lição de JOSÉ ROGÉRIO CRUZ E TUCCI, embora o nomen iuris ou o fundamento legal porventura invocados pelo autor possam influenciar o raciocínio do julgador, não há qualquer impedimento, dada a incidência dos aludidos postulados, a que este re-qualifique juridicamente a demanda, emoldurando-a em outro dispositivo de lei. [42]

Nessa linha de raciocínio, verifica-se que o juiz pode e deve examinar os fatos que lhe são submetidos à luz de todas as normas de direito material, ainda que tais normas não tenham sido invocadas pela parte.

Essa breve digressão é necessária, a fim de se esclarecer a diferença entre os mencionados aforismos e o princípio da causa de pedir aberta. Ora, se os postulados narra mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia já vigoram no processo comum, inclusive em matéria constitucional, por que seria necessária a aplicação do princípio da abertura da causa petendi nos processos de controle abstrato de constitucionalidade?

Inicialmente, é necessário ressaltar que o controle abstrato de constitucionalidade tem por objeto a fiscalização da validade de normas jurídicas em tese, e não os eventuais fatos concretos a elas subsumíveis. [43] Trata-se, repise-se, de processo objetivo, em que não há lide nem partes, destinado, pura e simplesmente, à defesa da Constituição.

Desse modo, o legitimado, ao argüir a inconstitucionalidade de determinado ato normativo não narra fatos, mas, tão-somente, expõe as razões jurídicas pelas quais o alegado dispositivo legal malfere a Constituição. Conclui-se, por essa razão, que os brocardos narra mihi factum, dabo tibi ius e iura novit curia não são aplicáveis às ações de controle concentrado de constitucionalidade, pois nesta modalidade processual a narração de fatos não compõe a causa de pedir.

A partir de uma tradução literal do postulado iura novit curia, poder-se-ia pensar que se trata de instituto jurídico com implicações processuais idênticas às do princípio da causa de pedir aberta. Tal inferência, contudo, não se afigura correta, pois, conforme se viu ao longo deste tópico, o postulado iura novit curia pressupõe que a causa petendi seja composta pelos fatos e fundamentos jurídicos do pedido, diferentemente do que ocorre nas ações diretas de inconstitucionalidade, cuja causa petendi, conformese viu, abrange apenas os fundamentos jurídicos do pedido.

4.3. Implicações processuais decorrentes da causa de pedir aberta

4.3.1. O Advogado Geral da União e a defesa das normas declaradas inconstitucionais

O § 3º, do artigo 103, da Constituição Federal dispõe que "quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, citará previamente, o Advogado-Geral da União, que defenderá o ato ou texto impugnado".

Durante algum tempo, vigorou, na jurisprudência daquela Corte, o entendimento de que a competência prevista no dispositivo constitucional supracitado constituía um múnus indisponível, de modo que não caberia ao Advogado-Geral da União, ou quem lhe fizesse as vezes, admitir a invalidez da norma impugnada. [44] Assim, para satisfazer os requisitos de validade do processo de ação direta de inconstitucionalidade, caberia ao Advogado-Geral da União, curador da presunção da constitucionalidade da lei, promover a defesa da norma, ainda que sua inconstitucionalidade fosse manifesta. [45]

O dispositivo constitucional em questão acarretava situações incongruentes no ordenamento jurídico pátrio.

Com efeito, conforme se destacou no decorrer do presente estudo, o princípio da causa de pedir aberta tem como conseqüência o fato de que, uma vez examinada determinada tese jurídica em sede de ação direta de inconstitucionalidade, consideram-se "esgotados os argumentos relativos a sua legitimidade em face da integralidade do parâmetro de controle consubstanciado". [46] Em outras palavras, presume-se que, ao menos implicitamente, hajam sido considerados quaisquer fundamentos para eventual argüição de inconstitucionalidade. [47] Ou seja, não importa quantos argumentos existam em favor da constitucionalidade de determinado dispositivo legal. Se o Supremo Tribunal Federal declarar a sua inconstitucionalidade, por qualquer fundamento, presumir-se-ão analisados todos os outros, tanto quanto possíveis, ainda que sequer tenham sido ventilados no decorrer do processo.

Nessa medida, sustentar a obrigatoriedade de defesa do ato impugnado, mesmo nos casos em que a Suprema Corte já tenha decidido de forma contrária, implicaria admitir a existência de um ´´advogado da inconstitucionalidade". [48]

Nas palavras do Ministro MAURÍCIO CORREIA, essa obrigatoriedade a que se submetia o Advogado-Geral da União não tem significado lógico e, tampouco, é amparada por qualquer sinal de razoabilidade. [49] Não fosse o bastante, ainda afronta o princípio da causa de pedir aberta.

