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Contagem dos prazos prescricionais da lei penal para punições disciplinares de servidores públicos:

reflexão crítica sobre os conceitos de tipicidade e discricionariedade das faltas administrativas para os fins do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90

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Agenda 20/11/2006 às 00:00

Estatutos Estaduais e Municipais que capitulam crimes comuns como infrações disciplinares

Por essa causa que os estatutos disciplinares dos servidores do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo, por exemplo, capitulam em seu bojo, como faltas sujeitas à pena de demissão, a prática de crimes comuns, como a tortura, o estupro, o atentado violento ao pudor, o cometimento de crime hediondo, tráfico de entorpecentes, terrorismo, causar epidemia com resultado morte, dentre outros, conforme anota Edmir Netto de Araújo, ex vi do princípio da legalidade, haja vista que os crimes comuns passam à condição de ilícitos administrativos e causas de demissão, aí sim legitimando a contagem dos prazos prescricionais pela lei penal para a punição dos crimes tipificados, de forma autônoma, no estatuto do funcionalismo, como infrações disciplinares. [34]

O Estatuto dos Servidores do Município de São Paulo (Lei Municipal Paulista 8.989, de 29-10-1979) capitula que "será aplicada a pena de demissão a bem do serviço público ao funcionário que- praticar crime contra a boa ordem e a administração pública, a fé pública e a Fazenda Municipal, ou crime previsto nas leis relativas a Segurança e à Defesa Nacional" (art. 189, II). A disposição é idêntica à capitulada no Estatuto dos Servidores do Estado de São Paulo (Lei Estadual Paulista 10.261, de 28-10-1968). A Lei Complementar Estadual Paulista nº 207, de 5 de janeiro de 1979 (Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo), preceitua, outrossim, que "será aplicada a pena de demissão a bem do serviço público, nos casos de praticar ato definido como crime contra a Administração Pública, a Fé Pública e a Fazenda Pública ou previsto na Lei de Segurança Nacional (art. 75, II).

Vê-se, pois, que os estatutos procuram capitular como infrações disciplinares, passíveis de demissão, a prática de crimes comuns contra a Fé Pública, a Fazenda Pública ou a Segurança Nacional, além daqueles contra a Administração Pública (312 a 326, Código Penal, e legislação extravagante). Se se interpretar que seria possível a demissão por todo e qualquer crime comum, então, chega-se à conclusão de que os estatutos dos servidores públicos em geral, inclusive a Lei 8.112/90 (art. 132, I) conteriam uma série de dispositivos inúteis, o que, evidentemente, não procede, sobretudo à vista da magnanimidade do princípio da legalidade no direito administrativo, com o efeito prenunciado pelos diplomas legais de autorizar a Administração a aplicar penalidades disciplinares em caso de cometimento de infrações criminais comuns.

Edmir Netto de Araújo é explícito a respeito:

"O Estado e o Município de São Paulo tratam de forma imprecisa o assunto, catalogando (art. 257, II, do Estatuto estadual; 189, II, do Municipal) os crimes ‘contra a boa ordem e a administração pública, a fé pública e a Fazenda Estadual (ou Municipal), ou previstos nas leis relativas a segurança e à defesa nacional, ampliando ainda mais o campo de incidência. No Estado de São Paulo, ainda, a Lei Complementar n. 207, de 5 de janeiro de 1979 (Lei Orgânica da polícia), em seu art. 75, II, alarga ainda mais o campo de abrangência, pois pune com demissão a prática de ato definido como crime nas normas penais citadas, eliminando a necessidade de decisão jurisdicional que considere crime o ato praticado para a responsabilização, equiparando a situação a dos comportamentos criminosos descritos autonomamente nos Estatutos. Com essas considerações, seriam enquadrados qualquer crime de falso (arts. 289 a 311 do CP), qualquer tipo de crime fiscal ou crime contra as finanças públicas, e os que atentam contra a segurança e a defesa nacional. (...) Na prática, então, quanto aos crimes comuns, é indispensável que a Comissão Processante e a autoridade julgadora procedam ao estudo criterioso de cada caso concreto para o devido enquadramento, inclusive aguardando-se, se for o caso, a decisão judicial: se não for descrita autonomamente a conduta na lei administrativa, remete-se a questão para o Juízo criminal, único competente para declarar a ocorrência de delito e seu autor, sendo aqui integral a comunicabilidade da sentença penal." [35]

