4. Multa em Caso de Agravo Manifestamente Inadmissível
ou Infundado Interposto Contra Decisão Denegatória de Recurso
Conforme já salientado, é da tradição de nosso direito estabelecer um meio de impugnação às decisões solitárias do relator. Anteriormente à reforma, o CPC previa a possibilidade de interpôr agravo contra a decisão do juiz relator que negasse seguimento ao recurso (parágrafo único do art. 557, c/ redação conferida pela L. 9139/95).
Duas inovações constam dos novos preceitos instituídos pela L. 9756/98.
A primeira delas é a providência do juízo de retratação, que já vinha sendo procedida na prática, embora ausente previsão expressa neste sentido.
A outra novidade, mais controvertida, consta do §2º do art. 557, verbis: "Quando manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor". Sem dúvida, grande polêmica e muitas discussões se travarão em torno dele.
O legislador, ao estabelecer a multa, foi coerente com a linha restritiva a recursos protelatórios que vem sendo impressa à nossa processualística. Nesse sentido já haviam sido implementadas autorizações para impor pena de multa nos casos de interposição de embargos de declaração procrastinatórios (art. 538, par. único, do CPC, c/ redação conferida pela L. 8.950/94) e, genericamente, para todos os demais recursos protelatórios, a título de litigância de má-fé (art. 17, VII, do CPC, introduzido pela L. 9.668/98).
Mas é preciso cautela na aplicação da multa. Em primeiro lugar pela subjetividade dos termos "manifestamente inadmissível ou infundado", conforme já apreciamos anteriormente. De outra parte, pela necessidade que a parte tem de prequestionar as matérias para fins de interposição de recursos extraordinários.
Como já dissemos, a competência para dizer sobre a aplicação da legislação infraconstitucional e resolver as controvérsias constitucionais é do STJ e do STF, respectivamente. Assim, ao analisar a negativa de seguimento com base em súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, há determinadas posições jurisprudenciais que restam superadas por ulteriores pronunciamentos das Cortes Superiores.
Parece-nos óbvio, pois, que, em tais temas, não é possível a aplicação de multa, quando a parte demonstrar a intenção de levar a questão ao conhecimento das Instâncias Maiores. Do contrário, estar-se-ia privando a parte de exercer o seu direito de ampla defesa, com os meios que o sistema processual lhe disponibiliza. Haveria evidente cerceamento ao direito de acesso aos Tribunais Superiores, pela ameaça de cominação de multa, com afronta ao mandamento contido no art. 5º, LV, da CF/88.
O Superior Tribunal de Justiça, aliás, enfrentou tema semelhante, quando da discussão em torno de embargos de declaração protelatórios, firmando sua jurisprudência no sentido de que: "Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não têm caráter protelatório" (Súmula n. 98 do STJ). Essa orientação, sem dúvida, deve prevalecer também em relação à nova previsão sancionatória.
5. Condicionamento do Recurso ao Pagamento da Multa
A última das novidades por nós detectadas é o condicionamento da interposição de qualquer recurso ao depósito do valor da multa acima apreciada.
A primeira vista, poder-se-ia cogitar sobre a inconstitucionalidade de tal previsão, tendo em vista os princípios do devido processo legal e da ampla defesa (art. 5º, incs. LIV e LV, da CF/88).
Todavia, desse vício não padece a norma.
Há, em nossa legislação processual algumas previsões análogas, com ênfase para o depósito recursal na justiça do trabalho (CLT 899) e o depósito de 5% sobre o valor da causa, requisito essencial de seguimento da ação rescisória (CPC 488 II). E tais dispositivos jamais tiveram a sua constitucionalidade abalada. Aliás, o depósito recursal previsto no art. 899 da CLT está sendo objeto de fiscalização abstrata, na qual foi confirmada sua constitucionalidade, em julgamento liminar(15).
O mesmo raciocínio parece ter guiado os Ministros do Supremo Tribunal no julgamento da ADIn 1049-2-DF, na qual se discutia a constitucionalidade do art. 93 da L. 8212/91, com redação conferida pela L. 8.870, de 15.4.94, relativo ao depósito prévio de multa para recorrer em processo administrativo sobre infrações às leis previdenciárias(16). Referido entendimento, aliás, foi sumulado pelo TRF da 4ª Região, em seu verbete n. 55, verbis: "É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de recurso administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei nº 8.212/91 com a redação dada pela Lei nº 8.870/94 e pelo art. 636, § 1º, da CLT.".
De igual forma tem-se posicionado o STF quando instado a se manifestar sobre a constitucionalidade do art. 636, §1º, da CLT, que faz a mesma exigência para impugnar decisões das DRT(s) em processos administrativos sobre infrações às normas trabalhistas(17).
Assim, parece-nos que se deve ter por constitucional tal exigência, que se traduz mais em pressuposto legal de recorribilidade do que em tentativa de cercear o direito de defesa. Ademais, é importante registrar que a multa só poderá ser aplicada nos casos específicos previstos no diploma instituidor, hipóteses em que, geralmente, o direito de defesa já foi esgotado pelo litigante.