J.J. GOMES CANOTILHO, por sua vez, assevera que essa anomalia institucional é rigorosamente incompatível com os imperativos, a natureza e os efeitos da decisão típica do controle abstrato de normas. [50]

À luz dos argumentos acima expendidos, deduz-se que não é razoável exigir-se do Advogado-Geral da União a defesa irrestrita da constitucionalidade das normas, mormente nos casos em que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou de modo contrário. Essa conclusão é uma decorrência lógica do princípio da causa de pedir aberta.

Em vista das severas críticas recebidas, o alcance das exigências do § 3º, do art. 103, da Constituição Federal vem sendo mitigado pela jurisprudência. Conforme se verifica da leitura do inteiro teor da ADI 1.616-4/PE, da relatoria do eminente Ministro Maurício Corrêa, o Supremo Tribunal Federal passou a prever, excepcionalmente, a possibilidade de o Advogado Geral da União deixar de exercer sua função constitucional de curador especial do princípio da constitucionalidade das leis e atos normativos, quando houver precedente da Corte pela inconstitucionalidade da matéria impugnada.

4.3.2. Impossibilidade de se conhecer de ADIN ou ADC que verse sobre dispositivo de lei já apreciado

Outra questão interessante pertinente ao tema em estudo consiste em saber se o Supremo Tribunal Federal, após julgar o mérito de determinada ação direta de inconstitucionalidade, poderá, no futuro, conhecer de outra ação de processo objetivo de controle de constitucionalidade que, embora com fundamentos distintos, tenha por objetivo discutir a validade de dispositivo de lei já apreciado.

A resposta a esse questionamento não é simples, razão pela qual é necessário refletir sobre a extensão da causa petendi no processo objetivo da ação direta de inconstitucionalidade.

Conforme já se mencionou no decorrer do presente trabalho, a jurisprudência do STF reconhece que, ao apreciar a constitucionalidade de determinada norma, o Tribunal assim procede em face de toda a Constituição. Isso quer dizer que, uma vez examinada a constitucionalidade de um dispositivo legal, presume-se haverem sido esgotados os argumentos relativos a sua legitimidade sob todos os aspectos da Constituição, e não apenas diante daqueles focalizados pelo autor.

Assim, é correto concluir que, sob o prisma do princípio da causa de pedir aberta, nos processos de controle de constitucionalidade de natureza objetiva, não caberá a reapreciação da constitucionalidade ou inconstitucionalidade da mesma lei, ainda que outro legitimado ativo, ou o próprio Supremo Tribunal Federal, apresente abordagem inovadora a respeito da matéria. Em outras palavras, pode-se dizer que, o efeito vinculante das decisões proferidas em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou Declaratória de Constitucionalidade alcança a todos, inclusive, a própria Corte.

A razão de ser desse posicionamento é eminentemente política, pois considera-se que o Direito é instrumento de pacificação social e tem como corolário o princípio da segurança jurídica.

Segundo J.J. GOMES CANOTILHO, o princípio da segurança jurídica se justifica porque "o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre seus direitos [...] se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas normas". [51]

Nessa mesma linha de idéias, LEONARDO GRECO afirma que a segurança jurídica é indispensável, pois constitui "o mínimo de previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão". [52]

Nada obstante os convincentes fundamentos acima lançados, o entendimento de que o Supremo Tribunal Federal não poderia se manifestar novamente sobre matéria já apreciada em sede de controle abstrato de constitucionalidade vem sendo modificado pela nova composição do Tribunal, conforme se verifica da leitura do voto do Eminente Ministro Cezar Peluso, relator da ADI 2.777/SP. [53]

Esse recente posicionamento demonstra que o princípio da causa de pedir aberta vem sendo mitigado pela jurisprudência. É necessário aguardar os próximos julgamentos, a fim de se concluir qual será o entendimento definitivo da Suprema Corte acerca da matéria. Entretanto, presume-se que, a prevalecer essa nova orientação, instaurar-se-á uma crise no âmbito do controle concentrado. Com efeito, a flexibilização do princípio da causa de pedir aberta acarretará dúvidas em relação à extensão do efeito vinculante às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal. A segurança jurídica, por conseguinte, estará ameaçada. Ademais, não é difícil antever que o número das Ações Diretas de Inconstitucionalidade se multiplicará, tudo com o objetivo de que matérias já analisadas obtenham nova apreciação.

