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Guarda compartilhada: a busca pelo interesse do menor e o dissenso entre os genitores

Os direitos das crianças e adolescentes ao convívio dos genitores sobrepõem-se aos dos pais, que podem compartilhar a guarda mesmo em situações de dissenso.

Resumo: Após a entrada em vigor da Lei nº 13.058/2014, o artigo 1.584 do Código Civil foi alterado para estabelecer que, quando não houver acordo e os dois genitores tiverem condições de cuidar, a guarda a ser fixada pelo Juiz será a compartilhada. Desde então a guarda compartilhada é a regra que somente deixa de ser aplicada quando verificado pelo Juiz que as condições adversas não permitem a sua fixação. Diante desta previsão legal a pesquisa objetiva analisar se a guarda compartilhada, aplicada em caso de desarmonia entre os pais, atende ao princípio do melhor interesse do menor. Sua elaboração se deu por meio do método dedutivo, com pesquisa bibliográfica, exploratória e de análise qualitativa de materiais coletados em livros e jurisprudências disponíveis em sites e bibliotecas. O resultado obtido na pesquisa foi a conclusão de que a guarda compartilhada é o regime que propicia melhores condições de atender ao princípio do melhor interesse do menor, mas que pode ser afastada quando verificado que a convivência conflituosa dos genitores acaba afetando a criança e adolescente, inviabilizando o crescimento sadio do filho por presenciar discussões de seus genitores.

Palavras-Chave: Filiação. Guarda Compartilhada. Ausência De Consenso Dos Genitores. Princípio Do Melhor Interesse.

Sumário: Introdução. 1. Os direitos e deveres da filiação. 2. A regulamentação da guarda no Brasil. 3. A guarda compartilhada e suas características legais. 4. O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente. 5. A fixação da guarda compartilhada e a busca pelo interesse da criança e do adolescente. 6. Guarda compartilhada e a ausência de consenso entre os genitores. Considerações finais. Referências.  


Introdução

Com a dissolução da união estável ou divórcio em que existem filhos menores, há que ser fixada desde logo as obrigações em relação à criação e sustento dos infantes, isto porque os deveres em relação aos filhos permanecem independentemente da modificação do estado civil de seus genitores.

O Código Civil Brasileiro destina alguns de seus artigos para a regulamentação da guarda, prevendo que duas espécies são admitidas: a unilateral e a compartilhada.

 Com o advento da Lei nº. 13.058 de 2014, a guarda compartilhada passou a ser a regra aplicada em razão da alteração da redação do §2º do artigo 1.058 do diploma civil, com finalidade de atender o interesse do menor. O intuito de sua inclusão legislativa foi de atender os interesses dos filhos, isto é, estabelecer a prioridade dos direitos das crianças e adolescentes, a serem assegurados por todos.

 Desde a sua inserção no ordenamento se questiona qual seria o regime de guarda que melhor atende aos interesses da criança e do adolescente que é fruto da relação afetiva que se encerrou.

Deste modo, a pesquisa científica se destina a investigar se a aplicação da guarda compartilhada, em caso de dissenso entre os genitores, atende ao princípio do melhor interesse do menor.  A sua elaboração mostra-se essencial para discutir o regime e sua aplicação em conjunto com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente que está insculpido na Constituição Federal.

Nesse contexto, o estudo teve como objetivo discutir o instituto da guarda compartilhada e a sua fixação como regra legal no Código Civil para atender ao princípio do melhor interesse do menor nas situações em que existe dissenso entre os genitores. Para isso, foram estudados os direitos de deveres entre pais e filhos, bem como fora definida a guarda compartilhada e seus elementos característicos.

A metodologia adotada foi a de pesquisa bibliográfica, com a análise e citação entendimentos doutrinários e jurisprudenciais já publicados anteriormente, baseado em opiniões de juristas experientes em direito de família.

A presente pesquisa científica foi elaborada com base em material bibliográfico coletado em livros que discutem a fixação da guarda no direito brasileiro, publicados recentemente e adquiridos de modo não oneroso. Os descritores de busca utilizados foram: guarda compartilhada e princípio do melhor interesse do menor.

O trabalho, que foi desenvolvido segundo o método dedutivo de pesquisa, quanto ao seu objetivo classifica-se como exploratório, já que teve o propósito de explorar e aprimorar o debate sobre a guarda compartilhada prevista no Código Civil de 2002.

Os dados foram analisados através de metodologia de análise qualitativa de texto, ou seja, análise dos conteúdos jurídicos e confrontamento dos pontos de vista para apontar a interpretação mais acertada segundo o ordenamento em vigor. Os resultados obtidos no decorrer da pesquisa foram apresentados de forma textual, com a transcrição de trechos doutrinários e jurisprudenciais dos Tribunais Superiores.

1 Os Direitos E Deveres De Filiação

Apesar de atualmente existirem famílias constituídas sem o intuito de ter filhos, é fato que a filiação é o resultado mais esperado nas uniões afetivas, sejam elas de natureza heterossexual ou não.

