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Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade aplicados na Justiça Desportiva.

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Agenda 08/11/2023 às 19:09

Estuda-se caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva no qual um time de futebol foi excluído de uma competição nacional.

Resumo: O Direito Desportivo no Brasil compõe os denominados “Novos Direitos”, sendo seu surgimento uma forma legal de o mundo jurídico responder à sociedade, em especial, regrando a prática de esportes, tanto como lazer, quanto profissionalmente. A Justiça Desportiva está prevista na Constituição Federal e firmada no cenário nacional, possuindo órgãos, legislações e um Tribunal próprio, havendo um destaque ao futebol, muito em razão da cultura do próprio país. Nesse sentido que o presente trabalho traz, por meio de um estudo de caso, uma das maneiras que justificam a importância do Direito Desportivo. A análise da decisão do Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) referente ao caso de injúria racial praticado por torcedores dentro do estádio, que culminou em uma penalidade, também, ao clube de futebol, apresenta o seguinte problema de pesquisa: A expulsão do clube da competição observou os princípios da razoabilidade e proporcionalidade exigidos pela Justiça Desportiva? Como método de abordagem utilizou-se o dedutivo, partindo da análise específica do caso a fim de interpretar a leitura feita no julgamento. Como procedimento o uso do método monográfico ao estudar o caso, histórico a fim de interpretar o Direito Desportivo no cenário nacional e comparativo para realizar abordagem de demais decisões em casos semelhantes. Concluiu-se que a punição ao clube de futebol não observou os critérios estabelecidos pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Palavras-chave:Direito Desportivo. Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense. Princípio da Proporcionalidade. Princípio da Razoabilidade.

Sumário: Introdução. 1 Direito Desportivo no Brasil. 2 Os Princípios da Razoabilidade e Proporcionalidade. 3 Análise descritiva do caso e crítica. Considerações Finais. Referências.


INTRODUÇÃO

A Justiça Desportiva originou-se para que a prática de esportes seja realizada de acordo com regras específicas a fim de tornar o desporto organizado, respeitando questões legais. É um campo de relacionamento pessoal que envolve particulares e também entes públicos. Possui um Tribunal próprio, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), que representa a entidade máxima no país para casos envolvendo o desporto.

O presente trabalho realiza o estudo de um caso julgado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportivaa respeito de uma partida de futebol realizada no dia 28 de agosto de 2014, válida pelas oitavas de final da Copa do Brasil na Arena do Grêmio, em Porto Alegre/RS. Na ocasião, 05 (cinco) torcedores do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense foram flagrados proferindo ofensas discriminatórias ao goleiro do time adversário.

O clube gaúcho foi denunciado com base no artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) e o incidente foi levado a julgamento, onde o Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu expulsar o clube da Copa do Brasil de 2014 e aplicar multa. Os 05 (cinco) torcedores foram punidos com a proibição de entrar em estádios de futebol.

A decisão do Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva no que diz respeito a expulsão do time da competição foi única nesse tipo de infração, considerando que não haviam precedentes e que casos semelhantes ocorridos posteriormente não tiveram a mesma punição. Assim, será realizado estudo do caso a fim de aferir seforam respeitados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade presentes no Direito Desportivo.

Analisar uma decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva configura um projeto em uma área de evolução no Direito, considerando que o esporte, em especial o futebol, está presente no cotidiano da sociedade, é um direito garantido constitucionalmente e, é formado por um conjunto de princípios e normas.

Para o estudo do caso será utilizado o método de abordagem dedutivo, partindo de uma análise geral de um caso, para demonstrar as implicações que o mesmo traz na Justiça Desportiva. Em relação aos métodos de procedimento serão utilizados: o método monográfico no estudo do caso, o método histórico no estudo sobre o Direito Desportivo e o método comparativo ao analisar estatísticas sobre casos de injúria racial no futebol profissional.