Não fosse o bastante, o conhecimento de uma nova ação especial (ADC ou ADI), cujo objeto já fora analisado pela Corte Constitucional, a par dos problemas já sinalizados, atenta, em última análise, contra a coisa julgada, conforme se extrai da leitura do artigo 26, da Lei 9.868, de 10 de novembro de 1999. [54] [55]

4.4. Análise de casos concretos em face do princípio da causa de pedir aberta

No presente tópico, analisar-se-ão casos práticos que demonstram a mitigação do dogma da causa de pedir aberta pela recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

4.4.1. ADI 1.851/AL [56] e ADI 2.777/SP [57]

A questão de fundo que se discutia na ADI 1.851/AL versava sobre a possibilidade de o contribuinte substituto proceder ao pedido de restituição, na hipótese de não-realização do fato gerador futuro ou na realização em importância menor do que aquele presumido e recolhido antecipadamente ao ente tributante.

Naquela oportunidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o fato gerador presumido não é provisório, mas definitivo, e, por isso, não dá ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Observe-se:

(...) A EC nº 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a aproxima o mais possível da realidade. A lei complementar, por igual, definiu o aspecto temporal do fato gerador presumido como sendo a saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte substituto, não deixando margem para cogitar-se de momento diverso, no futuro, na conformidade, aliás, do previsto no art. 114 do CTN, que tem o fato gerador da obrigação principal como a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. O fato gerador presumido, por isso mesmo, não é provisório, mas definitivo, não dando ensejo a restituição ou complementação do imposto pago, senão, no primeiro caso, na hipótese de sua não-realização final. Admitir o contrário valeria por despojar-se o instituto das vantagens que determinaram a sua concepção e adoção, como a redução, a um só tempo, da máquina-fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação. Ação conhecida apenas em parte e, nessa parte, julgada improcedente. (ADI 1.851/AL, Tribunal Pleno, Min. Ilmar Galvão, DJ de 22.01.2002, p. 55). [grifou-se]

Decorrido lapso temporal inferior a um ano, o Supremo Tribunal Federal, julgou a ADI 2.777/SP, na qual o legitimado ativo se insurgia contra a Lei 9.176/95, do Estado de São Paulo, que reconhecia ao contribuinte o direito à restituição do valor do ICMS recolhido na forma antecipada (substituição tributária progressiva), na hipótese de o fato gerador ocorrer em valor menor do que aquele presumido.

Nesse caso, conforme se verá a seguir, constata-se que o Plenário não apenas admitiu o conhecimento de ação direta de inconstitucionalidade que versava sobre o mesmo tema de ação anterior, mas também julgou o mérito de forma diametralmente oposta à decisão exarada na ADI 1.885/AL. Observe-se:

(...) o Min. Cezar Peluso, relator da ação direta ajuizada pelo Estado de São Paulo, ao proferir seu voto, ressaltou, inicialmente, a existência de distinção substancial entre o objeto da presente ação direta e aquele tratado na ADI 1.851/AL – haja vista o caráter opcional do regime de substituição tributária do Estado de Alagoas; a impossibilidade de compensação ou contrapartida, por não caber restituição quando o fato gerador ocorre em valor menor àquele presumido, nem a cobrança quando ele se efetiva em valor superior; bem como por ser assegurada aos contribuintes optantes pelo sistema, a redução da base de cálculo, com a caracterização de um benefício fiscal e afastou, como precedente para este julgamento, a declaração de constitucionalidade dada à Cláusula Segunda do Convênio ICMS 13/97, salientando, ademais, que a possibilidade de reinterpretação do § 7º do art. 150 da CF não estaria impedida pelo efeito vinculante conferido àquela decisão, cuja vinculação limita-se aos demais órgãos do Poder Judiciário e ao Poder Executivo. O Min. Cezar Peluso entendeu que a substituição tributária no Estado de São Paulo é obrigatória e não envolve nenhum benefício fiscal, mas visa a assegurar a máxima arrecadação pelo Estado, em razão da antecipação ficta do fato gerador e da transferência da responsabilidade pelo recolhimento do imposto. O min. Cezar Peluso considerou, ainda, que, na hipótese de não-ocorrência do fato gerador no valor presumido deve necessariamente estar vinculado ao fato gerador legitimante, o qual representa a dimensão monetária efetiva de tais operações -, o Estado tem o dever de restituir o montante pago a maior, por faltar-lhe competência constitucional para a retenção de tal diferença, sob pena de violação ao princípio constitucional que veda o confisco. Por fim, afastando a alegação de que a restituição implicaria a inviabilidade do sistema de substituição tributária, o Min. Cezar Peluso concluiu seu voto no sentido de julgar improcedente o pedido formulado, para declarar a constitucionalidade do art. 66-B, da Lei 6.374/89, do Estado de São Paulo, na redação dada pela lei 9.176/95. (ADI 2.777/SP, rel. Min. Cezar Peluso, informativo nº 331 – Brasília 24 a 28 de novembro de 2003). [grifou-se].