Daí que Edmir Netto de Araújo, conquanto admita não ser obrigatório sobrestar o julgamento do processo administrativo disciplinar para que a Administração Pública demita servidor pela prática de crime contra a Administração Pública (porque expressamente catalogado como infração sujeita a demissão no art. 132, I, da L. 8.112/90), entende, porém, que descabe a punição por crime comum se a conduta não é tipificada, de forma autônoma, no estatuto do funcionalismo, como causa de pena demissória.

O crime contra a Administração Pública, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, para fins administrativos, é infração disciplinar, se tipificado na lei administrativa como causa de demissão, juízo compartilhado por Marcelo Caetano: "O crime contra a Administração Pública é considerado especificamente na lei administrativa como infração disciplinar" [36].

José Armando da Costa ajunta:

"A prática de delito contra a Administração Pública pelo funcionário constitui ilícito disciplinar ensejador da pena disciplinar capital (demissão). O justo título gerador da reprimenda demissória é, nesses casos, a prática de crime contra a administração." [37]

Destarte, se o crime contra a Administração Pública é punido porque constitui infração disciplinar, assim tipificado na Lei 8.112/90, segue que os crimes comuns não previstos como falta funcional do estatuto dos servidores públicos não podem motivar apenação administrativa, sob pena de agressão à legalidade dos atos administrativos, sobretudo os sancionadores, a não ser que se admita que o Estado pode exercer seu poder de punir de forma livre e irrestrita, independentemente de previsão legal, o que não se conforma ao disposto no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988.

Nesse particular, calha a advertência do professor Romeu Felipe Bacellar Filho:

"A Administração não pode agir quando a lei não autorize expressamente, não podendo incidir sobre a esfera jurídica do indivíduo sem a previsão legal." [38]

Por corolário, se o ilícito é previsto exclusivamente no campo penal, não tipificado expressamente, de forma autônoma, como falta disciplinar, no estatuto administrativo dos servidores públicos, cuida-se de ilícito puramente criminal, cuja correspondente apuração e punição somente podem ser ultimados pela autoridade judiciária competente, não pela autoridade administrativa, a qual somente pode aplicar penalidades previstas em lei, maiormente em caso de condutas passíveis de demissão, cujos motivos fáticos são elementos vinculados.

Se a Administração Pública considerasse que o servidor deveria ser demitido, única e exclusivamente, por cometer crime de falsidade ideológica, estupro, atentado violento ao pudor, prática de crime hediondo, injúria, difamação, violação de sepultura, ocultação de cadáver, etc., deveria ter incluído previsão expressa de demissão nesse caso, ocasião em que, aí sim, seria caso de computar o prazo prescricional da lei penal para contagem da prescrição na esfera administrativa, como se dá nos casos de crimes contra a Administração Pública, previstos como causa de imposição de penalidade demissória aos servidores públicos federais (art. 132, I, Lei 8.112/90), de abandono de cargo (art. 138, L. 8.112/90 e art. 323, Código Penal). Consigne-se que não quer dizer que esses fatos não possam ser reenquadrados como infrações disciplinares (como conduta escandalosa na repartição, ofensa física em serviço, etc.), mas os marcos cronológicos, no caso, serão os da lei penal.

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Não se confunda, outrossim, o efeito acessório de sentença penal condenatória, quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos, nos demais casos (art. 92, I, "a" e "b", Código Penal, com a redação determinada pela Lei nº 9.268/1996), hipótese em que a perda do cargo decorre da pena criminal, e não de uma sanção administrativa, nem de processo disciplinar.