O segundo ponto a ser abordado sobre este tema específico diz respeito à situação dos entes públicos frente à novel previsão.
Nesse caso, a norma merece aplicação temperada, de acordo com os demais dispositivos processuais relativos à Fazenda Pública(18). Dessa forma, eventual pena de multa aplicada aos entes públicos somente poderá ser exigida ao final do processo, à luz das normas contidas nos artigos 27 do CPC(19) e 100 da Constituição Federal.
Essa, aliás, a única interpretação possível à questão, inclusive a vista da impossibilidade prática de cumprimento à exigência do depósito prévio da multa pelos entes públicos. É evidente a incompatibilidade entre as formalidades inerentes à atividade pública -principalmente no que diz respeito ao empenho das verbas- e o cumprimento de tais exigências nos exíguos prazos recursais.
Por fim, acreditamos que merece especial interpretação também o caso da parte hipossuficiente, que litiga sob o benefício da assistência judiciária gratuita. Nesse caso, eventual pena de multa aplicada somente poderá ser exigida, ao final, com a suspensão prevista no art. 12 da L. 1060/50, sendo incabível a exigência do recolhimento como pressuposto de recorribilidade.
6. Conclusões
A título de conclusão, nos resta apenas deixar claro que tal trabalho se destina, precipuamente, a provocar a discussão a respeito dos temas aqui enfocados. Dizer que esse é nosso pensamento definitivo sobre as matérias analisadas, por certo, seria uma ingenuidade, pois o debate está apenas em seu início. Utilizando-me dos termos do jurista Miguel Reale, "ao tratar da matéria, quero lembrar que o faço com a devida cautela de quem se achega a uma lei nova". E foi, tenham certeza, com essa cautela que emiti minhas opiniões. Por isso, é natural que modifique, futuramente, alguns conceitos, seduzido pelas teses contrárias.
Nossa única pretensão é contribuir para a evolução do processo civil brasileiro, missão que deveria guiar a atividade de todo operador do direito no dia-a-dia forense. Nossa processualística, indubitavelmente, está a reclamar urgentes reformas, que só se implementarão a medida em que forem bem recepcionadas pela comunidade jurídica.
As inovações aqui comentadas, no geral, devem receber boa acolhida no cenário jurídico pátrio, embora, repitamos, tenham sido tímidas para abrandar os problemas da morosidade e excessiva carga de demandas submetidas aos tribunais. A angustiante tarefa de prestar a jurisdição continuará custando noites em claro a nossos magistrados, talvez sem que a efetividade seja ainda alcançada.
Afora a introdução de uma nova espécie de recurso extremo, o retido do novo §3º do art. 542 do CPC -que reputamos desnecessário e inconstitucional-, as inovações merecem o nosso aplauso. É claro que esperaremos dos juízes muito cuidado na interpretação dos novos institutos. Isso, sem dúvida, será fundamental para o seu sucesso e para a sua aceitação no cotidiano.
A produção de efeitos concretos e avanços que reflitam maior credibilidade e confiança da população no Poder Judiciário são os resultados que esperamos das inovações instituídas pela Lei n. 9.756, de 17.12.98.
NOTAS
- "Art. 497 - Os recursos previstos no artigo anterior não impedem a
execução da sentença (arts. 587 e 588), salvo disposição expressa em
contrário."
"Art. 520 - A apelação terá somente efeito devolutivo, ressalvadas as causas relativas ao estado e à capacidade das pessoas." - "Art. 530 - Cabem embargos infringentes quando o acórdão não unânime houver reformado, em grau de apelação, a sentença de mérito, ou houver julgado procedente ação rescisória. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência."
- "Art. 527 - O Relator:
I - converterá o agravo de instrumento em agravo retido, nos casos em que não ocorra perigo de lesão grave ou de difícil reparação, remetendo os autos ao juízo da causa;
(...)" - "Art 154
-............................................................................................
Parágrafo único. Atendidos os requisitos de segurança e autenticidade, poderão os tribunais disciplinar, no âmbito da sua jurisdição, a prática e a comunicação de atos processuais mediante a utilização de meios eletrônicos". - Publicado no Diário Oficial como §2º, quando deveria ter sido como §3º;
- a. Principalmente nos casos de decisão interlocutória proferida em execução de
sentença. Nessas situações, não tendo a apelação contra decisão proferida em
embargos à execução efeito suspensivo (art. 520, V, do CPC), via de regra, o montante
da condenação já terá sido levantado pelo credor quando proferida a decisão final do
processo.
b. no caso da execução contra a Fazenda Pública, por exemplo, na totalidade dos casos, haverá o pagamento das somas devidas, sem qualquer possibilidade de reavê-las posteriormente; - É claro que a reforma pretende desistimular a parte a manejar recursos, mas tal intuito não pode ser alcançado com prejuízo às garantias processuais da parte;
- A previsão, aliás, despreza a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça que admite irrestritamente o recurso especial contra decisões interlocutórias (Sum. 86 do STJ);
- Nelson Nery Jr. e Rosa Maria Andrade Nery, Comentários ao CPC, RT, 3ª edição, p. 800;
- José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao CPC, Volume V, 7ª edição, Forense, p. 641;
- Apenas a título exemplificativo, a situação se verificou quando os TRF(s) da
1ª e 4ª Regiões firmaram jurisprudência no sentido de que os §§ 5º e 6º do art.