Como se sabe, não existem óbices legais a dissolução da relação afetiva entre duas pessoas que perderam o interesse em conviverem juntas, uma vez que o divórcio é admitido de forma direta desde o ano de 2010, através da Emenda Constitucional nº 66/2010, que no parágrafo 6º, do artigo 226 da Constituição Federal, passou a dispor que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio” (BRASIL, 1988).

Todavia, a mudança no estado civil das pessoas não põe fim a todas as obrigações por eles assumidas. Quando advém filhos da união, os deveres de cuidados em relação a eles permanecem e devem ser cumpridos por seus genitores.

Ou seja, mesmo após a dissolução do laço conjugal, permanecem intactos os direitos e deveres em relação aos filhos, disciplinados no artigo 227 da Constituição Federal, que assevera:

“Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988)”.

Em complemento, assim afirma Paulo Lobo:

“A separação dos cônjuges ou dos companheiros (separação de corpos, separação de fato, dissolução da união estável ou divórcio) não pode significar separação de pais e filhos. Em outras palavras, separam-se os pais, mas não estes em relação a seus filhos incapazes. O princípio do melhor interesse da criança trouxe-a ao centro da tutela jurídica, prevalecendo sobre os interesses dos pais em conflito. Na sistemática legal anterior, a proteção da criança resumia-se a quem ficaria com sua guarda, como aspecto secundário e derivado da separação. A concepção da criança como pessoa em formação e sua qualidade de sujeito de direitos redirecionou a primazia para si, máxime por força do princípio constitucional da prioridade absoluta (art. 227 da CF/1988) de sua dignidade, de seu respeito, de sua convivência familiar, que não podem ficar comprometidos com a separação de seus pais. A cessação da convivência entre os pais não faz cessar a convivência familiar entre os filhos e seus pais, ainda que estes passem a viver em residências distintas (LOBO, 2021, p.87)”.

Isto porque entre os pais e filhos existe uma relação de parentesco assim definida por Rodrigo da Cunha Pereira:

“Do latim parentatus, de pares. É a relação que se estabelece entre pessoas unidas pelos laços de família. Para o Direito de Família e Sucessões é a ligação consanguínea ou jurídica que une as pessoas pelo fato natural do nascimento ou por um fato jurídico como o casamento, a adoção e a socioafetividade (PEREIRA, 2021, p.617)”.

Todas essas espécies de parentesco estão asseguradas pelo Código Civil, que em seu artigo 1.593 determina que “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem” (BRASIL, 2002).

Essa disposição legal é reflexo da interpretação abrangente do parentesco e da filiação, que pode ser constituída de variadas formas.

“No atual estágio da sociedade, não mais interessa a origem da filiação. Popularizam-se os métodos de reprodução assistida homóloga e heteróloga, a doação de óvulos e espermatozoides, a gravidez por substituição. E isso sem falar ainda na clonagem humana. Ditos avanços ocasionaram uma reviravolta nos vínculos de filiação. A partir do momento em que se tornou possível interferir na reprodução humana, a procriação deixou de ser um fato natural para subjugar-se à vontade do homem (DIAS, 2021, p. 211)”.

Diferente do que ocorria anteriormente, o sistema legal em vigência reconhece os vínculos de parentesco de origem diversa da consanguínea, conforme comentários de Rodrigo da Cunha Pereira:

“Com a mudança das relações familiares, ampliou-se o leque de possibilidades das relações conjugais, e também das relações parentais. Se antes a conjugalidade legítima era apenas a do casamento, desde a CR 1988 passou a ser possível também às uniões estáveis. No campo das famílias parentais, também em consequência do afeto, e da afetividade como princípio catalisador de todas as relações conjugais, surgiram outras possibilidades de parentesco, já que tornou-se possível outras possibilidades de formação de famílias parentais, como as ectogenéticas coparentais (ver item 1.10.12), que são resultado da evolução da engenharia genética, mas também da compreensão da socioafetividade. (PEREIRA, 2021, p.622)”.

Assim sendo, tendo em vista que a filiação “designa a relação de parentesco na linha reta e em primeiro grau, do filho em relação aos pais” (PEREIRA, 2021, p. 624), ela está protegida pela lei através da regulamentação dos direitos e deveres dos genitores prevista no artigo 1.634 do Código Civil:

“Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição (BRASIL, 2002)”.

Os deveres do poder familiar esculpidos no rol acima estão diretamente ligados aos direitos que os filhos tem à convivência familiar, os quais são considerados irrenunciáveis, devendo permanecer ainda que a relação afetiva entre os genitores chegue ao fim, isto porque os deveres em relação aos filhos não cessam com a dissolução conjugal.

“O poder familiar é irrenunciável, instransferível, inalienável e imprescritível. Decorre tanto da paternidade natural como da filiação legal e da socioafetiva. As obrigações que dele fluem são personalíssimas. Como os pais não podem renunciar aos filhos, os encargos que derivam da paternidade também não podem ser transferidos ou alienados (DIAS, 2021, p. 309)”.

