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Agravo de instrumento:

análise dos pressupostos necessários para suspender imediatamente a decisão proferida pelo juízo "a quo", que defere medida liminar

Agenda 07/11/2006 às 00:00

1. Introdução.

Para o deferimento do pedido de liminar (antecipatório ou acautelatório), basta que estejam preenchidos os requisitos autorizadores previstos nos artigos 273 ou 798, ambos do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

Todavia, mostra-se muito mais complexo obter do Tribunal "ad quem" a suspensão imediata da decisão liminar. É que, para tanto, a parte recorrente deve, além de demonstrar que o pleito da parte recorrida não preenchia os requisitos legais para sua concessão, deve ainda demonstrar o preenchimento de vários outros requisitos (previstos nos artigos 522 e 558 do CPC).

Mostrar-se-á, pois, que a interposição de agravo de instrumento para suspensão imediata de decisão que concede o pedido de liminar deve ser analisada de maneira temperada, de modo a não impor um ônus injustificável para a parte contra a qual aquele foi deferido.


2. Medidas liminares.

Em princípio, é de bom alvitre destacar que tanto a tutela antecipada como a tutela acautelatória são decisões judiciais liminares (tutelas de urgência), que não têm caráter de definitividade, pois, em última análise, dependem necessariamente da decisão final que vier a ser proferida [01].

Entretanto, há algumas diferenças entre as referidas tutelas, sendo a principal a de que a tutela antecipada tem por escopo conceder o bem de vida que se objetiva com a pretensão deduzida em juízo, enquanto que a concessão de tutela acautelatória tem por objetivo o de resguardar a situação das partes até a solução final do litígio.

Neste rumo, a concessão de medida liminar é admissível em qualquer instância ou fase em que se encontra o litígio colocado ao conhecimento do Poder Judiciário, mormente durante a tramitação do processo de conhecimento [02]. Até porque, não sendo este o entendimento tido como acertado, estar-se-ia fulminando a efetivação do direito subjetivo das partes com prejuízo da prestação jurisdicional adequada garantida constitucionalmente (art. 5º, XXXV, da CONSTITUIÇÃO FEDERAL) [03].

Inclusive, é bom que se diga, o acesso ao Poder Judiciário somente estará garantido se a prestação jurisdicional for efetiva, tempestiva e adequada, pautando-se para tanto em medidas de cognição sumária que, caso não sejam adotadas, poderão frustrar a prestação jurisdicional.

Urge evidenciar, também, a preocupação pelo Legislador Constituinte pela efetividade da prestação jurisdicional ao incluir ao art. 5º da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, a partir da EMENDA CONSTITUCIONAL n.º 45, o inciso LXXVIII, que proclama que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Neste diapasão, os diversos pretórios pátrios, especialmente representados pelo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, têm adotado pergaminho que trilha esta senda, homenageando, pois, a efetivação jurisdicional. De fato, segundo aquela Corte, "deve o magistrado, para apuração correta na antecipação dos efeitos de uma medida judicial, aplicar o chamado princípio da proporcionalidade, onde se vislumbra, de um lado, a efetividade do provimento, com acesso eficaz às prestações jurisdicionais [04]".

Com relação às tutelas acautelatórias, o STJ firma que "o poder geral de cautela há de ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se aí a garantia da efetividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclusive as liminares inaudita altera pars) é fundamental para o próprio exercício da função jurisdicional, que não deve encontrar obstáculos, salvo no ordenamento jurídico [05]".

Sendo assim, tem-se a ilação que, qualquer lei que ouse regular o abominável impedimento (impossibilidade de deferimento de medida liminar em qualquer instância e grau de jurisdição) é passível de ser declarada inconstitucional.


3. Processamento do recurso de agravo.

Com relação ao processamento do recurso de agravo, tem-se que a sua sistemática de admissibilidade e processamento sofreu significantes modificações com o advento da Lei n.º 11.187/05, a qual passou a viger no dia 19.01.06, alterando substancialmente o art. 522 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.

O novel dispositivo legal preconiza que "das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento".

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Portanto, urge concluir que a regra procedimental passa ser a do agravo na modalidade RETIDA. Excepciona-se a interposição na modalidade de INSTRUMENTO em situações em que a decisão recorrida: a) puder causar grave lesão e de difícil reparação ao direito da parte recorrente; b) tratar de inadmissão de apelação ou de atribuição aos efeitos em que a apelação é recebida [06].

Por outro lado, o agravo de instrumento, quando recebido e processado no Tribunal "ad quem", em regra, possui apenas efeito devolutivo. Todavia, o legislador, através do art. 558, do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, outorgou ao relator a possibilidade de conceder efeito suspensivo nos casos de: a) prisão civil; b) adjudicação de bens; c) remissão de bens; d) levantamento de dinheiro sem caução idônea; e) em que possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação.

