1 INTRODUÇÃO
Na última sexta-feira, a nação brasileira foi surpreendida por mais um retrato da insegurança pública do país: o mais longo "seqüestro" a ônibus já acontecido no país, fato que, de acordo com os jornais e demais meios de comunicação em massa, superara inclusive o famoso caso da linha 174 no Rio de Janeiro. Neste, Sandro do Nascimento, sobrevivente da chacina da Candelária, seqüestrou o ônibus que perfazia o percurso Central-Gávea na cidade fluminense.
No caso recente, faz a mídia parecer que estamos diante de um mesmo caso, onde só se mudam os personagens e o local do crime — o ônibus 499 (Cabuçu-Central). Dessa vez, André Ribeiro da Silva, vendedor ambulante, é o personagem principal de mais uma história de suspense que, apesar da incidência midiática, está longe de ser entretenimento televisivo.
Poderia este despretensioso artigo se debruçar sobre enfoques psico-sociológicos válidos sobre os fatores que engendraram no "seqüestrador" a vontade de cometer o ato acompanhado por toda a nação. O questionamento que se fará, todavia, desembocará na dogmática jurídica: o que ocorreu na linha 499 fora realmente um seqüestro?
2 TIPO PENAL E CASO CONCRETO
Traz o diploma substantivo penal pátrio:
Seqüestro e cárcere privado
Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de um a três anos.
Os passageiros do ônibus mostraram-se uníssonos: não foram obrigados a permanecer dentro do veículo. O que houve foi que a tensão do momento da abordagem e o nervosismo do autor da ação abordadora imbuíram nos demais passageiros um medo biologicamente explicável, mas que foge à caracterização do tipo penal.
Consoante a lição de Guilherme de Souza Nucci (2006, p. 621-622):
Privar significa tolher, impedir, tirar o gozo, desapossar. Portanto, o núcleo do tipo refere-se à conduta de alguém que restringe a liberdade de outrem, entendida esta como o direito de ir e vir [...]. O importante é detectar a intenção do agente para a tipificação do delito correto: se o autor age com a intenção de reter a vítima por pouco tempo para que não pratique determinado ato, é constrangimento ilegal; se atua com vontade de reter a vítima para cercear-lhe a liberdade de locomoção, é seqüestro. (grifo nosso).
De fato, não se trata de um seqüestro, mas de um mero constrangimento ilegal. Ao entrar no ônibus, o autor ordenou às vítimas que se abaixassem, ato que, em abstrato, tinha um único escopo: evitar possíveis reações ou tentativas heróicas de salvamento por pessoas não competentes a tal ato. Tão logo passada a fase da surpresa, os passageiros só se conservaram no local da ação por medo de possíveis atos de inibição por parte do autor, dado o seu descontrole emocional.
Não houve, todavia, nenhuma ordem que tolhesse ou impedisse os passageiros de exercer sua liberdade de ir e vir. Trata-se, pois, de constrangimento ilegal, in verbis: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda". Com uma arma de fogo em punho, houve o constrangimento no sentido de forçar os passageiros a se abaixarem.
Abdicamos da análise das demais infrações cometidas pelo autor, como o porte de arma e possíveis lesões corporais.
Desta feita, concluímos que o "mais longo seqüestro da história do Brasil" não passou, juridicamente, de um mal entendido próprio das interferências midiáticas em querelas pertinentes à seara jurídica.
REFERÊNCIAS
Nucci, Guilherme de Souza Nucci. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
UOL. Universo On Line. Disponível em www.uol.com.br.
PORTAL TERRA. Disponível em www.terra.com.br.