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A divisão de despesas condominiais e o enriquecimento sem causa:

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Análise das leis nº 4.591/94 e Código Civil de 2002 na formação dos condomínios

Como já observado pela doutrina, a convenção de condomínio trata das despesas do condomínio, sendo que estas mesmas podem ser rateadas por fração ideal ou pelo número de propriedades existentes em cada empreendimento.

Desta forma, conforme disposto no art. 1336. do Código Civil (BRASIL, 2002), o critério de rateio será o previsto na convenção de condomínio, sendo que, em caso de omissão, será realizado o cálculo proporcionalmente à fração ideal de cada condômino.

Assim, por exemplo, se o apartamento da cobertura é duplex e a ele corresponde fração ideal nas partes comuns do edifício superior às dos demais andares, também será proporcionalmente maior a contribuição condominial devida pelo seu proprietário.

Se, por um lado, entende-se como justo o cálculo pela fração ideal, uma vez que os condôminos usam as partes comuns de modo diferenciado, tem-se, em contrapartida, o problema que decorre da exata da medição exata desse uso, para melhor refleti-lo no valor da contribuição, o que, na prática, nem sempre se mostra viável.

Destarte, há que defenda que, nem sempre, tal divisão é justa com aqueles que habitam o empreendimento, uma vez que é possível que unidades-tipo (padrão) apresentem o dobro de moradores de unidades superiores com área de cobertura.

Em pesquisa mencionada em reportagem jornalística15, realizada junto a cerca de dois mil condomínios, os maiores gastos, não necessariamente nesta ordem, ficaram assim divididos:

Tabela 1 – Percentual de gastos

Descrição do Gasto

Percentual

Funcionários

37,33%

Despesas fixas

31,06%

Contratos

19,96%

Fundo de reserva

3,46%

Administrativo

2,78%

Manutenção

2,68%

Aquisição

1,55%

Material de uso

0,97%

Locação

0,13%

Seguro predial

0,09%

Fonte: Gazeta do Povo

Tabela 2 – Percentual de gastos por maior despesa

Descrição

Percentual Gasto

Água

84,10%

Gás

11,56%

Luz

4,25%

TELEFONIA

0,09%

Fonte: Gazeta do Povo

O professor e Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG, Kênio de Souza Pereira (2013), curiosamente classifica a diferença de cobrança entre as unidades tipo e cobertura como “Taxa da inveja”. Para o douto professor, há um erro quanto à interpretação de que o valor de condomínio reflete uma relação de consumo ou que, por ser maior, um determinado apartamento apresentará maior representação nos gastos:

Alguns entendem que o seu proprietário tem mais status, sendo que há quem alega ainda que, por receber mais sol e ter o terraço, tem que pagar maior taxa de condomínio, como se o seu proprietário não tivesse pago a mais pela compra, e sim ganhado essa unidade maior num sorteio entre todos os adquirentes do edifício. Muitos confundem taxa de condomínio, com o mesmo critério do Imposto de Renda, situação bem diversa, pois neste caso quem tem rendimento maior é tributado com a alíquota mais elevada. Há ainda, outros que confundem taxa de condomínio como se fosse IPTU, o qual já é pago em valor mais alto todos os anos, pois tem como base, o valor patrimonial do imóvel, o qual não tem nenhuma relação com os valores das despesas das áreas comuns do condomínio. A taxa condominial decorre de uma contraprestação de serviços das áreas comuns e não pode ser cobrada como se fosse imposto, que incide sobre o valor do patrimônio ou da renda da pessoa16.

O mesmo autor explica que, quando o art. 1.336. do Código Civil enuncia que os condôminos devem concorrer para as despesas de condomínio, parte da premissa de que todos eles se servem das partes e coisas comuns. O autor também reforça que o cálculo da taxa de condomínio não é embasado em conhecimento matemático e que isto dificulta a correta aplicação da divisão condominial:

Alguns engenheiros que são nomeados como peritos pelos juízes para fazer a perícia que elucida as dúvidas sobre a criação e aplicabilidade da fração ideal e como são gerados os custos que compõe a taxa de condomínio, alegam que o maior desafio para compreender o assunto é o raciocínio matemático que não tem sido intensificado. Conforme o relatório “De Olho nas Metas”, divulgado pelo movimento “Todos pela Educação”, baseado nos dados do resultado Prova Brasil/Saeb/2011, que afirma que somente 10,3% dos jovens brasileiros têm aprendizado adequado em matemática ao fim do ensino médio e que apenas 29,2% aprenderam adequadamente a língua portuguesa17.