Mas reitere-se: se não existe previsão no estatuto disciplinar do crime como infração disciplinar tipificada em caráter autônomo, não se pode aplicar demissão nem considerar o prazo da lei penal para computar a prescrição do direito de punir as infrações disciplinares. Calha a lição de Eduardo Pinto Pessoa Sobrinho: "A prescrição da pena decorre da natureza da falta, conforme previsto em lei, e não de eventual vinculação com outras irregularidades." [39]


Auxílio-reclusão e prática de crime comum cuja sentença penal condenatória respectiva não determina a perda do cargo público

Tanto é verdade que a prática de crime comum (não tipificado de forma autônoma na Lei 8.112/90 como causa de demissão) impede a imposição de pena disciplinar (pelo menos a punição pela prática do crime e pelos prazos da lei penal, admitindo-se, porém, o reenquadramento para ilícito disciplinar puro) que o próprio estatuto dos servidores públicos federais capitula que, durante o cumprimento de pena criminal por crime comum, a família do servidor preso receberá auxílio-reclusão (art. 229, L. 8.112/90). [40]

Ivan Barbosa Rigolin confirma que, de fato, a Administração Pública não pode demitir servidor público por crime comum ou hediondo não tipificado como falta disciplinar passível de punições administrativas, modo por que o administrativista propõe que a Administração Pública demita o servidor que cumpre pena por delitos penais dessa natureza por inassiduidade habitual (solução que não se endossa, mas que prova a impossibilidade de demissão em caso de crime comum não tipificado, de forma autônoma, como infração disciplinar): "À falta de melhor enquadramento na L. 8.112, deve-se indiciar em processo administrativo por inassiduidade habitual o servidor público condenado por crime comum ou hediondo, cumprindo pena, para o fim de, ao término do mesmo processo, demiti-lo do serviço público." [41]

Destaque-se, no entanto, data venia, que não se pode punir por inassiduidade habitual ou abandono de cargo o servidor que é condenado pela prática de crime comum cuja pena não seja acompanhada de sanção acessória da perda do cargo, mesmo porque o estatuto prevê o benefício previdenciário do auxílio-reclusão, o qual é incompatível com a punição disciplinar pelo mesmo fato amparado na disciplina da Lei 8.112/90, além de o servidor estar submetido a circunstância de força maior (privação de liberdade em função de sentença penal condenatória em execução), que exclui a voluntariedade no cometimento de infrações disciplinares de abandono de cargo ("animus abandonandi" inexistente) ou inassiduidade habitual.

O correto será o pagamento de auxílio-reclusão, se a condenação criminal não implicou a perda do cargo público.


Pressupostos complementares para contagem dos prazos prescricionais da lei penal para punição administrativa na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

O Superior Tribunal de Justiça estatuiu:

"Não havendo crime, seja porque não denunciado um dos recorrentes, sendo o outro impronunciado por falta de provas, ausente o parâmetro da lei penal a regular o prazo extintivo da ação estatal, sendo, pois, a sanção de caráter administrativo. Regula, então, a prescrição, neste caso, a legislação relativa ao processo administrativo disciplinar." [42]

Mas o STJ firmou que não incidem os parâmetros de contagem do prazo prescricional capitulados na lei penal, mas antes as regras administrativas do estatuto disciplinar do funcionalismo, no concernente à prescrição do direito de punir faltas exclusivamente funcionais, se apenas existem indícios de crime, nem sequer apurado, à míngua da formulação de denúncia ao juízo penal competente:

"A mera presença de indícios de prática de crime sem a devida apuração nem formulação de denúncia, obsta a aplicação do regramento da legislação penal para fins de prescrição, devendo esta ser regulada pela norma administrativa" [43], mesmo em caso de apuração dos fatos em processo criminal efetivamente instaurado, no qual, todavia, os acusados foram absolvidos, ante a ausência de provas suficientes para a eventual condenação." [44]


Acusação da prática de crime como artifício para permitir a punição do servidor público após já estar prescrita a pretensão punitiva da Administração Pública segundo os prazos ordinários do estatuto dos servidores: precedentes do Supremo Tribunal Federal

Conduta imoral da Administração Pública é a de manejar uma acusação de prática de crime contra o servidor acusado, nunca anteriormente formalizada ao longo de anos de tramitação do processo administrativo disciplinar, como meio de driblar a já consumada prescrição do direito de punir estatal.