Com esta metodologia adotada, o estudo do caso foi dividido em 03 (três) partes. Primeiramente, uma abordagem sobre o Direito Desportivo no Brasil, prosseguindo pelo estudo dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e, por fim, uma análise crítica da penalidade aplicada ao caso em questão.


1. O DIREITO DESPORTIVO NO BRASIL

A origem do próprio Direito não possui uma data e local específicos, mas o que prevalece é que tenha surgido da necessidade de regulamentação dos povos em seus territórios, como explicam as correntes jus naturalistas. O Direito é instituto presente no mundo com a finalidade de regular as relações, sendo desde o seu primórdio muito associado com o conceito de justiça e atrelado às condições naturais do homem e da sociedade, havendo um entendimento de Direito muito antes do mesmo ser positivado. Ele é a resposta aos diversos anseios, figurando como norte ao que é justo.

Assim, nesse sentido sobre Direito, FERRAZ JUNIOR (2018 p. 40) ensina que o mesmo “[...] protege-nos do poder arbitrário, exercido à margem de toda regulamentação, salva-nos da maioria caótica e do tirano ditatorial, dá a todos oportunidades iguais e, ao mesmo tempo, ampara os desfavorecidos.”

Em relação ao esporte, sabe-se que o mesmo foi criado pelo homem e praticado em todo o mundo, em suas mais diversas formas, mas também sem uma precisão de tempo e território. O esporte detém cunho muito humano, pois é frequente na vida da maioria das pessoas, em sua forma de lazer e qualidade de vida, bem como, de maneira profissional. Assim, o esporte é visto como instituto importante na vida social, onde odesporto se concretiza pela realização de atividades organizadas, sendo os esportes praticados em suas mais diversas formas, conforme se entende pelo conceito de FANALI apud ARAÚJO (1981, p. 4):

"atividades especificas de emulação na qual se valorizam intensamente as formas de praticar os exercfcios (sic) físicos para que o indivíduo ou um grupo, chegue ao aperfeiçoamento das possibilidades morfo-físiológicas e psíquicas, concretizando em recorde ou uma superação de si mesmo ou do concorrente. Podemos entender como sendo a prática sistematizada de uma atividade esportiva".

No Brasil, a primeira vez que houve a incorporação do esporte no Direito, foi no ano de 1941. Nessa época, o país era presidido por Getúlio Vargas e havia um nacionalismo muito presente, o que pode justificar que na publicação do Decreto nº 3.199/41, o qual tinha por finalidade disciplinar a prática desportiva no país, o artigo 3º demonstrar demasiado patriotismo, uma vez que descrevia ser atribuição do Conselho Nacional de Desportos propiciar os meios necessários para manter o esporte ativo e de forma educativa como meio da alta expressão da cultura e energia nacionais.

No que diz respeito ao futebol, sua prática teve momentos diversos que variavam na medida em que a sociedade passava por suas transformações históricas. De acordo com o ensinamento de CALDAS (1989, p. 24), sabe-se que o futebol surgiu no Brasil no século XIX e que nos seus primórdios era um esporte muito caro e elitista, sendo praticado somente por homens ricos. Inclusive, o futebol era conhecido como um evento sofisticado, pois além de ser praticado somente pela aristocracia, era assistido somente por ela. Com o tempo, a partir de maiores igualdades de direitos, foi sendo liberado para que todos pudessem jogar, independente de condições econômicas, sociais e raciais.

No Brasil, o futebol se tornou o esporte mais conhecido e praticado, fazendo jus ao reconhecimento mundial de “País do Futebol”. A primeira vez que o país sediou uma Copa do Mundo de futebol, organizada pela FIFA (Federação Internacional de Futebol Associado), foi na Era Vargas, no ano de 1950, tendo por destaque Edson Arantes do Nascimento, o Pelé.