A DIVISÃO DE DESPESAS CONDOMINIAIS E O ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

Como já apresentado nos capítulos anteriores, nos condomínios há despesas ordinárias e extraordinárias, que são definidas durante a realização das assembleias gerais dos condôminos.

Ocorre que, conforme dispõe o texto legal, determina a convenção condominial qual será o orçamento do ano, mas não dá a liberdade aos condôminos para decidir qual a melhor forma de arrecadação dos valores aprovados, gerando, assim, o pagamento a maior, por alguns que utilizam do mesmo serviço, mas possuem unidades com maior metragem.

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Considere-se a seguinte situação: um prédio, com 10 apartamentos, conta com quatro funcionários e serviços de portaria 24 horas. O valor pago por este serviço, conforme convenção condominial, deriva proporcionalmente do tamanho de cada unidade. Em exemplos práticos, segue a divisão, conforme a tabela abaixo.

Tabela 3 – Frações ideais de apartamentos

Apartamento

Metragem

101

0,100

102

0,100

103

0,046

104

0,046

201

0,046

202

0,046

301

0,220

302

0,396

Os apartamentos 101 e 102 são áreas privativas e os 301 e 302 são coberturas, sendo que uma cobertura é maior que a outra. Logo, por possuírem metragem maior, pagam quase o dobro do valor das unidades menores.

O serviço de portaria custa, mensalmente, R$ 10.000,00, de forma que ficaria, assim, a cobrança por fração ideal:

Tabela 4 – Taxas de condomínio de cada unidade (fração ideal)

Apartamento

Valor Pago

101

R$ 1.000,00

102

R$ 1.000,00

103

R$ 460,00

104

R$ 460,00

201

R$ 460,00

202

R$ 460,00

301

R$ 2.200,00

302

R$ 3.960,00

É entendimento do art. 12. da Lei nº 4.591/64 (BRASIL, 1964) de que é obrigação de cada condômino arcar com as despesas condominiais, na proporção de sua quota-parte.

A fixação da quota no rateio corresponde à fração ideal de terreno de cada unidade, caso a convenção condominial não disponha em contrário, observando as formalidades legais, a isonomia e evitando o enriquecimento sem causa. O sentido desta regra não permite a vantagem sobre outrem, como expressa o art. 884. do Código Civil, ao não compactuar com este tipo de situação:

Art. 884. - Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Parágrafo único - Se o enriquecimento tiver por objeto coisa determinada, quem a recebeu é obrigado a restitui-la, e, se a coisa não mais subsistir, a restituição se fará pelo valor do bem na época em que foi exigido. (BRASIL, 2002)

A reflexão do tema é feita por Sílvio Venosa (apud ARAGÃO, p. 240, 2007) da seguinte forma:

É frequente que uma parte se enriqueça, isto é, tenha um aumento patrimonial, em detrimento de outra. Aliás, no campo dos contratos unilaterais é isso que precisamente ocorre. Contudo, como vemos, na maioria das vezes, esse aumento patrimonial, esse enriquecimento, provém de uma justa causa, de um ato jurídico válido, tal como uma doação, um legado. Todavia, pode ocorrer que esse enriquecimento, ora decantado, opere-se sem fundamento, sem causa jurídica, desprovido de conteúdo jurígeno, ou, para se aplicar a terminologia do direito tributário, sem fato gerador. Alguém efetua um pagamento de dívida inexistente, ou paga dívida a quem não é seu credor, ou constrói sobre o terreno de outrem. Tais situações, como vemos englobando o pagamento indevido, configuram um enriquecimento sem causa, injusto, imoral e, invariavelmente, contrário ao direito, ainda que somente sob aspecto da equidade ou dos princípios gerais de direito. Nas situações sob enfoque, é curial que ocorra um desequilíbrio patrimonial. Um patrimônio aumentou em detrimento de outro, sem base jurídica. A função primordial do direito é justamente manter o equilíbrio social, como fenômeno de adequação social18.