Sucede, ainda, lamentavelmente, de órgãos administrativos jurídicos, de forma imoral, ao perceberem que já se verificou o decurso do prazo prescricional da pretensão punitiva da falta disciplinar cometida, conforme os limites temporais impostos no estatuto dos servidores, resolverem articular uma imputação da suposto cometimento de ilícito penal pelo funcionário increpado como meio de invocar, artificiosamente, os marcos cronológicos mais extensos da legislação criminal para punição de faltas na verdade estritamente disciplinares.

Pior, os órgãos de consultoria ainda incorrem em intolerável cerceamento de defesa por meio do oferecimento da acusação de prática de ilícito penal sem propiciar, previamente ao julgamento, oportunidade para o acusado ou seu defensor refutarem a nova imputação, jamais deduzida ao longo de 8 ou 10 anos de tramitação do processo disciplinar.

A esse respeito, o Supremo Tribunal Federal proferiu ilustrativo julgado [45]. Cuidava-se de situação concreta em que servidor público federal, investigado pela suposta prática de crimes contra a Administração Pública de prevaricação e corrupção passiva, teve arquivado o inquérito policial em que era indiciado, uma vez que o Procurador da República, considerando inexistente o cometimento dos ilícitos penais por parte do agente público, deixou de ofertar denúncia, medida ratificada pelo senhor Procurador-Geral da República, após a discordância da juíza federal competente quanto à não-propositura da ação penal pública.

Depois de decorridos mais de oito anos de tramitação do processo administrativo disciplinar, vendo que já expirara o prazo prescricional de quatro anos para cassar a aposentadoria do acusado, a Administração Pública da União, porém, por meio de parecer da Consultoria-Geral da República, no afã de viabilizar a punição do acusado após expirado o tempo máximo para apenação administrativa, apreciando os mesmos fatos apurados no inquérito policial, valeu-se da estratégia de afirmar que o servidor teria, sim, ao contrário do que apontado pelo membro em 1º grau e pelo Chefe do Ministério Público Federal, incorrido em crimes de prevaricação e corrupção passiva, o que ensejaria a contagem dos prazos prescricionais do Código Penal (16 anos para corrupção passiva) para punir o servidor no âmbito administrativo, motivo por que o Presidente da República cassou a aposentadoria do acusado.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que o prazo prescricional para punição de infrações disciplinares, na espécie, deveria ser o estipulado ordinariamente no Estatuto dos Servidores Públicos federais, de quatro anos, e não os do Código Penal, em caso de arquivamento do inquérito policial, se idênticos os fatos apurados no inquérito policial e no processo administrativo disciplinar.

Merece transcrição trecho do erudito voto do nobre Ministro Oscar Corrêa, relator da matéria na Corte Suprema:

"Nossa argumentação pode ser singelamente resumida: I – o processo disciplinar – que concluiu com a cassação de aposentadoria – excedeu o prazo prescricional do art. 213 da Lei n° 1.711/52, II, b, que é de quatro anos. E que é também o do art. 390, II, do Decreto n° 59.310/66. II – Não se aplica à hipótese o parágrafo único do mesmo art. 213, que estipula que ‘a falta também prevista na lei penal como crime precreve juntamente com este’, porque: a) não acolhida a materialidade dos delitos, requerido o arquivamento dos inquéritos – quer por prevaricação, quer pela corrupção passiva; b) arquivados os inquéritos, a reabertura só se poderia dar com o surgimento de novas provas (Súmula n° 524); e o que houve foi apenas a enunciação de novo parecer, e não o aparecimento de novas provas e se o arquivamento não faz coisa julgada material, a emissão de novo parecer não se equipara, nem assemelha, ao surgimento de novas provas, que autorizassem a reabertura. (...) A segunda – de fundo – é que o parecer limita-se a argumentar em torno dos mesmos fatos que, julgados insuficientes para tipificar os delitos, quer de prevaricação, quer de corrupção passiva, determinaram os pedidos de arquivamento. Não é caso de rediscutir, por despiciendo, a natureza desse pedido, nem foi ela posta em dúvida. O que se afirma – e não o ignorou o parecerista ilustre – é que novas provas não se aduziram, limitando-se a carrear para o seu pronunciamento os elementos do processo disciplinar, para reanalisá-lo e o diz (fl. 47)".