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A prática desportiva no Brasil sempre foi muito presente, desde a infância à melhor idade e, muito importante, como forma de trabalho de inúmeros brasileiros. Tamanha proporção e relevância tem o esporte que passou a ser dependente de organização e, para tanto, surge no Brasil o instituto do Direito Desportivo, com a incumbência de haver harmonia e justiça na prática do esporte. Conforme leciona FILHO (1952, p. 101), é um instituto presente no mundo inteiro e possui suas raízes semelhantes a outros ramos do Direito, isto é, com leis e princípios norteadores. Sendo que para a composição do Direito Desportivo há a valorização das particularidades do esporte, em especial: suas regras, as formas de associação e maneira como os diversos países se relacionam a fim universalizar a prática do mesmo.

A primeira obra escrita no Brasil sobre Direito Desportivo, foi em 1952, intitulada “Introdução ao Direito Desportivo”, com autoria de João Lyra Filho (1906-1988), considerado o “pai” do Direito Desportivo no país. O autor possuía formação em Direito e, ao longo de sua carreira foi jurista, escritor, professor universitário, reitor e dirigente esportivo. Durante sua dedicação ao Direito Desportivo, foi expoente para tornar esse instituído à parte da regulamentação Estatal, dando maior liberdade e autonomia para esse setor, pois acreditava que não era competência do Estado regulamentar, mas sim, tornar livre a sua prática no território.

De tal modo, FILHO (1952, p. 117) escreveu no livro Introdução ao Estudo do Direito: “Assim, o desporto deverá sobreviver, superior, sobranceiro e soberano – fiél (sic) ao seu próprio destino e apenas submisso a si mesmo, isto é, aos preceitos da moral desportiva e às regras do direito desportivo.”Esse ideal de autonomia, mesmo considerado para a época algo novo e fora dos padrões, foi incorporado no sistema. A Justiça Desportiva é órgão independente e possui referido status em razão da celeridade processual e competência técnica que requer em seus julgados, pois o desporto exige domínio e conhecimento sobre esporte desde a conjuntura jurídica, como para a prática.

Assim, o Direito Desportivo figura como norteador e solucionador de casos envolvendo o esporte. No conceito de PERRY (1981, p.81) o Direito Desportivo representa um conjunto formado por regras e normas, que possuem por finalidade reger o desporto, a fim de tornar a prática organizada no mundo inteiro. Entende ser o Direito Desportivo muito importante no papel de não marginalizar o esporte em todas as suas formas e lugares.

Tal como existem os fatos sociais e o Direito como um meio de regulamentação, a prática de esportes foi precedente (e responsável pela criação) ao Direito Desportivo. No Brasil, o Estado possui o dever de incentivar o desporto, seja de forma profissional ou de lazer, sendo responsável por fazer valer o direito das instituições em promover o esporte, conforme preceitua a Constituição Federal, no artigo 217 (BRASIL, 1988).

Com o advento da Constituição Federal do Brasil de 1988, houve no país uma inovação ao incluir o desporto, no Título VIII, artigo 217, como uma das bases da ordem social. Essa importância constitucional representa o valor do esporte para a nação e, atrelado com o artigo 6º do mesmo dispositivo legal, eleva a prática de esporte por lazer a status de direito social. Em relação à organização da Justiça Desportiva no Brasil, ela também pode ser vista como um ramo do Direito Processual, sendo a área da ciência jurídica composta pelas leis existentes no país que tratam sobre Direito Desportivo. Há no topo da estrutura organizacional o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), possuindo abrangência nacional na resolução de conflitos envolvendo o desporto. Em uma instância abaixo vêm os Tribunais de Justiça Desportivas, que são os órgãos administrativos com competência à nível estadual. E, por fim, as comissões disciplinares, responsáveis pelo processo e julgamento das lides de alçada dos Códigos de Justiça Desportivas, conforme de depreende do estudo da Lei nº 9.615, também conhecida como Lei Pelé (BRASIL, 1998).

