IV – INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO, UMA AFRONTA AO SISTEMA ACUSATÓRIO DE MAIS INSTITUTOS
Ao estabelecer o Sistema Acusatório, a legislação passou a separar as funções de cada parte que integra o sistema de Justiça. No que diz respeito ao Ministério Público e a discricionariedade mitigada para decidir sobre questões que envolvem a ação penal e demais questões relativas à titularidade da ação penal.
O Acordo de Não Persecução Penal, introduzido pela lei 13.964/2019, estabelece as funções de cada integrante da relação processual. No que concerne ao Judiciário foi estabelecido que cabe apenas o controle de legalidade vinculado ao dispositivo. Segue:
Art. 28. (...)
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.
No ANPP são ajustadas condições de natureza negocial ao investigado de forma voluntário e consciente junto ao Ministério Público, feito esses apontamentos será citada o Enunciado nº 25, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG):
“O acordo de não persecução penal não impõe penas, mas somente estabelece direitos e obrigações de natureza negocial e as medidas acordadas voluntariamente pelas partes não produzirão quaisquer efeitos daí decorrentes, incluindo a reincidência.”
Neste momento é de extrema importância destacar que o mérito/conteúdo do referido acordo compete exclusivamente ou Ministério Público (art. 28-A, § 5º, do CPP). Ao Juiz restringe á análise sobre voluntariedade de que o investigado aceitou de forma consciente, sem coação ou induzido a erro, fazendo o controle de legalidade.
Contudo, este controle não permite o magistrado fazer um juízo de conveniência das cláusulas estabelecidas no acordo, visto que não se tratando de cláusula abusiva (Inconstitucional) não poderá o magistrado recursar-se de homologar o acordo por questões de não concordância com o objeto de determinada cláusula.
O Ministro Luiz Fux, em decisão liminar na ADI n° 6298, pode descrever a atuação do magistrado quando se deparar com uma propositura de acordo de não persecução penal. Segue:
(d) Artigo 28-A, inciso III e IV, e §§§ 5°, 7°, 8º do Código de Processo Penal (Acordo de Não Persecução Penal):
(d1) A possibilidade de o juiz controlar a legalidade do acordo de não persecução penal prestigia o sistema de “freios e contrapesos” no processo penal e não interfere na autonomia do membro do Ministério Público (órgão acusador, por essência);
(d2) O magistrado não pode intervir na redação final da proposta de acordo de não persecução penal de modo a estabelecer as suas cláusulas. Ao revés, o juiz poderá (a) não homologar o acordo ou (b) devolver os autos para que o parquet – de fato, o legitimado constitucional para a elaboração do acordo – apresente nova proposta ou analise a necessidade de complementar as investigações ou de oferecer denúncia, se for o caso; (Grifo nosso)
Quanto a este contexto o Enunciado nº 24, do Grupo Nacional de Coordenadores de Centro de Apoio Criminal (GNCCRIM), do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), explana que:
“A homologação do acordo de não persecução penal, a ser realizada pelo juiz competente, é ato judicial de natureza declaratória, cujo conteúdo analisará apenas a voluntariedade e a legalidade da medida, não cabendo ao magistrado proceder a um juízo quanto ao mérito/conteúdo do acordo, sob pena de afronta ao princípio da imparcialidade, atributo que lhe é indispensável no sistema acusatório.”
O magistrado, como um órgão equidistante, deve-se manter integro quanto aos princípios e regras que norteiam o exercício judicante. No que concerne ao Acordo de Não Persecução Penal, o magistrado deverá manter-se distante quanto ao protagonismo da celebração do acordo cabendo apenas analisar os pressupostos de legalidade e voluntariedade como uma garantia do investigado, sob pena de violar a imparcialidade.
A exemplo do exposto acima, o Tribunal Regional Federal da 2° Região julgou um recurso criminal em sentido estrito n° 5002580-30.2020.4.02.5106 pela qual foi interposto pelo Ministério Público Federal e o investigado em razão da não homologação do magistrado A quo. Segue:
Penal. Processual penal. Recurso em sentido estrito. Acordo de não persecução penal no âmbito de ipl (art. 28-a do cpp). Cláusulas acordadas proporcionais e adequadas. Inexistência de ilegalidade ou abuso. Provimento dos recursos.
1. Hipótese em que o ministério público federal ofereceu acordo de não persecução penal ao investigado, que o aceitou formalmente, porém não homologado pelo juízo a quo por entender que as condições estabelecidas em algumas cláusulas do acordo não cumprem os requisitos estabelecidos no inciso iv, do art. 28-a, do cpp.