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Esses deveres estão disciplinados no Código Civil de 2002, os quais são objeto de discussão nos processos em que há a dissolução da união afetiva dos genitores. Nessas situações, os direitos e deveres em relação aos filhos são objeto de debate, especialmente a regulamentação da guarda, que tem como regra legal a fixação de sua modalidade compartilhada, que é o objeto de estudo desta pesquisa.

2 A Regulamentação Da Guarda No Brasil

A guarda dos filhos está inserida dentre os deveres dos pais em relação aos filhos, a qual é exercida até o alcance de sua maioridade, que segundo o ordenamento em vigor, ocorre ao completar 18 (dezoito) anos de idade.

Rodrigo Cunha Pereira a define explicando que “no direito de família, a guarda refere-se aos filhos menores de 18 anos e significa o poder dever dos pais de ter seus filhos em sua companhia para educa-los e cria-los” (PEREIRA, 2021, p.677).

A guarda, que está prevista no inciso II do artigo 1.634 mencionado no tópico anterior, é um direito/dever mútuo dos genitores e dos filhos à manterem o convívio familiar. Enquanto os pais tem sua relação com os filhos preservada mesmo após a dissolução da união afetiva, o filho tem seu direito de convivência com o genitor que não mais reside no antigo lar.

“Nosso sistema jurídico determina que a ruptura da conjugalidade não pode significar também ruptura dos vínculos entre a criança ou o adolescente e seus pais. O menor deve ser tratado como pessoa em formação, sujeito de direito e não um objeto de negociação. A Constituição da República estabeleceu uma série de deveres para a família, principalmente no tocante às responsabilidades dos pais, visando à guarda e proteção desses menores, a fim de lhes proporcionar as necessárias condições de sua formação e desenvolvimento biopsíquico (PEREIRA, 2021, p.678)”.

Assim sendo, o dever de cuidado e criação dos filhos é uma das obrigações que permanece após o fim da união afetiva e que deve ser exercida pelos genitores através da guarda.

A guarda dos filhos é matéria do direito de família que sofreu mudanças significativas ao longo dos anos, conforme retrospecto legal comentado por Maria Berenice Dias:

“O Código Civil de 1916, com claro viés punitivo, determinava que, em caso de desquite, os filhos menores ficavam com o cônjuge inocente. A Lei do Divórcio aplicava a mesma punição ao cônjuge culpado (LD 10), mas o juiz tinha a faculdade de decidir diversamente (LD 13). Foi a Constituição da República que consagrou o princípio da igualdade e assegurou ao homem e à mulher os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal (CR226 §5º), provocando reflexos significativos no poder familiar. O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao dar prioridade absoluta a crianças e adolescentes, transformou-se em sujeitos de direito. O Código Civil olvidou-se de incorporar o princípio do melhor interesse ditado pelo ECA. Sob o título de proteção da pessoa dos filhos, estabelecia algumas diretrizes com referência à guarda unipessoal e singelo regime de visitas. Mas os tempos mudaram (DIAS, 2021, p. 381)”.

Antigamente, cabia à mulher os cuidados de criação dos filhos enquanto o pai era o responsável pelo sustento da família. Nesse cenário, era a genitora quem detinha a guarda dos filhos menores quando havia a ruptura do matrimônio. Hoje em dia, o que prevalece é o interesse dos filhos, de modo que a guarda pode ser exercida por qualquer um dos genitores.

Atualmente, existem dois regimes de guarda previstos no Código Civil Brasileiro, que em seu artigo 1.583 dispõe que “a guarda será unilateral ou compartilhada” (BRASIL, 2002). A definição legal das duas modalidades é a seguinte:

“§ 1 o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5 o ) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008) (BRASIL, 2002)”.

Por muitos anos a regra adotada era a fixação da guarda unilateral, em que competia ao guardião da criança ou adolescente o dever de criação, enquanto que o não detentor da guarda detém o direito de visitas. Nessa modalidade, os principais deveres diários ficam sob os ombros de apenas um deles.

Foi em 2014 que a modalidade de guarda compartilhada – inserida no Código Civil pela Lei pela Lei nº 11.698/2008, tornou-se a regra legal.

“A Lei n. 11.698/2008 e, posteriormente, a Lei n. 13.058, de 2014, promoveram alteração radical no modelo de convivência entre pais separados e filhos, até então dominante no direito brasileiro, ou seja, da guarda unilateral conjugada com o direito de visita. A Lei n. 13.058/2014, com nosso aplauso, instituiu a obrigatoriedade pelo que denominou “guarda compartilhada”, que somente é substituída pela guarda unilateral quando um dos genitores declarar ao juiz “que não deseja a guarda do menor”. (LOBO, 2021, p. 88)”.

Diante desta expressiva mudança legislativa, a guarda compartilhada tornou-se a principal modalidade aplicada às famílias brasileiras, situação que enseja a discussão acerca da guarda compartilhada e da busca pelo interesse da criança e do adolescente. Sua fixação e características serão estudadas a partir de agora.