Ademais, sobre o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), ele é vinculado a cada modalidade de esporte e sua respectiva entidade máxima, sendo que para o futebol, trata-se da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) a qual é responsável pela organização de campeonatos de alcance nacional.

Em países como Itália e Inglaterra existem as denominadas “Cortes Disciplinares”, das quais são órgãos responsáveis pela análise e julgamento de casos ocorridos dentro do desporto. O Brasil é o único país do mundo que possui um órgão de supremacia, que é o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) estando disposto na Constituição Federal e, por essa razão, deve seguir normas existentes no âmbito processual brasileiro.

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) é considerado a última instância para resolver casos envolvendo o futebol no Brasil. É um Tribunal autônomo e entidade de direito privado que julga os acontecimentos que cerceiam o esporte e pauta sobre as legalidades dentro do futebol. O Tribunal não faz parte do Poder Judiciário e, para a Constituição Federal, a Justiça Desportiva é órgão de interesse público, conforme conceitua o Conselho Nacional de Justiça.

Ademais, o Conselho Nacional de Justiça determina que o julgamento realizado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) - do futebol - envolve todas as esferas, ou seja, julgam casos de gestão dos clubes, jogadores, árbitros e também torcedores. Para a configuração de infração é necessário o registro do Boletim de Ocorrência feito pela vítima, conforme determina o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Então, para o tribunal desportivo é válido o relato na súmula da partida - documento feito pelos árbitros ao fim do jogo - de acordo com o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) em seu artigo 75 (BRASIL, 2003), bem como a denúncia feita pela Procuradoria.

No entanto, ainda que existam órgãos especiais para julgamento de incidentes ocorridos no esporte, a pessoa que se sentir lesada por algum infortúnio possui o direito de recorrer à Justiça Comum. Tal garantia está expressa Constitucionalmente:

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à prosperidade, nos termos seguintes: XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais comodireito de cada um observados:§ 1º - O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competiçõesdesportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.§ 2º - A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados dainstauração do processo, para proferir decisão final (BRASIL, 1988).

Desde que a Constituição Federal passou a tratar o esporte como direito social a aplicabilidade das normas do direito desportivo ganhou maior destaque na área jurídica. Ainda que a justiça desportiva não seja vinculada ao Poder Judiciário, a Constituição Federal e as leis abordadas neste projeto, em especial Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), a Lei nº 9.615/98 e a Lei 10.671/03, possuem observância e respeito a hierarquia das normas no direito brasileiro. SARLET (2018, p. 205) ensina que a Constituição Federal possui não somente a função de nortear o Estado Democrático de Direito, mas deve ser respeitada hierarquicamente em sua função de ordenar dentro do Estado.

Foi o Conselho Nacional do Esporte que publicou o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), em 23 de dezembro 2003, através da Resolução nº 1 do Conselho Nacional do Esporte (CNE). No entanto, o texto sofreu alteração ao longo dos anos em virtude das mudanças ocorridas no desporto. O código é responsável pela organização, funcionamento, Justiça Desportiva, infrações e sanções, tanto nas práticas informais de esportes, como profissionais.

A Lei nº 9.615/98 - conhecida como Lei Pelé - é responsável pelas normais gerais do desporto. No momento em que entrou em vigor, ela teve uma grande importância ao legislar sobre os princípios aplicados ao Direito Desportivo, tanto que em seu segundo capítulo dispõe sobre os princípios fundamentais. Tal Lei possui uma perspectiva de proteção às relações do futebol, tanto em celebrações de contratos – princípio da boa-fé – entre jogadores e clubes, como questões de gestão e a forma como o Brasil interpreta o esporte em sua forma profissional.