Apesar de as ações diretas de inconstitucionalidade acima mencionadas terem por objeto a impugnação de diferentes dispositivos legais, verifica-se que ambas têm em comum o mesmo questionamento, qual seja, o alcance da interpretação do artigo 150, § 7º da Constituição Federal a respeito da possibilidade de restituição de tributo pago a maior sob o regime da substituição tributária progressiva.

A questão, sob o ponto de vista estritamente da ciência do processo objetivo, é que, no momento em que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 1.851/AL, analisou o pedido daquela ação direta sob os fundamentos jurídicos indicados pelo legitimado ativo e outros tantos quanto possíveis, em vista da aplicação da causa petendi aberta, não poderia haver sequer conhecido de outra ação direta posterior – cujo direito material em discussão era exatamente o mesmo. [58]

4.4.2. ADI MC 1556/PE [59] e ADI MC 1.926/PE [60]

A ADI MC nº 1556/PE, ajuizada em 17.01.1997, pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil, tinha por objeto impugnar, dentre outros, o art. 26, § 4º, da Lei Pernambucana nº 11.404/96, [61] ao fundamento de que aludido dispositivo violaria os artigos 150, IV; 236, § 2º e 167, IV da Constituição Federal.

A medida cautelar supracitada foi conhecida parcialmente e, nesse ponto, foi-lhe dado provimento parcial, apenas para dar interpretação conforme à Constituição ao § 4º, do art. 26, da Lei nº 11.404, de 19/12/1996, do Estado de Pernambuco, no sentido de que referido dispositivo não é aplicável aos emolumentos cobrados pelos serviços notarial e de registro devidos aos delegados do poder público que o realizam.

Após dois anos, foi ajuizada, em 03/12/1998, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, outra ação direta de inconstitucionalidade, ADI MC 1.926/PE, com pedido de medida cautelar contra o mesmo § 4º, do art. 26, da Lei estadual pernambucana nº 11.404, de 19 de dezembro de 1999, dentre outros artigos.

Nessa ocasião, o legitimado ativo sustentou que o dispositivo impugnado seria inconstitucional, por contrariar o art. 236, § 2º da CF-88, o qual determina que as normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro serão reguladas por lei federal, razão pela qual não poderia a lei pernambucana haver disciplinado o tema.

O Ministro Relator, acompanhado pela unanimidade de seus pares, não apenas conheceu do pedido, mas também adentrou no mérito para negar provimento ao pedido de liminar, ao fundamento de que, em razão da omissão legislativa federal, o estado detém competência legislativa plena para legislar sobre a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Diante da situação narrada, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal proferiu duas decisões divergentes, acerca da mesma matéria. Em vista disso, pergunta-se: qual dos entendimentos deve prevalecer? O proferido na ADI MC 1556/PE, ou o exarado na ADI MC 1.926/PE?

Não é demais reforçar que, sob o prisma do princípio da causa de pedir aberta, a Suprema Corte não deveria haver sequer conhecido da ADI MC 1.926/PE, tendo em vista que o assunto nela abordado já havia sido apreciado pela ADI MC 1.556/PE. Ao assim agir, o Tribunal criou uma situação de insegurança jurídica, pois não se sabe ao certo a qual dos dois entendimentos estarão vinculados os órgãos dos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo.

Diante do exposto, e considerando-se a relevância do Controle Concentrado de Constitucionalidade para o ordenamento jurídico, urge que o Supremo Tribunal Federal pacifique o seu entendimento a respeito da possibilidade, ou não, de se reapreciar, em sede de ADI ou ADC, matéria já julgada pela Corte Constitucional. Em outras palavras, é necessário que se esclareça se o efeito vinculante dessas ações estendem-se, ou não, ao Supremo Tribunal Federal. Em caso afirmativo, corroborar-se-á o princípio da abertura da causa de pedir. Por outro lado, na hipótese de a Corte decidir pela sua não-submissão ao aludido efeito vinculante, estar-se-á colocando um fim à causa petendi aberta.

Sobre a autora
Beatriz Monzillo de Almeida

bacharela em Direito pela Universidade de Brasília, pós-graduada pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, auxiliar de gabinete do juiz da 2ª Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Beatriz Monzillo. A causa de pedir aberta nas ações diretas de inconstitucionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1206, 20 out. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9063. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Monografia apresentada como requisito parcial para à conclusão do curso "Ordem Jurídica e Ministério Público" da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, sob a orientação do professor Paulo Gustavo Gonet Branco. Texto classificado em 2° lugar no 4º concurso de monografias realizado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público, em maio de 2005. Publicado originalmente na Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público, ano 13, edição especial, dezembro de 2005.

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