Ora, viola gravemente o seu dever de boa-fé e segurança jurídica (no sentido de confiabilidade e previsão do comportamento da Administração Pública perante o administrado no processo administrativo) o manejo pelo Estado do expediente de articular, de forma extemporânea, como mero subterfúgio para driblar a prescrição já consumada segundo os prazos ordinários do estatuto dos servidores públicos, acusação de prática de crime como meio de fazer incidir, artificiosamente, a contagem dos prazos prescricionais da lei penal (de regra mais longos) para viabilizar uma punição disciplinar que não mais tinha cabimento cronologicamente.

O Ministro Oscar Corrêa, nesse particular, critica a tentativa da Administração Pública de contornar a prescrição pelo expediente de reapreciar os mesmos fatos sobre os quais já se tinha requerido o arquivamento do inquérito policial por meio de parecer da Consultoria-Geral da República, que foi invocado como motivo para cassar a aposentadoria do servidor, pior ainda porque o acusado nem sequer foi intimado a se pronunciar sobre a nova acusação (destaques não originais):

"Mais, o mais importante, é que cassada a aposentadoria por corrupção passiva – uma única vez se refere o fundamento penal da cassação; e sem se dar ao trabalho sequer de nominá-la, ou indicar o texto legal que a prevê, nem os fundamentos para a adoção do tipo. E sem indagar sequer se se consumou o recebimento da propina, entregue ao escrivão descriminado. E sem que se tenha tomado qualquer medida de persecução penal. Em síntese: sem demonstrar qualquer das ações do tipo objetivo: solicitar, receber ou aceitar – que o parecer não explicita, em absoluto. E sem que sobre ela, ao que se saiba, se tenha pronunciado o impetrante, defendendo-se. Em afã incriminatório que transparece evidente em todas as palavras, em contraste com a benignidade para com os outros indiciados: o ‘in dúbio pro reo’ vale para estes, não para aquele. Assim, sem demonstrar a ocorrência da corrupção passiva – a que apenas alude, uma vez – propõe a cassação da aposentadoria do impetrante. E não se instaura ação penal, não se convoca o acusado, não se busca tipificar o crime; apenas se atinge uma finalidade: a cassação de aposentadoria, conseqüência única do parecer com base exclusiva na elaboração a que procedeu (...) Dessa maneira, arquivados os inquéritos policiais, onde se fazia acusação de prevaricação (CP, art. 319), pelas conclusões da Procuradoria-Geral da República acima transcritas, força é ter presente a ampla conexão entre os fatos, objeto do inquérito arquivado e os do Inquérito n° 77/82, acentuando-se (fls. 14): ‘Com efeito, se no Inquérito n° 77/82 ficar evidenciado que houve prevaricação, haverá indício de que tenha havido corrupção da autoridade que tenha prevaricado. Se ficar, porém, comprovado que não houve prevaricação, pulveriza-se também a acusação de corrupção (...) Por conseguinte, esboroa-se o último argumento em que se fundam em informações, pois, se, na esfera criminal, sequer o crime de prevaricação restou comprovado, razão muito menos haverá para dizer-se tenha o impetrante incorrido na prática do crime de corrupção passiva (...) Não há, dessa sorte, na espécie, invocar o parágrafo único do art. 213, da Lei n° 1.711/52, pois, em realidade, não se imputou ao impetrante a autoria nem de crime de prevaricação, nem de corrupção passiva. Somente o Ministério Público federal poderia acusar o impetrante, enquanto Delegado da Polícia Federal, da prática de crime contra a Administração Pública federal."