Na lei nº 10.671/03, conhecida como Estatuto do Torcedor, são apresentados cuidados em relação aos envolvidos com o esporte movidos por opções pessoais, no caso, são os torcedores (BRASIL, 2003). O futebol é um esporte presente na atual sociedade brasileira e aproxima as pessoas que gostam de acompanhar a sua prática nos diversos campeonatos existentes no país. Assim, muitos torcedores acompanham na forma presencial, frequentando estádios, dos quais são espaços amplos que concentram grande quantidade de pessoas. Dessa forma, existe uma pluralidade de público (idade, sexo e condição física) e os clubes são responsáveis em proporcionar um espaço adequado para que todos possam desfrutar com segurança desses momentos.

Essa lei pode ser entendida como o Estatuto do Consumidor do Direito Desportivo, uma vez que possui em seu texto a proteção aos torcedores com o intuito de preservar seu direito de envolver-se com a prática desportiva profissional. Embasa-se a informação ao observar o artigo 3º: “Para todos os efeitos legais, equiparam-se a fornecedor, nos termos da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a entidade responsável pela organização da competição, bem como a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo.” Dessa forma, não há a necessidade de um excluir o outro, pois ambos representam direitos análogos, sendo que a finalidade é agregar direitos de maneira ampla e interativa.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) elenca ao todo dezoito princípios, dispostos no artigo 2º, porém os que compõem o trabalho são os princípios da razoabilidade e proporcionalidade (BRASIL, 2003), e a aplicabilidade desses ou não, no caso do artigo 243-G do referido dispositivo legal, ao julgar um incidente sobre racismo ocorrido em um estádio de futebol.

Tais princípios são aplicados ao Direito Desportivo com o intuito de fazer as regras desportivas serem aplicadas em conformidade com o direito, com o que é justo para o esporte enquanto direito social. Para a justiça desportiva, ser razoável condiz com o entendimento de bom senso para a resolução de conflitos, enquanto proporcionalidade reflete ser justo entre meios e fins, isto é, encontrar uma solução condizente.


2. OS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

Os princípios são vistos como o centro da ciência jurídica, atuando em consonância com questões que antes eram somente do mundo ético e moral, consistindo na “[...] leitura moral do Direito” no conceito de BARROSO (2018, p.128). Assim, houve uma modificação na interpretação da ciência jurídica devida a leitura feita através dos princípios. Tal mudança também foi explicada por STRECK (2011, p. 57) ao dispor que novas interpretações surgiram de maneira a tornar mais completa as decisões judiciais, pois os princípios tem capacidade de interpretar melhor os acontecimentos e concluí-los.

Ensina SARLET (2018, p. 272) que os princípios possuem um caráter finalístico, pois são utilizados para alcançar determinado objetivo da melhor forma possível tendo em vista as possibilidades fáticas e de direito. Ensina, ainda, que são normas que determinam que o direito seja otimizado, isto é, almeja que a utilização dos princípios faça a leitura fática e jurídica de cada caso de maneira favorável, visando a melhor solução.

A partir da Constituição Federal de 1988, o Estado brasileiro passou a vincular-se à garantia dos direitos fundamentais elencados no texto constitucional. Tais direitos diferem-se dos princípios, visto que os direitos fundamentais representam direitos outorgados à todo ser humano e suas formas de coletividade, dos quais são reconhecidos e positivados constitucionalmente (SARLET, 2018 p. 321). Porém, essa diferenciação não sobrepõe um conceito em detrimento do outro, posto que tantos princípios constitucionais quanto direitos fundamentais irradiam-se pelo ordenamento jurídico.

Dentre os princípios fundamentais SARLET (2018, p. 274) faz menção à razoabilidade e proporcionalidade, classificando-os em princípios implicitamente positivados, dos quais são reconhecidos pela Constituição Federal (BRASIL, 1988) através da derivação do texto constitucional, pois não estão expressos, mas implícitos. Por exemplo, o princípio da razoabilidade pode ser notado na leitura do artigo 5º, inciso LXXVIII: “[...]a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. E o princípio da proporcionalidade no artigo 5º, §2º: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes [...]”.

