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Contagem dos prazos prescricionais da lei penal para punições disciplinares de servidores públicos:

reflexão crítica sobre os conceitos de tipicidade e discricionariedade das faltas administrativas para os fins do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90

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Agenda 20/11/2006 às 00:00

9. Conclusões

a) no texto da vigente Lei 8.112/90, somente são faltas administrativas que também constituem crimes, para os efeitos do art. 142, § 2º, do aludido diploma legal, aquelas previstas no art. 132, I, do Estatuto dos Servidores Públicos Federais, os crimes contra a Administração Pública;

b) a responsabilidade administrativa decorre da prática de ilícito tipificado no estatuto disciplinar dos servidores públicos, de maneira que somente haverá ensejo para punição funcional se o crime comum ou o ilícito exclusivamente disciplinar é previsto, na lei administrativa, como infração passível de penalidade;

c) a demissão de servidor público, no regime da Lei 8.112/90, somente pode ser aplicada nos casos expressamente catalogados no seu art. 132, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade, visto que o estatuto do funcionalismo federal elencou, de forma taxativa, as hipóteses em que admitida a punição expulsória;

d) os crimes somente podem ser motivo de demissão de servidor público quando o delito penal for previsto, no estatuto disciplinar do funcionalismo, de forma autônoma, como falta disciplinar, como é o caso dos crimes contra a Administração Pública (art. 132, I, L. 8.112/90), quando os prazos prescricionais para apenação administrativa serão os da lei penal (art. 142, § 2º, L. 8.112/90);

e) crimes comuns, não previstos expressamente como faltas disciplinares no estatuto do funcionalismo, não podem render ensejo a pena administrativa de demissão, nem permitirão que os prazos prescricionais da lei penal incidam para a contagem dos limites temporais para o exercício do direito de punir da Administração Pública, o qual somente poderá ser exercitado se o fato criminoso for reenquadrado em um dos tipos de infrações disciplinares puras, quando, todavia, o prazo de exaurimento da pretensão punitiva será de cinco anos para demissão (art. 142, I, L. 8.112/90), e não os do Código Penal ou legislação criminal extravagante;

f) a doutrina do direito administrativo disciplinar tem encimado que as penas mais graves (demissão, cassação de aposentadoria) somente podem ser aplicadas se as condutas a elas sujeitas forem tipificadas no regime legal disciplinar dos servidores públicos, tendência consagrada no direito brasileiro desde os Estatutos de 1939 (Decreto-lei 1.713/39) e de 1952 (Lei 1.711/52), mantida na atual Lei 8.112/90;

g) a discricionariedade, no âmbito do direito administrativo disciplinar, tem sofrido expressiva restrição no que concerne à capitulação de tipos abertos de faltas funcionais, haja vista que a tendência, no ordenamento jurídico pátrio, é de definir, como causas de penas mais graves (demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade), fatos com tipos fechados ou de conteúdo normativo preciso ou definido com exatidão doutrinariamente, tanto que a punição demissória por infrações como "procedimento grave ou irregular", outrora existente no Estatuto dos Funcionários Públicos federais de 1939, não foi reproduzido na Lei 1.711/52, nem tampouco na Lei 8.112/90;

h) a idéia de dispensa da exigibilidade da previsão legal das infrações disciplinares, mas somente das penas aplicáveis, originária do direito francês, encontra-se superada no direito positivo pátrio e em considerável parte da doutrina do direito administrativo brasileiro e estrangeiro, haja vista a exigência de previsão legal das condutas sujeitas às sanções mais graves.

i) não se pode abonar o expediente imoral e malicioso da Administração Pública de recorrer à imputação da prática de crime contra servidor acusado em processo administrativo disciplinar como subterfúgio para viabilizar a punição administrativa tardiamente, cujo prazo prescricional efetivamente aplicável, o ordinário do estatuto do funcionalismo, já se encontra expirado, máxime após o decurso de mais de oito, nove anos de tramitação do feito punitivo sem decisão, sob pena de agressão aos princípios constitucionais da impessoalidade, segurança jurídica e da legalidade, além do menosprezo decorrente ao dever processual de boa-fé do Estado perante os administrados.

j) a tendência jurisprudencial é de somente permitir a contagem dos prazos prescricionais, para punição disciplinar, pelos parâmetros da lei penal quando houver a tramitação de processo-crime ou o servidor for indiciado em inquérito policial, computando-se os marcos temporais ordinários do estatuto do funcionalismo em caso contrário, não os da legislação criminal.

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NOTAS

01In Revista de Direito Administrativo, vol. 45, pp. 412-456.

02 Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, Mandado de Segurança n° 20.069/DF, julgamento de 24-11-1976, DJ de 2-9-1977, relator o ministro Moreira Alves.