201 da CF/88 não eram auto-aplicáveis, dependendo da criação de fonte de custeio.
Posteriormente, esse entendimento foi contrariado pelos pronunciamentos do STF, resultando
na edição da Súmula 24, de seguinte teor: "São auto-aplicáveis os parágrafos
5º e 6º do art. 201 da Constituição Federal de 1988.";
mesmo ocorreu quanto o TRF da 4ª Reg. editou a Súmula n. 17 ("No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28% relativo à correção monetária de janeiro de 1989"), tendo referido posicionamento sendo revisto com o cancelamento da mesma e posterior edição da Sum. 32, adotando como certo o índice de 42,72% fixado na jurisprudência do STJ; -
"De lege ferenda, teria sido conveniente outorgar ao relator também os
poderes outorgados pelo art. 21, §2º, do Regimento Interno do STF (acrescentado pela
Emenda n. 2, de 4.12.1985), verbis:
´Poderá ainda o relator, em caso de manifesta divergência com a Súmula, prover, desde logo, o recurso extraordinário´ " (Athos Gusmão Carneiro, O Novo Recurso de Agravo e Outros Estudos, 3ª edição, Forense, p. 70); - "O relator não fica obrigado a indeferir o recurso que foi interposto contrariando a súmula do próprio tribunal ou de tribunal superior. Como não há procedimento legal para revisão de súmulas de tribunal, seria cercear a defesa do recorrente (CF 5º LV) negar-se a examinar sua pretensão recursal, sob o fundamento de que é contrária à súmula da jurisprudência predominante do tribunal. A jurisprudência é dinâmica e, quando necessário, deve ser revista" (Nelson Nery Jr., Op. Cit., Loc. Cit.);
- Foi publicado no Diário Oficial como §1º, mas deveria ter sido como §2º;
- Ver ADIn 836-6/DF, Rel. Min. Francisco Rezel;
- O recurso contra a decisão do INSS que aplicar multa por infração a dispositivo da legislação previdenciária só terá seguimento se o interessado o instruir com a prova do depósito da multa atualizada monetariamente, a partir da data da lavratura (art. 93 da L. 8212/91, c/ redação conferida pela L. 8.870/94);
-
"(...)
2. Recurso administrativo perante a DRT. Exigência de comprovação do depósito prévio. Pressuposto de admissibilidade e garantia recursal.
2.1. Ao infrator, uma vez notificado da sanção imposta em processo administrativo regular, é facultada a interposição de recurso no prazo de dez dias, que somente será acolhido se instruído com a prova do depósito prévio da multa (artigo 636, § 1º, CLT), exigência que constitui pressuposto de sua admissibilidade
2.2. Violação ao artigo 5º, LV, CF. Inexistência. Em processo administrativo regular, a legislação pertinente assegurou ao interessado o contraditório e a ampla defesa. A sua instrução com a prova do depósito prévio da multa não constitui óbice ao exercício do direito constitucional consagrado no artigo 5º, LV por se tratar de pressuposto de admissibilidade e garantia recursal, dado que aferida a responsabilidade do infrator em decisão fundamentada.
Recurso conhecido e provido." (STF, 2ª Turma, RE-231320-SE, Rel. Min. MAURICIO CORREA - DJ 6.11.98); - Incluídas nesse conceito é claro as autarquias e fundações públicas;
-
"PROCESSUAL CIVIL. FAZENDA PUBLICA. PERITO. HONORARIOS PROVISORIOS.
DEPOSITO. ART. 27, DO CPC. - POR FORÇA DO ALUDIDO PRECEITO LEGAL, A FAZENDA PUBLICA
FICADESOBRIGADA DE DEPOSITAR PREVIAMENTE A PAGA DO PERITO, A SER FEITA PELO VENCIDO, A
FINAL. - RECURSO PROVIDO." (STJ - REsp 11.006-SP - Rel. Min. AMERICO LUZ - RSTJ
24/482);
"PROCESSUAL CIVIL. DESPESAS DE CONDUÇÃO DE OFICIAL DE JUSTIÇA. FAZENDA PUBLICA. DEPOSITO PREVIO. - NÃO ESTÃO SUJEITAS A PREVIO DEPOSITO AS DESPESAS DE CONDUÇÃO DEOFICIAL DE JUSTIÇA NO CUMPRIMENTO DE DILIGENCIAS REQUERIDAS PELA FAZENDA PUBLICA. - INTELIGENCIA DOS ARTS. 27 DO CPC E 39 DA LEI N. 6830.80. SUMULA N. 154/TRF. RECURSO PROVIDO." (STJ - REsp 22.629-SP - Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA - DJ 1º.02.93, p. 438);