Em conseqüência, para que a parte recorrente possa suspender imediatamente os efeitos da decisão liminar proferida pelo Juízo de primeira instância, é imprescindível que a mesma atenda, de logo, aos requisitos para que o agravo seja processado na modalidade de instrumento, bem como para que lhe seja atribuído efeito suspensivo.


4. Análise crítica.

Pelo que foi expendido, há uma incoerência processual. Para a concessão das medidas liminares é necessário: 1) tratando-se de tutela antecipada, que estejam preenchidos os pressupostos previstos no art. 273 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, quais sejam: a) plausibilidade do direito perseguido; b) risco de dano decorrente da demora da prestação jurisdicional; c) reversibilidade da medida; 2) tratando-se de tutela acautelatória, que estejam preenchidos os requisitos dispostos no art. 798 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, são eles: a) plausibilidade do direito perseguido; b) risco de dano decorrente da demora da prestação jurisdicional.

Acontece que, para a suspensão imediata (através de atribuição de efeito suspensivo em recurso de agravo de instrumento) do provimento jurisdicional que concede a liminar requerida segundo os preceitos legais atinentes à espécie, é imprescindível que a parte recorrente, além de demonstrar que não restaram preenchidos os requisitos autorizadores para o deferimento do pleito de cognição sumária, preencher os requisitos autorizadores para o conhecimento do recurso de agravo na modalidade de instrumento e para a atribuição de efeito suspensivo. Caso contrário, terá que suportar o ônus da medida liminar até o trânsito em julgado do provimento jurisdicional definitivo, o que se constitui uma injustiça flagrante e manifesta.

Isto se dá porque, sendo a liminar uma decisão interlocutória, a mesma é atacável através de agravo (art. 522 do CPC). Porém, para o mesmo ser conhecido antes de eventual interposição de recurso apelatório (portanto, na modalidade de instrumento), conseguindo, outrossim, sustar imediatamente os efeitos da medida proferida pelo Juízo "a quo" (inclusive com a atribuição de efeito suspensivo), é necessário (a partir de uma interpretação literal da disposição legal) que os pressupostos definidos pelos artigos 522 e 558, ambos do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, sejam observados.

Deste modo, percebe-se que a aplicação das disposições contidas nos artigos 552 e 558, ambos do CPC, a partir de uma interpretação gramatical, importa em desrespeito ao Princípio da isonomia Processual. A hipótese vertida no presente trabalho (interposição de agravo de instrumento para modificação de decisão que concede o pedido de liminar) deve ser analisada de maneira temperada, de modo a não impor um ônus injustificável para a parte contra a qual foi deferido o pedido de cognição sumária. Para tanto, entende-se que basta a parte recorrente demonstrar que a parte adversa não preencheu os pressupostos necessários para o deferimento do pedido de cognição sumária. Até porque o juiz não é infalível, sendo este um dos móbeis que justifica a interposição de recursos.

Não se pode olvidar que o reformador processual, com boas intenções, impulsionou-se pela efetividade da prestação jurisdicional proporcionada pela razoável duração do processo (agora com disposição constitucional expressa) – o que vem se verificando na prática. Todavia, neste passo, acabou, em algumas hipóteses (a exemplo da apresentada), por ferir a isonomia processual (impondo ônus injustificados a uma das partes litigantes) restringindo, injustamente, e em última análise, o imediato exercício do duplo grau de jurisdição.

Destarte, a nova sistemática de processamento do agravo pode trazer vantagens desmerecidas àquele que, por algum equívoco, tem a medida liminar concedida em seu favor, mesmo não preenchendo um dos requisitos esculpidos nos artigos 273 e 798, ambos do CPC. Em detrimento disso, a parte adversa, se não preencher uma dos pressupostos para a imediata reforma da decisão liminar, terá que suportar um ônus processual injustificado.

Aliás, é muito comum a parte recorrente ter a plausibilidade do direito requerido (decorrente até mesmo do não preenchimento dos requisitos para o deferimento do pedido liminar em favor da parte adversa), mas, pelo fato de não haver um risco de dano irreparável (entretanto, de reparação futura) decorrente do retardo da prestação jurisdicional (geralmente imprevisível), ter que arcar com o ônus injustificável – o que torna a atividade judicial, neste aspecto, ilegítima.


5. Conclusão.

A partir da hipótese em ilustração (a qual evidencia os requisitos necessários para a suspensão, a partir da interposição de recurso de agravo de instrumento, da decisão que concede pedido liminar), conclui-se que o legislador processual não trilhou o melhor rumo para garantir a efetividade da prestação jurisdicional ao criar novos requisitos recursais para o agravo de instrumento.