Venosa reforça, portanto, o entendimento de que existe enriquecimento injusto sempre que houver uma vantagem de cunho econômico em detrimento de outrem, sem justa causa.


O rateio de despesas de condomínio sob o prisma dos tribunais pátrios

Tão ampla é a discussão sobre a melhor forma de ratear as despesas de um condomínio, que seu entendimento não é pacífico na jurisprudência pátria.

O Superior Tribunal de Justiça, ao se pronunciar sobre o tema, confirmou o rateio de despesas de forma igualitária, por meio do Recurso Especial nº 541.317-RS (2003/0064425-4).

A questão foi levada ao referido tribunal em ação proposta por uma condômina de apartamento com menor metragem, tendo como causa de pedir a alegação de que pagar taxa condominial igual à paga pelas unidades de maior tamanho acarretaria enriquecimento ilícito por parte daquelas unidades, já que estas possuíam tamanho maio.

No julgamento acima citado, o STJ foi contrário a este entendimento e negou provimento ao recurso da autora com o base nos seguintes argumentos:

A assembleia dos condôminos é livre para estipular a forma adequada de fixação da quota dos condôminos, desde que obedecidos os requisitos formais, preservada a isonomia e descaracterizado o enriquecimento ilícito de alguns condôminos. O rateio igualitário das despesas condominiais não implica, por si só, enriquecimento sem causa dos proprietários de maior fração ideal. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (STJ, 2003).

Segundo o entendimento de alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça, devem ser aplicados, portanto, os princípios que informam as normas positivas. Senão, vejamos:

A interpretação das leis é obra de raciocínio, mas também de sabedoria e bom senso, não podendo o julgador ater-se exclusivamente aos vocábulos, mas sim, aplicar os princípios que informam as normas positivas (STJ, 1990).

Se a interpretação por critérios tradicionais conduzir à injustiça, incoerência ou contradição, recomenda-se buscar o sentido equitativo, lógico e de acordo com o sentimento geral (STJ, 1994).

Um exemplo de julgamento sobre o pagamento de taxas maiores por unidades que possuem metragem maior do que as demais, e bastante utilizado para explicar que a taxa por fração é ilegal, foi o Recurso Especial nº 1.104.352-MG (2008/0256572-9). Neste recurso, o STJ não julgou a questão da cobrança, por erro na regularidade do recurso, mas fez referência à decisão do tribunal inferior quanto à matéria:

O Tribunal de origem fundou seu convencimento na impossibilidade de enriquecimento ilícito - art. 884. do Código Civil -, uma vez que a área maior do apartamento do autor da ação não onera a mais os demais condôminos, verbais (fls.349/351, e-STJ):

No caso dos autos, a soberania da assembleia geral não autoriza que se locupletem os demais apartamentos pelo simples e singelo fato de o apartamento do autor possuir uma área maior, já que tal fato, por si só não aumenta a despesa do condomínio, não confere ao proprietário maior benefício do que os demais e finalmente, a área maior não prejudica os demais condôminos. Essa prova foi produzida pelo apelante na perícia.

[...]

A cobrança de rateio de despesas de condomínio de unidade com fração ideal maior, sem se observar princípio do proveito efetivo revela enriquecimento sem causa abominado pelo artigo 884 do Código Civil. O pedido do apelante procede. Procede também o pedido de devolução do que ultrapassou o devido a ser custeado pelo apelado mediante contribuições dos demais condôminos em favor do apelante. De fato, dispõe o art. 884. do Código Civil que aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. O condômino a quem foi cobrado e pagou além do devido tem direito à restituição do indébito custeado pelo condomínio, ficando isento de participar do rateio.

Contudo, a insurgente deixou de impugnar tal fundamento do aresto hostilizado. Desse modo, existindo fundamento autônomo e suficiente que possibilita a manutenção do aresto hostilizado, a ausência de sua impugnação impede a modificação do julgado, como preceituado na Súmula n. 283. do STF: É inadmissível o recurso extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles” (BRASIL, 2013)19.