O nobre Ministro Oscar Corrêa arremata seu voto (destaque não original):

"Se, dessa maneira, ao ensejo do ato administrativo impugnado, de cassação de aposentadoria da impetrante, subsistia a decisão de arquivamento dos inquéritos policiais, onde assentado que não existia prova da materialidade dos crimes de prevaricação e de corrupção passiva, força é entender que a prescrição da falta disciplinar cogitada, a título de resíduo, não poderá, efetivamente, ser visualizada, à luz do art. 213, parágrafo único, da Lei n° 1.711/52, mas tão-só, na conformidade do preceito explícito do art. 213, II, letra b, do mesmo diploma, consoante o qual prescreverá, em quatro anos, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade."

O eminente ministro Moreira Alves complementa:

"Entendo que, tendo havido arquivamento das ações penais, a cassação da aposentadoria, enquanto não forem elas desarquivadas em virtude de novas provas, só poderia dar-se por outro motivo que não o da prática dos crimes objeto delas, inclusive, portanto, o de corrupção passiva. Conseqüentemente, o prazo de prescrição é o de quatro anos."

O Supremo Tribunal Federal, em outro histórico precedente [46], fincou que, se o servidor público foi acusado de prática de peculato culposo e o juiz criminal competente declarou a extinção da punibilidade pela prescrição, não é dado à Administração Pública demitir o funcionário, atribuindo-lhe a prática de infração penal, pelos mesmos fatos, reclassificados pela autoridade administrativa como peculato doloso, modo por que se anulou a penalidade demissória imposta (destaque não original):

"Se o juiz criminal proclamou a inocência do funcionário, por ausência do elemento causal, ou por entender haver ele cometido determinado delito e não outro, não será lícito ao Poder Administrativo, com base no mesmo fato, modificar a classificação do delito e insistir na infração disciplinar pela qual puniu o funcionário ou pretende fazê-lo. É que, no conceito do fato, punível, constitui elemento essencial sua tipicidade, isto é, a conformidade do fato com a descrição precisa da definição legal."

O Tribunal Federal de Recursos julgou:

"Arquivado o inquérito policial, por ausência de justa causa para a ação penal, visto que os fatos narrados nem mesmo em tese constituiriam crime (CPP, ART.43, I), não ha como demitir-se o funcionário se contra ele não ficaram comprovadas a materialidade nem a autoria dos fatos. A pena de demissão somente se aplica em processo administrativo disciplinar dos estáveis, se comprovadas aquelas circunstâncias. A inexistência de resíduo administrativo autorizativo de tal punição, leva ao desfazimento do ato inquinado. " [47]

O Superior Tribunal de Justiça sublinhou que, "havendo regular apuração criminal, deve ser aplicada a legislação penal para o cômputo da prescrição no processo administrativo" [48]; "na presente hipótese, constituindo a falta praticada pelo servidor o delito de peculato tipificado no art. 312 do Código Penal, bem como tendo sido o servidor denunciado e estando a ação penal em regular trâmite, aplica-se na instância administrativa o prazo prescricional previsto na instância penal - dezesseis anos, nos moldes do art. 109, II do Código Penal." [49]

O STJ ainda sedimentou:

"Ao se adotar na instância administrativa o modelo do prazo prescricional vigente na instância penal, deve-se aplicar os prazos prescricionais ao processo administrativo disciplinar nos mesmos moldes que aplicados no processo criminal, vale dizer, prescreve o poder disciplinar contra o servidor com base na pena cominada em abstrato, nos prazos do artigo 109 do Código Penal, enquanto não houver sentença penal condenatória com trânsito em julgado para acusação, e, após o referido trânsito ou improvimento do recurso da acusação, com base na pena aplicada em concreto (artigo 110, parágrafo 1º, combinado com o artigo 109 do Código Penal)." [50]

Deve-se averiguar se o servidor foi denunciado para fins de se justificar a contagem do prazo prescricional pelo Código Penal (art. 142, § 2º, L. 8.112/90).

Eis, pois, algumas reflexões que pareciam relevantes sobre a matéria.

Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Contagem dos prazos prescricionais da lei penal para punições disciplinares de servidores públicos:: reflexão crítica sobre os conceitos de tipicidade e discricionariedade das faltas administrativas para os fins do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1237, 20 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9181. Acesso em: 23 dez. 2024.

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