2. A reforma da legislação processual permite ao poder judiciário observar os aspectos objetivos da legalidade e voluntariedade do acordo, sem que, contudo, o juiz possa intervir no conteúdo da negociação entre as partes envolvidas. Não obstante, a decisão atacada não se encontra suficientemente fundamentada de forma a justificar a intervenção.
3. Preenchidos todos os requisitos para celebração do acordo, sendo proporcional e adequado ao caso, e não havendo cláusula abusiva ou ilegal, deve o mesmo ser homologado nos termos em que avençado pelas partes.
4. Provimento dos recursos em sentido estrito interpostos. (Grifo Nosso).
O Desembargador cujo o voto foi acolhido pelos demais que compunham a turma (unanime) fez constar no seu voto qual a função do magistrado em se deparar com um acordo celebrado entre as partes. Segue trecho:
“Desta forma, estabelecidas as condições a serem fielmente cumpridas pelo investigado e, obviamente, preenchidos os requisitos mínimos para a propositura do acordo, confere-se ao Juiz, com a oitiva do compromissário e de seu advogado, em audiência solene para esse fim, a possibilidade de analisar os termos do acordo, do ponto de vista da legalidade e, também, da voluntariedade.
Desta forma, a decisão do juiz é um ato homologatório, de natureza integrativa do negócio jurídico, e que tem a função de garantia da legalidade e da legitimidade da avença, permitindo que ela passe a surtir seus efeitos jurídicos, passe a ter eficácia.”
Sendo assim, o judiciário caminha para reafirmar as funções que deverão ser desempenhadas pelos que compõe a relação processual, bem como reforçar o que a norma processual expõe para que não se tenha equívocos pelas partes.
V – CONCLUSÃO
Em virtude dos fatos mencionados acerca do Acordo de Não Persecução Penal, a luz da legislação e jurisprudenciais, podemos concluir que houve uma transformação pela qual o Sistema Acusatório passou ter mais espaço no Sistema de Justiça brasileiro.
A Constituição Federal impõe à administração pública princípios explícitos que visão a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, Caput), bem como outros que norteiam o Poder Judiciário pelas quais os órgãos que o compõe estão submetidos a Constituição Federal.
Com estes avanços, o Sistema de Justiça Criminal brasileiro tende a se tornar efetivo e o resultado poderá ser diverso do que atualmente se tem, considerando a vasta reincidências daqueles que já estiveram encarcerados.
O Acordo de não persecução penal poderá viabilizar o sistema de justiça criminal, além dos benefícios em favor da sociedade. Contudo, considerando a discricionariedade mitigada que compete ao Ministério Público, não se trata de um direito líquido e certo, podendo o titular da ação penal optar por prosseguir com a persecução penal em casos que não será atingido o objetivo da normal processual penal.
O Judiciário exercerá a função de controle de legalidade, visto que para que se obtenha um acordo o investigado deverá preencher os requisitos objetivos estabelecidos pela norma processual penal, bem como deverá manifestar para o magistrado que não há vícios relacionados a legalidade e/ou voluntariedade para celebrar o acordo.
A função do magistrado será essencial na composição consensual, visto que deverá exercer o controle de legalidade do acordo. Exaltando os princípios e regras que norteiam o exercício judicante, o magistrado não poderá transpassar o limite estabelecido pela norma processual penal e se limitará ao controle de legalidade.
O Ministério Público, por sua vez, assume o protagonismo junto à parte investigada com a intenção de estabelecer cláusulas que visam dar fim um litigio, mas que sejam suficientes para reprovação e prevenção do crime, pois, o acordo estabelecerá cláusulas de acordo com a legislação processual penal bem como cláusulas que poderão atingir o objetivo estabelecido pelo Art. 28-A do Código de Processo Penal.
Todavia, o Ministério Público poderá exercer a faculdade na propositura ou não do acordo desde que a decisão de recusa ou não propositura do acordo seja fundamentada. Em eventual recusa da propositura do acordo de não persecução penal, a parte interessada poderá ingressar com um recurso administrativo com destino aos órgãos de controle da atividade-fim (O Procurador-Geral ou as Câmaras de Revisões), exercendo o direito do duplo grau de jurisdição e respeitados os princípios que norteiam o processo administrativo conforme dispõe a Constituição Federal.
VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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