No que diz respeito aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, a doutrina em algumas ocasiõestrata tais princípios como sinônimos, como para BARROSO (2018 p. 155) ao intitular um tópico de “princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade”. Porém, são princípios distintos e possuem suas diferenças desde o surgimento, quanto em suas aplicabilidades, como é o entendimento de SILVA (2002, p. 33) que considera o princípio da proporcionalidade mais vasto do que oda razoabilidade. Ainda que sejam conceitos diferentes, possuem características semelhantes, como descreve SARLET (2018, p. 234) em relação “as noções de justiça, equidade, isonomia, moderação, prudência [...]”.

O princípio da razoabilidade está expresso no art. 2º, inciso XIV, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). Ele tem sua origem em 1215 com a Magna Carta, sendo antecessor ao constitucionalismo. Esse princípio é historicamente ligado ao devido processo legal, o qual também surgiu com a Magna Carta, no direito anglo-saxão e é conhecido atualmente como direito fundamental, estando expresso no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), firmando que todos os atos praticados pelas autoridades devem, necessariamente, estar em consonância e respeito à todas etapas legais. Assim, a Justiça Desportiva reconhece que o princípio da razoabilidade diz respeito às decisões tomadas pelos seus membros em relação à ponderação e prudência de seus julgamentos frente aos casos.

O princípio da razoabilidade visa a adequação entre os meios e os fins, pois determina que os fatos e suas consequências jurídicas devem estar em conformidade para, desse modo, serem legais e não afrontarem os direitos fundamentais, dessa forma que SILVA (2002, p.32) prossegue ao justificar a diferença entre razoabilidade e proporcionalidade no que diz respeito a amplitude, considerando que a proporcionalidade ao visar a adequação remete somente a uma das três subdivisões do princípio da proporcionalidade, que serão posteriormente analisados.

Na pesquisa realizada por RONCHI (2008, p. 66) sobre a aplicabilidade específica dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na justiça desportiva, foi observado a respeito do princípio da razoabilidadeque: “Condutas incompatíveis, extravagantes ou manifestamente carregadas de sentimento pessoal não atingem a finalidade pretendida em lei. Caso haja postura desta natureza, teremos inquinação de ilegalidade. ”Portanto, é necessário o uso das normas de direito desportivo sem interferências e livre da parcialidade dos julgadores. Neste ponto, pode-se notar a importância do devido processo legal na justiça desportiva.

Para STRECK (2011, p. 241) o Estado Democrático de Direito requer clareza às decisões judiciais, devendo os julgadores atuarem de forma transparente e controlada. Para o autor, o controle que deve ser feito em relação aos juízes é exercido pela doutrina, a qual dita a forma correta. Assim, reconhece nesse ponto o princípio da razoabilidade firmado doutrinariamente como forma de tornar as decisões judiciais em harmonia com os direitos fundamentais.

O princípio da razoabilidade é aplicado nas decisões do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, como no ano de 2015 quando ocorreu um incidente onde foi punido um clube de futebol brasileiro e seu presidente, sendo que esse recorreu no Tribunal Superior e obteve sua absolvição. Em audiência (BRASIL, 2015), foi relatado o seguinte:

Não vejo nenhuma prova de que o presidente agiu com dolo. Não vejo amparo legal de se ter um lapso temporal neste caso. A questão é simples, vou separar a pessoa física da jurídica. Voto para absolver o presidente, multar a entidade com multa de R$ 10 mil e dar prazo de sete dias para a Federação comprovar o pagamento dos R$ 300 nos autos.

O Auditor Francisco Pessanha absolveu o denunciado com base no princípio da razoabilidade, pois analisou o caso e concluiu não haver relação de culpa ao presidente em razão de seu cargo, aplicando a punição de maneira estrita ao clube de futebol. Assim, o princípio da razoabilidade atuou pelo devido processo legal e de forma compatível com a conduta e a pena.