A bem da verdade, a novíssima lei do agravo, em especial, além de ter desvirtuado os móbeis recursais (criando pressupostos que, em última análise, restringem o imediato duplo grau de jurisdição e, por outro aspecto, podem mitigar a efetividade da prestação jurisdicional), não teria razão de existir se as penalidades processuais (calcadas em multas pecuniárias – a exemplo dos artigos 18, 538 e 601, todos do CPC), há muito tempo previstas, tivessem rigorosa aplicação pelos tribunais pátrios (quando do julgamento de recursos), o que não se verifica, contudo, revelando a caducidade das referidas disposições.


Notas

01 Neste contexto, a liminar é gênero do qual as medidas cautelares e as tutelas antecipadas são espécies. Por tal razão, é incorreta a distinção que se faz entre cautelares e liminares. A distinção entre o provimento cautelar e o antecipatório é feita, sim, unicamente no plano teórico para justificar as dimensões e fundamentos da tutela em questão.

Essa mesma linha teórica é adotada por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, que passou a lecionar ser "inegável que tanto as cautelares quanto as antecipatórias convergem ao objetivo de evitar que o tempo corroa direitos e acabe por lesar alguma pessoa: mesmo sem oferecer diretamente ao litigante a fruição do bem ou de algum benefício que essa fruição poderia trazer-lhe, a tutela cautelar evita que o processo se encaminhe para um resultado desfavorável, como aconteceria se a testemunha viesse a faltar ou o bem penhorável a ser destruído".

Em seguida, defendendo "a legitimidade da recondução dessas duas ordens de medidas a um gênero só, que as engloba, ou a uma categoria próxima, que é a das medidas de urgência. E à moderna ciência processual, que é avessa a conceitualismos e se preocupa primordialmente com os resultados do processo e do exercício da jurisdição, muito mais relevância tem a descoberta dos elementos comuns que aquelas duas espécies apresentam, do que a metafísica busca dos fatores que as diferenciam".

E concluindo que "tal é a postura do Código de Processo Civil italiano, que, na moderníssima versão decorrente das sucessivas alterações por que passou nos anos noventa, encerra a seção destinada aos procedimentos cautelares (arts. 669-bis ss.) com uma norma geral destinada às medidas de urgência atípicas (art. 700), as quais poderão ser, segundo opinião generalizada em doutrina, conservativas ou antecipatórias. Os estudiosos italianos não se preocupam, na exegese de seu art. 700, em distinguir o que é cautelar e o que não é". (O REGIME JURÍDICO DAS MEDIDAS URGENTES. Publicada no Juris Síntese nº 33 - JAN/FEV de 2002)

JOSÉ ROBERTO DOS SANTOS BEDAQUE, confirmando a ilação apresentada acima, ratifica que "no gênero tutela de urgência há duas espécies distintas: a cautelar e a antecipatória, ambas destinadas a evitar que o tempo comprometa o resultado da tutela jurisdicional". José Roberto dos Santos Bedaque. (Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização), cit., n. 5, p. 27:)

02 Para tanto, tratando-se de tutela antecipada, basta que estejam preenchidos os pressupostos autorizadores para este desiderato (previstos no art. 273 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL), quais sejam: a) plausibilidade do direito perseguido; b) risco de dano decorrente da demora da prestação jurisdicional; c) reversibilidade da medida.

Noutro viés, em se tratando de tutela acautelatória, é suficiente a verificação dos requisitos dispostos no art. 798 do CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, são eles: a) plausibilidade do direito perseguido; b) risco de dano decorrente da demora da prestação jurisdicional.

03 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(omissis)

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

04 (STJ – Rel. Min. Jorge Scartezinni. AGRG na MC 004838. 5ª Turma. DJU 02.10.02)

05 (STJ – MC 7307 – SP – 1ª T. – Rel. Min. José Delgado – DJU 05.04.2004 – p. 00202)

06 A doutrina aponta outras hipóteses, a exemplo das decisões proferidas em processo de conhecimento ou na determinação de cumprimento de sentença.

Sobre o autor
Rinaldo Mouzalas de Souza e Silva

Mestre em Processo e Cidadania pela Universidade Católica de Pernambuco. Especialista em Processo Civil pela Universidade Potiguar. Graduado em ciências jurídicas e sociais pela Universidade Federal da Paraíba. Membro da ANNEP – Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo. Advogado e consultor jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rinaldo Mouzalas Souza. Agravo de instrumento:: análise dos pressupostos necessários para suspender imediatamente a decisão proferida pelo juízo "a quo", que defere medida liminar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1224, 7 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9135. Acesso em: 22 dez. 2024.

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