3 A Guarda Compartilhada E Suas Características Legais

A guarda compartilhada é uma das modalidades de guarda que está prevista na parte final do artigo 1.583 do Código Civil, e que tem como característica “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns” conforme definição legal contida no parágrafo 1º do referido artigo de Lei (BRASIL, 2002).

Paulo Lobo define essa modalidade nos seguintes termos:

“A guarda compartilhada é exercida em conjunto pelos pais separados, de modo a assegurar aos filhos a convivência e o acesso livres a ambos. Nessa modalidade, a guarda é substituída pelo direito à convivência dos filhos em relação aos pais. Ainda que separados, os pais exercem em plenitude a autoridade parental. Consequentemente, tornam-se desnecessários a guarda exclusiva e o direito de visita, geradores de “pais de fins de semana” ou de “mães de feriados”, que privam os filhos de suas presenças cotidianas (LOBO, 2021, p. 88)”.

Isto é, a guarda compartilhada tem como característica permitir a participação dos dois genitores nos cuidados do dia a dia em relação aos filhos, diferente do que acontece na guarda unilateral. Nessa modalidade, os dois exercem plenamente seus direitos e deveres decorrentes do parentesco e da filiação, sem que fique a convivência com os filhos restrita há poucas horas ou finais de semana.

O seu objetivo é tornar os dois genitores corresponsáveis pelos filhos e minimizar os efeitos da separação dos pais na formação dos menores, sendo que não existe óbice à fixação do compartilhamento da guarda de genitores que residam em municípios diferentes, sendo que nesses casos a moradia dos filhos será fixada na localidade que melhor atenda aos seus interesses.

Isto porque esse regime de guarda tem como finalidade atender aos interesses dos menores e sobrepô-los aos genitores. Para Maria Berenice Dias “a finalidade é consagrar o direito da criança e seus dois genitores, colocando um freio na irresponsabilidade provocada pela guarda individual. (DIAS, 2021, p.388)”.

Além disso, outro aspecto levado em consideração pelo legislador é a de afastar a alienação parental e impedir que os filhos sejam utilizados como meio de punir o outro genitor pela dissolução da união afetiva.

“Não querer compartilhar a guarda com o ex-cônjuge ou o ex-companheiro pode ser apenas uma questão de poder, ou mesmo de uma sutil e grave manifestação de alienação parental (cf. capitulo 12 – Alienação Parental). Muitos casais, ou pelo menos uma das partes, misturando subjetividade com objetividade, inconscientemente ou não, acabam usando o filho como instrumento de poder. Aliás, a guarda única e o medo e resistência da guarda compartilhada estão diretamente relacionados à ideia de poder. É assim que o(s) filho(s) muitas vezes se torna(m) “moeda de troca” no fim da conjugalidade (PEREIRA, 2021, p.683)”.

Ou seja, a previsão legal da guarda compartilhada, além de preservar os direitos dos filhos, busca também assegurar a convivência sadia do genitor que “sai de casa”, e lhe dá condições reais de participar da criação de seus filhos, sem que o término do relacionamento cause também a ruptura da convivência com a criança ou adolescente.

Assim sendo, quando fixada à guarda compartilhada, a convivência das crianças e adolescentes com seus genitores deve ser dividida de forma igualitária, permitindo o equilíbrio entre ambos os pais, observadas as condições e interesses dos filhos (BRASIL, 2002).

Portanto, “nesse tipo de guarda, não há exclusividade em seu exercício. Tanto o pai quanto a mãe detém-na e são corresponsáveis pela condução da vida dos filhos” (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2021, p. 217). Ou seja, os dois genitores tem poder de tomada de decisões relativas à criação de seus filhos.

Essa modalidade de guarda foi inserida no ordenamento jurídico em 2008, através da Lei nº 11.698, que deu a redação atual ao artigo 1.583 do Código Civil.  Contudo, foi em 2014 que ela tornou-se obrigatória, através da Lei 13.058/2014 que estabeleceu a sua fixação quando há dissenso entre os genitores sobre a guarda dos filhos (BRASIL, 2014).

Atualmente, o regime de guarda previsto no Código Civil pode ser fixado tanto por consenso dos genitores quanto por determinação judicial, conforme esclarece Paulo Lobo:

“A guarda compartilhada não é mais subordinada ao acordo dos genitores quando se separam. Ao contrário, quando não houver acordo, “será aplicada” pelo juiz, de acordo com a atual redação do § 2º do art. 1.584 do CC/2002. Dessa norma legal decorrem as seguintes consequências: a) prevalecerá o acordo dos pais pela guarda compartilhada ou pela guarda unilateral atribuída a um deles; b) se os pais estiverem em conflito positivo (cada um quer a guarda unilateral do filho), a guarda compartilhada deverá ser determinada pelo juiz; c) se um dos pais não quiser a guarda compartilhada, o outro ficará com a guarda unilateral (LOBO, 2021, p. 88)”.

Portanto, quando não há um consenso entre os genitores sobre o regime de guarda a ser aplicada, caberá ao Magistrado à tomada da decisão que, segundo determina o §2º do artigo 1.584 será, em regra, a fixação da guarda compartilhada. Contudo, esta decisão deve levar em consideração o melhor interesse do menor.