Em outra decisão do STJ, baseada no inciso I do art. 1.336. do Código Civil, negou-se provimento ao recurso de proprietários de uma cobertura que questionavam a obrigação de pagar a taxa de condomínio e as despesas extras em dobro. O Ministro Villas Bôas Cueva, então relator, abordou que é dever do condômino contribuir para as despesas do condomínio na proporção da fração ideal, salvo disposição diferente na convenção, dada a opção legislativa, onde, em regra, a divisão do valor da taxa condominial se dá com base na fração ideal da unidade imobiliária, podendo a convenção estabelecer de maneira diversa, ou seja, se a convenção estipula o rateio das despesas com base na fração ideal, não há violação de lei federal:

RECURSO ESPECIAL. CONDOMÍNIO. CONVENÇÃO. DESPESAS ORDINÁRIAS. APARTAMENTOS EM COBERTURA. RATEIO. FRAÇÃO IDEAL. ART. 1.336, I, DO CC/2002. REGRA. LEGALIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a definir se a convenção condominial pode instituir, para unidades de apartamentos em coberturas, o pagamento de taxa com base na proporção da fração ideal. 3. A taxa condominial destina-se ao pagamento das despesas de conservação e/ou manutenção do edifício, como limpeza, funcionamento dos elevadores, contratação de empregados, consumo de água e de luz, bem como para possibilitar a realização de obra ou inovações aprovadas pela assembleia geral e pagar eventuais indenizações, tributos, seguros etc. 4. A divisão do valor da taxa condominial se dá com base na fração ideal da unidade imobiliária, podendo a convenção estabelecer forma diversa (art. 1.336, I, do CC/2002). Precedentes. 5. As unidades imobiliárias com fração ideal maior pagarão taxa condominial em valor superior às demais unidades com frações menores, salvo previsão contrária na convenção. 6. Não há ilegalidade no pagamento a maior de taxa condominial por apartamentos em cobertura decorrente da fração ideal do imóvel. 7. Na hipótese, a norma que estabelece o pagamento de cota condominial ordinária é a prevista no art. 3º da Convenção do Condomínio Edifício Torre Blanca, cuja base de rateio despesas é a fração ideal do imóvel. 8. Recurso especial não provido. (STJ, 2020)20.

Observa-se, no entanto, que vários proprietários recorrem à justiça, uma vez que nem sempre é tarefa simples convencer condôminos que pagam menores taxas de que o pagamento igualitário é o correto a todos.

Em 2009, o então deputado André Quintão propôs o projeto de Lei nº 5.252, que propunha a fixação da cota de condomínio igual entre todas as unidades e limitava a cobrança em 30% a mais, para as unidades maiores.

O projeto de lei foi reprovado, sob o argumento que a lei atual é justa e de que a divisão deve ocorrer proporcionalmente ao tamanho do apartamento.

Assim, permanece aplicado o entendimento corrente, qual seja, o de se respeitar o que consta em convenção condominial, mesmo que esta não seja a única forma de solucionar as divergências, vez que, conforme entendimento predominante da jurisprudência, a convenção é pensada antes da construção e da instalação do condomínio, mas, no entanto, pode ser modificada pelos futuros proprietários, quando entenderem que a proposta não reflete a realidade implantada no condomínio.

Sobre os autores
Ester Carolyne da Silva Reis

Graduada em direito pelo Centro Universitário Una.

Gustavo Junio Moraes de Aquino

Empresário, estudante de direito, graduado em Engenharia de Software pelo Centro Universitário Una, pós graduado em Gestão Estratégica de Processo de Negócios pela PUC-MG e em Gestão de Negócios com Ênfase em Finanças pela Fundação Dom Cabral.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REIS, Ester Carolyne Silva; AQUINO, Gustavo Junio Moraes. A divisão de despesas condominiais e o enriquecimento sem causa:: Rateio por fração ideal ou por unidade condominial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6563, 20 jun. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91120. Acesso em: 26 dez. 2024.

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