O princípio da proporcionalidade aspira coibir ilegalidades e abusos por parte de poder público, em especial, no que diz respeito às decisões judiciais (SARLET 2018, p.234). Esse princípio existe para que as decisões tomadas estejam de acordo com a conduta praticada, sendo a garantia da aplicação da lei de forma correta, também, nos casos da Justiça Desportiva.

Os direitos fundamentais guardam relação com o princípio da proporcionalidade em razão do caráter principiológico presente em ambos. Assim, GERVASONI (2014, p. 40) menciona que o fator mandamento de otimização presente no princípio da proporcionalidade apresenta o caráter principiológico na medida em que a natureza dos princípios é consequência da máxima da proporcionalidade, sendo que tal princípioatua em possível colisão entre direitos fundamentais, visto que esses não são absolutos e, portanto, necessitam de otimização.

ALEXY (2008, p. 116 e 117) criou a regra de ponderação dividida em três itens para aplicar o princípio da proporcionalidade, sendo: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Essa subdivisão detalha a razão de ser do princípio da proporcionalidade, pois são análises em prol da correta decisão do poder público diante dos casos. ALEXY dispõe, conforme MORAIS (2010, p. 53) descreve, que adequação e necessidade possuem relação com as possibilidades fáticas e a proporcionalidade em sentido estrito com as possibilidades jurídicas, ainda que as três regras estejam conectadas.

O princípio da proporcionalidade realiza a análise da adequação, que trata sobre a medida adotada pelo julgador em relação aos envolvidos no fato, considerando se a decisão é realmente eficaz à alcançar o objetivo. Nesse sentido, a adequação vai além do fato de alcançar o objetivo, pois conforme SILVA (2002, p. 35) demonstra, requer-se fomentar a partir da decisão aplicada ao caso, sendo que adequação atua no sentido de promoção de um ideal. Assim, o julgador deve atentar-se ao fato e se a norma aplicada, ao menos, estimula um resultado eficaz.

De acordo com ALEXY (2008, p. 590), a etapa da necessidade determina que, em havendo duas ou mais possibilidades de resolução, deve ser utilizado o mandamento do menos gravoso para alcançar o objetivo. Assim, se existir confronto entre normas, utiliza-se aque age de maneira mais branda em respeito e proteção aos direitos fundamentais.

A proporcionalidade em sentido estrito remete à lei do sopesamento, isto é, a específica relevância da realização do direito fundamental em detrimento de outro, considerando que referida lei possui, conforme ALEXY (2008, p. 593) o seguinte significado: “Quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro.” A proporcionalidade em sentido estrito é evidenciada, como o exemplo de ALEXY (2008, p. 596), em um caso onde há liberdade de imprensa versus direito de imagem e é a aplicada a lei do sopesamento a fim de decidir a lide.

A Constituição Federal está no ápice do ordenamento jurídico como a norma suprema e, os princípios nela contidos são válidos para todo o sistema. Sendo assim, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) legisla de acordo com a soberania constitucional, em especial, no seu artigo 2º (BRASIL, 2003) ao trazer em seus incisos os dezoito princípios aplicados ao Direito Desportivo.

Assim, ainda que a Justiça Desportiva não tenha vínculo com o Poder Judiciário, ela respeita a hierarquia constitucional, sendo um conjunto de normas e regras disciplinadoras do desporto. Nesta esteira, sendo os princípios espécies de normas, é de suma importância para o Direito Desportivo a aplicação deles, como ressaltou KRIEGER (1999, p. 34) ao afirmar que os princípios quando postos em prática pela justiça desportiva ratificam o valor dado pela Constituição Federal ao esporte como função social.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) elenca ao todo dezoito princípios, porém são os princípios da razoabilidade e proporcionalidade que compõe o trabalho ao serem analisados juntamente com o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) ao estudar o caso julgado pelo Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Franciely Prado. Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade aplicados na Justiça Desportiva.: Uma análise da exclusão do Grêmio na Copa do Brasil de 2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7434, 8 nov. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91664. Acesso em: 22 dez. 2024.

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