4 O Princípio Do Melhor Interesse Da Criança E Do Adolescente

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente está insculpido no ordenamento jurídico e tem como embasamento o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que reconhece a criança e adolescente como pessoa de direito, que merece integral proteção da sociedade e do Estado.

“cuida-se de princípio autônomo, encontrando respaldo no art. 227, caput, da Constituição Federal, significando que, à frente dos adultos, estão crianças e adolescentes. Todos temos direito à vida, à integridade física, à saúde, à segurança etc., mas os infantes e jovens precisam ser tratados em primeiríssimo lugar (seria em primeiro lugar, fosse apenas prioridade; porém, a absoluta prioridade é uma ênfase), em todos os aspectos. Precisam ser o foco principal do Poder Executivo na destinação de verbas para o amparo à família e ao menor em situação vulnerável; precisam das leis votadas com prioridade total, em seu benefício; precisam de processos céleres e juízes comprometidos (NUCCI, 2021, p. 28)”.

Portanto, esse princípio está implicitamente previsto na Constituição ao estabelecer o direito das crianças e adolescentes prioritariamente aos demais, em razão da vulnerabilidade decorrente da ausência de capacidade plena que somente é adquirida com a sua maioridade.

Como o próprio nome diz, esse princípio tem como fundamento a preconização dos interesses das crianças e dos adolescentes em relação aos demais. São suas necessidades que devem ser priorizadas pelo julgador. Ou seja:

“O que interessa na aplicação deste princípio fundamental é que a criança/adolescente, cujos interesses e direitos devem sobrepor-se ao dos adultos, sejam tratados como sujeito de direitos e titulados de uma identidade própria e também uma identidade social. (PEREIRA, 2021, p.178)”.

Quer isto dizer que este princípio reconhece a condição especial das crianças e adolescentes e determina que o julgador deve interpretar a norma e aplicar o direito observando os interesses dos menores, colocando-os em primeiro lugar.

É um dos pilares do direito infanto-juvenil do ordenamento brasileiro e, por isto, deve ser cumprido pelo Poder Judiciário ao apreciar as demandas relativas aos direitos das crianças e adolescentes, dentre eles os casos de fixação de guarda. O Poder Judiciário “jamais se pode utilizar esse princípio para prejudicar a criança ou adolescente” (NUCCI, 2021, p. 28). Pelo contrário, a busca pela proteção integral dos direitos dos menores deve ser o ponto de partida da discussão.

Assim sendo, o julgador deve ater-se ao princípio do melhor interesse ao decidir sobre o regime de guarda adotado ao caso concreto. Sob essa perspectiva, não há como discutir o regime de guarda compartilhada sem levar em consideração o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

5 A Fixação Da Guarda Compartilhada E A Busca Pelo Interesse Da Criança E Do Adolescente

Foi com o intuito de resguardar os direitos das crianças e adolescentes e dar-lhes prioridade que o legislador alterou o Código Civil para tornar a guarda compartilhada a regra adotada pelo Código Civil (TARTUCE, 2020).

Dentre os fundamentos que embasaram a alteração legislativa está a busca pela aplicação do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, haja vista que torna a participação do segundo genitor uma realidade, conforme assevera Rodrigo da Cunha Pereira:

“Foi esta nova concepção sobre crianças e adolescentes que provocou alterações no conteúdo das decisões judiciais sobre guarda de filhos. Sabe-se hoje que uma boa mãe ou um bom pai pode não ser um bom marido ou boa esposa. Em outras palavras, as funções conjugais são diferentes das funções parentais, e devem ser diferenciadas para que se faça um julgamento justo sobre guarda e convivência de filhos. Mudou-se não só os julgamentos, mas também a concepção de guarda de filhos, que deverá ficar com quem atender seu melhor interesse, não necessariamente o pai ou a mãe. E foi exatamente atendendo a este interesse maior que a ideia de guarda única perdeu lugar para a guarda compartilhada (também denominada de guarda conjunta) como regra geral (Lei nº 11.698/08). É também em atendimento ao Princípio do Melhor Interesse da Criança e Adolescente, que surgiram novas concepções e institutos jurídicos (PEREIRA, 2021, p. 178-179)”.

Quis o doutrinador destacar que a simples dissolução conjugal não torna o genitor inapto a criação de seus filhos, de modo que ele deve sim manter a convivência com a criança ou adolescente, cujos cidadãos tem direitos e interesses resguardados pelo princípio do melhor Interesse.

Sob essa perspectiva, aponta a doutrina que a guarda compartilhada é a modalidade que melhor atende aos interesses dos filhos, estando intrinsecamente ligada a este princípio infanto-juvenil.