03 Do poder disciplinar na administração pública, p. 103/104.

04 Ensaio jurídico sobre o processo ou inquérito administrativo, p. 77-78.

05 Manual de direito administrativo, p. 539.

06 Processo disciplinar, p. 289-290.

07 Curso de Direito Administrativo, p. 665, 674.

08 Ensaio jurídico sobre o processo ou inquérito administrativo, p. 93-94.

09 Princípios constitucionais dos servidores públicos, p. 452.

10 El derecho administrativo sancionador, p. 271-272, 280, 283.

11 Manual elementar de direito administrativo, p. 485.

12 O funcionário público, p. 93/94.

13 Súmulas de legislação aplicável à função pública, p. 186-189.

14 Servidores públicos, p. 136.

15 Función publica, p. 639.

16 Tratado de derecho administrativo, p. 971.

17 Curso de direito administrativo, p. 894.

18 Do poder disciplinar na administração pública, p. 104.

19 Poder disciplinar na Administração Pública, p. 129.

20 Tratado de direito administrativo, p. 441.

21 Temas práticos de direito administrativo disciplinar, p. 65.

22 José Armando da Costa também observa que as faltas passíveis de demissão devem ser tipificadas no estatuto disciplinar dos servidores públicos: "A base hipotética expressa vem descrita, pelo legislador, no Estatuto, tendo o seu contorno explicitamente delineado na norma. É utilizada, em regra, nas transgressões puníveis com sanções mais graves." José Armando da Costa, ponderando que as faltas mais graves são típicas, nota que "a regra da relativa tipicidade – predominante na área do Direito Disciplinar – é tão-somente aplicável nos casos de punições mais leves (...) O atual regime disciplinar (Lei n.º 8.112/90) do servidor federal, deixando ao administrador público apenas uma diminuta potestade discricionária, se afilia à terceira posição (quase que absoluta tipicidade), uma vez que somente nos casos de penas de advertência poderá haver tal flexibilidade (art. 129)." (Direito administrativo disciplinar, Brasília Jurídica, 2004, p. 207, 209).

23 Princípios gerais de direito administrativo, p. 493

24 Curso de direito administrativo, p. 247

25 Direito administrativo moderno, p. 354.

26 APC 1999.01.00.113141-7-DF, relatora a Desembargadora Federal Mônica Neves Aguiar Silva Castro, DJ de 19-5-2000, unânime, citado por Sebastião José Lessa in Temas práticas de direito administrativo disciplinar, Brasília Jurídica, 2005, p. 79.

27 Prática de processo administrativo, p. 124.

28 Direito administrativo, p. 527.

29 MS 8560/DF, relatora para o acórdão a Ministra LAURITA VAZ, 3ª Seção, julgamento de 12/05/2004, DJ de 1.07.2004, p. 170.

30 MS 6.877-DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 25/4/2001.

31 Direito Administrativo Brasileiro, p. 474.

32 Processo disciplinar, p. 273, 286.

33 Curso de direito administrativo, p. 909.

34 Curso de direito administrativo, p. 914-916.

35 Curso de direito administrativo, p. 843.

36 Princípios fundamentais do direito administrativo, p. 391.

37 Direito administrativo disciplinar, p. 510.

38 Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar, p. 162.

39 Manual dos servidores do Estado, p. 1103.

40Art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores:

I - dois terços da remuneração, quando afastado por motivo de prisão, em flagrante ou preventiva, determinada pela autoridade competente, enquanto perdurar a prisão;

II - metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda de cargo.

§ 1o Nos casos previstos no inciso I deste artigo, o servidor terá direito à integralização da remuneração, desde que absolvido.

§ 2o O pagamento do auxílio-reclusão cessará a partir do dia imediato àquele em que o servidor for posto em liberdade, ainda que condicional.

41 Comentários ao Regime Jurídico dos Servidores Públicos Federais, p. 245.

42 ROMS 10699/RS, DJ de 4/02/2002, p. 544, relator o Ministro FERNANDO GONÇALVES, decisão de 3/12/2001, 6ª Turma.

43 ROMS 14420/RS, DJ de 30/09/2002, p. 291, relator o Ministro VICENTE LEAL, decisão de 15/08/2002, 6ª Turma.

44 ROMS 13542/SP, DJ de 22/09/2003, p. 343, relator o Ministro GILSON DIPP, decisão de 12/08/2003, 5ª Turma.

45 Mandado de Segurança n° 20.645, Tribunal Pleno, relator o Ministro Oscar Corrêa, julgamento de 30-4-1987, publicado na Revista de Direito Administrativo, vol. 168, abril-junho/1987, p. 92-122.

46 Mandado de Segurança n° 19.986/DF, Tribunal Pleno, relator o ministro Xavier de Albuquerque, julgamento de 2-6-1976.

47 RIP 03125157, Relator o Ministro GUEIROS LEITE, decisão de 9-12-1980, AC n° 55580/RJ, 2ª Turma, Apelação Cível, DJ de 26-02-81, EJ vol. 1-03, p. 107.

48 RMS 18688/RJ, relator o Ministro GILSON DIPP, 5ª Turma, julgamento de 7/12/2004, DJ de 09.02.2005, p. 206.

49 RMS 18093/PR, 2004/0043040-8, relator o Ministro GILSON DIPP, 5ª Turma, julgamento de 04/11/2004, DJ de 13.12.2004, p. 384.

50 RMS 13395/RS, relator o Ministro HAMILTON CARVALHIDO, 6ª Turma, julgamento de 26/05/2004, DJ 02.08.2004, p. 569.

Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Contagem dos prazos prescricionais da lei penal para punições disciplinares de servidores públicos:: reflexão crítica sobre os conceitos de tipicidade e discricionariedade das faltas administrativas para os fins do art. 142, § 2º, da Lei nº 8.112/90. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1237, 20 nov. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9181. Acesso em: 19 mai. 2024.

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