“Em nome do princípio do melhor interesse das crianças e adolescentes, a guarda compartilhada passou a ser regra imposta pelo nosso ordenamento jurídico, embora sob o aspecto constitucional já pudesse ser aplicada. Deve ser empregada até mesmo de ofício pelos juízes em caso de não acordo entre os pais (art. 1.584,II, §2º). Apesar de grande dificuldade de aplicação prática – em razão de ausência de preocupação dos pais com essa situação diante do término da conjugalidade -, é justamente esse modelo que vai se adequar às questões discutidas sobre a continuidade do integral e efetivo exercício do poder familiar quando da separação fática ou divórcio dos pais (PEREIRA, 2021, p. 682)”.

Então, considerando que a convivência dos filhos com seus genitores é o mecanismo que protege o melhor interesse dos infantes, é por meio do compartilhamento da guarda que ela se torna mais efetiva.

Isso porque a criança e o adolescente tem assegurado pela Constituição Federal o direito de conviver com seus pais em um ambiente harmônico que lhe assegure as condições mínimas para crescer com dignidade, fundamento básico no ordenamento pátrio.

“Com efeito, essas são justamente as duas grandes vantagens da guarda compartilhada: o incremento da convivência do menor com ambos os genitores, não obstante o fim do relacionamento amoroso entre aqueles, e a diminuição dos riscos de ocorrência da Alienação Parental. Desse modo, constata-se que, em verdade, a guarda compar­tilhada tem como objetivo final a concretização do princípio do melhor interesse do menor (princípio garantidor da efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, tratando-se de uma franca materialização da teoria da proteção integral — art. 227 da Constituição Federal e art. 1.º do Estatuto da Criança e do Adolescente), pois é medida que deve ser aplicada sempre e exclu­sivamente em benefício do filho menor” (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, p. 218)”.

Portanto, o objetivo do legislador ao tornar a guarda compartilhada a regra legal do direito de família brasileiro é garantir que o interesse dos filhos prevaleçam e sejam cumpridos tanto pelos genitores quanto pelo Poder Judiciário através de sua imposição pelo magistrado.

Através da guarda compartilhada, a participação dos genitores na criação dos filhos é ampliada e os tornam mais presentes na vida das crianças e adolescentes já que possuem mais obrigações e prerrogativas decorrentes da paternidade e maternidade, o que indiscutivelmente garante os direitos dos filhos, que não devem sofrer as consequências da dissolução do vínculo afetivo - o que acontecia na maioria dos casos em que um dos genitores deixava à cargo do outro os deveres de criação (DIAS, 2021).

Contudo, assim como toda matéria jurídica, a sua imposição não é absoluta. Nem sequer é unanime a interpretação de que somente a guarda compartilhada atende ao princípio do melhor interesse, ao passo que a sua fixação deve levar em consideração o caso concreto e o contexto ao qual a criança está inserida, posto que existem genitores que não conseguem manter um consenso após a ruptura do vínculo afetivo.

6 Guarda Compartilhada E A Ausência De Consenso Entre Os Genitores

Conforme explanado anteriormente, o princípio do melhor interesse do menor consagrado pela legislação brasileira é um fator levado em consideração pelo julgador ao determinar a fixação do regime de guarda a ser adotado após a dissolução do casamento ou da união estável dos genitores.

Ao dispor sobre a guarda compartilhada, o Código Civil expressamente determina a sua fixação quando os pais não entram em acordo e ambos possuem condições de serem os guardiões de seus filhos. Esse é o teor do parágrafo 2º do artigo. 1.584:

“§ 2 o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor. (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)(BRASIL. 2002)”.

Paulo Lobo, defensor da aplicação da guarda compartilhada, interpreta o dispositivo acima do seguinte modo:

“A guarda compartilhada é obrigatória, independentemente da concordância dos pais separados, sempre que houver conflito entre estes. Assim é porque inspirada e orientada pelo superior interesse da criança ou adolescente. Os interesses dos pais, diferentemente do que ocorria com a predominância anterior da guarda unilateral, não são mais decisivos (LOB0, 2021, p.88)”.

Dessa maneira, o que deve direcionar o julgador na escolhe sobre o regime de guarda a ser adotado é o interesse da criança e do adolescente, situação que permite a sua fixação mesmo quando os genitores não possuem uma relação harmoniosa em razão do término do casamento ou da união afetiva.

Seguindo essa linha interpretativa, é pacifico no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, via de regra, a falta de consenso entre os genitores não impede a fixação da guarda compartilhada justamente porque o que se preconiza é o interesse dos filhos e não o dos pais. Nesse sentido é o Aresto:

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. REGRA DO SISTEMA. ART. 1.584, §2º, DO CÓDIGO CIVIL. CONSENSO DOS GENITORES. DESNECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE RESIDÊNCIA DA CRIANÇA. POSSIBILIDADE. MELHOR INTERESSE DO MENOR. 1. A instituição da guarda compartilhada de filho não se sujeita à transigência dos genitores ou à existência de naturais desavenças entre cônjuges separados. 2. A guarda compartilhada é a regra no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposto no art. 1.584 do Código Civil, em face da redação estabelecida pelas Leis nºs 11.698/2008 e 13.058/2014, ressalvadas eventuais peculiaridades do caso concreto aptas a inviabilizar a sua implementação, porquanto às partes é concedida a possibilidade de demonstrar a existência de impedimento insuperável ao seu exercício, o que não ocorreu na hipótese dos autos. 3. Recurso especial provido. (STJ – Resp: 1591161 SE 2015/0048966-7, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BOAS CUEVA. Data de Julgamento: 21/02/2017, T3- TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/02/2017)”.

A princípio, deve se fixar a guarda compartilhada mesmo entre genitores que estão em dissenso pós o termino de seu relacionamento afetivo. Entretanto, há que se destacar que existe um limite a ser observado em relação aos conflitos entre os genitores para verificar se existem condições de compartilhar a guarda dos filhos.

“Na esmagadora maioria dos casos, quando não se afigura possível a celebração de um acordo, ou seja, uma solução madura e negociada, soa temerária a imposição estatal de um compartilhamento da guarda, pelo simples fato de que o mau relacionamento do casal, por si só, poderá colocar em risco a integridade dos filhos(GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2021, p. 218)”.

Desta feita, caso seja verificado que as desavenças extrapolam ao comum entre pais divorciados, deve-se optar por outro regime de guarda. Isto porque a situação de conflito não irá permitir a convivência sadia que a criança ou adolescente tem direito.

Presenciar embates entre seus genitores e ser um objeto de discussão de seus pais certamente irá prejudicar a formação do infante. Entende o STJ que, nesses casos, o melhor caminho é a fixação da guarda unilateral.

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. GUARDA COMPARTILHADA DE MENOR. IMPOSSIBILIDADE DE CONVIVÊNCIA HARMÔNICA ENTRE OS GENITORES. MELHOR INTERESSE DO FILHO. SUMULA N.7 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. 1. A guarda compartilhada entre pais separados deve ser interpretada como regra, cedendo quando os desentendimentos dos genitores ultrapassarem o mero dissenso, podendo interferir em prejuízo da formação e do saudável desenvolvimento da criança. 2. O recurso especial não comporta exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático dos autos (Súmula n.7 do STJ). 3. No caso concreto, o Tribunal de origem analisou as provas contidas no processo para concluir que a guarda compartilhada não atende ao melhor interesse do menor. Alterar esse entendimento demandaria reexame do conjunto probatório do feito, vedado em recurso especial. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ – AgInt no REsp: 1688690 DF 2017/0185629-0, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 15/10/2019, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2019)”.

Assim sendo, quando se verificar que os conflitos sejam maiores do que meros dissensos entre os genitores, a regra da guarda compartilhada prevista no artigo 1.584 é afastada para ser aplicada a guarda unilateral. Essa determinação também é fixada com base no princípio do melhor interesse da criança do adolescente, isto é, para assegurar seus direitos fundamentais de pessoa em fase de formação.

Para melhor compreensão, segue a decisão proferida recentemente pelo STJ:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. FAMÍLIA. PRETENSÃO DE ADOÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA DOS FILHOS MENORES. ACÓRDÃO RECORRIDO QUE, COM BASE NOS ELEMENTOS E PROVAS CONSTANTES DOS AUTOS, CONCLUIU QUE A GUARDA COMPARTILHADA NÃO ATENDE O MELHOR INTERESSE DOS FILHOS. IMPOSSIBILDIADE DE REVISÃO NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. VEDAÇÃO. SÚMULA Nº 7 DO STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL INVIABILIZADO EM RAZÃO DO ÓBICE SUMULAR. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Esta eg. Corte Superior já decidiu que a guarda compartilhada dos filhos é o ideal a ser buscado no exercício do poder familiar, na medida em que a lei foi criada com o propósito de pai e mãe deixarem as desavenças de lado, em nome de um bem maior, qual seja, o bem-estar deles. 2.1. Contudo, a questão envolvendo a guarda de menores não pode ser resolvida somente no campo legal, devendo também ser examinada sob o viés constitucional, consubstanciado na observância do princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, previsto no art. 227 da CF, que também deve ser respeitado pelo magistrado, garantindo-lhe a proteção integral, que não podem ser vistos como objeto, mas sim como sujeitos de direito. 2.2. Em situações excepcionais e, em observância ao referido princípio, a guarda compartilhada não é recomendada, devendo ser indeferida ou postergada, como nos casos em que as condutas conturbadas e o alto grau de beligerância entre os seus genitores ao longo do processo de guarda não observam o melhor interesse dos filhos. 3. No caso dos autos, as instâncias ordinárias concluíram pela inviabilidade da instituição da guarda compartilhada não apenas em virtude da intransigência dos genitores das crianças, mas porque as circunstâncias do caso e a dinâmica familiar indicaram que aquele instituto não atenderia, pelo menos naquele momento, o melhor interesse dos infantes. Alterar tal entendimento demandaria o reexame do conjunto fático-probatório dos autos, providência vedada em recurso especial, a teor da Súmula nº 7 do STJ. 4. Impossível a análise da divergência jurisprudencial quando a comprovação do alegado dissenso reclama consideração sobre a situação fática própria de cada julgamento, o que não é possível de se realizar nesta via especial, por força da Súmula nº 7 desta Corte. Precedentes. 5. Agravo interno não provido. (STJ – AgInt no REsp: 1808964 SP 2019/0103267-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 09/03/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/03/2020)”.

Portanto, o fundamento que sempre irá nortear a decisão do julgador é a busca pelo melhor interesse da criança e do adolescente. Quando a convivência dos genitores mostrar-se prejudicial ao menor, o magistrado deverá optar pela fixação da guarda unilateral.

Nessa situação, “a guarda unilateral deve ser outorgada àquele que reunir melhores condições para exercê-la” (PEREIRA, 2021, p. 693). Mesmo nessa situação, fica resguardado ao genitor não guardião o direito ao convívio e o dever de fiscalizar sua criação e formação, conforme dispõe os artigos 1.583 e 1.589 do Código Civil.

Portanto, conclui-se que a guarda compartilhada foi regulamentada com o propósito de resguardar e assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente, podendo ser fixada entre genitores que residem em locais diferentes e em dissenso, situação que somente é afasta em situações extremas, mediante a comprovação de que sua fixação não beneficiaria a formação do menor, sujeito que é protagonista da discussão e que deve ser priorizado pelos pais e pelo Estado enquanto Poder Judiciário.

Considerações Finais

O rompimento de um relacionamento afetivo influencia a vida das pessoas envolvidas com o ex-casal. Isto porque a convivência sofre uma drástica modificação e atinge substancialmente os filhos frutos da relação.

Para proteger os filhos, a legislação brasileira tratou de regulamentar o instituto da guarda, uma vez que os direitos e deveres decorrentes do parentesco e da filiação não se extingue com a ruptura do casamento ou da união estável.

Por anos, a fixação da guarda dos filhos acabava sendo estipulada de forma unilateral, restando ao genitor não guardião uma participação menor, com direito à regulamentação de visitas. Ocorre que, com o passar do tempo, observou-se que seria devida a participação igualitária na vida e criação dos infantes.

Desde o ano de 2014 que a guarda compartilhada ganhou visibilidade no ordenamento jurídico brasileiro, a medida que passou a ser fixada, via de regra, diante da separação dos pais, caso não haja acordo prévio diverso e ambos os genitores tenham condições de exercê-la.

Caracterizada pela responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe, a guarda compartilhada mantem o poder familiar de ambos os genitores e assegura a divisão equilibrada do tempo de convívio com os filhos, sempre observando as condições fáticas e os interesses dos filhos.

O fundamento dessa reforma legislativa é o atendimento do melhor interesse das crianças e dos adolescentes, isto é, para preservar e assegurar ao filho direito ao convívio com seu genitor de forma mais ampla e participativa.

Após desenvolvido o estudo foi possível concluir que a guarda compartilhada é a modalidade legal que melhor atende ao melhor interesse dos filhos, haja vista que os direitos das crianças e adolescentes ao convívio dos genitores sobrepõem-se aos dos pais, que podem compartilhar a guarda mesmo em situações de dissenso.

Todavia, as decisões jurisprudenciais apontaram que não existe impedimento ao afastamento desta regra legal quando verificado que o compartilhamento acaba por prejudicar o crescimento do menor em razão de conflitos familiares que excedem ao natural. Nessas situações, o melhor interesse deve prevalecer com a fixação de regime diverso da regra contida no §2º do artigo 1.058 do Código Civil.

O melhor interesse da criança e do adolescente é o princípio que deve nortear sempre as decisões dos Julgadores, pois, caso contrário, a modalidade fixada deverá ser alterada para atender ao menor, indivíduo em formação que tem sua proteção integral estabelecida pelo ordenamento jurídico brasileiro.


Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 mar. 2021.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 08 mar. 2021.

BRASIL. Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Altera os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para estabelecer o significado da expressão “guarda compartilhada” e dispor sobre sua aplicação. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm. Acesso em: 04 abr. 2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ – AgInt no REsp: 1688690 DF 2017/0185629-0, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 15/10/2019, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/10/2019. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/859671953/agravo-interno-no-recurso-especial-agint-no-resp-1688690-df-2017-0185629-0. Acesso em: 07 abr. 2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ – AgInt no REsp: 1808964 SP 2019/0103267-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 09/03/2020, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/03/2020. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/857230984/agravo-interno-no-recurso-especial-agint-no-resp-1808964-sp-2019-0103267-0. Acesso em: 04 abr. 2021.

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DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. – 14. Ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2021.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil – direito de família – vol. 6. – 11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

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LOBO, Paulo. Direito civil – volume 5: famílias. (e- book)– 11 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021.

NUCCI, Guilherme de Souza. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 5ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias – 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.

Sobre os autores
Vanuza Pires da Costa

Mestranda em Direito na Era Digital pelo UNIVEM. Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Professora no Curso de Direito da UNIRG e Faculdade UNEST. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Vanuza Pires; LANDIN, Débora Milhomem Paes. Guarda compartilhada: a busca pelo interesse do menor e o dissenso entre os genitores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6752, 26 dez. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90637. Acesso em: 21 nov. 2024.

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